"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Ut Unum Sint
Carta Encíclica
UT UNUM SINT
do Santo
Padre João Paulo II
Sobre o Empenho Ecumênico
INTRODUÇÃO
1. Ut
unum sint! O apelo à unidade dos cristãos, que o Concílio Ecumênico
Vaticano II repropôs com tão ardoroso empenho, ressoa com vigor cada vez maior
no coração dos crentes, especialmente quando já se aproxima o ano Dois Mil
que será para eles Jubileu sagrado, comemoração da Encarnação do Filho de
Deus, que Se fez homem para salvar o homem.
O
testemunho corajoso de tantos mártires do nosso século, incluindo também
membros de outras Igrejas e Comunidades eclesiais que não estão em plena
comunhão com a Igreja Católica, dá nova força ao apelo conciliar,
lembrando-nos a obrigação de acolher e pôr em prática a sua exortação.
Estes nossos irmãos e irmãs, irmanados na generosa oferta das suas vidas pelo
Reino de Deus, são a prova mais significativa de que todo o elemento de divisão
pode ser vencido e superado com o dom total de si próprio à causa do
Evangelho.
Cristo
chama todos os seus discípulos à unidade.
O ardente desejo que me move, é o de renovar hoje este convite e repropô-lo
com determinação, recordando aquilo que fiz ressaltar no Coliseu de Roma, em
Sexta-Feira Santa de 1994, ao concluir a meditação da Via-Sacra, cujo
texto fora proposto pelo venerável Irmão Bartolomeu, Patriarca ecumênico de
Constantinopla. Afirmei então que, unidos na esteira dos mártires, os crentes
em Cristo não podem permanecer divididos.
Se querem verdadeira e eficazmente
fazer frente à tendência do mundo a tornar vão o Mistério da Redenção, os
cristãos devem professar juntos a mesma verdade sobre a Cruz.1 A Cruz! A
corrente anticristã propõe-se dissipar o seu valor, esvaziá-la do seu
significado, negando que o homem possa encontrar nela as raízes da sua nova
vida e alegando que a Cruz não consegue nutrir perspectivas nem esperanças: o
homem — dizem — é um ser meramente terreno, que deve viver como se Deus não
existisse.
2. A
ninguém passa despercebido o desafio que tudo isso coloca aos crentes. E estes
não podem deixar de o enfrentar. Poderão eles, portanto, recusar-se a fazer
todo o possível para, com a ajuda de Deus, abater muros de divisão e
desconfiança, superar obstáculos e preconceitos que impedem o anúncio do
Evangelho da Salvação através da Cruz de Jesus, único Redentor do homem, de
todo o homem?
Agradeço
ao Senhor por nos ter inspirado a prosseguir pelo caminho difícil, mas tão
rico de alegria, como é o caminho da unidade e comunhão entre os cristãos. Os
diálogos interconfessionais a nível teológico deram frutos positivos e palpáveis:
e isso encoraja-nos a continuar para diante.
Mas,
além das divergências doutrinais a resolver, os cristãos não podem ignorar o
peso das atávicas incompreensões que herdaram do passado, dos equívocos
e preconceitos de uns relativamente aos outros. Não raro, depois, a inércia,
a indiferença e um conhecimento recíproco insuficiente agravam
tal situação. Por este motivo, o empenho ecumênico deve fundar-se na conversão
dos corações e na oração, ambas induzindo depois à necessária purificação
da memória histórica.
Os discípulos do Senhor, animados pelo amor, pela
coragem da verdade e pela vontade sincera de se perdoarem mutuamente e
reconciliarem, são chamados, com a graça do Espírito Santo, a reconsiderarem
juntos o seu doloroso passado e aquelas feridas que este, infelizmente,
continua ainda hoje a provocar. São convidados pela força sempre jovem do
Evangelho a reconhecerem juntos, com sincera e total objetividade, os erros
cometidos e os fatores contingentes que estiveram na origem das suas deploráveis
separações. Ocorre um olhar de verdade sereno e límpido, vivificado
pela misericórdia divina, capaz de libertar os ânimos e de suscitar em cada
pessoa uma renovada disponibilidade em ordem ao anúncio mesmo do Evangelho aos
homens de todos os povos e nações.
3. Com
o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica empenhou-se,de modo irreversível,
a percorrer o caminho da busca ecumênica, colocando-se assim à escuta do Espírito
do Senhor, que ensina a ler com atenção os « sinais dos tempos ». As experiências
que viveu nestes anos, e continua a viver, iluminam ainda mais profundamente a
sua identidade e missão na história.
A Igreja Católica reconhece e confessa
as fraquezas dos seus filhos, consciente de que os seus pecados
constituem igualmente traições e obstáculos à realização dos desígnios do
Salvador. Sentindo-se constantemente chamada à renovação evangélica, ela não
cessa de fazer penitência. Mas, ao mesmo tempo e mais vigorosamente, reconhece
e exalta a força do Senhor que, tendo-a cumulado com o dom da santidade,
a atrai e conforma à sua paixão e ressurreição.
Prevenida pelas múltiplas vicissitudes da sua história, a Igreja está empenhada
em libertar-se de todo o apoio puramente humano, para viver profundamente a lei
evangélica das Bem-aventuranças. Ciente de que a verdade não se impõe senão «
pela sua própria força, que penetra nos espíritos de modo ao mesmo tempo suave e
forte »,2
nada procura para si própria senão a liberdade de anunciar o Evangelho. De fato,
a sua autoridade exerce-se no serviço da verdade e da caridade.
Eu
mesmo tenciono promover todo e qualquer passo útil a fim de que o
testemunho da Comunidade Católica inteira possa ser compreendido em toda a sua
pureza e coerência, sobretudo na perspectiva daquele encontro que espera a
Igreja no limiar do novo Milênio, hora excepcional em vista da qual ela pede ao
Senhor que a unidade entre todos os cristãos cresça até chegar à plena
comunhão.3 É também para este nobilíssimo objetivo que aponta a presente
Encíclica que, na sua índole essencialmente pastoral, quer ser um contributo e
apoio para o esforço de todos os que trabalham pela causa da unidade.
4.
Este é um preciso compromisso do Bispo de Roma enquanto sucessor do apóstolo
Pedro. Desempenho-o com a profunda convicção de obedecer ao Senhor e com a
plena consciência da minha fragilidade humana. De fato, quando o próprio
Cristo confiou a Pedro esta missão especial na Igreja e lhe recomendou de
confirmar os irmãos, deu-lhe ao mesmo tempo a conhecer a sua debilidade humana
e uma particular necessidade de conversão: « E tu, uma vez convertido,
fortalece os teus irmãos » (Lc 22, 32). É na própria debilidade
humana de Pedro que se manifesta plenamente como o Papa, para cumprir este
especial ministério na Igreja, depende totalmente da graça e da oração do
Senhor: « Eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça » (Lc
22, 32).
A conversão de Pedro e dos seus sucessores apóia-se na oração mesma
do Redentor, e a Igreja participa constantemente nesta súplica. Na nossa época
ecumênica, caracterizada pelo Concílio Vaticano II, a missão do Bispo de Roma
visa particularmente lembrar a exigência da plena comunhão dos discípulos de
Cristo.
O
Bispo de Roma há-de ser o primeiro a fazer sua, com fervor, a prece de Cristo
pela conversão que é indispensável a « Pedro » para poder servir os irmãos.
Com todo o coração, peço que se associem a esta súplica os fiéis da Igreja
Católica e todos os cristãos. Rezem todos juntamente comigo por esta conversão.
Sabemos
que a Igreja na sua peregrinação terrena sofreu e continuará a sofrer oposições
e perseguições. Mas a esperança que a sustém, é inabalável, como indestrutível
é a alegria que dimana dessa esperança. Na verdade, a rocha firme e perene
sobre a qual a Igreja se funda, é Jesus Cristo seu Senhor.
I - O EMPENHO ECUMÊNICO
DA IGREJA CATÓLICA
O
desígnio de Deus e a comunhão
5.
Juntamente com todos os discípulos de Cristo, a Igreja Católica funda, sobre o
desígnio de Deus, o seu empenho ecumênico de reunir a todos na unidade. De
fato, « a Igreja não é uma realidade voltada sobre si mesma, mas aberta
permanentemente à dinâmica missionária e ecumênica, porque enviada ao mundo
para anunciar e testemunhar, atualizar e expandir o mistério de comunhão que
a constitui: a fim de reunir a todos e tudo em Cristo; ser para todos
sacramento inseparável de unidade ».4
Já no
Antigo Testamento, referindo-se à situação do povo de Deus de então, o
profeta Ezequiel, recorrendo ao símbolo simples de duas varas, primeiro
separadas e depois juntas uma à outra, exprimia a vontade divina de « reunir
de toda a parte » os membros do seu povo dividido: « Serei o seu Deus e eles
serão o meu povo. Então as nações reconhecerão que Eu sou o Senhor que
santifica Israel » (cf. 37, 16-28). Por sua vez, o Evangelho de S. João,
pensando na situação do povo de Deus daquele tempo, vê na morte de Jesus a
razão da unidade dos filhos de Deus: « Devia morrer pela Nação.
E não
somente pela Nação, mas também para trazer à unidade os filhos de Deus que
andavam dispersos » (11, 51-52). De fato, como explicará a Carta aos Efésios,
« destruindo o muro de inimizade que os separava (...), pela Cruz levando em Si
próprio a morte à inimizade », Ele fez a unidade entre o que estava dividido
(cf. 2, 14.16).
6. A
vontade de Deus é a unidade de toda a humanidade dispersa. Por este motivo,
enviou o seu Filho a fim de que, morrendo e ressuscitando por nós, nos desse o
seu Espírito de amor. Na véspera do sacrifício da Cruz, Jesus mesmo pede ao
Pai pelos seus discípulos e por todos os que acreditarem n'Ele, para que sejam
um só, uma comunhão viva. Daqui deriva o dever e a responsabilidade que
incumbe, diante de Deus e do seu desígnio, sobre aqueles e aquelas que, através
do Batismo, se tornam o Corpo de Cristo: Corpo no qual se deve realizar em
plenitude a reconciliação e a comunhão.
Como é possível permanecer divididos,
se, pelo Batismo, fomos « imersos » na morte do Senhor, ou seja, naquele mesmo
ato pelo qual Deus, através do seu Filho, abateu os muros da divisão? A «
divisão contradiz abertamente a vontade de Cristo, e é escândalo para o mundo,
como também prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a toda a
criatura ».5
O
caminho ecumênico: caminho da Igreja
7. «
O Senhor dos séculos, porém, prossegue sábia e pacientemente o plano da sua
graça a favor de nós pecadores. Começou ultimamente a infundir de modo mais
abundante nos cristãos separados entre si a compunção de coração e o desejo
de união. Por toda a parte, muitos homens sentiram o impulso desta graça. Também
surgiu entre os nossos irmãos separados, por moção da graça do Espírito
Santo, um movimento cada vez mais intenso em ordem à restauração da
unidade de todos os cristãos.
Este movimento de unidade é chamado ecumênico.
Participam dele os que invocam Deus Trino e confessam a Cristo como Senhor e
Salvador, não só individualmente, mas também reunidos em assembléias. Cada
qual afirma que o grupo onde ouviu o Evangelho é Igreja sua e de Deus. Quase
todos, se bem que de modo diverso, aspiram a uma Igreja de Deus una e visível,
que seja verdadeiramente universal e enviada ao mundo inteiro, a fim de que o
mundo se converta ao Evangelho e assim seja salvo, para glória de Deus ».6
8.
Esta asserção do Decreto Unitatis redintegratio há-de ser lida no
contexto de todo o magistério conciliar. O Concílio Vaticano II exprime a
decisão da Igreja de assumir a tarefa ecumênica em prol da unidade dos cristãos
e de a propor convicta e vigorosamente: « Este sagrado Concílio exorta todos
os fiéis a que, reconhecendo os sinais dos tempos, solicitamente participem do
trabalho ecumênico ».7
Ao
indicar os princípios católicos do ecumenismo, o citado Decreto retoma
primariamente o ensinamento sobre a Igreja presente na Constituição Lumen
gentium, no capítulo que trata do povo de Deus.8 E ao mesmo tempo, tem em
conta o que se afirma na Declaração conciliar Dignitatis humanae sobre a
liberdade religiosa.9
Cheia
de esperança, a Igreja Católica assume o empenho ecumênico como um imperativo
da consciência cristã, iluminada pela fé e guiada pela caridade. Também aqui
se podem aplicar as palavras de S. Paulo aos primeiros cristãos de Roma: « O
amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos
foi concedido »; assim a nossa « esperança não nos deixa confundidos » (Rm
5, 5). Esta é a esperança da unidade dos cristãos, que encontra a sua fonte
divina na unidade trinitária do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
9. O
próprio Jesus, na hora da sua Paixão, pediu « que todos sejam um » (Jo
17, 21). Esta unidade, que o Senhor deu à sua Igreja e na qual Ele quer abraçar
a todos, não é um elemento acessório, mas situa-se no centro mesmo da sua
obra. Nem se reduz a um atributo secundário da Comunidade dos seus discípulos.
Pelo contrário, pertence à própria essência desta Comunidade. Deus quer a
Igreja, porque Ele quer a unidade, e na unidade exprime-se toda a profundidade
da sua ágape.
De
fato, esta unidade dada pelo Espírito Santo não consiste simplesmente na
confluência unitária de pessoas que se aglomeram umas às outras. Mas trata-se
de uma unidade constituída pelos vínculos da profissão de fé, dos
sacramentos e da comunhão hierárquica.10 Os fiéis são um, porque, no
Espírito, eles estão em comunhão com o Filho, e, n'Ele, em comunhão
com o Pai: « A nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus
Cristo » (1 Jo 1, 3).
Para a Igreja Católica, portanto, a comunhão
dos cristãos não é senão a manifestação neles daquela graça, pela qual
Deus os torna participantes da sua própria comunhão, que é a vida
eterna. Por isso, as palavras de Cristo — « que todos sejam um » — são a
oração dirigida ao Pai para que se cumpra plenamente o seu desígnio, de tal
modo que a todos fique claro « qual seja a economia do mistério escondido
desde tempos antigos em Deus, que tudo criou » (Ef 3, 9). Acreditar em
Cristo significa querer a unidade; querer a unidade significa querer a Igreja;
querer a Igreja significa querer a comunhão de graça que corresponde ao desígnio
do Pai desde toda a eternidade. Este é o significado da oração de Cristo: « Ut
unum sint ».
10. Na
atual situação de divisão entre os cristãos e de procura respeitosa da
plena comunhão, os fiéis católicos sentem-se profundamente interpelados pelo
Senhor da Igreja. O Concílio Vaticano II reforçou o seu empenho com uma visão
eclesiológica clara e aberta a todos os valores eclesiais presentes nos outros
cristãos. Os fiéis católicos enfrentam a problemática ecumênica com espírito
de fé.
O Concílio
diz que « a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica, governada pelo
sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele », e contemporaneamente
reconhece que « fora da sua comunidade visível, se encontram muitos elementos
de santificação e de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja
de Cristo, impelem para a unidade católica ».11
« Por
isso, as Igrejas e Comunidades separadas, embora creiamos que tenham defeitos,
de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da
salvação. Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios
de salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade
confiada à Igreja Católica ».12
11.
Deste modo, a Igreja Católica afirma que, ao longo dos dois mil anos da sua
história, foi conservada na unidade com todos os bens que Deus quer dotar a sua
Igreja, e isto apesar das crises, por vezes graves, que a abalaram, as faltas de
fidelidade de alguns dos seus ministros, e os erros que diariamente investem os
seus membros. A Igreja Católica sabe que, graças ao apoio que lhe vem do Espírito
Santo, as fraquezas, as mediocridades, os pecados, e às vezes as traições de
alguns dos seus filhos, não podem destruir aquilo que Deus nela infundiu tendo
em vista o seu desígnio de graça. E até « as portas do inferno nada poderão
contra ela » (Mt 16, 18).
Contudo, a Igreja Católica não esquece que,
no seu seio, muitos eclipsam o desígnio de Deus. Ao evocar a divisão dos cristãos,
o Decreto sobre o ecumenismo não ignora « a culpa dos homens dum e doutro lado
»,13 reconhecendo que a responsabilidade não pode ser atribuída somente aos
« outros ». Por graça de Deus, porém, não foi destruído o que pertence à
estrutura da Igreja de Cristo e nem mesmo aquela comunhão que permanece com as
outras Igrejas e Comunidades eclesiais.
Com
efeito, os elementos de santificação e de verdade presentes nas outras
Comunidades cristãs, em grau variável duma para outra, constituem a base
objetiva da comunhão, ainda imperfeita, que existe entre elas e a Igreja Católica.
Na
medida em que tais elementos se encontram nas outras Comunidades cristãs, a única
Igreja de Cristo tem nelas uma presença operante. Por este motivo, o Concílio
Vaticano II fala de uma certa comunhão, embora imperfeita. A Constituição
ressalta que a Igreja Católica « vê-se unida por muitos títulos
» 14
a estas Comunidades, por uma certa união verdadeira no Espírito Santo.
12. A
mesma Constituição explicitou amplamente « os elementos de santificação e
de verdade » que, de modo distinto, se encontram e atuam para além das
fronteiras visíveis da Igreja Católica: « Muitos há, com efeito, que têm e
prezam a Sagrada Escritura como norma de fé e de vida, manifestam sincero zelo
religioso, crêem de coração em Deus Pai onipotente e em Cristo, Filho de
Deus Salvador, são marcados pelo Batismo que os une a Cristo e reconhecem e
recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou comunidades
eclesiásticas.
Muitos de entre eles têm mesmo um episcopado, celebram a
sagrada Eucaristia e cultivam a devoção para com a Virgem Mãe de Deus.
Acrescenta-se a isto a comunhão de orações e outros bens espirituais; mais
ainda, existe uma certa união verdadeira no Espírito Santo, o qual neles atua
com os dons e graças do seu poder santificador, chegando a fortalecer alguns
deles até ao martírio. Deste modo, o Espírito suscita em todos os discípulos
de Cristo o desejo e a prática efetiva em vista de que todos, segundo o modo
estabelecido por Cristo, se unam pacificamente num só rebanho sob um só pastor
».15
O
Decreto conciliar sobre o ecumenismo, referindo-se às Igrejas Ortodoxas, chega
mesmo a declarar que, « pela celebração da Eucaristia do Senhor, em cada uma
dessas Igrejas, a Igreja de Deus é edificada e cresce ».16 Reconhecer tudo
isto é uma questão de verdade.
13.
Este último documento enumera brevemente as implicações doutrinais desta
situação. A propósito dos membros dessas Comunidades, declara: «
Justificados no Batismo pela fé, são incorporados a Cristo, e, por isso, com
direito se honram com o nome de cristãos e justamente são reconhecidos pelos
filhos da Igreja Católica como irmãos no Senhor ».17
Pensando
nos múltiplos bens presentes nas outras Igrejas e Comunidades eclesiais, o
Decreto acrescenta: « Tudo isso, que de Cristo provém e a Cristo conduz,
pertence por direito à única Igreja de Cristo. Também não poucas ações
sagradas da religião cristã são celebradas entre os nossos irmãos separados.
Por vários modos, conforme a condição de cada Igreja ou Comunidade, estas ações
podem realmente produzir a vida da graça. Devem mesmo ser tidas como aptas para
abrir a porta à comunhão da salvação ».18
Trata-se
de textos ecumênicos da maior importância. Para além dos limites da
Comunidade Católica, não existe o vazio eclesial. Muitos elementos de grande
valor (eximia), que estão integrados na Igreja Católica na plenitude
dos meios de salvação e dos dons de graça que a edificam, acham-se também
nas outras Comunidades cristãs.
14.
Todos estes elementos trazem consigo o apelo à unidade, para nela encontrarem a
sua plenitude. Não se trata de aglomerar todas as riquezas dispersas nas
Comunidades cristãs, com o fim de se chegar a uma Igreja que Deus teria em
vista para o futuro. Segundo a grande Tradição atestada pelos Padres do
Oriente e do Ocidente, a Igreja Católica crê que, no acontecimento do
Pentecostes, Deus já manifestou a Igreja na sua realidade escatológica,
que Ele preparava « desde o tempo de Abel, o justo ».19
Ela já está presente.
Por este motivo, já nos encontramos no fim dos tempos. Os
elementos desta Igreja, já presente, existem, incorporados na sua plenitude, na
Igreja Católica e, sem tal plenitude, nas outras Comunidades,20
onde certos aspectos do mistério cristão foram, por vezes, mais eficazmente
manifestados. O ecumenismo busca precisamente fazer crescer a comunhão parcial
existente entre os cristãos até à plena comunhão na verdade e na caridade.
Renovação
e conversão
15.
Passando dos princípios, do imperativo da consciência cristã à realização
do caminho ecumênico rumo à unidade, o Concílio Vaticano II põe em relevo
sobretudo a necessidade da conversão do coração. O anúncio messiânico
— « completou-se o tempo e o Reino de Deus está perto » —, e o
conseqüente apelo — « convertei-vos e crede no Evangelho » (Mc 1, 15)
—, com os quais Jesus inaugura a sua missão, indicam o elemento essencial que
deve caracterizar qualquer novo início: a exigência fundamental da evangelização
em cada etapa do caminho salvífico da Igreja.
Mas isso aplica-se de modo
particular ao processo desencadeado pelo Concílio Vaticano II que incluiu, no
âmbito da renovação, a tarefa ecumênica de unir os cristãos divididos entre
si: « Não existe verdadeiro ecumenismo sem conversão interior ».21
O Concílio
apela tanto à conversão pessoal, como à conversão comunitária. O anseio de
cada Comunidade cristã pela unidade cresce ao ritmo da sua fidelidade ao
Evangelho. Ao referir-se às pessoas que vivem a sua vocação cristã, o Concílio
fala de conversão interior, de renovação da mente.22
Assim,
cada um tem que se converter mais radicalmente ao Evangelho e, sem nunca perder
de vista o desígnio de Deus, deve retificar o seu olhar. Com o ecumenismo, a
contemplação das « maravilhas de Deus » (mirabilia Dei) enriqueceu-se
de novos espaços onde o Deus Trino suscita a ação de graças: a percepção
de que o Espírito age nas outras Comunidades cristãs, a descoberta de exemplos
de santidade, a experiência das infindáveis riquezas da comunhão dos santos,
o contato com aspectos surpreendentes do compromisso cristão.
E
correlativamente estendeu-se também a necessidade de penitência: a consciência
de certas exclusões que ferem a caridade fraterna, de certas recusas em
perdoar, de um certo orgulho, daquele entrincheiramento anti-evangélico na
condenação dos « outros », de um desprezo que deriva de falsa presunção.
Assim, toda a vida dos cristãos está marcada pela solicitude ecumênica e, de
certo modo, eles são chamados a deixarem-se plasmar por ela.
16. No
magistério conciliar, há um nexo claro entre renovação, conversão e
reforma. Afirma: « A Igreja peregrina é chamada por Cristo a essa reforma
perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente
desta reforma. Assim, se em vista das circunstâncias das coisas e dos tempos
houve deficiências (...), tudo seja reta e devidamente restaurado no momento
oportuno ».23 Nenhuma Comunidade cristã pode furtar-se a este apelo.
Dialogando
com franqueza, as Comunidades ajudam-se a olhar-se conjuntamente à luz da Tradição
Apostólica. Isto leva-as a perguntar-se se realmente exprimem adequadamente
tudo aquilo que o Espírito transmitiu através dos Apóstolos.24 Pelo que diz
respeito à Igreja Católica, várias vezes, como, por exemplo, por ocasião do
aniversário do Batismo da Rus',25 ou da comemoração, ao cumprirem-se
onze séculos, da ação evangelizadora dos Santos Cirilo e Metódio,26 chamei
a atenção para tais exigências e perspectivas. Mais recentemente, o Diretório
para a aplicação dos princípios e das normas sobre o ecumenismo,
publicado com a minha aprovação pelo Pontifício Conselho para a Promoção da
Unidade dos Cristãos, aplicou-as no campo pastoral.27
17.
Relativamente aos outros cristãos, os documentos principais da Comissão Fé
e Constituição 28 e as declarações de numerosos diálogos bilaterais
forneceram já às Comunidades cristãs úteis instrumentos para discernir o que
é necessário ao movimento ecumênico e à conversão que este deve suscitar.
Tais estudos são importantes sob dois aspectos: mostram os notáveis progressos
já alcançados e infundem esperança por constituirem uma base segura para a
busca da unidade que se há-de continuar e aprofundar.
A
progressiva comunhão numa contínua reforma, realizada à luz da Tradição
Apostólica, é, sem dúvida, um dos traços típicos e mais importantes do
ecumenismo, na atual situação do povo cristão. Por outro lado, aquela é também
uma garantia essencial para o seu futuro. Os fiéis da Igreja Católica não podem
ignorar que o ímpeto ecumênico do Concílio Vaticano II é um dos resultados do
grande empenhamento da Igreja de então em perscrutar-se à luz do Evangelho e da
grande Tradição. Bem o compreendera o meu predecessor, Papa João XXIII, que, ao
convocar o Concílio, se recusou a separar a atualização da abertura ecumênica.29
No final da Assembléia Conciliar, o Papa Paulo VI consagrou a vocação ecumênica
do Concílio ao retomar o diálogo da caridade com as Igrejas em comunhão com o
Patriarca de Constantinopla, realizando com ele aquele gesto concreto e
altamente significativo que « relegou para o esquecimento » — e « tirou da
memória e do meio das Igrejas » — as excomunhões do passado. Há que lembrar que
a criação de um organismo especial para o ecumenismo coincidiu com o próprio
início da preparação do Concílio Vaticano II,30
e que, através de tal organismo, os pareceres e avaliações das outras
Comunidades cristãs tiveram a sua parte nos grandes debates sobre a Revelação, a
Igreja, a natureza do ecumenismo, e a liberdade religiosa.
Importância
fundamental da doutrina
18.
Retomando uma idéia que o próprio Papa João XXIII tinha expresso na abertura do
Concílio,31
o Decreto sobre o ecumenismo menciona a forma de expor a doutrina, entre os
elementos de reforma contínua.32 Não se trata, neste
contexto, de modificar o depósito da fé, de mudar o significado dos dogmas, de
banir deles palavras essenciais, de adaptar a verdade aos gostos de uma época,
de eliminar certos artigos do Credo com o falso pretexto de que hoje já
não se compreendem. A unidade querida por Deus só se pode realizar na adesão
comum ao conteúdo integral da fé revelada.
Em matéria de fé, a cedência está
em contradição com Deus, que é a Verdade. No Corpo de Cristo — Ele que é
« Caminho, Verdade e Vida » (Jo 14, 6) —, quem poderia considerar legítima
uma reconciliação levada a cabo à custa da verdade? A Declaração conciliar
sobre a liberdade religiosa atribui à dignidade humana a procura da verdade, «
sobretudo no que diz respeito a Deus e à sua Igreja »,33 e a adesão às suas
exigências. Portanto um « estar juntos » que traísse a verdade, estaria em
oposição com a natureza de Deus, que oferece a sua comunhão, e com a exigência
de verdade que vive no mais profundo de todo o coração humano.
19.
Contudo, a doutrina deve ser apresentada de modo que se torne compreensível àqueles
para quem o próprio Deus a destina. Na Epístola encíclica Slavorum
apostoli, lembrava como, por tal motivo, Cirilo e Metódio se esforçaram em
traduzir as noções da Bíblia e os conceitos da teologia grega num contexto de
experiências históricas e de pensamento muito diverso.
Queriam que a única
palavra de Deus fosse assim « tornada acessível pela adoção dos meios de se
exprimir próprios de cada civilização ».34 Compreenderam que não podiam «
impor aos povos aos quais deviam pregar nem sequer a indiscutível superioridade
da língua grega e da cultura bizantina, ou os costumes e modos de comportar-se
da sociedade mais desenvolvida, em que eles próprios haviam sido educados ».35
Desta forma, praticavam aquela « perfeita comunhão no amor 1 preserva a Igreja
de qualquer forma de particularismo, exclusivismo étnico ou preconceito racial,
bem como de qualquer sobrançaria nacionalista ».36 No mesmo espírito, não
hesitei em dizer aos aborígenes da Austrália: « Não deveis ser um povo
dividido em duas partes (...). Jesus exorta-vos a acolher as suas palavras e os
seus valores na vossa própria cultura ».37 Já que, por sua própria natureza,
o dado de fé se destina à humanidade inteira, isso requer que ele seja
traduzido em todas as culturas. De fato, o elemento que decide a comunhão na
verdade é o significado da verdade. A expressão da verdade pode ser
multiforme. E a renovação das formas de expressão torna-se necessária para
transmitir ao homem de hoje a mensagem evangélica no seu significado imutável.38
«
Esta renovação tem, por isso, grande importância ecumênica ».39 E não só
uma renovação no modo de exprimir a fé, mas da própria vida de fé.
Poder-se-ia então perguntar: quem deve atuá-la? O Concílio responde com
clareza a esta pergunta: tal solicitude « vale para toda a Igreja, tanto para
os fiéis como para os pastores. Afeta a cada um em particular, de acordo com a
sua capacidade, quer na vida cristã quotidiana, quer nas investigações teológicas
e históricas ».40
20.
Tudo isto é extremamente importante e de significado fundamental para a
atividade ecumênica. Vê-se, de modo inequívoco, que o ecumenismo, o
movimento a favor da unidade dos cristãos, não é só uma espécie de « apêndice
», que se vem juntar à atividade tradicional da Igreja. Pelo contrário,
pertence organicamente à sua vida e ação, devendo, por conseguinte, permeá-la
no seu todo e ser como que o fruto de uma árvore que cresce sadia e viçosa até
alcançar o seu pleno desenvolvimento.
Assim
acreditava na unidade da Igreja o Papa João XXIII, e desse modo contemplava ele
a unidade de todos os cristãos. Ao referir-se aos outros cristãos, à grande
família cristã, constatava: « É muito mais forte aquilo que nos une do que
quanto nos divide ». E o Concílio Vaticano II, por seu lado, exorta: «
Lembrem-se todos os cristãos de que tanto melhor promoverão a união dos cristãos
quanto mais se esforçarem por levar uma vida mais pura, de acordo com o
Evangelho. Porque, quanto mais unidos estiverem em comunhão estreita com o Pai,
o Verbo e o Espírito, tanto mais íntima e facilmente conseguirão aumentar a
fraternidade mútua ».41
Primado
da oração
21. «
Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações
particulares e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser tidas como a
alma de todo o movimento ecumênico, e com razão podem ser chamadas ecumenismo
espiritual ».42
Avança-se
pelo caminho que conduz à conversão dos corações ao ritmo do amor que se
dedica a Deus e, ao mesmo tempo, aos irmãos: a todos os irmãos, inclusive àqueles
que não estão em plena comunhão conosco. Do amor nasce o desejo de unidade,
mesmo naqueles que sempre ignoraram tal exigência. O amor é artífice de
comunhão entre as pessoas e entre as Comunidades. Se nos amamos, tendemos a
aprofundar a nossa comunhão, a orientá-la para a perfeição. O amor é
dedicado a Deus como fonte perfeita de comunhão — a unidade do Pai, do
Filho e do Espírito Santo —, para dela haurir a força de suscitar a comunhão
entre as pessoas e as Comunidades, ou de a restabelecer entre os cristãos ainda
divididos. O amor é a corrente mais profunda que dá vida e infunde vigor ao
processo que leva à unidade.
Este
amor encontra a sua expressão mais acabada na oração em comum. Quando
os irmãos que não estão em perfeita comunhão entre si, se reúnem em comum
para rezar, esta sua oração é definida pelo Concílio Vaticano II como alma
de todo o movimento ecumênico. Essa oração comum é « um meio muito
eficaz para impetrar a unidade », « uma genuína manifestação dos vínculos
pelos quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados ».43
Mesmo quando não se reza formalmente pela unidade dos cristãos, mas por outros
motivos como, por exemplo, pela paz, a oração torna-se, por si própria,
expressão e confirmação da unidade. A oração comum dos cristãos convida o
próprio Cristo a visitar a comunidade dos que Lhe rezam: « Pois onde estiverem
reunidos, em meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles » (Mt 18,
20).
22.
Quando os cristãos rezam juntos, a meta da unidade fica mais próxima. A longa
história dos cristãos, marcada por múltiplas fragmentações, parece
recompor-se tendendo para a Fonte da sua unidade que é Jesus Cristo. Ele « é
sempre o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade » (Hb 13, 8). Na
comunhão de oração, Cristo está realmente presente; reza « em nós », «
conosco » e « por nós ». É Ele que guia a nossa oração no Espírito
Consolador, que prometeu e deu à sua Igreja no Cenáculo de Jerusalém, quando
a constituiu na sua unidade original.
No
caminho ecumênico para a unidade, a primazia pertence, sem dúvida, à oração
comum, à união orante daqueles que se congregam à volta do próprio
Cristo. Se os cristãos, apesar das suas divisões, souberem unir-se cada vez
mais em oração comum ao redor de Cristo, crescerá a sua consciência de como
é reduzido o que os divide em comparação com aquilo que os une. Se se
encontrarem sempre mais assiduamente diante de Cristo na oração, os cristãos
poderão ganhar coragem para enfrentar toda a dolorosa realidade humana das
divisões, e reencontrar-se-ão juntos naquela comunidade da Igreja, que Cristo
forma incessantemente no Espírito Santo, apesar de todas as debilidades e
limitações humanas.
23.
Enfim, a comunhão na oração induz a ver com olhos novos a Igreja e o
cristianismo. Com efeito, não se deve esquecer que o Senhor implorou do Pai
a unidade dos seus discípulos, para que servisse de testemunho à sua missão e
o mundo pudesse acreditar que o Pai O tinha enviado (cf. Jo 17, 21).
Pode-se afirmar que o movimento ecumênico teve início, em determinado sentido,
da experiência negativa daqueles que, anunciando o único Evangelho, se
apelavam cada qual à própria Igreja ou Comunidade eclesial: uma contradição
que não podia passar despercebida a quem escutava a mensagem de salvação e
que nisso via um obstáculo para acolher o anúncio evangélico. Infelizmente,
este grave impedimento não está superado.
É verdade! Não estamos ainda em
plena comunhão. E todavia, não obstante as nossas divisões, estamos
percorrendo o caminho para a plena unidade — aquela unidade que caracterizava
a Igreja Apostólica nos seus inícios e que nós procuramos sinceramente:
prova-o a nossa oração comum, guiada pela fé. Nela, reunimo-nos no nome de
Cristo que é Um. Ele é a nossa unidade.
A
oração « ecumênica » está ao serviço da missão cristã e da sua
credibilidade. Por isso, deve estar
especialmente presente na vida da Igreja e em cada atividade que tenha a
finalidade de favorecer a unidade dos cristãos. É como se tivéssemos sempre
de voltar a reunir-nos no Cenáculo de Quinta-Feira Santa, embora a nossa presença
juntos, em tal lugar, aguarde ainda a sua completa realização até quando,
superados os obstáculos que se interpõem à perfeita comunhão eclesial, todos
os cristãos possam reunir-se na única celebração da Eucaristia.44
24. É
motivo de alegria constatar como os vários encontros ecumênicos incluem, quase
sempre, a oração, antes, culminam nela. A Semana de Oração pela unidade
dos cristãos, que se celebra no mês de Janeiro ou, em alguns países, por
volta do Pentecostes, tornou-se uma tradição difusa e consolidada. Mas, mesmo
fora dela, muitas são as ocasiões, ao longo do ano, que induzem os cristãos a
rezarem juntos.
Neste contexto, desejo mencionar aquela experiência particular
que é o peregrinar do Papa pelas Igrejas, nos diversos continentes e nos
vários países daoikoumene contemporânea. Estou ciente de que foi o
Concílio Vaticano II que encaminhou o Papa para este especial exercício do seu
ministério apostólico. Mais: o Concílio fez deste peregrinar do Papa um
preciso dever no cumprimento do papel do Bispo de Roma ao serviço da comunhão.45
Estas minhas visitas comportaram, quase sempre, um encontro ecumênico e a oração
comum de irmãos que procuram a unidade em Cristo e na sua Igreja. Recordo,
com particular emoção, a oração em comum com o Primaz da Comunhão Anglicana na
Catedral de Cantuária, em 29 de Maio de 1982, quando, naquele templo admirável,
reconhecia uma « demonstração eloqüente dos nossos longos anos de herança
comum e dos tristes anos de separação que se lhes seguiram »; 46 nem
posso esquecer os encontros ecumênicos nos Países Escandinavos e Nórdicos
(1-10 de Junho de 1989), nas Américas e na África, ou aqueloutro na sede do
Conselho Ecumênico das Igrejas (12 de Junho de 1984), o organismo que se propõe
como objetivo chamar as Igrejas e as Comunidades eclesiais, que dele fazem
parte, « à meta da unidade visível numa só fé e numa única comunidade
eucarística, expressa no culto e na vida comum em Cristo ».47 E como poderei
esquecer a minha participação na liturgia eucarística na igreja de S. Jorge,
no Patriarcado Ecumênico (30 de Novembro de 1979), e a celebração na Basílica
de S. Pedro, durante a visita a Roma do meu venerável Irmão, o Patriarca Dimítrios
I (6 de Dezembro de 1987)?
Naquela circunstância, junto do altar da Confissão,
nós professamos juntos o Símbolo Niceno-Constantinopolitano, conforme o texto
original grego. É impossível descrever em poucas palavras os traços específicos
que caracterizaram cada um destes encontros de oração. Pelos condicionalismos
do passado que, de modo variável, pesavam sobre cada um deles, todos se
revestem de uma própria e singular expressividade; todos estão esculpidos na
memória da Igreja, que é guiada pelo Espírito Paráclito na procura da
unidade de todos os crentes em Cristo.
25. Não
foi só o Papa que se fez peregrino. Durante estes anos, numerosos dignos
representantes de outras Igrejas e Comunidades eclesiais me visitaram em Roma, e
pude rezar com eles em ocasiões públicas e privadas. Aludi já à presença do
Patriarca ecumênico Dimítrios I. Gostaria agora de lembrar também aquele
encontro de oração que congregou, na Basílica de S. Pedro, para a celebração
das Vésperas, a minha pessoa e os Arcebispos luteranos, primazes da Suécia e
da Finlândia, por ocasião do VI centenário da canonização de Santa Brígida
(5 de Outubro de 1991).
Trata-se só de um exemplo, já que a consciência do
dever de orar pela unidade se tornou parte integrante da vida da Igreja. Não
existe acontecimento importante, significativo, que não goze da presença recíproca
e da oração dos cristãos. É-me impossível enumerar todos estes encontros,
embora cada um merecesse ser nomeado. Verdadeiramente o Senhor tomou-nos pela mão
e guia-nos. Estes encontros, estas orações escreveram já páginas e páginas
do nosso « Livro da unidade », um « Livro » que devemos sempre folhear e
reler para dele obter inspiração e esperança.
26. A
oração, a comunhão de oração permite-nos voltar à verdade evangélica das
palavras: « Um só é o vosso Pai » (Mt 23, 9) — aquele Pai, Abbá,
que o próprio Cristo invoca, Ele que é seu Filho unigênito e consubstancial.
E o mesmo se diga quanto à afirmação: « Um só é o vosso Mestre, e vós
sois todos irmãos » (Mt 23, 8). A oração « ecumênica »
descobre esta dimensão fundamental da fraternidade em Cristo, que morreu para
reunir na unidade todos os filhos de Deus que estavam dispersos, morreu para
que, tornando-nos « filhos no Filho » (cf. Ef 1, 5), refletíssemos
mais plenamente a insondável realidade da paternidade de Deus e, ao mesmo
tempo, a verdade sobre a humanidade própria de cada um e de todos.
A oração
« ecumênica », a oração dos irmãos e irmãs exprime tudo isso.
Precisamente por estarem separados entre si, eles, com esperança ainda maior, unem-se
em Cristo, confiando-Lhe o futuro da sua unidade e da sua comunhão. Aqui
poder-se-ia aplicar, uma vez mais e muito a propósito, o ensinamento do Concílio:
« Quando o Senhor Jesus pede ao Pai « que todos sejam um (...), como nós
somos um » (Jo 17, 21-22), sugere — abrindo perspectivas inacessíveis
à razão humana — que há uma certa analogia entre a união das pessoas
divinas entre Si e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade ».48
A própria
conversão interior do coração, condição essencial de toda a autêntica
procura da unidade, deriva da oração e por ela é orientada para a sua perfeição:
« Os anseios de unidade nascem e amadurecem a partir da renovação da mente,
da abnegação de si mesmo e da libérrima efusão da caridade. Por isso,
devemos implorar do Espírito divino a graça da sincera abnegação,
humildade e mansidão em servir, e da fraterna generosidade para com os outros
».49
27. No
entanto, rezar pela unidade não está só reservado a quem vive num contexto de
divisão entre os cristãos. Naquele diálogo íntimo e pessoal, que cada um de
nós deve estabelecer com o Senhor na oração, a preocupação pela unidade não
pode ficar de fora. Pois só assim é que tal preocupação fará parte
plenamente da realidade da nossa vida e dos compromissos que assumimos na
Igreja. Para confirmar esta exigência, eu quis propor aos fiéis da Igreja Católica
um modelo, que me parece exemplar, o de uma freira trapista, Maria Gabriela
da Unidade, que proclamei beata no dia 25 de Janeiro de 1983.50
A Irmã Maria Gabriela, chamada pela sua vocação a estar fora do mundo, dedicou a
existência à meditação e à oração, centradas no capítulo 17 do Evangelho de S.
João, oferecendo-as pela unidade dos cristãos. Está aqui o fulcro de toda a
oração: a oferta total e sem reservas da própria vida ao Pai, pelo Filho, no
Espírito Santo. O exemplo da Irmã Maria Gabriela ensina e faz-nos compreender
como não haja tempos, situações ou lugares particulares para rezar pela unidade.
A oração de Cristo ao Pai é modelo para todos, sempre e em qualquer lugar.
Diálogo
ecumênico
28. Se
a oração é a « alma » da renovação ecumênica e do anseio pela unidade,
sobre ela se baseia e dela recebe apoio tudo aquilo que o Concílio define «
diálogo » . Essa definição não é certamente independente do pensamento
personalista atual. A atitude de « diálogo » situa-se ao nível da
natureza da pessoa e da sua dignidade. Do ponto de vista filosófico, uma tal
posição une-se à verdade cristã sobre o homem expressa pelo Concílio: ele
« é a única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma »;
por isso, o homem não pode « encontrar-se plenamente a não ser no sincero dom
de si mesmo ».51 O diálogo é passagem obrigatória do caminho a percorrer para
a auto-realização do homem, tanto do indivíduo como de cada
comunidade humana. Embora do conceito de « diálogo » pareça emergir em
primeiro plano o aspecto cognoscitivo (dia-logos), todo o diálogo contém
em si uma dimensão global, existencial. Por isso, ele compromete o indivíduo
humano na sua totalidade; o diálogo entre as comunidades empenha, de modo
particular, a subjetividade de cada uma delas.
Esta
verdade sobre o diálogo, expressa com tanta profundidade pelo Papa Paulo VI na
Encíclica Ecclesiam suam,52
foi também assumida pela doutrina e pela prática ecumênica do Concílio. O
diálogo não é apenas uma troca de idéias; de algum modo, é sempre um «
intercâmbio de dons ».53
29.
Por este motivo, também o Decreto conciliar sobre o ecumenismo põe em primeiro
plano « todos os esforços para eliminar palavras, juízos e ações que,
segundo a equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos
separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles ».54 Tal
documento enfrenta a questão do ponto de vista da Igreja Católica,
referindo-se ao critério que ela deve aplicar em relação aos outros cristãos.
Em tudo isso, porém, há uma exigência de reciprocidade. Ater-se a tal critério
é compromisso de cada uma das partes que quer dialogar, e é condição prévia
para o iniciar. É preciso passar de uma posição de antagonismo e de conflito
para um nível onde um e outro se reconheçam reciprocamente como partner.
Quando se começa a dialogar, cada uma das partes deve pressupor uma vontade
de reconciliação no seu interlocutor, de unidade na verdade. Para
realizar tudo isso, devem desaparecer as manifestações de confrontação recíproca.
Somente assim o diálogo ajudará a superar a divisão e poderá aproximar da
unidade.
30.
Pode-se afirmar, com viva gratidão ao Espírito de verdade, que o Concílio
Vaticano II foi um acontecimento abençoado, durante o qual se estabeleceram as
condições basilares para a participação da Igreja Católica no diálogo ecumênico.
Por outro lado, a presença de numerosos observadores de várias Igrejas e
Comunidades eclesiais, a sua profunda participação no evento conciliar, os inúmeros
encontros e as orações comuns que o Concílio tornou possível, contribuíram
para criar as condições para dialogar juntos. Durante o Concílio, os
representantes das outras Igrejas e Comunidades cristãs experimentaram a
disponibilidade para o diálogo por parte do episcopado católico de todo o
mundo e, em particular, da Sé Apostólica.
Estruturas
locais de diálogo
31. O
empenhamento no diálogo ecumênico, tal como ficou patente desde os tempos do
Concílio, longe de ser prerrogativa da Sé Apostólica, incumbe também sobre
cada uma das Igrejas locais ou particulares. Especiais comissões para a promoção
do espírito e da ação ecumênica foram instituídas pelas Conferências
Episcopais e pelos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas. Análogas e
oportunas estruturas operam ao nível de cada diocese. Tais iniciativas
comprovam o envolvimento concreto e geral da Igreja Católica na aplicação das
orientações conciliares sobre o ecumenismo: este é um aspecto essencial do
movimento ecumênico.55 O diálogo não só foi iniciado, mas tornou-se uma
expressa necessidade, uma das prioridades da Igreja; em conseqüência, foi
aprimorada a « técnica » de dialogar, favorecendo, contemporaneamente, o
crescimento do espírito de diálogo. Neste contexto, pretende-se aludir, antes
de mais, ao diálogo entre os cristãos das diversas Igrejas ou Comunidades, «
estabelecido entre peritos competentes, (...) em que cada qual explica mais
profundamente a doutrina da sua Comunidade, e apresenta com clareza as suas
características ».56 No entanto, é útil a cada fiel conhecer o método que
permite o diálogo.
32.
Como afirma a Declaração conciliar sobre a liberdade religiosa, « a verdade
deve ser buscada pelo modo que convém à dignidade da pessoa humana e da sua
natureza social, isto é, por meio de uma busca livre, com a ajuda do magistério
ou ensino, da comunicação e do diálogo, com os quais os homens dão a
conhecer uns aos outros a verdade que encontraram ou julgam ter encontrado, a
fim de se ajudarem mutuamente na inquirição da verdade; uma vez conhecida
esta, deve-se aderir a ela com um firme assentimento pessoal ».57
O diálogo
ecumênico tem uma importância essencial. « Com este diálogo, todos adquirem
um conhecimento mais verdadeiro e um apreço mais justo da doutrina e da
vida de cada Comunhão. Então estas Comunhões conseguem também uma mais
ampla colaboração em certas obrigações que a consciência cristã exige
em vista do bem comum. E onde for possível, reunem-se em oração unânime.
Enfim, todos examinam a sua fidelidade à vontade de Cristo acerca da Igreja e,
na medida da necessidade, levam vigorosamente por diante o trabalho de renovação
e de reforma ».58
Diálogo
como exame de consciência
33.
Segundo o Concílio, o diálogo ecumênico tem o caráter de uma procura comum
da verdade, em particular sobre a Igreja. De fato, a verdade forma as consciências
e orienta-as na sua ação a favor da unidade. Ao mesmo tempo, exige que a
consciência dos cristãos, irmãos divididos entre si, e as suas obras sejam
submetidas à oração de Cristo pela unidade. Há sinergia entre oração e diálogo.
Uma oração mais profunda e consciente torna o diálogo mais rico de frutos.
Se, por um lado, a oração é a condição para o diálogo, por outro, ela
torna-se, de forma cada vez mais matura, o seu fruto.
34.
Graças ao diálogo ecumênico, podemos falar de uma maior maturidade da nossa
recíproca oração comum. Isto é possível na medida em que o diálogo
exerce também, e contemporaneamente, a função de um exame de consciência.
Como não lembrar, neste contexto, as palavras da Primeira Carta de João? « Se
dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade
em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele (Deus) é fiel e justo para nos
perdoar os pecados e purificar-nos de toda a iniqüidade » (1, 8-9). E João
impele-nos a ir ainda mais longe, quando afirma: « Se dissermos que não
pecamos, fazemo-Lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós » (1, 10).
Uma exortação tão radical a reconhecer a nossa condição de pecadores,
deve ser também uma característica do espírito com que se encara o diálogo
ecumênico. Se este não se tornar um exame de consciência, como que um « diálogo
das consciências », poderemos nós contar com aquela certeza que a mesma Carta
nos transmite? « Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não
pequeis; mas, se alguém pecar, temos um advogado junto do Pai, Jesus
Cristo, o Justo.
Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente
pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo » (2, 1-2). Todos os pecados do
mundo foram incluídos no sacrifício salvífico de Cristo, e, portanto, também
os cometidos contra a unidade da Igreja: os pecados dos cristãos, tanto dos
pastores como dos fiéis. Mesmo depois dos inúmeros pecados que contribuíram
para as históricas divisões, a unidade dos cristãos é possível com a
condição de estarmos humildemente conscientes de ter pecado contra a unidade,
e convencidos da necessidade da nossa conversão. Não só os pecados pessoais
devem ser perdoados e vencidos, mas também os sociais, quer dizer, as próprias
« estruturas » do pecado, que contribuíram e podem contribuir para a divisão
e sua consolidação.
35.
Mais uma vez, o Concílio Vaticano II vem em nossa ajuda. Pode-se afirmar que
todo o Decreto sobre o ecumenismo está permeado pelo espírito de conversão.59
O diálogo ecumênico adquire neste documento um caráter próprio:
transforma-se em « diálogo da conversão » e, portanto, segundo a
expressão do Papa Paulo VI, em autêntico « diálogo da salvação ».60 O diálogo
não pode atuar-se seguindo uma direção exclusivamente horizontal,
limitando-se ao encontro, à troca de pontos de vista, ou mesmo dos dons próprios
de cada Comunidade.
Mas tende também e sobretudo a uma dimensão vertical, que
o orienta para Aquele que, como Redentor do mundo e Senhor da história, é a
nossa reconciliação. A dimensão vertical do diálogo está no comum e recíproco
reconhecimento da nossa condição de homens e mulheres que pecaram. É
precisamente isto que abrirá nos irmãos, que vivem em Comunidades não
plenamente em comunhão entre si, aquele espaço interior, onde Cristo, fonte da
unidade da Igreja, pode agir eficazmente, com toda a força do seu Espírito Paráclito.
Diálogo
para resolver as divergências
36. O
diálogo é também instrumento natural para confrontar os diversos pontos de
vista e, sobretudo, examinar aquelas divergências que são obstáculo à plena
comunhão dos cristãos entre si. O Decreto sobre o ecumenismo detém-se, em
primeiro lugar, a descrever as disposições morais com que se hão-de enfrentar
os colóquios doutrinais: « No diálogo ecumênico, os teólogos católicos,
sempre fiéis à doutrina da Igreja, quando investigarem juntamente com os irmãos
separados os divinos mistérios, devem proceder com amor pela verdade, com
caridade e humildade ».61
O amor
à verdade é a dimensão mais profunda de uma autêntica procura da plena
comunhão entre os cristãos. Sem esse amor, seria impossível enfrentar as
reais dificuldades teológicas, culturais, psicológicas e sociais que se
encontram ao examinar as divergências. A esta dimensão interior e pessoal, está
inseparavelmente associado o espírito de caridade e de humildade: caridade para
com o interlocutor, humildade para com a verdade que se descobre e que poderia
exigir revisão de afirmações e de atitudes.
Em
relação ao estudo das divergências, o Concílio requer que toda a doutrina seja
exposta com clareza. Ao mesmo tempo, pede que o modo e o método de formular a
doutrina católica não seja obstáculo para o diálogo com os irmãos.62
É certamente possível testemunhar a própria fé e explicar a sua doutrina de um
modo que seja correto, leal e compreensível, e simultaneamente tenha presente
tanto as categorias mentais, como a experiência histórica concreta do outro.
Obviamente,
a plena comunhão deverá realizar-se mediante a aceitação completa da
verdade, na qual o Espírito Santo introduz os discípulos de Cristo. Há-de
ser, portanto, evitada absolutamente toda a forma de reducionismo ou de fácil
« concordismo ». As questões sérias têm de ser resolvidas, porque, caso
contrário, ressurgirão noutro momento, com idêntica configuração ou sob
outra roupagem.
37. O
Decreto Unitatis redintegratio indica também um critério a seguir
quando se trata de os católicos apresentarem ou confrontarem as doutrinas: «
Lembrem-se que existe uma ordem ou hierarquia das verdades da
doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é
diferente. Assim se abre o caminho pelo qual, mediante esta fraterna emulação,
todos se sintam incitados a um conhecimento mais profundo e a uma exposição
mais clara das insondáveis riquezas de Cristo ».63
38. No
diálogo, embate-se inevitavelmente com o problema das diferentes formulações,
mediante as quais se exprime a doutrina nas várias Igrejas e Comunidades
eclesiais, fato esse que tem as suas conseqüências na tarefa ecumênica.
Em
primeiro lugar, diante de formulações doutrinais que se afastem das habituais
à comunidade a que se pertence, convém, sem dúvida, averiguar se as palavras
não subentenderão um idêntico conteúdo, como, por exemplo, se constatou em
recentes declarações comuns, assinadas pelos meus Predecessores e por mim
juntamente com os Patriarcas de Igrejas com as quais existia, há séculos, um
contencioso cristológico. No que diz respeito à formulação das verdades
reveladas, a Declaração Mysterium Ecclesiae afirma: « As verdades que
a Igreja intenta realmente ensinar com as suas fórmulas dogmáticas, embora se
distingam das concepções mutáveis próprias de uma época particular e possam
ser expressas prescindindo delas, pode acontecer, todavia, que essas mesmas
verdades sejam de fato enunciadas numa terminologia que se ressente do influxo
de tais concepções.
Feitas estas considerações preliminares, deve-se dizer
que as fórmulas dogmáticas do Magistério da Igreja foram, desde os inícios,
aptas para comunicar a verdade revelada, e que permanecem sempre aptas a comunicá-la
a todos aqueles que retamente as compreenderem ».64 A este propósito, o diálogo
ecumênico que estimula as partes nele envolvidas a interrogarem-se,
compreenderem-se e explicarem-se reciprocamente, permite surpreendentes
descobertas. As polêmicas e as controvérsias intolerantes transformaram em
afirmações incompatíveis aquilo que, de fato, era o resultado de dois
olhares ocupados a perscrutar a mesma realidade, mas de dois ângulos distintos.
É necessário hoje encontrar a fórmula que, recolhendo a realidade em toda a
sua integridade, permita superar leituras parciais e eliminar falsas interpretações.
Uma
das vantagens do ecumenismo é que, por seu intermédio, as Comunidades cristãs
são ajudadas a descobrir a insondável riqueza da verdade. Também neste contexto,
tudo aquilo que o Espírito opera nos « outros » pode contribuir para a
edificação de cada comunidade,65
e, de certo modo, para a instruir acerca do mistério de Cristo. O ecumenismo
autêntico é uma graça de verdade.
39.
Por último, o diálogo põe os interlocutores diante de verdadeiras e precisas
divergências que tocam a fé. Estas divergências hão-de ser encaradas,
sobretudo, com sincero espírito de caridade fraterna, de respeito das exigências
da própria consciência e da consciência do próximo, com profunda humildade e
amor à verdade. Nesta matéria, o confronto tem dois pontos de referência
essenciais: a Sagrada Escritura e a grande Tradição da Igreja. Serve de ajuda
aos católicos o Magistério sempre vivo da Igreja.
A
colaboração prática
40. As
relações entre os cristãos não tendem somente ao recíproco conhecimento, à
oração comum e ao diálogo. Prevêem e exigem, desde já, toda a colaboração
prática possível aos diversos níveis: pastoral, cultural, social, e ainda no
testemunho da mensagem do Evangelho.66
« A
cooperação de todos os cristãos exprime vivamente aquelas relações pelas
quais já estão unidos entre si, e apresenta o rosto de Cristo Servo numa luz
mais radiante ».67 Tal cooperação baseada na fé comum não só aparece densa
de comunhão fraterna, mas é uma epifania do próprio Cristo.
Além
disso, a cooperação ecumênica é uma verdadeira escola de ecumenismo, um dinâmico
caminho em direção à unidade. A unidade de ação conduz à plena unidade
de fé: « Por essa cooperação, todos os que crêem em Cristo podem mais
facilmente aprender como devem entender- -se melhor e estimar-se mais uns aos
outros, e assim se abre o caminho que leva à unidade dos cristãos ».68
Aos
olhos do mundo, a cooperação entre os cristãos assume as dimensões de um
testemunho cristão comum, tornando-se instrumento de evangelização proveitoso
a uns e a outros.
II - OS
FRUTOS DO DIÁLOGO
A
fraternidade reencontrada
41.
Tudo o que atrás foi dito a propósito do diálogo ecumênico, desde a conclusão
do Concílio para diante, leva a dar graças ao Espírito de verdade, prometido
por Jesus Cristo aos Apóstolos e à Igreja (cf. Jo 14, 26).
Foi a
primeira vez na história, que a ação em prol da unidade dos cristãos
assumiu proporções tão amplas e se estendeu num âmbito tão vasto. Isto já
é um dom imenso que Deus concedeu, e que merece toda a nossa gratidão. Da
plenitude de Cristo, recebemos « graça sobre graça » (Jo 1, 16).
Reconhecer o que Deus já concedeu, é a condição que nos predispõe a receber
os dons ainda indispensáveis para levar a cabo a obra ecumênica da unidade.
Uma
visão de conjunto dos últimos trinta anos ajuda-nos a compreender melhor
muitos frutos desta conversão comum ao Evangelho, cujo instrumento usado pelo
Espírito de Deus foi o movimento ecumênico.
42.
Acontece, por exemplo, que — segundo o espírito mesmo do Sermão da Montanha
— os cristãos pertencentes a uma confissão já não consideram os outros
cristãos como inimigos ou estranhos, mas vêem neles irmãos e irmãs. Por
outro lado, mesmo a expressão irmãos separados, o uso tende hoje a
substituí-la por vocábulos mais orientados a ressaltar a profundidade da
comunhão — ligada ao caráter batismal — que o Espírito alimenta, não
obstante as rupturas históricas e canônicas.
Fala-se dos « outros cristãos
», dos « outros batizados », dos « cristãos das outras Comunidades ». O
Diretório para a aplicação dos princípios e das normas sobre o ecumenismo
designa as Comunidades a que pertencem estes cristãos como « Igrejas e
Comunidades eclesiais que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica
».69
Tal
ampliação do léxico traduz uma notável evolução das mentalidades. A consciência
da comum pertença a Cristo ganha profundidade. Pude constatá-lo muitas vezes,
pessoalmente, durante as celebrações ecumênicas, que são um dos
acontecimentos importantes das minhas viagens apostólicas nas diversas partes
do mundo, ou nos encontros e nas celebrações ecumênicas que tiveram lugar em
Roma. A « fraternidade universal » dos cristãos tornou-se uma firme convicção
ecumênica.
Deixando para trás as excomunhões do passado, as Comunidades antes
rivais hoje, em muitos casos, ajudam-se mutuamente; às vezes os edifícios para
o culto são emprestados, oferecem-se bolsas de estudo para a formação dos
ministros das Comunidades mais desprovidas de meios, intervém-se junto das
autoridades civis em defesa de outros cristãos injustamente incriminados,
demonstra-se a falta de fundamento das calúnias de que são vítimas certos
grupos.
Numa
palavra, os cristãos converteram-se a uma caridade fraterna que abraça todos
os discípulos de Cristo. Se, por causa de violentos tumultos políticos,
acontece surgir, em situações concretas, certa agressividade ou um espírito
de retaliação, as autoridades das partes envolvidas procuram geralmente fazer
prevalecer a « Lei nova » do espírito de caridade. Infelizmente, tal espírito
não conseguiu transformar todas as situações de conflito sangrento. O empenho
ecumênico nestas circunstâncias, não raro, requer a quem o exerce opções de
autêntico heroísmo.
Impõe-se
reafirmar a este propósito, que o reconhecimento da fraternidade não é a
conseqüência de um filantropismo liberal ou de um vago espírito de família;
mas está enraizado no reconhecimento do único Batismo e na conseqüente exigência
de que Deus seja glorificado na sua obra. O Diretório para a aplicação
dos princípios e das normas sobre o ecumenismo almeja um reconhecimento
recíproco e oficial dos Batismos.70
Isto está muito para além de um simples ato de cortesia ecumênica e constitui
uma afirmação básica de eclesiologia.
É
oportuno lembrar aqui que o caráter fundamental do Batismo na obra de edificação
da Igreja foi posto claramente em relevo, também graças ao diálogo
plurilateral.71
A
solidariedade no serviço à humanidade
43.
Acontece cada vez mais freqüentemente os responsáveis das Comunidades cristãs
assumirem posição conjunta, em nome de Cristo, acerca de problemas importantes
que dizem respeito à vocação humana, à liberdade, à justiça, à paz, ao
futuro do mundo. Agindo assim, eles « comungam » num dos elementos
constitutivos da missão cristã: lembrar à sociedade, de modo realista, a
vontade de Deus, alertando as autoridades e os cidadãos para que não sigam
pelo declive que os conduziria a espezinhar os direitos humanos. É claro, e a
experiência demonstra-o, que em algumas circunstâncias a voz comum dos cristãos
tem mais impacto que uma voz isolada.
No
entanto, os responsáveis das Comunidades não são os únicos a unirem-se neste
empenho pela unidade. Numerosos cristãos de todas as Comunidades, motivados
pela sua fé, participam juntos em projetos corajosos que se propõem mudar o
mundo no sentido de fazer triunfar o respeito pelos direitos e necessidades de
todos, especialmente dos pobres, humilhados e desprotegidos. Na Carta encíclica
Sollicitudo rei socialis, constatei, com alegria, esta colaboração,
ressaltando que a Igreja Católica não se lhe pode subtrair.72
De fato, os cristãos, que outrora agiam de modo independente, agora estão
empenhados conjuntamente ao serviço desta causa, para que a benevolência de Deus
possa triunfar.
A lógica
é a do Evangelho. Por este motivo, reiterando o que escrevera já na minha
primeira Carta encíclica, a Redemptor hominis, tive ocasião « de
insistir sobre este ponto e de estimular todo o esforço realizado neste
sentido, em todas as situações em que nos encontramos com outros dos nossos
irmãos cristãos »,73
e agradeci a Deus « por aquilo que já fez nas outras Igrejas e Comunidades
eclesiais e através delas », como também por meio da Igreja Católica.74
Hoje constato com satisfação que a rede já ampla de colaboração ecumênica se
estende cada vez mais. Também pelo influxo do Conselho Ecumênico das Igrejas se
realiza um grande trabalho neste campo.
Convergências
na palavra de Deus e no culto divino
44. Os
progressos da conversão ecumênica são significativos também noutro setor, o
relacionado com a Palavra de Deus. Penso, antes de mais, num fato tão
importante para os vários grupos lingüísticos como são as traduções ecumênicas
da Bíblia. Depois da promulgação pelo Concílio Vaticano II da Constituição
Dei Verbum, a Igreja Católica não podia deixar de acolher com alegria
esta realização.75
Tais traduções, obra de especialistas, oferecem geralmente uma base segura para
a oração e a atividade pastoral de todos os discípulos de Cristo. Quem recorda
como influíram nas divisões, especialmente no Ocidente, os debates em torno da
Escritura, pode compreender quanto seja notável o passo em frente representado
por tais traduções comuns.
45. À
renovação litúrgica realizada pela Igreja Católica correspondeu, em diversas
Comunidades eclesiais, a iniciativa de renovar o seu culto. Algumas delas,
baseadas num desejo expresso a nível ecumênico76,
abandonaram o hábito de celebrar a sua liturgia da Ceia apenas em poucas
ocasiões e optaram por uma celebração dominical. Por outro lado, comparando o
ciclo das leituras litúrgicas de diversas Comunidades cristãs ocidentais,
constata-se que convergem no essencial. Sempre a nível ecumênico,77
deu-se um destaque muito especial à liturgia e aos sinais litúrgicos (imagens,
ícones, paramentos, luz, incenso, gestos). Além disso, nos Institutos de
Teologia onde se formam os futuros ministros, o estudo da história e do
significado da liturgia começa a fazer parte dos programas, como uma necessidade
que se está a redescobrir.
Trata-se
de sinais de convergência que dizem respeito a vários aspetos da vida
sacramental. Sem dúvida que, devido a divergências que têm a ver com a fé,
ainda não é possível concelebrar a mesma liturgia eucarística. E todavia nós
temos o desejo ardente de celebrar juntos a única Eucaristia do Senhor, e este
desejo torna-se já um louvor comum, uma mesma imploração. Juntos nos
dirigimos ao Pai e fazemo-lo cada vez mais « com um só coração ». Às
vezes, parece estar mais perto a possibilidade de finalmente selar esta comunhão
« real, embora ainda não plena ». Quem teria podido sequer imaginá-lo, há
um século?
46.
Neste contexto, é motivo de alegria lembrar que os ministros católicos podem,
em determinados casos particulares, administrar os sacramentos da Eucaristia, da
Penitência, da Unção dos Doentes a outros cristãos que não estão em plena
comunhão com a Igreja Católica, mas que desejam ardentemente recebê-los,
pedem-nos livremente, e manifestam a fé que a Igreja Católica professa nestes
sacramentos. Reciprocamente, em determinados casos e para circunstâncias
particulares, os católicos também podem recorrer, para os mesmos sacramentos,
aos ministros daquelas Igrejas onde eles são válidos. As condições para tal
acolhimento recíproco estão estabelecidas por normas, cuja observância se impõe
em vista da promoção ecumênica.78
Apreciar
os bens presentes nos outros cristãos
47. O
diálogo não se articula exclusivamente à volta da doutrina, mas envolve toda
a pessoa: é também um diálogo de amor. O Concílio afirmou: « É mister que
os católicos reconheçam com alegria e estimem os bens verdadeiramente cristãos,
oriundos de um patrimônio comum, que se encontram nos irmãos de nós
separados. É digno e salutar reconhecer as riquezas de Cristo e as obras de
virtude na vida dos outros que dão testemunho de Cristo, às vezes até à efusão
do sangue. Deus é, com efeito, sempre admirável e digno de admiração em suas
obras ».79
48. As
relações que os membros da Igreja Católica estabeleceram com os outros cristãos
a partir do Concílio para diante, fizeram descobrir aquilo que Deus opera
naqueles que pertencem a outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Este contato direto, a vários níveis, entre os pastores e entre os membros das
Comunidades, fez-nos tomar consciência do testemunho que os outros cristãos
prestam a Deus e a Cristo. Abriu-se assim um espaço muito amplo para toda a
experiência ecumênica, que simultaneamente constitui o desafio que se coloca
nos nossos tempos. Não é porventura o século XX um tempo de grande testemunho
que foi « até à efusão do sangue »? E por acaso este testemunho não diz
respeito também às várias Igrejas e Comunidades eclesiais, que tomam o seu
nome de Cristo crucificado e ressuscitado?
Este
testemunho comum da santidade, como fidelidade ao único Senhor, é um potencial
ecumênico extraordinariamente rico de graça. O Concílio Vaticano II ressaltou
que os bens presentes nos outros cristãos podem contribuir para a edificação
dos católicos: « Nem se passe por alto o fato de que tudo o que a graça do
Espírito Santo realiza nos irmãos separados pode também contribuir para a
nossa edificação. Tudo o que é verdadeiramente cristão jamais se opõe aos
bens genuínos da fé, antes sempre pode fazer com que mais perfeitamente se
compreenda o próprio mistério de Cristo e da Igreja ».80 O diálogo ecumênico,
como verdadeiro diálogo de salvação, não deixará de estimular este
processo, em si mesmo já bem encaminhado, para progredir rumo à comunhão
plena e verdadeira.
Crescimento
da comunhão
49.
Fruto precioso das relações entre os cristãos e do diálogo teológico que
eles realizam, é o crescimento da comunhão. De fato, tais iniciativas
tornaram conscientes os cristãos dos elementos de fé que têm em comum. E isto
serviu para cimentar ainda mais o seu empenho pela unidade plena. Em tudo isso,
o Concílio Vaticano II continua sendo um forte centro de propulsão e
orientamento.
A
Constituição dogmática Lumen gentium liga a doutrina sobre a Igreja
Católica ao reconhecimento dos elementos salvíficos que se encontram nas outras
Igrejas e Comunidades eclesiais.81
Não se trata de uma tomada de consciência de elementos estáticos, presentes
passivamente em tais Igrejas e Comunidades. Como bens da Igreja de Cristo, por
sua natureza impelem para a restauração da unidade. Daí resulta que a procura da
unidade dos cristãos não é um ato facultativo ou oportunista, mas uma exigência
que dimana do próprio ser da comunidade cristã.
Da
mesma forma, os diálogos teológicos bilaterais com as maiores Comunidades
cristãs partem do reconhecimento do grau de comunhão que já existe, para
depois discutir progressivamente as divergências existentes com cada uma. O
Senhor concedeu aos cristãos do nosso tempo a possibilidade de reduzir o
contencioso tradicional.
O
diálogo com as Igrejas do Oriente
50. A
este propósito e antes de mais, deve-se constatar, com especial gratidão à
Providência divina, que a ligação com as Igrejas do Oriente, deteriorada ao
longo dos séculos, foi revigorada com o Concílio Vaticano II. Os observadores
destas Igrejas, presentes no Concílio ao lado de representantes das Igrejas e
Comunidades eclesiais do Ocidente, manifestaram publicamente, num momento tão
solene para a Igreja Católica, a vontade comum de procurar a comunhão.
Por
sua vez, o Concílio testemunhou, com objetividade e profundo afeto, a sua
consideração pelas Igrejas do Oriente, pondo em relevo o seu caráter
eclesial e os vínculos objetivos de comunhão que as unem à Igreja Católica.
Afirma o Decreto sobre o ecumenismo: « Pela celebração da Eucaristia do
Senhor, em cada uma dessas Igrejas, a Igreja de Deus é edificada e cresce »,
acrescentando, como conseqüência, que essas Igrejas « embora separadas, têm
verdadeiros sacramentos, e principalmente em virtude da sucessão apostólica, o
sacerdócio e a Eucaristia, ainda se unem muito intimamente conosco ».82
Nas
Igrejas do Oriente, sobressai a sua grande tradição litúrgica e espiritual, o
caráter específico do seu desenvolvimento histórico, os ordenamentos
seguidos por elas desde os primeiros tempos e sancionados pelos Santos Padres e
pelos Concílios ecumênicos, o seu modo próprio de enunciar a doutrina. Tudo
isto na convicção de que a legítima diversidade não se opõe de forma alguma
à unidade da Igreja, antes aumenta o seu decoro e contribui significativamente
para o cumprimento da sua missão.
O Concílio
Ecumênico Vaticano II, querendo basear o diálogo sobre a comunhão existente,
chama a atenção precisamente para a rica realidade das Igrejas do Oriente: «
Em vista disto, o Sagrado Concílio exorta a todos, mormente aos que pretendem
dedicar-se à restauração da plena comunhão desejada entre as Igrejas
Orientais e a Igreja Católica, a que tenham na devida consideração esta
peculiar condição da origem e do crescimento das Igrejas do Oriente e da índole
das relações que vigoravam entre elas e a Sé Romana antes da separação.
Procurem apreciar retamente todos estes fatores ».83
51.
Esta indicação conciliar foi fecunda quer para as relações de fraternidade,
que se foram desenvolvendo através do diálogo da caridade, quer para a discussão
doutrinal no âmbito da Comissão mista internacional para o diálogo teológico
entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa no seu conjunto. Aquela indicação
foi igualmente rica de frutos nas relações com as antigas Igrejas do Oriente.
Tratou-se
de um processo lento e trabalhoso, mas que se tornou fonte de muita alegria; e
foi também apaixonante, porque permitiu reencontrar progressivamente a
fraternidade.
O
restabelecimento dos contatos
52.
Relativamente à Igreja de Roma e ao Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, o
processo a que acabamos de aludir teve início graças à recíproca abertura
manifestada pelos Papas João XXIII e Paulo VI, de um lado, e pelo Patriarca
Ecumênico Atenágoras I e seus sucessores, do outro. A mudança operada teve a sua
expressão histórica no ato eclesial com que « se tirou da memória e do meio das
Igrejas » 84
a recordação das excomunhões que novecentos anos antes, em 1054, se tinham
tornado símbolo do cisma entre Roma e Constantinopla. Aquele evento eclesial,
tão denso de empenho ecumênico, verificou-se nos últimos dias do Concílio, a 7
de Dezembro de 1965. A Assembléia Conciliar Concluía-se assim com um ato solene,
que era simultaneamente purificação da memória histórica, perdão recíproco e
compromisso solidário na busca da comunhão.
Este
gesto tinha sido precedido pelo encontro entre o Papa Paulo VI e o Patriarca
Atenágoras I, em Jerusalém, no mês de Janeiro de 1964, durante a peregrinação
daquele à Terra Santa. Naquela ocasião, ele pôde encontrar também o
Patriarca ortodoxo de Jerusalém, Benedictos. Em seguida, o Papa Paulo VI fora
visitar o Patriarca Atenágoras a Fanar (Istambul), no dia 25 de Julho de 1967,
e, no mês de Outubro do mesmo ano, o Patriarca era solenemente acolhido em
Roma. Estes encontros na oração apontavam o caminho a seguir para a aproximação
entre a Igreja do Oriente e a Igreja do Ocidente, e o restabelecimento da
unidade que existia entre elas no primeiro milênio.
Depois
da morte do Papa Paulo VI e do breve pontificado do Papa João Paulo I, quando
me foi confiado o ministério de Bispo de Roma, considerei ser um dos primeiros
deveres do meu serviço pontifício renovar um contato pessoal com o Patriarca
ecumênico Dimítrios I, que entretanto tinha assumido, na Sé de
Constantinopla, a sucessão do Patriarca Atenágoras. Durante a minha visita a
Fanar, no dia 29 de Novembro de 1979, pudemos — o Patriarca e eu — decidir a
inauguração do diálogo teológico entre a Igreja Católica e todas as Igrejas
Ortodoxas em comunhão canônica com a Sé de Constantinopla. Importa
acrescentar, a este propósito, que então estavam já em curso os preparativos
para a convocação do futuro Concílio das Igrejas Ortodoxas. A procura da sua
harmonia é um contributo para a vida e a vitalidade daquelas Igrejas irmãs, e
isto em consideração também da função que elas são chamadas a desempenhar
no caminho para a unidade.
O Patriarca Ecumênico quis retribuir-me a visita que
lhe tinha feito em Novembro de 1979, pelo que, em Dezembro de 1987, tive a
alegria de o acolher em Roma, com afeto sincero e a solenidade que lhe era
devida. Neste contexto de fraternidade eclesial, recorde-se o costume, assente já
há vários anos, de acolher em Roma, na festa dos Santos Apóstolos Pedro e
Paulo, uma delegação do Patriarcado Ecumênico, tal como o de enviar a Fanar
uma delegação da Santa Sé à solene celebração de Santo André.
53.
Estes contatos regulares permitem, além do mais, um intercâmbio direto de
informações e pareceres para uma coordenação fraterna. Por outro lado, a
nossa mútua participação na oração habitua-nos de novo a viver lado a lado,
induz-nos a acolher juntos e, conseqüentemente, a pôr em prática a vontade do
Senhor para a sua Igreja.
Ao
longo do caminho que percorremos do Concílio Vaticano II em diante, ocorre
mencionar pelo menos dois acontecimentos particularmente significativos e de
grande relevo ecumênico nas relações entre o Oriente e o Ocidente: em
primeiro lugar, o Jubileu de 1984, promovido para comemorar o XIº centenário da
obra evangelizadora dos Santos Cirilo e Metódio, e que me consentiu proclamar
co-patronos da Europa estes dois Apóstolos dos Eslavos, mensageiros da fé. Já
o Papa Paulo VI, em 1964, durante o Concílio, tinha proclamado S. Bento patrono
da Europa. Associar os dois irmãos de Tessalônica ao grande fundador do
monaquismo ocidental serve indiretamente para pôr em destaque aquela dúplice
tradição eclesial e cultural tão significativa para os dois mil anos de
cristianismo que caracterizaram a história do continente europeu. Por isso, não
é supérfluo recordar que Cirilo e Metódio provinham do âmbito da Igreja
Bizantina do seu tempo, época em que ela estava em comunhão com Roma.
Ao
proclamá-los, juntamente com S. Bento, patronos da Europa, desejava não apenas
confirmar a verdade histórica sobre o cristianismo no continente europeu, mas
também fornecer um tema importante àquele diálogo entre o Oriente e o
Ocidente, que tantas esperanças suscitou no pós-Concílio. A Europa encontra
as suas raízes espirituais tanto em S. Bento, como nos Santos Cirilo e Metódio.
Agora que o segundo milênio do nascimento de Cristo chega ao seu termo, eles hão-de
ser venerados conjuntamente, como patronos do nosso passado e como santos
a quem as Igrejas e as nações do continente europeu confiam o seu futuro.
54. O
outro acontecimento que me apraz recordar, é a celebração do Milênio do
Batismo da Rus' (988-1988). A Igreja Católica, e de modo particular esta Sé
Apostólica, quis tomar parte nas celebrações jubilares, e procurou sublinhar
como o Batismo conferido, em Kiev, a S. Vladimiro fora um dos acontecimentos
centrais para a evangelização do mundo. A ele devem a sua fé, não apenas as
grandes nações eslavas do Leste europeu, mas também aqueles povos que vivem
para além dos Montes Urais até ao Alasca.
E,
nesta perspectiva, encontra a sua motivação mais profunda, aquela afirmação,
que usei várias vezes: a Igreja deve respirar com os seus dois pulmões! No
primeiro milênio da história do cristianismo, essa frase referia-se sobretudo
ao binômio Bizâncio-Roma; desde o batismo da Rus' para a frente, ela vê
alargarem-se os seus confins: a evangelização estendeu-se a um âmbito muito
mais vasto, a ponto de abraçar praticamente a Igreja inteira. Se se considera
ainda que esse acontecimento salvífico, verificado ao longo das margens do
Dniepre, remonta a uma época em que a Igreja no Oriente e no Ocidente não
estava dividida, compreende-se claramente como a perspectiva a seguir para a
plena comunhão, seja aquela da unidade na legítima diversidade. Isto mesmo o
afirmei vigorosamente na Epístola encíclica Slavorum apostoli,85
dedicada aos Santos Cirilo e Metódio, e na Carta apostólica Euntes in
mundum,86
dirigida aos fiéis da Igreja Católica na comemoração do Milênio do Batismo da
Rus' de Kiev.
Igrejas
irmãs
55. No
seu horizonte histórico, o Decreto conciliar Unitatis redintegratio tem
presente a unidade que, apesar de tudo, se viveu no primeiro milênio. Tal
unidade assume, em determinado sentido, a configuração de modelo: « É grato
ao sagrado Concílio trazer à memória de todos o fato de que no Oriente
florescem muitas Igrejas particulares ou locais, entre as quais sobressaem as
Igrejas Patriarcais; não poucas delas se gloriam de ter origem nos próprios Apóstolos
».87 O caminho da Igreja tem início em Jerusalém, no dia do Pentecostes, e
todo o seu desenvolvimento primordial, na oikoumene de então, se
concentrava ao redor de Pedro e dos Onze (cf. At 2, 14). As estruturas
da Igreja no Oriente e no Ocidente foram-se naturalmente formando na linha
daquele patrimônio apostólico. A sua unidade, dentro do primeiro milênio,
mantinha-se naquelas mesmas estruturas, por meio dos Bispos, sucessores dos Apóstolos,
em comunhão com o Bispo de Roma. Se hoje, no final do segundo milênio,
procuramos restabelecer a plena comunhão, é a esta unidade, assim estruturada,
que nos devemos referir.
O
Decreto sobre o ecumenismo põe em relevo um outro aspecto característico, pelo
qual todas as Igrejas particulares permaneciam na unidade: « a solicitude e o
cuidado de conservar na comunhão de fé e caridade aquelas relações fraternas
que devem vigorar entre as Igrejas locais como entre irmãs ».88
56. Após
o Concílio Vaticano II e retomando tal tradição, restabeleceu-se o uso de
atribuir a denominação de « Igrejas irmãs » às Igrejas particulares ou
locais reunidas ao redor do seu bispo. Também a supressão das recíprocas
excomunhões, removendo um doloroso obstáculo de ordem canônica e psicológica,
foi um passo muito significativo no caminho para a plena comunhão.
As
estruturas de unidade, que existiam antes da divisão, são um patrimônio de
experiência que guia o nosso caminho para o reencontro da plena comunhão.
Obviamente, durante o segundo milênio, o Senhor não cessou de dar à sua
Igreja abundantes frutos de graça e de crescimento. Mas, infelizmente, o
progressivo afastamento recíproco entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente
privou-as das riquezas dos dons e ajudas mútuas.
Impõe-se realizar, com a graça
de Deus, um grande esforço para restabelecer entre elas a plena comunhão,
fonte de tantos bens para a Igreja de Cristo. Tal esforço requer toda a nossa
boa vontade, a oração humilde e uma colaboração perseverante que nada deve
desencorajar. S. Paulo incita-nos: « Levai os fardos uns dos outros » (Gl
6, 2). Como se adapta bem a nós e é tão atual esta exortação do Apóstolo!
A denominação tradicional de « Igrejas irmãs » deveria acompanhar-nos
incessantemente neste caminho.
57.
Como almejava o Papa Paulo VI, o nosso claro objetivo é reencontrarmos juntos
a plena unidade na legítima diversidade: « Deus concedeu-nos receber na fé
este testemunho dos Apóstolos. Por meio do batismo, nós somos um só em
Cristo (cf. Gl 3, 28). Em virtude da sucessão apostólica, o sacerdócio
e a Eucaristia unem-nos mais intimamente; participando nos dons de Deus à sua
Igreja, estamos em comunhão com o Pai, por meio do Filho, no Espírito Santo
(...).
Em cada Igreja local, realiza-se este mistério do amor divino.
Porventura não é este o motivo da expressão tradicional e tão bela
Igrejas irmãs, com que gostavam de se designar as Igrejas locais?
(cf. Decreto Unitatis redintegratio, 14). Esta vida de Igrejas irmãs,
vivemo-la nós durante séculos, celebrando juntos os Concílios ecumênicos,
que defenderam o depósito da fé de qualquer alteração. Agora, após um longo
período de divisão e incompreensão recíproca, o Senhor concede
redescobrirmo-nos como Igrejas irmãs, não obstante os obstáculos que no
passado se colocaram entre nós ».89 Se hoje, às portas do terceiro milênio,
procuramos o restabelecimento da plena comunhão, é para a atuação desta
realidade que devemos tender, como é a tal realidade que havemos de fazer referência.
O
contato com esta gloriosa tradição é fecundo para a Igreja. Na verdade, como
afirma o Concílio, « as Igrejas do Oriente têm desde a origem um tesouro, do
qual a Igreja do Ocidente herdou muitas coisas em liturgia, tradição
espiritual e ordenação jurídica ».90
A este
« tesouro » pertencem também « as riquezas daquelas tradições espirituais,
que o monaquismo sobretudo expressou. Pois desde os gloriosos tempos dos Santos
Padres floresceu no Oriente aquela elevada espiritualidade monástica, que de lá
se difundiu para o Ocidente ».91 Como tive ocasião de assinalar na recente
Carta apostólica Orientale lumen, as Igrejas do Oriente viveram com
grande generosidade o empenho testemunhado pela vida monástica, « a começar
pela evangelização, que é o serviço mais elevado que o cristão pode
oferecer ao irmão, para prosseguir em muitas outras formas de serviço
espiritual e material. Mais, pode-se dizer que o monaquismo foi na antiguidade
— e com interrupções, também em tempos sucessivos — o instrumento
privilegiado para a evangelização dos povos ».92
O Concílio
não se limita a pôr em relevo tudo aquilo que torna as Igrejas no Oriente e no
Ocidente semelhantes entre si. De acordo com a verdade histórica, aquele não
hesita em afirmar: « Não admira que alguns aspectos do mistério revelado
sejam por vezes apreendidos mais convenientemente e postos em melhor luz por um
que por outro. Nestes casos, deve dizer-se que aquelas várias fórmulas teológicas,
em vez de se oporem, não poucas vezes se completam mutuamente ».93 O intercâmbio
de dons entre as Igrejas, na sua complementariedade, torna fecunda a comunhão.
58. A
partir da reafirmação da comunhão de fé que já existe, o Concílio Vaticano
II tirou conseqüências pastorais, úteis para a vida consagrada dos fiéis e
para a promoção do espírito de unidade. Por causa dos estreitíssimos vínculos
sacramentais existentes entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas, o
Decreto Orientalium ecclesiarum pôs em evidência que « a praxe
pastoral demonstra, com relação aos irmãos orientais, que se podem e devem
considerar as várias circunstâncias das pessoas nas quais nem é lesada a
unidade da Igreja, nem há perigos a evitar, mas urgem a necessidade da salvação
e o bem espiritual das almas.
Por isso, a Igreja Católica, consideradas as
circunstâncias de tempos, lugares e pessoas, muitas vezes tem usado e usa de
modos de agir mais suaves, a todos dando os meios de salvação e o testemunho
de caridade entre os cristãos através da participação nos sacramentos e em
outras funções e coisas sagradas ».94
Esta
orientação teológica e pastoral com a respectiva experiência feita nos anos
do pós-Concílio, foi assumida por ambos os Códigos de Direito Canônico.95 E
o mesmo ficou explicitado, do ponto de vista pastoral, no Diretório para a
aplicação dos princípios e das normas sobre o ecumenismo.96
Em matéria
tão importante e delicada, é necessário que os Pastores instruam
cuidadosamente os fiéis, para que estes conheçam claramente as razões
precisas, quer de tal partilha no âmbito do culto litúrgico, quer dos
ordenamentos diversos que existem a tal respeito.
Nunca
se há-de perder de vista a dimensão eclesiológica da participação nos
sacramentos, sobretudo na santa Eucaristia.
Progressos
do diálogo
59.
Desde a sua criação em 1979, a Comissão mista internacional para o diálogo
teológico entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa no seu conjunto trabalhou
intensamente, orientando progressivamente a sua pesquisa para aquelas
perspectivas que, de comum acordo, tinham sido determinadas com o objetivo de
restabelecer a plena comunhão entre as duas Igrejas. Tal comunhão fundada na
unidade de fé, em continuidade com a experiência e a tradição da Igreja
antiga, encontrará a sua expressão plena na concelebração da santa
Eucaristia.
Com espírito positivo e baseando-se sobre aquilo que temos em
comum, a Comissão mista pôde avançar substancialmente e, como tive ocasião
de declarar ao venerado Irmão, Sua Santidade Dimítrios I, Patriarca ecumênico,
ela chegou a exprimir « aquilo que a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa já
podem professar juntas como fé comum no mistério da Igreja e no vínculo entre
a fé e os sacramentos ».97 A Comissão pôde ainda constatar e afirmar que, «
nas nossas Igrejas, a sucessão apostólica é fundamental para a santificação
e a unidade do povo de Deus ».98 Trata-se de pontos de referência importantes
para a continuação do diálogo. Mais: estas afirmações feitas conjuntamente
constituem a base que habilita os católicos e os ortodoxos a prestarem desde
agora, no nosso tempo, um testemunho comum, fiel e concorde, para que o nome do
Senhor seja anunciado e glorificado.
60.
Mais recentemente, a Comissão mista internacional realizou um passo
significativo na questão tão delicada do método a seguir na busca da plena
comunhão entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa, questão essa que
freqüentemente exasperou as relações entre católicos e ortodoxos. Ela pôs as
bases doutrinais para uma positiva solução do problema, que se funda sobre a
doutrina das Igrejas irmãs. Neste contexto, também apareceu claramente que o
método a seguir para a plena comunhão é o diálogo da verdade, alimentado e
amparado pelo diálogo da caridade.
O reconhecimento às Igrejas Orientais
Católicas do direito de se organizarem e realizarem o seu apostolado, bem como o
efetivo envolvimento destas Igrejas no diálogo da caridade e no diálogo
teológico favorecerão não apenas um respeito recíproco, real e fraterno, entre
os ortodoxos e os católicos que vivem no mesmo território, mas também o seu
empenho comum na busca da unidade.99
Um passo em frente foi dado. O empenhamento deve continuar. Já desde agora se
pode, porém, constatar uma pacificação dos ânimos, que torna a busca mais
fecunda.
Quanto
às Igrejas Orientais já em comunhão com a Igreja Católica, o Concílio
exprimira o seu apreço nos termos seguintes: « Dando graças a Deus porque
muitos filhos orientais da Igreja Católica (...) já vivem em plena comunhão
com os irmãos que cultivam a tradição ocidental, este Sagrado Concílio
declara que todo este patrimônio espiritual, litúrgico e teológico, nas suas
diversas tradições, faz parte da plena catolicidade e apostolicidade da Igreja
».100 Certamente as Igrejas Orientais Católicas saberão, no espírito do
Decreto sobre o ecumenismo, participar positivamente no diálogo da caridade e
no diálogo teológico, quer a nível local quer a nível universal,
contribuindo assim para a recíproca compreensão e para uma procura dinâmica
da plena unidade.101
61.
Nesta perspectiva, a Igreja Católica nada mais deseja senão a plena comunhão
entre Oriente e Ocidente. Para isso, inspira-se na experiência do primeiro milênio.
Nesse período, de fato, « o desenvolvimento de diferentes experiências de
vida eclesial não impedia que, mediante relações recíprocas, os cristãos
pudessem continuar a saborear a certeza de estarem na sua própria casa em
qualquer Igreja, porque de todas se elevava, numa admirável variedade de línguas
e entoações, o louvor do único Pai, por Cristo, no Espírito Santo; todas se
reuniam para celebrar a Eucaristia, coração e modelo da comunidade, não só
pelo que diz respeito à espiritualidade ou à vida moral, mas também para a própria
estrutura da Igreja, na variedade dos ministérios e dos serviços sob a presidência
do Bispo, sucessor dos Apóstolos. Os primeiros Concílios são um testemunho
eloqüente desta constante unidade na diversidade ».102 Como recompor tal
unidade, após quase mil anos? Eis a grande tarefa que a Igreja Católica deve
cumprir, e que pesa igualmente sobre a Igreja Ortodoxa. Daqui se compreende toda
a atualidade do diálogo, amparado pela luz e pela força do Espírito Santo.
Relações
com as antigas Igrejas do Oriente
62.
Desde o Concílio Vaticano II em diante, a Igreja Católica, com modalidades e
ritmos diversos, estreitou relações fraternas também com aquelas antigas
Igrejas do Oriente, que contestaram as fórmulas dogmáticas dos Concílios de
Éfeso e de Calcedônia. Todas estas Igrejas enviaram observadores como
delegados ao Concílio Vaticano II; os seus Patriarcas honraram-nos com a sua
visita, e o Bispo de Roma pôde falar com eles como a irmãos que, após longo
tempo, felizes se reencontram.
O
restabelecimento das relações fraternas com as antigas Igrejas do Oriente,
testemunhas da fé cristã muitas vezes em situações hostis e trágicas, é um
sinal concreto de quanto Cristo nos una, não obstante as barreiras históricas,
políticas, sociais e culturais. E precisamente a propósito do tema cristológico,
pudemos, juntamente com os Patriarcas de algumas destas Igrejas, declarar a
nossa fé comum em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O Papa
Paulo VI, de veneranda memória, tinha assinado declarações neste sentido com
Sua Santidade Shenouda III, Papa e Patriarca copto ortodoxo,103 e com o
Patriarca siro ortodoxo de Antioquia, Sua Santidade Jacoub III.104 Eu mesmo pude
confirmar esse acordo cristológico e tirar as suas conseqüências: para o
desenvolvimento do diálogo, com o Papa Shenouda,105 e para a colaboração
pastoral, com o Patriarca siro de Antioquia Mar Ignazio Zakka I Iwas.106
Com o
venerável Patriarca da Igreja da Etiópia, Abuna Paulos, que me veio visitar a
Roma no dia 11 de Junho de 1993, sublinhamos a profunda comunhão existente
entre as nossas duas Igrejas: « Compartilhamos a fé transmitida pelos Apóstolos,
bem como os mesmos sacramentos e o mesmo ministério, radicados na sucessão
apostólica (...). Hoje, aliás, podemos afirmar que temos uma só fé em
Cristo, apesar de por longo tempo isto ter sido uma fonte de divisão entre nós
».107
Mais
recentemente, o Senhor deu-me a alegria imensa de subscrever uma declaração
cristológica comum com o Patriarca Assírio do Oriente, Sua Santidade Mar
Dinkha IV, que, por este motivo, quis visitar-me em Roma, no mês de Novembro de
1994. Tendo em conta certas formulações teológicas diferenciadas, pudemos
assim professar juntos a verdadeira fé em Cristo.108 Quero exprimir o meu júbilo
por tudo isto, com as palavras da Virgem: « A minha alma glorifica ao Senhor »
(Lc 1, 46).
63.
Para as tradicionais controvérsias sobre a cristologia, os contatos ecumênicos
tornaram, assim, possíveis alguns esclarecimentos essenciais, a ponto de nos
permitir confessar juntos a fé que nos é comum. Uma vez mais, há que
constatar que uma aquisição tão importante é seguramente fruto da pesquisa
teológica e do diálogo fraterno. E mais. Ela serve-nos de encorajamento:
mostra- -nos, de fato, que o caminho percorrido é justo e que razoavelmente se
pode esperar encontrar juntos a solução para as outras questões controversas.
Diálogo
com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais no Ocidente
64. No
amplo plano traçado para a restauração da unidade entre todos os cristãos, o
Decreto sobre o ecumenismo toma igualmente em consideração as relações com
as Igrejas e Comunidades eclesiais do Ocidente. Com o intuito de instaurar um
clima de fraternidade cristã e de diálogo, o Concílio situa as suas indicações
no âmbito de duas considerações de ordem geral: uma de caráter histórico-psicológico,
e outra de caráter teológico-doutrinal. Por um lado, o citado documento
ressalta: « As Igrejas e Comunidades eclesiais, que se separaram da Sé Apostólica
Romana naquela grave perturbação iniciada no Ocidente já pelos fins da Idade
Média, ou em tempos posteriores, continuam, contudo, ligadas à Igreja Católica
pelos laços de uma peculiar afinidade devida à longa convivência do povo
cristão na comunidade eclesiástica durante os séculos passados ».109 Por
outro lado e com igual realismo, constata-se: « É preciso, contudo, reconhecer
que entre estas Igrejas e Comunidades e a Igreja Católica há discrepâncias
consideráveis, não só de índole histórica, sociológica, psicológica,
cultural, mas sobretudo de interpretação da verdade revelada ».110
65.
Comuns são as raízes, tal como semelhantes, apesar das diferenças, são as
orientações que guiaram no Ocidente o desenvolvimento da Igreja Católica e
das Igrejas e Comunidades saídas da Reforma. Conseqüentemente elas possuem uma
característica ocidental comum. As « discrepâncias » acima acenadas, ainda
que importantes, não excluem, portanto, influências e complementariedade recíproca.
O
movimento ecumênico teve início precisamente no âmbito das Igrejas e
Comunidades da Reforma. Contemporaneamente, estava-se em Janeiro de 1920, o
Patriarca Ecumênico tinha formulado votos de que se organizasse uma colaboração
entre as Comunhões cristãs. Este fato demonstra que a incidência do contexto
cultural não é decisiva. Essencial é, pelo contrário, a questão da fé. A
oração de Cristo, nosso único Senhor, Redentor e Mestre, interpela a todos do
mesmo modo, tanto no Oriente como no Ocidente. Torna-se um imperativo que obriga
a abandonar as divisões para buscar e reencontrar a unidade, impelidos
inclusivamente pelas próprias amargas experiências da divisão.
66. O
Concílio Vaticano II não tenta fazer a « descrição » do cristianismo saído
da Reforma, já que as « Igrejas e Comunidades eclesiais (...) não só diferem
de nós mas também diferem consideravelmente entre si », e isto « por causa
da diversidade de origem, doutrina e vida espiritual ».111
Além disso, o mesmo Decreto observa que o movimento ecumênico e o desejo de paz
com a Igreja Católica ainda não alastrou por toda a parte.112
Mas, independentemente destas circunstâncias, o Concílio propõe o diálogo.
O
Decreto conciliar procura, depois, « expor (...) alguns pontos que podem e
devem ser o fundamento e o incentivo deste diálogo ».113
«
Consideramos (...) aqueles cristãos que, para glória de Deus único, Pai e
Filho e Espírito Santo, abertamente confessam Jesus Cristo como Deus e Senhor e
único mediador entre Deus e os homens ».114
Estes
irmãos promovem o amor e a veneração pela Sagrada Escritura: « Invocando o
Espírito Santo, na própria Sagrada Escritura, procuram a Deus que lhes fala em
Cristo anunciado pelos profetas, Verbo de Deus por nós encarnado. Nela
contemplam a vida de Cristo e aquilo que o divino Mestre ensinou e realizou para
a salvação dos homens, sobretudo os mistérios da sua morte e ressurreição.
(...) Afirmam a autoridade divina da Sagrada Escritura ».115
Ao
mesmo tempo, contudo, pensam « diferentemente de nós (...) sobre a relação entre
a Escritura e a Igreja. Na Igreja, segundo a fé católica, o magistério autêntico
tem lugar peculiar na exposição e pregação da palavra de Deus escrita ».116
Apesar disso, « no (...) diálogo 1, a Sagrada Escritura é um exímio instrumento
na poderosa mão de Deus para a consecução daquela unidade que o Salvador oferece
a todos os homens ».117
Além
disso, o sacramento do Batismo, que temos em comum, representa « o vínculo
sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por ele ».118 As
implicações teológicas, pastorais e ecumênicas do Batismo comum são muitas
e importantes. Embora de per si constitua apenas « o início e o exórdio »,
este sacramento « ordena-se à completa profissão da fé, à íntegra
incorporação na obra da salvação, tal como o próprio Cristo o quis, e
finalmente à total inserção na comunhão eucarística ».119
67.
Apareceram divergências doutrinais e históricas do tempo da Reforma, a propósito
da Igreja, dos sacramentos e do Ministério ordenado. Por isso, o Concílio
requer que « se tome como objeto do diálogo a doutrina sobre a Ceia do
Senhor, sobre os outros sacramentos, sobre o culto e sobre os ministérios da
Igreja ».120
Ao
assinalar que às Comunidades saídas da Reforma falta « a unidade plena
conosco proveniente do batismo », o Decreto Unitatis redintegratio
observa que elas não conservaram « a genuína e íntegra substância do mistério
eucarístico, sobretudo por causa da falta do sacramento da Ordem », mas «
quando na santa Ceia comemoram a morte e a ressurreição do Senhor, elas
confessam ser significada a vida na comunhão de Cristo e esperam o seu glorioso
advento ».121
68. O
Decreto não esquece a vida espiritual e as conseqüências morais: « A vida
cristã destes irmãos alimenta-se da fé em Cristo e é fortalecida pela graça
do batismo e pela escuta da palavra de Deus. Manifesta-se na oração privada,
na meditação bíblica, na vida familiar cristã, no culto da comunidade
congregada para o louvor de Deus. Aliás, o culto deles contém por vezes notáveis
elementos da antiga Liturgia comum ».122
O
documento conciliar, aliás, não se limita a estes aspectos espirituais, morais
e culturais, mas regista com apreço também o sentimento vivo da justiça e da
sincera caridade para com o próximo, que estão presentes nestes irmãos; não
esquece, além disso, as suas iniciativas para tornar mais humanas as condições
sociais da vida e para restabelecer a paz. Tudo isto, com a sincera vontade de
aderir à palavra de Cristo enquanto fonte da vida cristã.
Deste
modo, o texto põe em destaque uma problemática, no campo ético-moral, que se
torna cada vez mais urgente no nosso tempo: « Muitos dentre os cristãos nem
sempre entendem o Evangelho do mesmo modo que os católicos ».123
Nesta vasta matéria, há grande espaço de diálogo acerca dos princípios morais do
Evangelho e das suas aplicações.
69. Os
votos e o convite do Concílio Vaticano II foram atuados, tendo-se iniciado
progressivamente o diálogo teológico bilateral com as várias Igrejas e
Comunidades cristãs mundiais do Ocidente.
Quanto
ao diálogo plurilateral, já em 1964 tinha início o processo da constituição
de um « Grupo Misto de Trabalho » com o Conselho Ecumênico das Igrejas e,
desde 1968, teólogos católicos começaram a tomar parte, como membros de pleno
direito, no Departamento teológico do referido Conselho, a Comissão « Fé e
Constituição ».
O diálogo
foi fecundo e rico de promessas, e continua a sê-lo. Os temas sugeridos pelo
Decreto conciliar como matéria de diálogo, foram já enfrentados ou sê-lo-ão
brevemente. A reflexão ao nível dos vários diálogos bilaterais, com uma
dedicação que merece o elogio de toda a comunidade ecumênica, concentrou-se
sobre muitas questões controversas, como o Batismo, a Eucaristia, o Ministério
ordenado, a sacramentalidade e a autoridade da Igreja, a sucessão apostólica.
Foram-se delineando assim perspectivas de soluções inesperadas, mas, ao mesmo
tempo, compreendeu-se como era necessário investigar mais profundamente alguns
argumentos.
70.
Esta busca difícil e delicada, que implica problemas de fé e respeito da
consciência própria e alheia, foi acompanhada e sustentada pela oração da
Igreja Católica e das outras Igrejas e Comunidades eclesiais. A oração pela
unidade, já tão radicada e difundida no tecido conectivo eclesial, mostra que
a importância da questão ecumênica não passa despercebida aos cristãos.
Exatamente porque a busca da plena unidade exige um confronto de fé entre
crentes que se apelam ao único Senhor, a oração é a fonte de iluminação
acerca da verdade que se há-de acolher em toda a sua integridade.
Além
disso, através da oração, a busca da unidade, longe de ficar circunscrita ao
âmbito de especialistas, estende-se a todo o batizado. Todos podem,
independentemente do seu papel na Igreja e da sua formação cultural, dar um
contributo ativo, numa dimensão misteriosa e profunda.
Relações
eclesiais
71. É
preciso também dar graças à Providência divina por todos os acontecimentos
que testemunham o progresso no caminho da busca da unidade. A par do diálogo
teológico, há que mencionar oportunamente as outras formas de encontro, a oração
em comum e a colaboração prática. O Papa Paulo VI deu um forte impulso a este
processo com a sua visita à sede do Conselho Ecumênico das Igrejas, em
Genebra, que teve lugar a 10 de Junho de 1969, e encontrando muitas vezes os
representantes de várias Igrejas e Comunidades eclesiais. Estes contatos
contribuem eficazmente para melhorar o conhecimento recíproco e fazer crescer a
fraternidade cristã.
O Papa
João Paulo I, durante o seu pontificado tão breve, exprimiu a vontade de
continuar o caminho.124
O Senhor concedeu-me trabalhar nesta direção. Para além dos importantes
encontros ecumênicos havidos em Roma, uma parte significativa das minhas visitas
pastorais é habitualmente dedicada ao testemunho a favor da unidade dos
cristãos. Algumas das minhas viagens apresentam mesmo uma « prioridade »
ecumênica, especialmente em países onde as comunidades católicas estão em
minoria, relativamente às Comunhões saídas da Reforma; ou em lugares onde estas
últimas representam uma porção considerável dos crentes em Cristo de determinada
sociedade.
72.
Isto vale sobretudo para os países europeus, onde tiveram início estas divisões,
e para a América do Norte. Neste contexto, e sem querer diminuir as demais
visitas, merecem especial relevo, no continente europeu, as duas feitas à
Alemanha, em Novembro de 1980 e em Abril-Maio de 1987 respectivamente; a visita
à Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), em Maio-Junho de 1982;
à Suíça, no mês de Junho de 1984; aos Países Escandinavos e Nórdicos (Finlândia,
Suécia, Noruega, Dinamarca e Islândia), onde me desloquei em Junho de 1989. Na
alegria, no respeito recíproco, na solidariedade cristã e na oração,
encontrei tantos e tantos irmãos, todos eles comprometidos na busca da
fidelidade ao Evangelho. A constatação de tudo isto foi para mim fonte de
grande encorajamento. Experimentamos a presença do Senhor entre nós.
A este
propósito, queria lembrar um gesto, ditado pela caridade fraterna e repassado
de profunda lucidez de fé, que vivi com intensa emoção. Passou-se nas celebrações
eucarísticas, que presidi na Finlândia e na Suécia, durante a minha viagem
aos Países Escandinavos e Nórdicos. No momento da comunhão, os Bispos
luteranos apresentaram-se ao celebrante. Com um gesto de antemão acordado, eles
quiseram demonstrar o desejo de chegar ao momento em que nós, católicos e
luteranos, teremos a possibilidade de partilhar a mesma Eucaristia, e quiseram
receber a bênção do celebrante. Com amor, os abençoei. O mesmo gesto, muito
rico de significado, foi repetido em Roma, durante a missa que presidi, na Praça
Farnese, por ocasião do VI centenário da canonização de Santa Brígida, a 6
de Outubro de 1991.
Encontrei
análogos sentimentos do outro lado do oceano, no Canadá, em Setembro de 1984;
e especialmente, no mês de Setembro de 1987, nos Estados Unidos, onde se nota
uma grande abertura ecumênica. É o caso — para dar um exemplo — do
encontro ecumênico em Colúmbia, na Carolina do Sul, a 11 de Setembro de 1987.
Já de per si é importante o fato de que se verifiquem com regularidade estes
encontros entre os irmãos do « pós-Reforma » e o Papa. Estou-lhes
profundamente grato, porque eles me aceitaram de boa vontade, tanto os responsáveis
das várias Comunidades, como as Comunidades no seu todo. Deste ponto de vista,
julgo significativa a celebração ecumênica da Palavra, realizada em Colúmbia
e que teve por tema a família.
73.
Motivo de grande alegria é, ainda, a constatação de como, no período pós-conciliar,
abundam, nas diversas Igrejas locais, as iniciativas e ações a favor da
unidade dos cristãos, as quais estendem sucessivamente a sua incidência ao nível
das Conferências episcopais, de cada uma das dioceses e comunidades paroquiais,
como também dos diversos ambientes e movimentos eclesiais.
Colaborações
realizadas
74. «
Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim
aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus » (Mt 7, 21). A
coerência e a honestidade das intenções e afirmações de princípio
verificam-se pela sua aplicação à vida concreta. O Decreto conciliar sobre o
ecumenismo assinala que, nos outros cristãos, « a sua fé em Cristo produz
frutos de louvor e ação de graças pelos benefícios recebidos de Deus. Há
também, entre eles, um vivo sentido da justiça e uma sincera caridade para com
o próximo ».125
O
terreno, agora delineado, é fértil não apenas para o diálogo, mas também
para uma ativa colaboração: a « fé operosa produziu não poucas instituições
para aliviar a miséria espiritual e corporal, promover a educação da
juventude, tornar mais humanas as condições sociais da vida e estabelecer por
toda a parte a paz ».126
A vida
social e cultural oferece amplos espaços de colaboração ecumênica. Com uma
freqüência sempre maior, os cristãos aparecem juntos a defender a dignidade
humana, a promover o bem da paz, a aplicação social do Evangelho, a tornar
presente o espírito cristão nas ciências e nas artes. Eles encontram-se cada
vez mais unidos, quando se trata de ir ao encontro das carências e misérias do
nosso tempo: a fome, as calamidades, a injustiça social.
75.
Esta cooperação, que recebe inspiração do próprio Evangelho, deixa de ser
uma mera ação humanitária, para os cristãos. Mas tem a sua razão de ser na
palavra do Senhor: « Tive fome e destes-Me de comer » (Mt 25, 35). Como
já sublinhei, a cooperação de todos os cristãos manifesta claramente aquele
grau de comunhão que existe já entre eles.127
Assim
aos olhos do mundo, a ação concorde dos cristãos na sociedade reveste o
valor transparente de um testemunho prestado unanimemente ao nome do Senhor.
Aquela assume também as dimensões de um anúncio, porque revela o rosto de
Cristo.
As
divergências doutrinais que restam, exercem uma influência negativa e põem
limites também à colaboração. Porém, a comunhão de fé já existente entre
os cristãos oferece uma base sólida para a sua ação conjunta não apenas no
campo social, mas também no âmbito religioso.
Esta
cooperação facilitará a procura da unidade. O Decreto sobre o ecumenismo
observa que, por ela, « todos os que crêem em Cristo podem mais facilmente
aprender como devem entender-se melhor e estimar-se mais uns aos outros, e assim
se abre o caminho que leva à unidade dos cristãos ».128
76.
Neste contexto, como não recordar o interesse ecumênico pela paz, que se
exprime na oração e na ação com uma participação crescente dos cristãos
e uma motivação teológica que pouco a pouco se vai tornando mais profunda?
Nem poderia ser de outro modo. Porventura não acreditamos nós em Jesus Cristo,
Príncipe da paz? Os cristãos estão cada vez mais unidos na rejeição da violência,
qualquer tipo de violência, desde as guerras à injustiça social.
Somos
chamados a um compromisso cada vez mais ativo, a fim de se manifestar ainda
mais claramente que as motivações religiosas não são a verdadeira causa dos
conflitos em curso, embora infelizmente, não esteja esconjurado o risco de
instrumentalizações para fins políticos e polêmicos.
No ano
1986, durante a Jornada Mundial de Oração pela Paz, em Assis, os cristãos
das várias Igrejas e Comunidades eclesiais invocaram, a uma só voz, o Senhor
da história pela paz no mundo. Naquele dia, de modo distinto mas paralelo,
rezaram pela paz também os hebreus e os representantes das religiões não
cristãs, numa sintonia de sentimentos que fizeram vibrar as cordas mais
profundas do espírito humano.
E não
quero esquecer a Jornada de Oração pela Paz na Europa especialmente nos
Balcãs, que me levou de novo como peregrino à cidade de S. Francisco, nos
dias 9 e 10 de Janeiro de 1993, bem como a Missa pela Paz nos Balcãs e de
modo particular na Bósnia-Herzegovina, que presidi a 23 de Janeiro de 1994
na Basílica de S. Pedro, no contexto da Semana de oração pela unidade dos
cristãos.
Quando
o nosso olhar percorre o mundo, a alegria invade o nosso espírito. Constatamos,
de fato, que os cristãos se sentem cada vez mais interpelados pela questão da
paz. Consideram-na estritamente conexa com o anúncio do Evangelho e com o
advento do Reino de Deus.
III - QUANTA
EST NOBIS VIA?
Continuar
e intensificar o diálogo
77.
Agora podemos interrogar-nos sobre quanta estrada nos separa ainda daquele dia
abençoado, em que será alcançada a plena unidade na fé e poderemos então na
concórdia concelebrar a santa Eucaristia do Senhor. O melhor conhecimento recíproco
já conseguido entre nós, as convergências doutrinais alcançadas e que
tiveram como conseqüência um crescimento afetivo e efetivo de comunhão, não
podem bastar para a consciência dos cristãos que professam a Igreja una,
santa, católica e apostólica. A finalidade última do movimento ecumênico é
o restabelecimento da plena unidade visível de todos os batizados.
Na
perspectiva desta meta, todos os resultados conseguidos até agora não passam
de uma etapa, embora prometedora e positiva.
78. No
movimento ecumênico, não são apenas a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas
que possuem esta noção exigente da unidade querida por Deus. A tendência para
tal unidade é expressa também por outros.129
O
ecumenismo implica que as Comunidades cristãs se ajudem mutuamente, para que
esteja verdadeiramente presente nelas todo o conteúdo e todas as exigências « da
herança deixada pelos Apóstolos ».130
Sem isso, a plena comunhão nunca será possível. Esta ajuda recíproca na busca da
verdade é uma forma suprema da caridade evangélica.
A
busca da unidade está expressa nos vários documentos das numerosas Comissões
mistas internacionais de diálogo. Nesses textos, trata-se do Batismo, da
Eucaristia, do Ministério e da Autoridade, partindo de uma certa unidade
fundamental de doutrina.
Desta
unidade fundamental, mas ainda parcial, deve-se agora passar àquela unidade visível,
necessária e suficiente, que se inscreva na realidade concreta, para que as
Igrejas realizem verdadeiramente o sinal daquela comunhão plena na Igreja una,
santa, católica e apostólica, que se há-de exprimir na concelebração eucarística.
Este
caminho para a unidade visível necessária e suficiente, na comunhão da única
Igreja querida por Cristo, exige ainda um trabalho paciente e corajoso. Ao fazê-lo,
é preciso não impor outras obrigações fora das indispensáveis (cf. At
15, 28).
79. Já
desde agora, é possível individuar os argumentos que ocorre aprofundar para se
alcançar um verdadeiro consenso de fé: 1) as relações entre Sagrada
Escritura, suprema autoridade em matéria de fé, e a Sagrada Tradição,
indispensável interpretação da palavra de Deus; 2) a Eucaristia, sacramento
do Corpo e do Sangue de Cristo, oferta de louvor ao Pai, memória sacrifical e
presença real de Cristo, efusão santificadora do Espírito Santo; 3) a Ordem,
como sacramento, para o tríplice ministério do episcopado, do presbiterado e
do diaconado; 4) o Magistério da Igreja, confiado ao Papa e aos Bispos em
comunhão com ele, concebido como responsabilidade e autoridade em nome de
Cristo para o ensino e preservação da fé; 5) a Virgem Maria, Mãe de Deus e
Ícone da Igreja, Mãe espiritual que intercede pelos discípulos de Cristo e
pela humanidade inteira.
Neste
corajoso caminho para a unidade, a lucidez e a prudência da fé impõem-nos
evitar o falso irenismo e a negligência pelas normas da Igreja.131
Mas, a mesma lucidez e prudência recomendam-nos fugir do desleixo no
empenhamento pela unidade e, mais ainda, da oposição preconcebida ou do
derrotismo que tende a ver tudo pelo negativo.
Manter
uma visão da unidade que tenha em conta todas as exigências da verdade revelada,
não significa pôr um freio ao movimento ecumênico.132
Pelo contrário, significa evitar que ele se acomode a soluções aparentes, que
não chegariam a nada de estável e sólido.133
A exigência da verdade deve ser completamente respeitada. E não é, porventura,
esta a lei do Evangelho?
Recepção
dos resultados conseguidos
80.
Enquanto prossegue o diálogo sobre novas temáticas ou se desenvolve a níveis
mais profundos, temos uma tarefa nova a realizar: como receber os resultados
conseguidos até agora. Estes não podem permanecer como simples afirmações
das Comissões bilaterais, mas devem tornar-se patrimônio comum. Para que isto
se verifique, reforçando assim os laços de comunhão, é preciso um sério
exame que, segundo modos, formas e competências diversas, há-de envolver todo
o povo de Deus. De fato, trata-se de questões que, freqüentemente, dizem
respeito à fé e, como tais, requerem o consenso universal, que se estende dos
Bispos aos fiéis leigos, pois todos receberam a unção do Espírito Santo.134
É o mesmo Espírito que assiste o Magistério e suscita o sensus fidei.
Para
receber os resultados do diálogo impõe- -se, portanto, um amplo e cuidadoso
processo crítico que analise e verifique com rigor a sua coerência com a Tradição
de fé, recebida dos Apóstolos e vivida na comunidade dos crentes reunida ao
redor do Bispo, seu legítimo Pastor.
81.
Este processo, que se há-de efetuar com prudência e em atitude de fé, terá
a assistência do Espírito Santo. Para que tenha êxito favorável, é necessário
que os seus resultados sejam oportunamente divulgados por pessoas competentes.
Para semelhante objetivo, é de grande importância o contributo que os teólogos
e Faculdades de Teologia estão chamados a oferecer, no cumprimento do seu
carisma na Igreja. Claro está que as comissões ecumênicas têm, a este
respeito, responsabilidades e funções totalmente singulares.
Todo o
processo é seguido e ajudado pelos Bispos e pela Santa Sé. A autoridade
docente tem a responsabilidade de exprimir o juízo definitivo.
Em
tudo isto, será de grande ajuda ater-se metodologicamente à distinção entre
o depósito da fé e a formulação em que ele é expresso, como recomendava o
Papa João XXIII no discurso pronunciado na abertura do Concílio Vaticano
II.135
Continuar
o ecumenismo espiritual e testemunhar a santidade
82.
Compreende-se como a gravidade do compromisso ecumênico interpele profundamente
os fiéis católicos. O Espírito convida-os a um sério exame de consciência.
A Igreja Católica deve entrar naquilo que se poderia chamar « diálogo da
conversão », no qual está posto o fundamento interior do diálogo ecumênico.
Em tal diálogo, que se realiza diante de Deus, cada um deve procurar os próprios
erros, confessar as suas culpas, e colocar-se nas mãos d'Aquele que é o
Intercessor junto do Pai, Jesus Cristo.
Certamente,
é nesta relação de conversão à vontade do Pai e, ao mesmo tempo, de penitência
e de absoluta confiança no poder reconciliador da verdade que é Cristo, que se
acha a força para levar a bom termo a longa e árdua peregrinação ecumênica.
O « diálogo da conversão » de cada comunidade com o Pai, sem indulgência
por si própria, é o fundamento de relações fraternas que sejam algo diverso
de mero entendimento cordial ou de uma convivência simplesmente exterior. Os laços
da koinônia fraterna hão-de ser tecidos diante de Deus e em Cristo
Jesus.
Somente o colocar-se diante de Deus pode oferecer uma base sólida para aquela
conversão dos indivíduos cristãos e para aquela contínua reforma da Igreja,
enquanto instituição também humana e terrena,136
que constituem as condições preliminares de todo o empenho ecumênico. Um dos
procedimentos fundamentais do diálogo ecumênico é o esforço de envolver as
Comunidades cristãs neste espaço espiritual, completamente interior, onde
Cristo, pelo poder do Espírito, as induz a todas, sem exceção, a examinarem-se
diante do Pai e a interrogarem-se se foram fiéis ao seu desígnio sobre a Igreja.
83.
Falei da vontade do Pai, do espaço espiritual onde cada comunidade escuta o
apelo a superar os obstáculos à unidade. Pois bem, todas as Comunidades cristãs
sabem que semelhante exigência e um tal superamento, graças à força que o
Espírito dá, não estão fora do seu alcance. Com efeito, todas têm mártires da fé
cristã.137
Não obstante o drama da divisão, estes irmãos conservaram em si mesmos uma união
a Cristo e a seu Pai tão radical que pôde chegar até ao derramamento do sangue.
Mas não é, porventura, essa mesma união que é chamada em causa naquilo que
classifiquei como « diálogo da conversão »? Não é, por acaso, este diálogo que
sublinha a necessidade de seguir em toda a sua profundidade a experiência da
verdade para a plena comunhão?
84.
Numa visão teocêntrica, nós, cristãos, já temos um Martirológio
comum. Este inclui também os mártires do nosso século, mais numerosos do que
se pensa, e mostra como, a um nível profundo, Deus manteve entre os batizados
a comunhão na exigência suprema da fé, manifestada com o sacrifício da
vida.138 Se se pode morrer pela fé, isso demonstra que se pode alcançar a
meta, quando se trata de outras formas da mesma exigência. Já constatei, e com
alegria, como a comunhão, imperfeita mas real, é mantida e cresce a muitos níveis
da vida eclesial. Considero agora que ela seja já perfeita naquilo que todos nós
consideramos o ápice da vida de graça, o martyria até à morte, a
comunhão mais verdadeira que possa existir com Cristo que derrama o seu Sangue
e, neste sacrifício, aproxima aqueles que outrora estavam longe (cf. Ef
2, 13).
Se
para todas as Comunidades cristãs os mártires são a prova do poder da graça,
estes contudo não são os únicos que testemunham tal poder. Embora de modo
invisível, a comunhão ainda não plena das nossas comunidades está, na
verdade, solidamente cimentada na plena comunhão dos santos, isto é, daqueles
que, no termo de uma existência fiel à graça, estão na comunhão de Cristo
glorioso. Estes santos provêm de todas as Igrejas e Comunidades
eclesiais, que lhes abriram a entrada na comunhão da salvação.
Quando
se fala de um patrimônio comum, devem-se inserir nele não só as instituições,
os ritos, os meios de salvação, as tradições que todas as Comunidades
conservaram e pelas quais elas estão plasmadas, mas também, e em primeiro
lugar, esta realidade da santidade.139
Na
irradiação que dimana do « patrimônio dos santos » pertencentes a todas as
Comunidades, o « diálogo da conversão » para a unidade plena e visível
apresenta-se, então, sob uma luz de esperança. Esta presença universal dos
santos dá, de fato, a prova da transcendência do poder do Espírito. Ela é
sinal e prova da vitória de Deus sobre as forças do mal que dividem a
humanidade. Justamente canta a liturgia essa intervenção vitoriosa de Deus nos
santos: « ao coroar os seus méritos, coroais os vossos próprios dons ».140
Onde
existe a vontade sincera de seguir Cristo, muitas vezes o Espírito consegue
derramar a sua graça por sendas diversas daquelas ordinárias. A experiência
ecumênica permitiu-nos compreendê-lo melhor. Se, no espaço espiritual
interior que descrevi, as Comunidades souberem « converter-se »
verdadeiramente à busca da comunhão plena e visível, Deus fará por elas
aquilo que fez pelos seus santos. Ele saberá superar os obstáculos herdados do
passado e conduzi-las-á, pelos seus caminhos, onde Ele quer: à koinônia
visível que é, simultaneamente, louvor da sua glória e serviço ao seu desígnio
de salvação.
85.
Visto que, na sua infinita misericórdia, Deus pode tirar o bem até mesmo das
situações que ofendem o seu desígnio, podemos então descobrir que o Espírito
fez com que as oposições servissem, em algumas circunstâncias, para
explicitar aspectos da vocação cristã, como sucede na vida dos santos. Apesar
da divisão, que é um mal de que nos devemos curar, todavia realizou-se como
que uma comunicação da riqueza da graça, que está destinada a embelezar a koinônia:
a graça de Deus estará com todos aqueles que, seguindo o exemplo dos santos,
se esforçam por favorecer as suas exigências. Como podemos nós hesitar em
converter-nos aos anseios do Pai? Ele está conosco.
Contributo
da Igreja Católica na busca da unidade dos cristãos
86. A
Constituição Lumen gentium, numa afirmação fundamental que ressoa
depois no Decreto Unitatis redintegratio,141 escreve que a única Igreja
de Cristo subsiste na Igreja Católica.142 O Decreto sobre o ecumenismo sublinha
a presença nela da plenitude (plenitudo) dos instrumentos de salvação.143
A plena unidade realizar-se-á quando todos participarem da plenitude dos meios
de salvação que Cristo confiou à sua Igreja.
87. Ao
longo do caminho que leva à plena unidade, o diálogo ecumênico esforça-se
por suscitar uma recíproca ajuda fraterna, por meio da qual as Comunidades se
dedicam a dar mutuamente aquilo de que cada uma tem necessidade para crescer
segundo o desígnio de Deus que leva à plenitude definitiva (cf. Ef 4,
11-13). Como
disse, nós, enquanto Igreja Católica, estamos conscientes de ter recebido muito
do testemunho, da procura e mesmo até da maneira como foram sublinhados e
vividos pelas outras Igrejas e Comunidades eclesiais certos bens cristãos
comuns.
Entre os progressos realizados durante os últimos trinta anos, há que
atribuir um lugar de destaque a essa recíproca influência fraterna. Na etapa a
que chegamos,144
tal dinamismo de mútuo enriquecimento deve ser tomado seriamente em
consideração. Baseado sobre a comunhão que já existe, graças aos elementos
eclesiais presentes nas Comunidades cristãs, tal dinamismo não deixará de
impelir para a comunhão plena e visível, meta suspirada do caminho que estamos
realizando. É a forma ecumênica da lei evangélica da partilha. Isto me incita a
repetir: « É preciso em tudo demonstrar o cuidado de ir ao encontro daquilo que
os nossos irmãos cristãos, legitimamente, desejam e esperam de nós, conhecendo o
seu modo de pensar e a sua sensibilidade (...). É necessário que os dons de cada
um se desenvolvam para a utilidade e proveito de todos ».145
O
ministério de unidade do Bispo de Roma
88.
Entre todas as Igrejas e Comunidades eclesiais, a Igreja Católica está
consciente de ter conservado o ministério do Sucessor do apóstolo Pedro, o
Bispo de Roma, que Deus constituiu como « perpétuo e visível fundamento da
unidade »,146 e que o Espírito ampara para que torne participantes deste bem
essencial todos os outros. Segundo a feliz expressão do Papa Gregório Magno, o
meu ministério é o de servus servorum Dei. Esta definição preserva o
melhor possível do risco de separar a potestade (e particularmente o primado)
do ministério, o que estaria em contradição com o significado de potestade
dado pelo Evangelho: « Eu estou no meio de vós como aquele que serve » (Lc
22, 27), diz o Senhor nosso Jesus Cristo, Chefe da Igreja. Por outra parte, como
pude afirmar por ocasião do encontro no Conselho Ecumênico das Igrejas, em
Genebra, a 12 de Junho de 1984, a convicção da Igreja Católica de, na
fidelidade à Tradição apostólica e à fé dos Padres, ter conservado, no
ministério do Bispo de Roma, o sinal visível e o garante da unidade, constitui
uma dificuldade para a maior parte dos outros cristãos, cuja memória está
marcada por certas recordações dolorosas. Por quanto sejamos disso responsáveis,
com o meu Predecessor Paulo VI imploro perdão.147
89.
Todavia, é significativo e encorajador que a questão do primado do Bispo de Roma
se tenha tornado atualmente objeto de estudo, imediato ou em perspectiva, e
igualmente significativo e encorajador é que uma tal questão esteja presente
como tema essencial não apenas nos diálogos teológicos que a Igreja Católica
mantém com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais, mas também de um modo mais
genérico no conjunto do movimento ecumênico. Recentemente, os participantes na V
Assembléia Mundial da Comissão « Fé e Constituição » do Conselho Ecumênico das
Igrejas, realizada em Santiago de Compostela, recomendaram que ela « desse
início a um novo estudo sobre a questão de um ministério universal da unidade
cristã ».148
Após séculos de duras polêmicas, as outras Igrejas e Comunidades eclesiais cada
vez mais perscrutam com um novo olhar tal ministério de unidade.149
90. O
Bispo de Roma é o Bispo da Igreja que conserva o testemunho do martírio de
Pedro e de Paulo: « Por um misterioso desígnio da Providência, é em Roma que
ele 1 conclui o seu caminho de seguimento de Jesus, como é em Roma que dá esta
máxima prova de amor e de fidelidade. Em Roma, Paulo, o Apóstolo dos Gentios,
dá também o seu testemunho supremo. A Igreja de Roma tornava-se assim a Igreja
de Pedro e de Paulo ».150
No
Novo Testamento, a pessoa de Pedro ocupa um lugar proeminente. Na primeira parte
dos Atos dos Apóstolos, aparece como chefe e porta-voz do colégio apostólico,
designado como « Pedro (...) com os Onze » (2, 14; cf. também 2, 37; 5, 29).
O lugar atribuído a Pedro está fundado sobre as próprias palavras de Cristo,
tal como são recordadas nas tradições evangélicas.
91. O
Evangelho de Mateus traça e especifica a missão pastoral de Pedro na Igreja:
« És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue
quem t'o revelou, mas o meu Pai que está nos céus. Também Eu te digo: Tu és
Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno nada
poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus, e tudo quanto
ligares na terra ficará ligado nos Céus, e tudo quanto desligares na terra será
desligado nos Céus » (16, 17-19).
Lucas põe em evidência que Cristo
recomenda a Pedro de confirmar os irmãos, mas, ao mesmo tempo, faz-lhe conhecer
a sua fraqueza humana e necessidade de conversão (cf. 22, 31-32). É como se,
sobre o horizonte da fraqueza humana de Pedro, se manifestasse plenamente que o
seu particular ministério na Igreja provém totalmente da graça; é como se o
Mestre se dedicasse de modo especial à sua conversão, a fim de o preparar para
a tarefa que está para lhe confiar na sua Igreja, e fosse muito exigente com
ele. A mesma função de Pedro, sempre ligada a uma realista afirmação da sua
fraqueza, encontra-se no quarto Evangelho: « Simão, filho de João, tu amas-Me
mais do que estes? (...) Apascenta as minhas ovelhas » (cf. 21, 15-19).
Significativo é ainda que, segundo a primeira Carta de Paulo aos Coríntios,
Cristo ressuscitado tenha aparecido a Cefas e em seguida aos doze (cf. 15, 5).
É
importante destacar como a fraqueza de Pedro e de Paulo manifeste que a Igreja
se funda sobre o poder infinito da graça (cf. Mt 16, 17; 2 Cor
12, 7-10). Pedro, logo a seguir à sua investidura, é repreendido, com rara
severidade, por Cristo que lhe diz: « Tu és para Mim um estorvo » (Mt
16, 23). Como não ver na misericórdia de que Pedro tem necessidade, uma relação
com o ministério daquela misericórdia que ele primeiro entre todos
experimentou? Igualmente, por três vezes ele negará Jesus. Também o Evangelho
de João sublinha que Pedro recebe o encargo de apascentar o rebanho com uma tríplice
profissão de amor (cf. 21, 15-17), que corresponde à sua tríplice negação
(cf. 13, 38).
Lucas, por sua vez, na palavra de Cristo já citada e à qual
aderirá a primeira tradição com o intuito de delinear a missão de Pedro,
insiste sobre o fato de que este deverá « confirmar os seus irmãos, uma vez
convertido » (cf. Lc 22, 31).
92.
Quanto a Paulo, ele conclui a descrição do seu ministério com a surpreendente
afirmação que lhe foi concedido ouvir dos lábios do Senhor: « Basta-te a
minha graça, porque é na fraqueza que a minha força se revela totalmente »,
podendo em seguida exclamar: « Quando me sinto fraco, então é que sou forte
» (2 Cor 12, 9-10). Esta é uma característica fundamental da experiência
cristã.
Herdeiro
da missão de Pedro, na Igreja fecundada pelo sangue dos Príncipes dos Apóstolos,
o Bispo de Roma exerce um ministério que tem a sua origem na misericórdia
multiforme de Deus, a qual converte os corações e infunde a força da graça
onde o discípulo sente o sabor amargo da sua fraqueza e miséria. A autoridade
própria deste ministério está posta totalmente ao serviço do desígnio
misericordioso de Deus e há-de ser vista sempre nesta perspectiva. É que nela
se explica o seu poder.
93.
Ligado como está à tríplice profissão de amor de Pedro que corresponde à tríplice
negação, o seu sucessor sabe que deve ser sinal de misericórdia. O seu ministério
é um ministério de misericórdia, nascido de um ato de misericórdia de
Cristo. Toda esta lição do Evangelho deve ser constantemente relida, para que
o exercício do ministério petrino nada perca da sua autenticidade e transparência.
A
Igreja de Deus é chamada por Cristo a manifestar a um mundo fechado no
emaranhado das suas culpas e dos seus sinistros propósitos, que, apesar de
tudo, Deus, na sua misericórdia, pode converter os corações à unidade,
fazendo-os aceder à sua própria comunhão.
94.
Este serviço da unidade, radicado na obra da misericórdia divina, está
confiado, no seio mesmo do colégio dos Bispos, a um daqueles que receberam do
Espírito o encargo, não de exercer o poder sobre o povo — como fazem os
chefes das nações e os grandes (cf. Mt 20, 25; Mc 10, 42) —,
mas de o guiar para que possa encontrar-se em pastagens tranqüilas. Tal encargo
pode exigir a oferta da própria vida (cf. Jo 10, 11-18). Depois de ter
mostrado como Cristo é « o único Pastor, na unidade do qual todos são um só
», Santo Agostinho exorta: « Estejam todos os pastores no único Pastor e
proclamem a voz única do Pastor; ouçam as ovelhas esta voz e sigam o seu
Pastor: não este ou aquele, mas o único Pastor. Apregoem todos com Ele uma só
voz e não haja vozes diversas. (...) Ouçam as ovelhas esta voz, purificada de
toda a divisão, livre de toda a heresia ».151
A missão do Bispo de Roma no
grupo de todos os Pastores consiste precisamente em « vigiar » (episkopein)
como uma sentinela, de modo que, graças aos Pastores, se ouça em todas as
Igrejas particulares a verdadeira voz de Cristo-Pastor. Assim, em cada uma das
Igrejas particulares a eles confiadas, realiza-se a una, sancta, catholica et
apostolica Ecclesia. Todas as Igrejas estão em comunhão plena e visível,
porque todos os Pastores estão em comunhão com Pedro, e, desse modo, na
unidade de Cristo.
Com o
poder e autoridade sem os quais tal função seria ilusória, o Bispo de Roma
deve assegurar a comunhão de todas as Igrejas. Por este título, ele é o
primeiro entre os servidores da unidade. Tal primado é exercido a vários níveis,
que concernem à vigilância sobre a transmissão da Palavra, a celebração
sacramental e litúrgica, a missão, a disciplina, e a vida cristã. Compete ao
Sucessor de Pedro recordar as exigências do bem comum da Igreja, se alguém for
tentado a esquecê-lo em função dos próprios interesses.
Tem o dever de
advertir, premunir e, às vezes, declarar inconciliável com a unidade da fé
esta ou aquela opinião que se difunde. Quando as circunstâncias o exigirem,
fala em nome de todos os Pastores em comunhão com ele. Pode ainda — em condições
bem precisas, esclarecidas pelo Concílio Vaticano I — declarar ex cathedra
que uma doutrina pertence ao depósito da fé.152
Ao prestar este testemunho à verdade, ele serve a unidade.
95.
Mas tudo isto deve realizar-se sempre na comunhão. Quando a Igreja Católica
afirma que a função do Bispo de Roma corresponde à vontade de Cristo, ela não
separa esta função da missão confiada ao conjunto dos Bispos, também eles «
vicários e legados de Cristo ».153
O Bispo de Roma pertence ao seu « colégio », e eles são os seus irmãos no
ministério.
Aquilo
que diz respeito à unidade de todas as Comunidades cristãs, entra obviamente
no âmbito das preocupações do primado. Como Bispo de Roma, sei bem — e
confirmei-o na presente Carta encíclica — que a comunhão plena e visível de
todas as Comunidades, nas quais em virtude da fidelidade de Deus habita o seu
Espírito, é o desejo ardente de Cristo. Estou convicto de ter a este propósito
uma responsabilidade particular, sobretudo quando constato a aspiração ecumênica
da maior parte das Comunidades cristãs, e quando ouço a solicitação que me
é dirigida para encontrar uma forma de exercício do primado que, sem renunciar
de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova.
Durante um milênio, os cristãos estiveram unidos pela « fraterna comunhão da
fé e da vida sacramental. Quando entre eles surgiam dissensões acerca da fé
ou da disciplina, era a Sé de Roma quem, de comum acordo, as resolvia ».154
Desse
modo, o primado exercia a sua função de unidade. Dirigindo-me ao Patriarca
Ecumênico, Sua Santidade Dimítrios I, disse estar consciente de que, « por
razões muito diferentes, e contra a vontade de uns e outros, o que era um serviço
pôde manifestar-se sob uma luz bastante diversa. Mas (...) é com o desejo de
obedecer verdadeiramente à vontade de Cristo que eu me reconheço chamado, como
Bispo de Roma, a exercer este ministério (...). O Espírito Santo nos dê a sua
luz, e ilumine todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que
possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério
possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros ».155
96.
Tarefa imensa, que não podemos recusar, mas que sozinho não posso levar a bom
termo. A comunhão real, embora imperfeita, que existe entre todos nós, não
poderia induzir os responsáveis eclesiais e os teólogos a instaurarem comigo,
sobre este argumento, um diálogo fraterno, paciente, no qual nos pudéssemos
ouvir, pondo de lado estéreis polêmicas, tendo em mente apenas a vontade de
Cristo para a sua Igreja, deixando-nos penetrar do seu grito: « Que todos sejam
um (...), para que o mundo creia que Tu Me enviaste » (Jo 17, 21)?
A
comunhão de todas as Igrejas particulares com a Igreja de Roma: condição
necessária para a unidade
97. A
Igreja Católica, tanto na sua praxis como nos textos oficiais, sustenta
que a comunhão das Igrejas particulares com a Igreja de Roma, e dos seus Bispos
com o Bispo de Roma, é um requisito essencial — no desígnio de Deus — para
a comunhão plena e visível. De fato, é necessário que a plena comunhão, de
que a Eucaristia é a suprema manifestação sacramental, tenha a sua expressão
visível num ministério em que todos os Bispos se reconheçam unidos em Cristo,
e todos os fiéis encontrem a confirmação da própria fé. A primeira parte
dos Atos dos Apóstolos apresenta Pedro como aquele que fala em nome do grupo
apostólico e serve a unidade da comunidade — e isto no respeito da autoridade
de Tiago, chefe da Igreja de Jerusalém. Esta função de Pedro deve permanecer
na Igreja para que, sob o seu único Chefe que é Cristo Jesus, ela seja no
mundo, visivelmente, a comunhão de todos os seus discípulos.
Porventura
não é um ministério deste gênero que muitos dos que estão empenhados no
ecumenismo exprimem hoje a necessidade? Presidir na verdade e no amor, para que
a barca — belo símbolo que o Conselho Ecumênico das Igrejas escolheu como
seu emblema — não seja despedaçada pelas tempestades e possa chegar um dia
ao porto desejado.
Plena
unidade e evangelização
98. O
movimento ecumênico do nosso século, mais do que as iniciativas ecumênicas
dos séculos passados de que importa, contudo, não subestimar a importância,
foi caracterizado por uma perspectiva missionária. No versículo joanino que
serve de inspiração e motivo condutor — « que todos sejam um (...), para
que o mundo creia que Tu Me enviaste (Jo 17, 21) » — foi
sublinhada a frase para que o mundo creia com tal vigor que se corre o
risco de esquecer, às vezes, que, no pensamento do evangelista, a unidade é
sobretudo para a glória do Pai.
De qualquer modo, é claro que a divisão dos
cristãos está em contradição com a Verdade que têm a missão de difundir,
comprometendo gravemente o seu testemunho. Bem o compreendera e afirmara o meu
Predecessor, o Papa Paulo VI, na sua Exortação apostólica Evangelii
nuntiandi: « Como evangelizadores, nós devemos apresentar aos fiéis de
Cristo, não já a imagem de homens divididos e separados por litígios que nada
edificam, mas sim a imagem de pessoas amadurecidas na fé, capazes de se
encontrar para além de tensões que se verifiquem, graças à procura comum,
sincera e desinteressada da verdade. Sim, a sorte da evangelização anda sem dúvida
ligada ao testemunho de unidade dado pela Igreja (...). Nisto há-de ser vista
uma fonte de responsabilidade, como também de conforto. Quanto a este ponto, nós
quereríamos insistir sobre o sinal da unidade entre todos os cristãos, como
caminho e instrumento da evangelização. A divisão dos cristãos entre si é
um estado de fato grave, que chega a afetar a própria obra de Cristo ».156
Na
verdade, como anunciar o Evangelho da reconciliação, sem contemporaneamente se
empenhar a agir pela reconciliação dos cristãos? Se é certo que a Igreja,
pelo impulso do Espírito Santo e com a promessa da indefetibilidade, pregou e
prega o Evangelho a todas as nações, é verdade também que ela tem de
enfrentar as dificuldades provenientes das divisões. Perante missionários que
estão em desacordo entre si, embora todos façam apelo a Cristo, saberão os
incrédulos acolher a verdadeira mensagem? Não pensarão que o Evangelho é fator de divisão, ainda que seja apresentado como a lei fundamental da
caridade?
99.
Quando afirmo que para mim, Bispo de Roma, o empenhamento ecumênico constitui «
uma das prioridades pastorais » do meu pontificado,157
é por ter no pensamento o grave obstáculo que a divisão representa para o
anúncio do Evangelho. Uma Comunidade cristã que crê em Cristo e deseja, com o
ardor do Evangelho, a salvação da humanidade, não pode de forma alguma fechar-se
ao apelo do Espírito que orienta todos os cristãos para a unidade plena e
visível. Trata-se de um dos imperativos da caridade que deve ser acolhido sem
hesitações.
O ecumenismo não é apenas uma questão interna das Comunidades
cristãs, mas diz respeito ao amor que Deus, em Cristo Jesus, destina ao conjunto
da humanidade; e obstaculizar este amor é uma ofensa a Ele e ao seu desígnio de
reunir todos em Cristo. O Papa Paulo VI escrevia ao Patriarca Ecumênico
Atenágoras I: « Possa o Espírito Santo guiar-nos no caminho da reconciliação,
para que a unidade das nossas Igrejas se torne um sinal cada vez mais luminoso
de esperança e de conforto para toda a humanidade ».158
EXORTAÇÃO
100.
Tendo-me dirigido recentemente aos Bispos, ao clero e aos fiéis da Igreja Católica
para indicar o caminho a seguir na celebração do Grande Jubileu do Ano Dois
Mil, afirmei, entre outras coisas, que « a melhor preparação para a
passagem bimilenária não poderá exprimir-se senão pelo renovado empenho
na aplicação, fiel quanto possível, do ensinamento do Vaticano II à vida de
cada um e da Igreja inteira ».159
O Concílio é o grande início — como que o Advento — daquele itinerário que nos
conduz ao limiar do Terceiro Milênio. Considerando a importância que a
Assembléia Conciliar atribuiu à obra de restauração da unidade dos cristãos,
nesta nossa época de graça ecumênica, pareceu-me necessário corroborar as
convicções fundamentais que o Concílio esculpiu na consciência da Igreja
Católica, recordando-as à luz dos progressos entretanto realizados para a plena
comunhão de todos os batizados.
Não há
dúvida que o Espírito Santo está em ação nesta obra, conduzindo a Igreja
para a plena realização do desígnio do Pai, em conformidade com a vontade de
Cristo, expressa com vigor tão veemente na oração que, segundo o quarto
Evangelho, os seus lábios pronunciam no momento em que Ele se encaminha para o
drama salvífico da sua Páscoa. Tal como então, também hoje Cristo pede que
um ímpeto novo reanime o empenho de cada um em ordem à comunhão plena e visível.
101.
Exorto, portanto, os meus Irmãos no episcopado a darem toda a atenção a tal
empenho. Os dois Códigos de Direito Canônico incluem entre as
responsabilidades do Bispo a de promover a unidade de todos os cristãos,
apoiando toda a ação ou iniciativa, tendente a promovê-la, na certeza de que a
Igreja a isso está obrigada por expressa vontade de Cristo.160
Isto faz parte da missão episcopal e é uma obrigação que deriva diretamente da
fidelidade a Cristo, Pastor da Igreja. Todos os fiéis, porém, são convidados
pelo Espírito de Deus a fazer o possível, para que se recomponham os laços de
união entre todos os cristãos e cresça a colaboração entre os discípulos de
Cristo: « A solicitude na restauração da união vale para toda a Igreja, tanto
para os fiéis como para os pastores. Afeta a cada um em particular, de acordo
com a sua capacidade ».161
102. O
poder do Espírito de Deus faz crescer e edifica a Igreja através dos séculos.
Com o olhar voltado para o novo milênio, a Igreja pede ao Espírito a graça de
reforçar a sua própria unidade e de a fazer crescer até à plena comunhão
com os outros cristãos.
Como
consegui-lo? Em primeiro lugar, com a oração. A oração sempre deveria
incluir aquela inquietação que é anelo pela unidade, e portanto uma das
formas necessárias do amor que nutrimos por Cristo e pelo Pai, rico de misericórdia.
A oração deve ter a prioridade neste caminho que empreendemos com os outros
cristãos rumo ao novo milênio.
Como
consegui-lo? Com a ação de graças, porque não nos apresentamos a
esse encontro de mãos vazias: « Mas o próprio Espírito vem em ajuda da nossa
fraqueza (...) e intercede por nós com gemidos inefáveis » (Rm 8,
26), para nos dispor a pedir a Deus aquilo de que temos necessidade.
Como
consegui-lo? Com a esperança no Espírito, que sabe afastar de nós os
espectros do passado e as recordações dolorosas da separação; Ele sabe
conceder-nos lucidez, força e coragem para empreender os passos necessários,
de modo que o nosso empenho seja cada vez mais autêntico.
E se
nos viesse a vontade de perguntar se tudo isto é possível, a resposta seria
sempre: sim. A mesma resposta ouvida por Maria de Nazaré, porque a Deus nada é
impossível.
Voltam-me
ao pensamento as palavras com que S. Cipriano comenta o Pai Nosso, a oração
de todos os cristãos: « Deus não aceita o sacrifício do que vive em discórdia,
e manda-o retirar-se do altar para ir primeiro reconciliar-se com seu irmão,
porque só as orações de um coração pacífico poderão obter a reconciliação
com Deus. O sacrifício mais agradável a Deus é a nossa paz e a concórdia
fraterna, e um povo cuja união seja um reflexo da unidade que existe entre o
Pai, o Filho e o Espírito Santo ».162
Ao
alvorecer do novo milênio, como não solicitar ao Senhor, com renovado ímpeto
e consciência mais amadurecida, a graça de nos predispormos, todos, para este sacrifício
da unidade?
103.
Eu, João Paulo, humilde servus servorum Dei, fazendo minhas as palavras
do apóstolo Paulo — cujo martírio, unido ao do apóstolo Pedro, conferiu a
esta Sé de Roma o esplendor do seu testemunho —, digo a vós, fiéis da
Igreja Católica, e a vós, irmãos e irmãs das outras Igrejas e Comunidades
eclesiais, « trabalhai na vossa perfeição, confortai-vos mutuamente, tende
um mesmo sentir, vivei em paz. E o Deus do amor e da paz estará convosco
(...). A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito
Santo estejam com todos vós » (2 Cor 13, 11.13).
Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 25 de Maio — solenidade da Ascensão do
Senhor — do ano 1995, décimo sétimo de Pontificado.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).