De Sua Santidade Bento BENTO XVI
ao Episcopado, ao Clero e às Pessoas Consagradas
e aos Fiés Leigos sobre Eucaristia
Fonte e Ápice da Vida e Missão da Igreja
Introdução
[1]
O alimento da
verdade [2]
O desenvolvimento do rito eucarístico [3]
O Sínodo dos Bispos e o Ano da Eucaristia [4]
Finalidade do documento [5]
I PARTE
EUCARISTIA, MISTÉRIO ACREDITADO
A fé eucarística da
Igreja [6]
Santíssima Trindade e Eucaristia
O pão descido do
céu [7]
Dom gratuito da Santíssima Trindade [8]
Eucaristia: Jesus verdadeiro
Cordeiro imolado
A nova e eterna
aliança no sangue do Cordeiro [9]
A instituição da Eucaristia [10]
A figura deu lugar à Verdade [11]
O Espírito Santo e a Eucaristia
Jesus e o Espírito
Santo [12]
Espírito Santo e celebração eucarística [13]
Eucaristia e Igreja
Eucaristia,
princípio causal da Igreja [14]
Eucaristia e comunhão eclesial [15]
Eucaristia e Sacramentos
Sacramentalidade da
Igreja [16]
I. Eucaristia e iniciação cristã
Eucaristia, plenitude da iniciação cristã [17]
A ordem dos sacramentos da iniciação [18]
Iniciação, comunidade eclesial e família [19]
II. Eucaristia e sacramento da
Reconciliação
Sua ligação intrínseca [20]
Alguns cuidados pastorais [21]
III. Eucaristia e Unção dos Enfermos
[22]
IV. Eucaristia e sacramento da Ordem
Na pessoa de Cristo cabeça [23]
Eucaristia e celibato sacerdotal [24]
Escassez de clero e pastoral vocacional [25]
Gratidão e esperança [26]
V. Eucaristia e Matrimônio
Eucaristia, sacramento esponsal [27]
Eucaristia e unidade do Matrimônio [28]
Eucaristia e indissolubilidade do Matrimônio [29]
Eucaristia e escatologia
Eucaristia, dom
para o homem a caminho [30]
O banquete escatológico [31]
Oração pelos defuntos [32]
A Eucaristia e a Virgem Maria
[33]
II PARTE
EUCARISTIA, MISTÉRIO CELEBRADO
Norma da oração e
norma de fé [34]
Beleza e liturgia [35]
A celebração eucarística, obra de
Cristo inteiro
Cristo inteiro:
cabeça e corpo [36]
Eucaristia e Cristo ressuscitado [37]
Arte da celebração
[38]
O bispo, liturgista
por excelência [39]
O respeito pelos livros litúrgicos e pela riqueza dos sinais [40]
Arte ao serviço da celebração [41]
O canto litúrgico [42]
A estrutura da celebração
eucarística
[43]
Unidade intrínseca
da ação litúrgica [44]
A liturgia da palavra [45]
A homilia [46]
Apresentação das oferendas [47]
A Oração Eucarística [48]
Saudação da paz [49]
Distribuição e recepção da Eucaristia [50]
A despedida: “Ite, missa est” [51]
Participação ativa
Autêntica
participação [52]
Participação e ministério sacerdotal [53]
Celebração eucarística e inculturação [54]
Condições pessoais para uma participação ativa [55]
Participação dos cristãos não católicos [56]
Participação através dos meios de comunicação [57]
Participação ativa dos doentes [58]
A solicitude pelos presos [59]
Os migrantes e a participação na Eucaristia [60]
As grandes concelebrações [61]
A língua latina [62]
Celebrações eucarísticas em pequenos grupos [63]
Celebração interiormente participada
Catequese
mistagógica [64]
A reverência à Eucaristia [65]
Adoração e piedade eucarística
A relação
intrínseca entre celebração e adoração [66]
A prática da adoração eucarística [67]
Formas de devoção eucarística [68]
O lugar do sacrário na igreja [69]
III PARTE
EUCARISTIA, MISTÉRIO VIVIDO
Forma eucarística da vida cristã
O culto espiritual
[70]
Eficácia omnicompreensiva do culto eucarístico [71]
Viver segundo o domingo [72]
Viver o preceito dominical [73]
O sentido do repouso e do trabalho [74]
Assembléias dominicais na ausência de sacerdote [75]
Uma forma eucarística da existência cristã, a pertença eclesial [76]
Espiritualidade e cultura eucarística [77]
Eucaristia e evangelização das culturas [78]
Eucaristia e fiéis leigos [79]
Eucaristia e espiritualidade sacerdotal [80]
Eucaristia e vida consagrada [81]
Eucaristia e transformação moral [82]
Coerência eucarística [83]
Eucaristia, mistério anunciado
Eucaristia e missão
[84]
Eucaristia e testemunho [85]
Jesus Cristo, único Salvador [86]
Liberdade de culto [87]
Eucaristia, mistério oferecido ao
mundo
Eucaristia, pão
repartido para a vida do mundo [88]
As implicações sociais do mistério eucarístico [89]
O alimento da verdade e a indigência do homem [90]
A doutrina social da Igreja [91]
Santificação do mundo e defesa da criação [92]
Utilidade dum Compêndio Eucarístico [93]
Conclusão[94-97]
INTRODUÇÃO
1. Sacramento da
Caridade, (1
)
a santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo,
revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Neste sacramento
admirável, manifesta-se o amor «maior»: o amor que leva a «dar a vida pelos
amigos» (Jo 15,13). De fato, Jesus “amou-os até ao fim” (Jo
13,1). Com estas palavras, o evangelista introduz o gesto de infinita humildade
que Ele realizou: na vigília da sua morte por nós na cruz, pôs uma toalha à
cintura e lavou os pés aos seus discípulos. Do mesmo modo, no sacramento
eucarístico, Jesus continua a amar-nos “até ao fim”, até ao dom do seu corpo e
do seu sangue. Que enlevo se deve ter apoderado do coração dos discípulos à
vista dos gestos e palavras do Senhor durante aquela Ceia! Que maravilha deve
suscitar, também no nosso coração, o mistério eucarístico!
O alimento da
verdade
2. No sacramento do
altar, o Senhor vem ao encontro do homem, criado à imagem e semelhança de Deus (Gn
1,27), fazendo-Se seu companheiro de viagem. Com efeito, neste sacramento,
Jesus torna-Se alimento para o homem, faminto de verdade e de liberdade. Uma vez
que só a verdade nos pode tornar verdadeiramente livres (Jo 8,36), Cristo
faz-Se alimento de Verdade para nós. Com agudo conhecimento da realidade humana,
Santo Agostinho pôs em evidência como o homem se move espontaneamente, e não
constrangido, quando encontra algo que o atrai e nele suscita desejo.
Perguntando-se ele, uma vez, sobre o que poderia em última análise mover o homem
no seu íntimo, o santo bispo exclama: “Que pode a alma desejar mais ardentemente
do que a verdade?” (2
)
De fato, todo o homem traz dentro de si o desejo insuprimível da verdade última
e definitiva. Por isso, o Senhor Jesus, “caminho, verdade e vida” (Jo
14,6), dirige-Se ao coração anelante do homem que se sente peregrino e sedento,
ao coração que suspira pela fonte da vida, ao coração mendigo da Verdade. Com
efeito, Jesus Cristo é a Verdade feita Pessoa, que atrai a Si o mundo. “Jesus é
a estrela polar da liberdade humana: esta, sem Ele, perde a sua orientação,
porque, sem o conhecimento da verdade, a liberdade desvirtua-se, isola-se e
reduz-se a estéril arbítrio. Com Ele, a liberdade volta a encontrar-se a si
mesma”.(3
)
No sacramento da Eucaristia, Jesus mostra-nos de modo particular a verdade do
amor, que é a própria essência de Deus. Esta é a verdade evangélica que
interessa a todo o homem e ao homem todo. Por isso a Igreja, que encontra na
Eucaristia o seu centro vital, esforça-se constantemente por anunciar a todos,
em tempo propício e fora dele (opportune, importune: cf. 2Tm 4,2),
que Deus é amor.(4
)
Exatamente porque Cristo Se fez alimento de Verdade para nós, a Igreja dirige-se
ao homem convidando-o a acolher livremente o dom de Deus.
O desenvolvimento do
rito eucarístico
3. Contemplando a
história bimilenária da Igreja de Deus, sapientemente guiada pela ação do
Espírito Santo, admiramos cheios de gratidão o desenvolvimento ordenado no tempo
das formas rituais em que fazemos memória do acontecimento da nossa salvação.
Desde as múltiplas formas dos primeiros séculos, que resplandecem ainda nos
ritos das Antigas Igrejas do Oriente, até à difusão do rito romano; desde as
indicações claras do Concílio de Trento e do Missal de São Pio V até à renovação
litúrgica querida pelo Concílio Vaticano II: em cada etapa da história da
Igreja, a celebração eucarística, enquanto fonte e ápice da sua vida e missão,
resplandece no rito litúrgico em toda a sua multiforme riqueza. A XI Assembléia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que decorreu de 2 a 23 de Outubro de 2005
no Vaticano, elevou um profundo agradecimento a Deus por esta história,
reconhecendo nela a guia ativa do Espírito Santo. De modo particular, os padres
sinodais reconheceram e reafirmaram o benéfico influxo que teve, na vida da
Igreja, a reforma litúrgica atuada a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II.(5)
O Sínodo dos Bispos pôde avaliar o acolhimento que a mesma teve depois da
assembléia conciliar; inúmeros foram os elogios; como lá se disse, as
dificuldades e alguns abusos assinalados não podem ofuscar a excelência e a
validade da referida renovação litúrgica, que contém riquezas ainda não
plenamente exploradas. Trata-se, em concreto, de ler as mudanças queridas pelo
Concílio dentro da unidade que caracteriza o desenvolvimento histórico do
próprio rito, sem introduzir artificiosas rupturas.(6
)
O Sínodo dos Bispos
e o Ano da Eucaristia
4. Além disso, é necessário sublinhar a relação do recente
Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia com o que sucedeu durante os últimos anos
na vida da Igreja. Antes de mais, devemos pensar no Grande Jubileu do ano 2000,
com o qual meu amado predecessor, o servo de Deus João Paulo II, introduziu a
Igreja no terceiro milênio cristão; o Ano Jubilar teve, sem dúvida, uma
caracterização intensamente eucarística. Depois, não se pode esquecer que o
Sínodo dos Bispos foi precedido e, em certo sentido, preparado também pelo Ano
da Eucaristia, estabelecido com grande clarividência por João Paulo II para toda
a Igreja; teve início com o Congresso Eucarístico Internacional em Guadalajara
no mês de Outubro de 2004 e terminou a 23 de Outubro de 2005, no final da XI
Assembléia Sinodal, com a canonização de cinco beatos que se distinguiram, de
forma particular, pela sua piedade eucarística: o bispo José Bilczewski, os
sacerdotes Caetano Catanoso, Sigismundo Gorazdowski e Alberto Hurtado Cruchaga,
e o religioso capuchinho Félix de Nicósia. Graças aos ensinamentos propostos por
João Paulo II na Carta Apostólica Mane nobiscum Domine
(7
)
e às preciosas sugestões da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos,(8
)
numerosas foram as iniciativas que as dioceses e as diversas realidades
eclesiais empreenderam para despertar e aumentar nos crentes a fé eucarística,
para melhorar o cuidado das celebrações e promover a adoração eucarística, para
encorajar uma real solidariedade que, partindo da Eucaristia, atingisse os
necessitados. Por último, é preciso mencionar a importância da última Encíclica
do meu venerado predecessor, a
(9
)
deixando-nos através dela uma segura referência do Magistério quanto à doutrina
eucarística e um derradeiro testemunho do lugar central que este sacramento
divino ocupava na sua vida.
Finalidade do
documento
5. Esta Exortação Apostólica pós-sinodal tem por objetivo
recolher a multiforme riqueza de reflexões e propostas surgidas na recente
Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos — a começar dos Lineamenta
até às Propositiones, passando pelo Instrumentum laboris, as
Relationes ante et post disceptationem, as intervenções dos padres
sinodais, auditores e delegados fraternos —, com a intenção de explicitar
algumas linhas fundamentais de empenho tendentes a despertar na Igreja novo
impulso e fervor eucarístico. Consciente do vasto patrimônio doutrinal e
disciplinar acumulado no decurso dos séculos à volta da Eucaristia,(10
)
neste documento desejo sobretudo recomendar, acolhendo o voto dos padres
sinodais,(11)
que o povo cristão aprofunde a relação entre o mistério eucarístico, a
ação litúrgica e o novo culto espiritual que deriva da Eucaristia
enquanto sacramento da caridade. Com esta perspectiva, pretendo colocar
esta Exortação na linha da minha primeira Carta Encíclica — a
—, na qual várias vezes falei do sacramento da Eucaristia pondo em evidência a
sua relação com o amor cristão, tanto para com Deus como para com o próximo: “O
Deus encarnado atrai-nos todos a Si. Assim se compreende por que motivo o termo
agape se tenha tornado também um nome da Eucaristia; nesta, a agape
de Deus vem corporalmente a nós, para continuar a sua ação em nós e através de
nós”.(12 )
I PARTE - EUCARISTIA, MISTÉRIO ACREDITADO
“A obra de Deus
consiste em acreditar n'Aquele que Ele enviou” (Jo 6,29)
A fé eucarística da Igreja
6. “Mistério da fé!”:
com esta exclamação pronunciada logo a seguir às palavras da consagração, o
sacerdote proclama o mistério celebrado e manifesta o seu enlevo diante da
conversão substancial do pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor Jesus,
realidade esta que ultrapassa toda a compreensão humana. Com efeito, a
Eucaristia é por excelência “mistério da fé”: “É o resumo e a súmula da nossa
fé”.(13)Catecismo da Igreja Católica, 1327."
A fé da Igreja é essencialmente fé eucarística e alimenta-se, de modo
particular, à mesa da Eucaristia. A fé e os sacramentos são dois aspectos
complementares da vida eclesial. Suscitada pelo anúncio da palavra de Deus, a fé
é alimentada e cresce no encontro com a graça do Senhor ressuscitado que se
realiza nos sacramentos: “A fé exprime-se no rito e este revigora e fortifica a
fé”.(14)
Por isso, o sacramento do altar está sempre no centro da vida eclesial; “graças
à Eucaristia, a Igreja renasce sempre de novo!” (15 )
Quanto mais viva for a fé eucarística no povo de Deus, tanto mais profunda será
a sua participação na vida eclesial por meio duma adesão convicta à missão que
Cristo confiou aos seus discípulos. Testemunha-o a própria história da Igreja:
toda a grande reforma está, de algum modo, ligada à redescoberta da fé na
presença eucarística do Senhor no meio do seu povo.
Santíssima Trindade e Eucaristia -
O pão descido do céu
7. O primeiro conteúdo
da fé eucarística é o próprio mistério de Deus, amor trinitário. No diálogo de
Jesus com Nicodemos, encontramos uma afirmação esclarecedora a tal respeito:
“Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigênito, para que todo o
homem que acredita n'Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não
enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo
por Ele” (Jo 3,16-17). Estas palavras revelam a raiz última do dom de
Deus. Na Eucaristia, Jesus não dá “alguma coisa”, mas dá-Se a Si mesmo; entrega
o seu corpo e derrama o seu sangue. Deste modo dá a totalidade da sua própria
vida, manifestando a fonte originária deste amor: Ele é o Filho eterno que o Pai
entregou por nós. Noutro passo do evangelho, depois de Jesus ter saciado a
multidão pela multiplicação dos pães e dos peixes, ouvimo-Lo dizer aos
interlocutores que vieram atrás d'Ele até à sinagoga de Cafarnaum: “Meu Pai é
que vos dá o verdadeiro pão que vem do céu. O pão de Deus é o que desce do céu
para dar a vida ao mundo” (Jo 6,32-33), acabando por identificar-Se Ele
mesmo — a sua própria carne e o seu próprio sangue — com aquele pão: “Eu sou o
pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que
Eu hei-de dar é a minha carne que Eu darei pela vida do mundo” (Jo 6,
51). Assim Jesus manifesta-Se como o pão da vida que o Pai eterno dá aos homens.
Dom gratuito da
Santíssima Trindade
8. Na Eucaristia,
revela-se o desígnio de amor que guia toda a história da salvação (Ef
1,9-10; 3,8-11). Nela, o Deus-Trindade (Deus Trinitas), que em Si mesmo é
amor (1Jo 4,7-8), envolve-Se plenamente com a nossa condição humana. No
pão e no vinho, sob cujas aparências Cristo Se nos dá na ceia pascal (Lc
22,14-20; 1 Cor 11,23-26), é toda a vida divina que nos alcança e se
comunica a nós na forma do sacramento: Deus é comunhão perfeita de amor entre o
Pai, o Filho e o Espírito Santo. Já na criação, o homem fora chamado a
partilhar, em certa medida, o sopro vital de Deus (Gn 2,7). Mas, é em
Cristo morto e ressuscitado e na efusão do Espírito Santo, dado sem medida (Jo
3,34), que nos tornamos participantes da intimidade divina.(16
)
Assim Jesus Cristo, que “pelo Espírito eterno Se ofereceu a Deus como vítima sem
mancha” (Hb 9,14), no dom eucarístico comunica-nos a própria vida divina.
Trata-se de um dom absolutamente gratuito, devido apenas às promessas de Deus
cumpridas para além de toda e qualquer medida. A Igreja acolhe, celebra e adora
este dom, com fiel obediência. O “mistério da fé” é mistério de amor trinitário,
no qual, por graça, somos chamados a participar. Por isso, também nós devemos
exclamar com Santo Agostinho: “Se vês a caridade, vês a Trindade”.(17
)
Eucaristia:
Jesus verdadeiro Cordeiro imolado
A nova e eterna
aliança no sangue do Cordeiro
9. A missão, que trouxe
Jesus entre nós, atinge o seu cumprimento no mistério pascal. Do alto da cruz,
donde atrai todos a Si (Jo 12,32), antes de “entregar o Espírito” Jesus
diz: “Tudo está consumado” (Jo 19, 30). No mistério da sua obediência até
à morte, e morte de cruz (Fil 2,8), cumpriu-se a nova e eterna aliança.
Na sua carne crucificada, a liberdade de Deus e a liberdade do homem juntaram-se
definitivamente num pacto indissolúvel, válido para sempre. Também o pecado do
homem ficou expiado, uma vez por todas, pelo Filho de Deus (Hb 7,27; 1 Jo
2,2; 4,10). Como já tive ocasião de afirmar, “na sua morte de cruz, cumpre-se
aquele virar-se de Deus contra Si próprio, com o qual Ele Se entrega para
levantar o homem e salvá-lo — o amor na sua forma mais radical”.(18
)
No mistério pascal, realizou-se verdadeiramente a nossa libertação do mal e da
morte. Na instituição da Eucaristia, o próprio Jesus falara da “nova e eterna
aliança”, estipulada no seu sangue derramado (Mt 26,28; Mc 14,24;
Lc
22,20). Esta finalidade última da sua missão era bem evidente já no início da
sua vida pública; de fato, nas margens do Jordão, quando João Batista vê Jesus
vir ter com ele, exclama: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo” (Jo 1,29). É significativo que a mesma expressão apareça, sempre
que celebramos a Santa Missa, no convite do sacerdote para nos abeirarmos do
altar: “Felizes os convidados para a ceia do Senhor. Eis o Cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo”. Jesus é o verdadeiro cordeiro pascal, que Se
ofereceu espontaneamente a Si mesmo em sacrifício por nós, realizando assim a
nova e eterna aliança. A Eucaristia contém nela esta novidade radical, que nos é
oferecida em cada celebração.(19
)
A instituição da
Eucaristia
10. Deste modo, a nossa
reflexão foi deter-se na instituição da Eucaristia durante a Última Ceia. O fato
teve lugar no âmbito duma ceia ritual, que constituía o memorial do
acontecimento fundador do povo de Israel: a libertação da escravidão do Egito.
Esta ceia ritual, associada com a imolação dos cordeiros (Ex
12,1-28.43-51), era memória do passado, mas ao mesmo tempo também memória
profética, ou seja, anúncio duma libertação futura; de fato, o povo
experimentara que aquela libertação não tinha sido definitiva, pois a sua
história ainda estava demasiadamente marcada pela escravidão e pelo pecado. O
memorial da antiga libertação abria-se, assim, à súplica e ao anseio por uma
salvação mais profunda, radical, universal e definitiva. É neste contexto que
Jesus introduz a novidade do seu dom; na oração de louvor — a Berakah —,
Ele dá graças ao Pai não só pelos grandes acontecimentos da história passada,
mas também pela sua própria “exaltação”. Ao instituir o sacramento da
Eucaristia, Jesus antecipa e implica o sacrifício da cruz e a vitória da
ressurreição; ao mesmo tempo, revela-Se como o verdadeiro cordeiro
imolado, previsto no desígnio do Pai desde a fundação do mundo, como se lê na
I Carta de Pedro (1,18-20). Ao colocar o dom de Si mesmo neste contexto,
Jesus manifesta o sentido salvífico da sua morte e ressurreição, mistério este
que se torna uma realidade renovadora da história e do mundo inteiro. Com
efeito, a instituição da Eucaristia mostra como aquela morte, de per si violenta
e absurda, se tenha tornado, em Jesus, ato supremo de amor e libertação
definitiva da humanidade do mal.
A figura deu lugar à
Verdade
11. Como vimos, Jesus
insere a sua novidade (novum) radical no âmbito da antiga ceia
sacrificial hebraica. Uma tal ceia, nós, cristãos, já não temos necessidade de a
repetir. Como justamente dizem os Padres, figura transit in veritatem:
aquilo que anunciava as realidades futuras cedeu agora o lugar à própria
Verdade. O antigo rito consumou-se e ficou definitivamente superado mediante o
dom de amor do Filho de Deus encarnado. O alimento da verdade, Cristo imolado
por nós, pôs termo às figuras (dat figuris terminum).(20
)
Com a sua ordem “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22,19; 1Cor
11,25), pede-nos para corresponder ao seu dom e representá-Lo sacramentalmente;
com tais palavras, o Senhor manifesta, por assim dizer, a esperança de que a
Igreja, nascida do seu sacrifício, acolha este dom desenvolvendo, sob a guia do
Espírito Santo, a forma litúrgica do sacramento. De fato, o memorial do seu dom
perfeito não consiste na simples repetição da Última Ceia, mas propriamente na
Eucaristia, ou seja, na novidade radical do culto cristão. Assim Jesus
deixou-nos a missão de entrar na sua “hora”: “A Eucaristia arrasta-nos no ato
oblativo de Jesus. Não é só de modo estático que recebemos o Logos
encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua doação”.(21
)
Ele “arrasta-nos para dentro de Si”.(22
)
A conversão substancial do pão e do vinho no seu corpo e no seu sangue insere
dentro da criação o princípio duma mudança radical, como uma espécie de “fissão
nuclear” (para utilizar uma imagem hoje bem conhecida de todos nós), verificada
no mais íntimo do ser; uma mudança destinada a suscitar um processo de
transformação da realidade, cujo termo último é a transfiguração do mundo
inteiro, até chegar àquela condição em que Deus seja tudo em todos (1Cor
15,28).
O Espírito Santo e a Eucaristia
Jesus e o Espírito
Santo
12. Com a sua palavra e
com o pão e o vinho, o próprio Senhor nos ofereceu os elementos essenciais do
culto novo. A Igreja, sua Esposa, é chamada a celebrar o banquete eucarístico
dia após dia em memória d'Ele. Deste modo, ela insere o sacrifício redentor do
seu Esposo na história dos homens e torna-o sacramentalmente presente em todas
as culturas. Este grande mistério é celebrado nas formas litúrgicas que a
Igreja, guiada pelo Espírito Santo, desenvolve no tempo e no espaço.(23
)
A propósito, é necessário despertar em nós a consciência da função decisiva que
exerce o Espírito Santo no desenvolvimento da forma litúrgica e no
aprofundamento dos mistérios divinos. O Paráclito, primeiro dom concedido aos
crentes,(24
)
ativo já na criação (Gn 1,2), está presente em plenitude na vida inteira
do Verbo encarnado: com efeito, Jesus Cristo é concebido no seio da Virgem Maria
por obra do Espírito Santo (Mt 1,18; Lc 1,35); no início da sua
missão pública, nas margens do Jordão, vê-O descer sobre Si em forma de pomba (Mt
3,16 e par.); neste mesmo Espírito, age, fala e exulta (Lc 10,21);
e é n'Ele que Jesus pode oferecer-Se a Si mesmo (Hb
9,14). No chamado “discurso de despedida” referido por João, Jesus põe
claramente em relação o dom da sua vida no mistério pascal com o dom do Espírito
aos Seus (Jo 16,7). Depois de ressuscitado, trazendo na sua carne os
sinais da paixão, pode derramar o Espírito (Jo 20,22), tornando os seus
discípulos participantes da mesma missão d'Ele (Jo 20,21). Em
seguida, será o Espírito que ensina aos discípulos todas as coisas,
recordando-lhes tudo o que Cristo tinha dito (Jo 14,26), porque compete a
Ele, enquanto Espírito da verdade (Jo 15,26), introduzir os discípulos na
verdade total (Jo 16,13). Segundo narram os atos, o Espírito desce
sobre os Apóstolos reunidos em oração com Maria no dia de Pentecostes (2,1-4), e
impele-os para a missão de anunciar a boa nova a todos os povos. Portanto, é em
virtude da ação do Espírito que o próprio Cristo continua presente e ativo na
sua Igreja, a partir do seu centro vital que é a Eucaristia.
Espírito Santo e
celebração eucarística
13. Neste horizonte,
compreende-se a função decisiva que tem o Espírito Santo na celebração
eucarística e, de modo particular, no que se refere à transubstanciação. É fácil
de comprovar a consciência disto mesmo nos Padres da Igreja; nas suas
Catequeses, São Cirilo de Jerusalém recorda que “invocamos Deus
misericordioso para que envie o seu Santo Espírito sobre as oblações que
apresentamos a fim de Ele transformar o pão em corpo de Cristo e o vinho em
sangue de Cristo. O que o Espírito Santo toca, é santificado e transformado
totalmente”.(25
)
Também São João Crisóstomo assinala que o sacerdote invoca o Espírito Santo
quando celebra o Sacrifício: (26
)
à semelhança de Elias, o ministro atrai o Espírito Santo para que, “descendo a
graça sobre a vítima, se incendeiem por meio dela as almas de todos”.(27
)
É extremamente necessária, para a vida espiritual dos fiéis, uma consciência
mais clara da riqueza da anáfora: esta, juntamente com as palavras pronunciadas
por Cristo na Última Ceia, contém a epiclese, que é invocação ao Pai para que
faça descer o dom do Espírito a fim de o pão e o vinho se tornarem o corpo e o
sangue de Jesus Cristo, e para que “a comunidade inteira se torne cada vez mais
corpo de Cristo”.(28
)
O Espírito, invocado pelo celebrante sobre os dons do pão e do vinho colocados
sobre o altar, é o mesmo que reúne os fiéis “num só corpo”, tornando-os uma
oferta espiritual agradável ao Pai.(29
)
Eucaristia e Igreja
Eucaristia,
princípio causal da Igreja
14. Através do
sacramento eucarístico, Jesus compromete os fiéis na sua própria “hora”;
mostra-nos assim a ligação que quis entre Ele mesmo e nós, entre a sua pessoa e
a Igreja. De fato, o próprio Cristo, no sacrifício da cruz, gerou a Igreja como
sua esposa e seu corpo. Os Padres da Igreja meditaram longamente sobre a
semelhança que há entre a origem de Eva do lado de Adão adormecido (Gn
2,21-23) e a da nova Eva, a Igreja, do lado aberto de Cristo mergulhado no sono
da morte: do seu lado trespassado — narra João — saiu sangue e água (Jo
19,34), símbolo dos sacramentos.(30
)
Um olhar contemplativo para “Aquele que trespassaram” (Jo 19,37) leva-nos
a considerar a ligação causal entre o sacrifício de Cristo, a Eucaristia e a
Igreja. Com efeito, esta “vive da Eucaristia”.(31
)
Uma vez que nela se torna presente o sacrifício redentor de Cristo, temos de
reconhecer antes de mais que “existe um influxo causal da Eucaristia nas
próprias origens da Igreja”.(32
)
A Eucaristia é Cristo que Se dá a nós, edificando-nos continuamente como seu
corpo. Portanto, na sugestiva circularidade entre a Eucaristia que edifica a
Igreja e a própria Igreja que faz a Eucaristia,(33
)
a causalidade primária está expressa na primeira fórmula: a Igreja pode celebrar
e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia, precisamente porque o
próprio Cristo Se deu primeiro a ela no sacrifício da Cruz. A possibilidade que
a Igreja tem de “fazer” a Eucaristia está radicada totalmente na doação que
Jesus lhe fez de Si mesmo. Também este aspecto nos persuade de quão verdadeira
seja a frase de São João: “Ele amou-nos primeiro” (1Jo
4,19). Deste modo, também nós confessamos, em cada celebração, o primado do
dom de Cristo; o influxo causal da Eucaristia, que está na origem da Igreja,
revela em última análise a precedência não só cronológica, mas também ontológica
do amor de Jesus relativamente ao nosso: será, por toda a eternidade, Aquele que
nos ama primeiro.
Eucaristia e
comunhão eclesial
15. A Eucaristia é,
pois, constitutiva do ser e do agir da Igreja. Por isso, a antiguidade cristã
designava com as mesmas palavras — corpus Christi — o corpo nascido da
Virgem Maria, o corpo eucarístico e o corpo eclesial de Cristo.(34
)
Bem atestado na tradição, este dado faz crescer em nós a consciência da
indissolubilidade entre Cristo e a Igreja. Oferecendo-Se a Si mesmo em
sacrifício por nós, o Senhor Jesus preanunciou de modo eficaz no seu dom o
mistério da Igreja. É significativo o modo como a Oração Eucarística II, ao
invocar o Paráclito, formula a prece pela unidade da Igreja: “... participando
no corpo e sangue de Cristo, sejamos reunidos, pelo Espírito Santo, num só
corpo”. Esta passagem ajuda a compreender como a eficácia (res) do
sacramento eucarístico seja a unidade dos fiéis na comunhão eclesial. Assim, a
Eucaristia aparece na raiz da Igreja como mistério de comunhão.(35
)
O servo de Deus João Paulo II, na sua Encíclica
,
tinha já chamado a atenção para a relação entre Eucaristia e communio:
falou do memorial de Cristo como sendo a “suprema manifestação sacramental da
comunhão na Igreja”.(36
)
A unidade da comunhão eclesial revela-se, concretamente, nas comunidades cristãs
e renova-se no ato eucarístico que as une e diferencia em Igrejas particulares,
“in quibus et ex quibus una et unica Ecclesia catholica exsistit – nas
quais e pelas quais existe a Igreja Católica, una e única”.(37
)
É precisamente a realidade da única Eucaristia celebrada em cada diocese ao
redor do respectivo Bispo que nos faz compreender como as próprias Igrejas
particulares subsistam in e ex Ecclesia. De fato, “a
unicidade e indivisibilidade do corpo eucarístico do Senhor implicam a unicidade
do seu corpo místico, que é a Igreja una e indivisível. Do centro
eucarístico surge a necessária abertura de cada comunidade celebrante, de cada
Igreja particular: ao deixar-se atrair pelos braços abertos do Senhor,
consegue-se a inserção no seu corpo, único e indiviso”.(38
)
Por este motivo, na celebração da Eucaristia, cada fiel encontra-se na sua
Igreja, isto é, na Igreja de Cristo. Nesta perspectiva eucarística,
adequadamente entendida, a comunhão eclesial revela-se realidade católica por
sua natureza.(39
)
O fato de sublinhar esta raiz eucarística da comunhão eclesial pode contribuir
eficazmente também para o diálogo ecumênico com as Igrejas e com as Comunidades
eclesiais que não estão em plena comunhão com a Sé de Pedro. Na realidade, a
Eucaristia estabelece objetivamente um forte vínculo de unidade entre a Igreja
Católica e as Igrejas Ortodoxas, que conservaram genuína e integralmente a
natureza do mistério da Eucaristia. Ao mesmo tempo, a relevância dada ao caráter
eclesial da Eucaristia pode tornar-se elemento privilegiado também no diálogo
com as Comunidades nascidas da Reforma.(40
)
Eucaristia e Sacramentos
Sacramentalidade da
Igreja
16. O Concílio Vaticano
II lembrou que “os restantes sacramentos, assim como todos os ministérios
eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e
a ela se ordenam. Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o
tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão
vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora
pelo Espírito Santo: assim são eles convidados e levados a oferecer, juntamente
com Ele, a si mesmos, os seus trabalhos e todas as coisas criadas”.(41
)
Esta relação íntima da Eucaristia com os demais sacramentos e com a existência
cristã compreende-se, na sua raiz, quando se contempla o mistério da própria
Igreja como sacramento.(42
)
A este respeito, o referido Concílio afirmou que “a Igreja, em Cristo, é como
que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o género humano”.(43
)
Ela, enquanto “povo — como diz São Cipriano — reunido na unidade do Pai e do
Filho e do Espírito Santo”,(44
)
é sacramento da comunhão trinitária.
O fato de a Igreja ser
“universal sacramento da salvação”(45
)
mostra que a “economia” sacramental determina, em última análise, o modo como
Jesus Cristo único Salvador, por meio do Espírito, alcança a nossa vida na
especificidade das suas circunstâncias. A Igreja recebe-se e
simultaneamente exprime-senos sete sacramentos, pelos quais a graça de
Deus influencia concretamente a existência dos fiéis para que toda a sua vida,
redimida por Cristo, se torne culto agradável a Deus. Nesta perspectiva, desejo
sublinhar aqui alguns elementos, assinalados pelos padres sinodais, que podem
ajudar a identificar a relação dos diversos sacramentos com o mistério
eucarístico.
I. Eucaristia e iniciação cristã
Eucaristia,
plenitude da iniciação cristã
17. Se verdadeiramente
a Eucaristia é fonte e ápice da vida e da missão da Igreja, temos de concluir
antes de mais que o caminho de iniciação cristã tem como ponto de referência
tornar possível o acesso a tal sacramento. A propósito, devemos interrogar-nos —
como sugeriram os padres sinodais — se as nossas comunidades cristãs têm
suficiente noção do vínculo estreito que há entre Batismo, Confirmação e
Eucaristia; (46
)
de fato, é preciso não esquecer jamais que somos batizados e crismados em ordem
à Eucaristia. Este dado implica o compromisso de favorecer na ação pastoral uma
compreensão mais unitária do percurso de iniciação cristã. O sacramento do
Batismo, pelo qual somos configurados a Cristo,(47
)
incorporados na Igreja e feitos filhos de Deus, constitui a porta de acesso a
todos os sacramentos; através dele, somos inseridos no único corpo de Cristo (1
Cor
12, 13), povo sacerdotal. Mas é a participação no sacrifício eucarístico que
aperfeiçoa, em nós, o que recebemos no Batismo. Também os dons do Espírito são
concedidos para a edificação do corpo de Cristo (1 Cor 12) e o
crescimento do testemunho evangélico no mundo.(48
)
Portanto, a santíssima Eucaristia leva à plenitude a iniciação cristã e
coloca-se como centro e termo de toda a vida sacramental.(49
)
A ordem dos
sacramentos da iniciação
18. A este respeito, é
necessário prestar atenção ao tema da ordem dos sacramentos da iniciação. Na
Igreja, há tradições diferentes; esta diversidade é patente nos costumes
eclesiais do Oriente (50
)
e na prática ocidental para a iniciação dos adultos,(51
)
se comparada com a das crianças.(52
)
Contudo, tais diferenças não são propriamente de ordem dogmática, mas de caráter
pastoral. Em concreto, é necessário verificar qual seja a prática que melhor
pode, efetivamente, ajudar os fiéis a colocarem no centro o sacramento da
Eucaristia, como realidade para qual tende toda a iniciação; em estreita
colaboração com os Dicastérios competentes da Cúria Romana, as Conferências
Episcopais verifiquem a eficácia dos percursos de iniciação atuais, para que o
cristão seja ajudado, pela ação educativa das nossas comunidades, a maturar cada
vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação autenticamente
eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança de
maneira adequada ao nosso tempo (1Pd 3,15).
Iniciação,
comunidade eclesial e família
19. É preciso ter
sempre presente que toda a iniciação cristã é caminho de conversão que há-de ser
realizada com a ajuda de Deus e em constante referimento à comunidade eclesial,
quer quando é o adulto que pede para entrar na Igreja, como acontece nos lugares
de primeira evangelização e em muitas zonas secularizadas, quer quando são os
pais a pedir os sacramentos para seus filhos. A este respeito, desejo chamar a
atenção sobretudo para a relação entre iniciação cristã e família; na ação
pastoral, sempre se deve associar a família cristã ao itinerário de iniciação.
Receber o Batismo, a Confirmação e abeirar-se pela primeira vez da Eucaristia
são momentos decisivos não só para a pessoa que os recebe, mas também para toda
a sua família; esta deve ser sustentada, na sua tarefa educativa, pela
comunidade eclesial em suas diversas componentes.(53
)
Quero sublinhar aqui a relevância da Primeira Comunhão; para inúmeros fiéis,
este dia permanece, justamente, gravado na memória como o primeiro momento em
que se percebeu, embora de forma ainda inicial, a importância do encontro
pessoal com Jesus.
A pastoral paroquial deve valorizar adequadamente esta ocasião tão significativa.
II. Eucaristia e
sacramento da Reconciliação
Sua ligação
intrínseca
20. Os padres sinodais
afirmaram, justamente,
que o amor à Eucaristia leva a apreciar cada vez mais também o sacramento da
Reconciliação.(54
)
Por causa da ligação entre ambos os sacramentos, uma catequese autêntica acerca
do sentido da Eucaristia não pode ser separada da proposta dum caminho
penitencial (1Cor 11,27-29). Constatamos — é certo — que, no nosso tempo,
os fiéis se encontram imersos numa cultura que tende a cancelar o sentido do
pecado,(55
)
favorecendo um estado de espírito superficial que leva a esquecer a necessidade
de estar na graça de Deus para se aproximar dignamente da comunhão
sacramental.(56
)
Na realidade, a perda da consciência do pecado engloba sempre também uma certa
superficialidade na compreensão do próprio amor de Deus. É muito útil para os
fiéis recordar-lhes os elementos que, no rito da Santa Missa, explicitam a
consciência do próprio pecado e, simultaneamente, da misericórdia de Deus.(57
)
Além disso, a relação entre a Eucaristia e a Reconciliação recorda-nos que o
pecado nunca é uma realidade exclusivamente individual, mas inclui sempre também
uma ferida no seio da comunhão eclesial, na qual nos encontramos inseridos pelo
Batismo. Por isso, como diziam os Padres da Igreja, a Reconciliação é um Batismo
laborioso (laboriosus quidam baptismus),(58
)
sublinhando assim que o resultado do caminho de conversão é também o
restabelecimento da plena comunhão eclesial, que se exprime no abeirar-se
novamente da Eucaristia.(59
)
Alguns cuidados
pastorais
21. O Sínodo lembrou
que é dever pastoral do bispo promover na sua diocese uma decisiva recuperação
da
pedagogia da conversão que nasce da Eucaristia e favorecer entre os fiéis a
confissão freqüente. Todos os sacerdotes se dediquem com generosidade,
empenho e competência à administração do sacramento da Reconciliação.(60
)
A propósito, procure-se que, nas nossas igrejas,
os confessionários sejam bem visíveis e expressivos do significado deste
sacramento. Peço aos pastores que vigiem atentamente sobre a celebração do
sacramento da Reconciliação,
limitando a prática da absolvição geral exclusivamente aos casos previstos,(61
)
permanecendo como forma ordinária de absolvição apenas a pessoal.(62
)
Vista a necessidade de descobrir novamente o perdão sacramental, haja em todas
as dioceses o Penitenciário.(63
)
Por último, pode servir de válida ajuda para a nova tomada de consciência desta
relação entre a Eucaristia e a Reconciliação uma prática equilibrada e
conscienciosa da indulgência, lucrada a favor de si mesmo ou dos
defuntos. Com ela, obtém-se “a remissão, perante Deus, da pena temporal devida
aos pecados, cuja culpa já foi apagada”.(64
)
O uso das indulgências ajuda-nos a compreender que não somos capazes, só com as
nossas forças, de reparar o mal cometido e que os pecados de cada um causam dano
a toda a comunidade; além disso, a prática da indulgência, implicando a doutrina
dos méritos infinitos de Cristo bem como a da comunhão dos santos, mostra-nos
“quanto estejamos, em Cristo, intimamente unidos uns aos outros e quanto a vida
sobrenatural de cada um possa aproveitar aos outros”.(65
)
Dado que a forma própria da indulgência prevê, entre as condições requeridas, o
abeirar-se da confissão e da comunhão sacramental, a sua prática pode sustentar
eficazmente os fiéis no caminho da conversão e na descoberta da centralidade da
Eucaristia na vida cristã.
III. Eucaristia e Unção dos
Enfermos
22. Jesus não Se
limitou a enviar os seus discípulos a curar os doentes (Mt 10,8; Lc
9,2; 10,9), mas instituiu para eles também um sacramento específico: a Unção dos
Enfermos.(66
)
A Carta de Tiago testemunha a presença deste gesto sacramental já na
primitiva comunidade cristã (5,14-16). Se a Eucaristia mostra como os
sofrimentos e a morte de Cristo foram transformados em amor, a Unção dos
Enfermos, por seu lado, associa o doente à oferta que Cristo fez de Si mesmo
pela salvação de todos, de tal modo que possa também ele, no mistério da
comunhão dos santos, participar na redenção do mundo. A relação entre ambos os
sacramentos aparece ainda mais clara quando se agrava a doença: “Àqueles que vão
deixar esta vida, a Igreja oferece-lhes, além da Unção dos Enfermos, a
Eucaristia como viático”.(67
)
Nesta passagem para o Pai, a comunhão no corpo e sangue de Cristo aparece como
semente de vida eterna e força de ressurreição: “Quem come a minha carne e bebe
o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo
6,54).
Uma vez que o sagrado Viático desvenda ao doente a plenitude do mistério pascal,
é preciso assegurar a sua administração.(68
)
A atenção e o cuidado pastoral por aqueles que se encontram doentes redunda,
seguramente, em benefício espiritual de toda a comunidade, sabendo que tudo o
que fizermos ao mais pequenino, ao próprio Jesus o faremos (Mt 25, 40).
IV. Eucaristia e sacramento da
Ordem
Na pessoa de Cristo
cabeça
23. O vínculo
intrínseco entre a Eucaristia e o sacramento da Ordem deduz-se das próprias
palavras de Jesus no Cenáculo: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22,
19). De fato, na vigília da sua morte, Ele instituiu a Eucaristia e ao mesmo
tempo fundou o sacerdócio da Nova Aliança.
Jesus é sacerdote, vítima e altar: mediador entre Deus Pai e o povo (Hb
5,5-10), vítima de expiação (1Jo 2,2; 4,10) que Se oferece a Si mesma no
altar da cruz. Ninguém pode dizer “isto é o meu corpo” e “este é o cálice do meu
sangue” senão em nome e na pessoa de Cristo, único sumo sacerdote da nova e
eterna Aliança (Hb 8-9). O Sínodo dos Bispos já se ocupara, noutras assembléias,
do sacerdócio ordenado tanto no que diz respeito à identidade do ministério,(69
)
como à formação dos candidatos.(70
)
Na presente circunstância importa-me, à luz do diálogo realizado no âmbito da
última assembléia sinodal, sublinhar alguns valores que têm a ver com a relação
entre o sacramento eucarístico e a Ordem. Antes de mais nada, é necessário
reafirmar que a ligação entre a Ordem sacra e a Eucaristia é
visível precisamente na Missa que o bispo ou o presbítero preside na pessoa
de Cristo cabeça (in persona Christi capitis).
A doutrina da Igreja
considera a ordenação sacerdotal condição indispensável para a celebração válida
da Eucaristia.(71
)
De fato, “no serviço eclesial do ministro ordenado, é o próprio Cristo que está
presente à sua Igreja, como cabeça do seu corpo, pastor do seu rebanho, sumo
sacerdote do sacrifício redentor”.(72
)
Certamente o ministro ordenado “age também em nome de toda a Igreja, quando
apresenta a Deus a oração da mesma Igreja e, sobretudo, quando oferece o
sacrifício eucarístico”.(73
)
Por isso, é necessário que os sacerdotes tenham consciência de que, em todo o
seu ministério, nunca devem colocar em primeiro plano a sua pessoa nem as suas
opiniões, mas Jesus Cristo. Contradiz a identidade sacerdotal toda a tentativa
de se colocarem a si mesmos como protagonistas da ação litúrgica. Aqui, mais do
que nunca, o sacerdote é servo e deve continuamente empenhar-se por ser sinal
que,
como dócil instrumento nas mãos de Cristo, aponta para Ele. Isto exprime-se de
modo particular na humildade com que o sacerdote conduz a ação litúrgica,
obedecendo ao rito, aderindo ao mesmo com o coração e a mente, evitando tudo o
que possa dar a sensação de um seu inoportuno protagonismo. Recomendo,
pois, ao clero que não cesse de aprofundar a consciência do seu ministério
eucarístico como um serviço humilde a Cristo e à sua Igreja. O sacerdócio, como
dizia Santo Agostinho, é um serviço de amor (amoris officium),(74
)
é o serviço do bom pastor, que oferece a vida pelas ovelhas (Jo 10,
14-15).
Eucaristia e
celibato sacerdotal
24. Os padres sinodais
quiseram sublinhar como o sacerdócio ministerial requer, através da ordenação, a
plena configuração a Cristo. Embora respeitando a prática e tradição oriental
diferente, é necessário reiterar o sentido profundo do celibato sacerdotal,
justamente considerado uma riqueza inestimável e confirmado também pela prática
oriental de escolher os bispos apenas de entre aqueles que vivem no celibato,
indício da grande honra em que ela tem a opção do celibato feita por numerosos
presbíteros. Com efeito, nesta opção do sacerdote encontram expressão peculiar a
dedicação que o conforma a Cristo e a oferta exclusiva de si mesmo pelo Reino de
Deus.(75
)
O fato de o próprio Cristo, eterno sacerdote, ter vivido a sua missão até ao
sacrifício da cruz no estado de virgindade constitui o ponto seguro de
referência para perceber o sentido da tradição da Igreja Latina a tal respeito.
Assim, não é suficiente compreender o celibato sacerdotal em termos meramente
funcionais; na realidade, constitui uma especial conformação ao estilo de vida
do próprio Cristo. Antes de mais, semelhante opção é esponsal: a identificação
com o coração de Cristo Esposo que dá a vida pela sua Esposa. Em sintonia com a
grande tradição eclesial, com o Concílio Vaticano II (76
)
e com os Sumos Pontífices (77
)
meus predecessores, corroboro a beleza e a importância duma vida sacerdotal
vivida no celibato como sinal expressivo de dedicação total e exclusiva a
Cristo, à Igreja e ao Reino de Deus, e, conseqüentemente, confirmo a sua
obrigatoriedade para a tradição latina. O celibato sacerdotal, vivido com
maturidade, alegria e dedicação, é uma bênção enorme para a Igreja e para a
própria sociedade.
Escassez de clero e
pastoral vocacional
25. A propósito da
ligação entre o sacramento da Ordem e a Eucaristia, o Sínodo deteve-se sobre a
dolorosa situação que se tem vindo a criar em diversas dioceses a braços com a
escassez de sacerdotes. Isto acontece não só em algumas zonas de primeira
evangelização, mas também em muitos países de longa tradição cristã. Para a
solução do problema contribui certamente uma distribuição mais equitativa do
clero; mas, para isso, é preciso um trabalho de sensibilização capilar. Os
bispos empenhem nas necessidades pastorais os institutos de vida consagrada e as
novas realidades eclesiais, no respeito do respectivo carisma, e solicitem todos
os membros do clero a uma disponibilidade maior para irem servir a Igreja nos
lugares onde houver necessidade, sem olhar a sacrifícios.(78
)
Além disso, o Sínodo debruçou-se também sobre os cuidados pastorais a ter
principalmente com os jovens para favorecer a sua abertura interior à vocação
sacerdotal. A solução para tal carestia não se pode encontrar em meros
estratagemas pragmáticos; deve-se evitar que os bispos, levados por
compreensíveis preocupações funcionais devido à falta de clero,
acabem por não realizar um adequado discernimento vocacional, admitindo à
formação específica e à ordenação candidatos que não possuam as características
necessárias para o serviço sacerdotal.(79
)
Um clero insuficientemente formado e admitido à ordenação sem o necessário
discernimento dificilmente poderá oferecer um testemunho capaz de suscitar
noutros o desejo de generosa correspondência à vocação de Cristo. Na realidade,
a pastoral vocacional deve empenhar a comunidade cristã em todos os seus
âmbitos.(80
)
Obviamente, no referido trabalho pastoral capilar, está incluída também a obra
de sensibilização das famílias, muitas vezes indiferentes se não mesmo
contrárias à hipótese da vocação sacerdotal. Que elas se abram com generosidade
ao dom da vida e eduquem os filhos para serem disponíveis à vontade de Deus! Em
resumo, é preciso sobretudo ter a coragem de propor aos jovens o seguimento
radical de Cristo, mostrando-lhes o seu encanto.
Gratidão e esperança
26. Enfim, é necessário
ter maior fé e esperança na iniciativa divina. Apesar da escassez de clero que
se verifica em algumas regiões, não deve esmorecer jamais a confiança de que
Cristo continua a suscitar homens que não hesitam em abandonar qualquer outra
ocupação para dedicar-se totalmente à celebração dos mistérios sagrados, à
pregação do Evangelho e ao ministério pastoral. Nesta ocasião, desejo dar voz à
gratidão da Igreja inteira por todos os bispos e presbíteros que cumprem, com
fiel dedicação e empenho, a própria missão. Naturalmente, este agradecimento da
Igreja estende-se também aos diáconos, a quem são impostas as mãos “não em ordem
ao sacerdócio, mas ao ministério”.(81
)
Como recomendou a assembléia do Sínodo, dirijo um obrigado especial aos
presbíteros fidei donum que edificam a comunidade, com competência e
generosa dedicação, anunciando-lhe a palavra de Deus e repartindo o pão da vida,
sem pouparem as suas energias ao serviço da missão da Igreja.(82
)
Por fim, é preciso agradecer a Deus pelos numerosos sacerdotes que tiveram de
sofrer até ao sacrifício da vida por servir a Cristo. Neles se manifesta, com a
eloquência dos fatos, o que significa ser sacerdote a fundo; trata-se de
comoventes testemunhos que poderão inspirar muitos jovens a seguirem por sua vez
a Cristo e gastarem a sua vida pelos outros, encontrando precisamente assim a
vida verdadeira.
V. Eucaristia e Matrimônio
Eucaristia,
sacramento esponsal
27. A Eucaristia,
sacramento da caridade, apresenta uma relação particular com o amor do homem e
da mulher unidos em matrimônio. Aprofundar tal relação é uma necessidade do
nosso tempo.(83
)
Várias vezes o Papa João Paulo II teve ocasião de afirmar o caráter esponsal da
Eucaristia e a sua relação peculiar com o sacramento do matrimônio: “A
Eucaristia é o sacramento da nossa redenção. É o sacramento do Esposo, da
Esposa”.(84
)
Aliás,
“toda a vida cristã tem a marca do amor esponsal entre Cristo e a Igreja.
Já o Batismo, entrada no povo de Deus, é um mistério nupcial; é, por assim
dizer, o banho de núpcias que precede o banquete das bodas, a Eucaristia”.(85
)
Esta corrobora de forma inexaurível a unidade e o amor indissolúveis de cada
matrimônio cristão. Neste, em virtude do sacramento, o vínculo conjugal está
intrinsecamente ligado com a união eucarística entre Cristo esposo e a Igreja
esposa (Ef 5,31-32). O consentimento recíproco, que o marido e a esposa
trocam entre si em Cristo constituindo-os em comunidade de vida e de amor, tem
também uma dimensão eucarística; com efeito, na teologia paulina, o amor
esponsal é sinal sacramental do amor de Cristo pela sua Igreja, um amor que tem
o seu ponto culminante na cruz, expressão das suas “núpcias” com a humanidade e,
ao mesmo tempo, origem e centro da Eucaristia. Por isso, a Igreja manifesta uma
particular solidariedade espiritual a todos aqueles que fundaram a sua família
sobre o sacramento do Matrimônio.(86
)
A família — igreja doméstica (87
)
— é um âmbito primário da vida da Igreja, especialmente pelo papel decisivo que
tem na educação cristã dos filhos.(88
)
Neste contexto, o Sínodo recomendou também o reconhecimento da missão singular
que tem a mulher na família e na sociedade, missão esta que há-de ser protegida,
salvaguardada e promovida.(89
)
A sua dimensão de esposa e mãe constitui uma realidade imprescindível, que nunca
deve ser desprezada.
Eucaristia e unidade
do Matrimônio
28. É precisamente à
luz desta relação intrínseca entre Matrimônio, família e Eucaristia que se podem
considerar alguns problemas pastorais. O vínculo fiel, indissolúvel e exclusivo
que une Cristo e a Igreja e tem expressão sacramental na Eucaristia, está de
harmonia com o dado antropológico primordial segundo o qual o homem deve unir-se
de modo definitivo com uma só mulher, e vice-versa (Gn 2,24; Mt
19,5). Nesta linha de pensamento, o Sínodo dos Bispos debruçou-se sobre a
prática pastoral que deve ser seguida com as pessoas originárias de culturas
onde é praticada a poligamia, que recebem o anúncio do Evangelho: quantos vivem
em tal situação e se abrem à fé cristã devem ser ajudados a integrar o seu
projeto humano na novidade radical de Cristo; no percurso do catecumenado,
Cristo alcança-os na sua condição específica e chama-os à verdade plena do amor
passando através das renúncias que são necessárias para chegarem à comunhão
eclesial perfeita. A Igreja acompanha-os com uma pastoral imbuída
simultaneamente de suavidade e de firmeza,(90
)
mostrando-lhes sobretudo a luz dos mistérios cristãos que se reflete sobre a
natureza e os afetos humanos.
Eucaristia e
indissolubilidade do Matrimônio
29. Se a Eucaristia
exprime a irreversibilidade do amor de Deus em Cristo pela sua Igreja,
compreende-se por que motivo a mesma implique, relativamente ao sacramento do
Matrimônio, aquela indissolubilidade a que todo o amor verdadeiro não pode
deixar de anelar.(91
)
Por isso, é mais que justificada a atenção pastoral que o Sínodo reservou às
dolorosas situações em que se encontram não poucos fiéis que, depois de ter
celebrado o sacramento do Matrimônio, se
divorciaram e contraíram novas núpcias. Trata-se dum problema pastoral espinhoso
e complexo, uma verdadeira praga do ambiente social contemporâneo que vai
progressivamente corroendo os próprios ambientes católicos. Os pastores, por
amor da verdade, são obrigados a discernir bem as diferentes situações, para
ajudar espiritualmente e de modo adequado os fiéis implicados.(92
)
O Sínodo dos Bispos confirmou a prática da Igreja, fundada na Sagrada Escritura
(Mc 10,2-12), de não admitir aos sacramentos os divorciados re-casados,
porque o seu estado e condição de vida contradizem objetivamente aquela união de
amor entre Cristo e a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia.
Todavia os divorciados re-casados, não obstante a sua situação, continuam a
pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude na esperança de que
cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida, através da participação na
Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da palavra de Deus, da
adoração eucarística, da oração, da cooperação na vida comunitária, do diálogo
franco com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço
da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos.
Nos casos em que surjam
legitimamente dúvidas sobre a validade do Matrimônio sacramental contraído, deve
fazer-se tudo o que for necessário para verificar o fundamento das mesmas. Há
que assegurar, pois, no pleno respeito do direito canônico,(93
)
a presença no território dos tribunais eclesiásticos, o seu caráter pastoral, a
sua atividade correta e pressurosa; (94
)
é necessário haver, em cada diocese, um número suficiente de pessoas preparadas
para o solícito funcionamento dos tribunais eclesiásticos. Recordo que “é uma
obrigação grave tornar a atuação institucional da Igreja nos tribunais cada vez
mais acessível aos fiéis”.(95
)
No entanto, é preciso evitar que a preocupação pastoral seja vista como se
estivesse em contraposição com o direito; ao contrário, deve-se partir do
pressuposto que o ponto fundamental de encontro entre direito e pastoral é o
amor pela verdade: com efeito, esta nunca é abstrata, mas “integra-se
no itinerário humano e cristão de cada fiel”.(96
)
Enfim, caso não seja reconhecida a nulidade do vínculo matrimonial e se
verifiquem condições objetivas que tornam realmente irreversível a convivência,
a Igreja encoraja estes fiéis a esforçarem-se por viver a sua relação segundo as
exigências da lei de Deus, como amigos, como irmão e irmã; deste modo poderão
novamente abeirar-se da mesa eucarística, com os cuidados previstos por uma
comprovada prática eclesial. Para que tal caminho se torne possível e dê frutos,
deve ser apoiado pela ajuda dos pastores e por adequadas iniciativas eclesiais,
evitando, em todo o caso, de abençoar estas relações para que não surjam
entre os fiéis confusões acerca do valor do matrimônio.(97)
Vista a complexidade do
contexto cultural em que vive a Igreja em muitos países, o Sínodo recomendou
ainda que se tivesse o máximo cuidado pastoral com a formação dos nubentes e a
verificação prévia das suas convicções sobre os compromissos irrenunciáveis para
a validade do sacramento do Matrimônio. Um sério discernimento a tal respeito
poderá evitar que impulsos emotivos ou razões superficiais induzam os dois
jovens a assumir responsabilidades que depois não poderão honrar.(98)
Demasiado grande é o bem que a Igreja e a sociedade inteira esperam do
Matrimônio e da família fundada sobre o mesmo para não nos comprometermos a
fundo neste âmbito pastoral específico; Matrimônio e família são instituições
cuja verdade deve ser promovida e defendida de qualquer equívoco, porque todo o
dano a elas causado é realmente uma ferida que se inflige à convivência humana
como tal.
Eucaristia e escatologia
Eucaristia, dom para
o homem a caminho
30. Se é certo que os
sacramentos são uma realidade que pertence à Igreja peregrina no tempo (99
)
rumo à plena manifestação da vitória de Cristo ressuscitado, é igualmente
verdade que, sobretudo
na liturgia eucarística, nos é dado saborear antecipadamente a consumação
escatológica para a qual todo o homem e a criação inteira estão a caminho
(Rm 8,19s). O homem é criado para a felicidade verdadeira e eterna, que
só o amor de Deus pode dar; mas a nossa liberdade ferida extraviar-se-ia se não
lhe fosse possível experimentar, já desde agora, algo da consumação futura.
Aliás, para poder caminhar na direção justa, o homem necessita de estar
orientado para a meta final; esta, na realidade, é o próprio Cristo Senhor,
vencedor do pecado e da morte, que Se torna presente para nós de maneira
especial na celebração eucarística. Deste modo, embora sejamos ainda
“estrangeiros e peregrinos” (1Pd 2,11) neste mundo, pela fé participamos
já da plenitude da vida ressuscitada. O banquete eucarístico, ao revelar a sua
dimensão intensamente escatológica, vem em ajuda da nossa liberdade a caminho.
O Banquete
Escatológico
31. Refletindo sobre
este mistério, podemos dizer que Cristo, com a sua vinda, Se colocou em sintonia
com a expectativa presente no povo de Israel, na humanidade inteira e
fundamentalmente na própria criação. Com o dom de Si mesmo, inaugurou
objetivamente o tempo escatológico. Cristo veio chamar à unidade o povo de Deus
que andava disperso (Jo 11,52), manifestando claramente a intenção de
congregar a comunidade da aliança para dar cumprimento às promessas feitas por
Deus a nossos pais (Jr 23,3; 31,10; Lc 1,55.70). Com o chamamento
dos Doze — número que evoca as doze tribos de Israel — e o mandato que lhes
confiou na Última Ceia, antes da sua paixão redentora, de celebrarem o seu
memorial, Jesus manifestou que queria transferir, para a comunidade inteira por
Ele fundada, a missão de ser, na história, sinal e instrumento da reunificação
escatológica que n'Ele teve início. Por isso, em cada celebração eucarística,
realiza-se sacramentalmente a unificação escatológica do povo de Deus. Para nós,
o banquete eucarístico é uma antecipação real do banquete final,
preanunciado pelos profetas (Is 25, 6-9) e descrito no Novo Testamento
como “as
núpcias do Cordeiro” (Ap 19,7-9) que se hão-de celebrar na
comunhão dos santos.(100)
Oração pelos
defuntos
32. A celebração
eucarística, na qual anunciamos a morte do Senhor e proclamamos a sua
ressurreição enquanto aguardamos a sua vinda gloriosa, é penhor da glória
futura, quando mesmo os nossos corpos serão glorificados. Ao celebrarmos o
memorial da nossa salvação, reforça-se em nós a esperança da ressurreição da
carne juntamente com a possibilidade de encontrarmos de novo, face a face,
aqueles que nos precederam com o sinal da fé. Nesta linha, queria, juntamente
com os padres sinodais,
lembrar a todos os fiéis a importância da oração de sufrágio, particularmente a
celebração de Missas, pelos defuntos para que, purificados, possam chegar
à visão beatífica de Deus.(101
)
Sempre que descobrimos de novo a dimensão escatológica presente na Eucaristia,
celebrada e adorada, somos apoiados no nosso caminho e confortados na esperança
da glória (Rm 5, 2; Tt 2, 13).
A Eucaristia e a Virgem Maria
33. Da relação entre a
Eucaristia e os restantes sacramentos juntamente com o significado escatológico
dos santos mistérios, irrompe o perfil da vida cristã, chamada a ser em cada
instante culto espiritual, oferta de si mesma agradável a Deus. E, se é verdade
que nos encontramos todos ainda a caminho rumo à plena consumação da nossa
esperança, isto não impede de podermos já agora reconhecer, com gratidão, que
tudo aquilo que Deus nos deu, se realizou perfeitamente na Virgem Maria, Mãe de
Deus e nossa: a sua assunção ao céu em corpo e alma é, para nós, sinal de segura
esperança, enquanto nos aponta a nós, peregrinos no tempo, aquela meta
escatológica que o sacramento da Eucaristia desde já nos faz saborear.
Em Maria Santíssima,
vemos perfeitamente realizada também a modalidade sacramental com que Deus
alcança e envolve na sua iniciativa salvífica a criatura humana. Desde a
anunciação ao Pentecostes, Maria de Nazaré aparece como uma pessoa cuja
liberdade está completamente disponível à vontade de Deus; a sua Imaculada
Conceição revela-se propriamente na docilidade incondicional à palavra divina. A
fé obediente é a forma que a sua vida assume em cada instante perante a ação de
Deus: Virgem à escuta, Ela vive em plena sintonia com a vontade divina; conserva
no seu coração as palavras que lhe chegam da parte de Deus e, dispondo-as à
maneira de um mosaico, aprende a compreendê-las mais a fundo (Lc
2,19.51);
Maria é a grande Crente que, cheia de confiança, Se coloca nas mãos de Deus,
abandonando-Se à sua vontade.(102
)
Um tal mistério vai crescendo de intensidade até chegar ao pleno envolvimento
d'Ela na missão redentora de Jesus; como afirmou o Concílio Vaticano II,
“assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união com seu
Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (Jo
19,25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-Se com coração
de mãe ao seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d'Ela
nascera; finalmente, Jesus Cristo, agonizante na cruz, deu-A por mãe ao
discípulo, com estas palavras: mulher, eis aí o teu filho (Jo
19,26-27)”.(103
)
Desde a anunciação até à cruz, Maria é Aquela que acolhe a Palavra que n'Ela Se
fez carne e foi até emudecer no silêncio da morte. É Ela, enfim, que recebe nos
seus braços o corpo imolado, já exânime, d'Aquele que verdadeiramente amou os
Seus “até ao fim” (Jo
13,1).
Por isso, sempre que na
liturgia eucarística nos abeiramos do corpo e do sangue de Cristo, dirigimo-nos
também a Ela que, por toda a Igreja, acolheu o sacrifício de Cristo, aderindo
plenamente ao mesmo. Justamente afirmaram os padres sinodais que “Maria inaugura
a participação da Igreja no sacrifício do Redentor”.(104
)
Ela é a Imaculada que acolhe incondicionalmente o dom de Deus, e desta forma
fica associada à obra da salvação. Maria de Nazaré, ícone da Igreja
nascente, é o modelo para cada um de nós saber como é chamado a acolher a doação
que Jesus fez de Si mesmo na Eucaristia.
II PARTE - EUCARISTIA, MISTÉRIO CELEBRADO
“Em verdade, em verdade
vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão que vem do céu; meu Pai é que vos dá
o verdadeiro pão que vem do céu” (Jo 6,32)
Norma da oração e
norma de fé
34. O Sínodo dos Bispos
refletiu demoradamente sobre a relação intrínseca entre fé eucarística e
celebração, pondo em evidência a ligação entre a norma da oração (lex orandi)
e a norma de fé (lex credendi) e sublinhando o primado da ação
litúrgica. É necessário viver a Eucaristia como mistério da fé
autenticamente celebrado, bem cientes de que “a inteligência da fé (intellectus
fidei) sempre está originariamente em relação com a ação litúrgica da
Igreja”:(105
)
neste âmbito, a reflexão teológica não pode prescindir jamais da ordem
sacramental instituída pelo próprio Cristo; por outro lado, a ação litúrgica
nunca pode ser considerada genericamente, prescindindo do mistério da fé. Com
efeito, a fonte da nossa fé e da liturgia eucarística é o mesmo acontecimento: a
doação que Cristo fez de Si próprio no mistério pascal.
Beleza e liturgia
35. A relação entre
mistério acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no
valor teológico e litúrgico da beleza. De fato, a liturgia, como aliás a
revelação cristã, tem uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor da
verdade (veritatis splendor). Na liturgia, brilha o mistério pascal, pelo
qual o próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão. Em Jesus, como
costumava dizer São Boaventura, contemplamos a beleza e o esplendor das
origens.(106
)
Referimo-nos aqui a este atributo da beleza, vista não enquanto mero esteticismo,
mas como modalidade com que a verdade do amor de Deus em Cristo nos alcança,
fascina e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos e atraindo-nos assim para a
nossa verdadeira vocação: o amor.(107
)
Já na criação, Deus Se deixa entrever na beleza e harmonia do universo (Sb
13,5; Rm 1,19-20). Depois, no Antigo Testamento, encontramos sinais
grandiosos do esplendor da força de Deus, que Se manifesta com a sua glória
através dos prodígios realizados no meio do povo eleito (Ex 14; 16,10;
24,12-18; Nm 14,20-23). No Novo Testamento, realiza-se definitivamente
esta epifania de beleza na revelação de Deus em Jesus Cristo: (108
)
Ele é a manifestação plena da glória divina. Na glorificação do Filho,
resplandece e comunica-se a glória do Pai (Jo 1,14; 8,54; 12,28; 17,1).
Mas, esta beleza não é uma simples harmonia de formas; “o mais belo dos filhos
do homem” (Sl 45/44,3) misteriosamente é também um indivíduo “sem
distinção nem beleza que atraia o nosso olhar” (Is 53,2). Jesus Cristo
mostra-nos como a verdade do amor sabe transfigurar inclusive o mistério sombrio
da morte na luz radiante da ressurreição. Aqui o esplendor da glória de Deus
supera toda a beleza do mundo. A verdadeira beleza é o amor de Deus que nos foi
definitivamente revelado no mistério pascal.
A beleza da liturgia
pertence a este mistério; é expressão excelsa da glória de Deus e, de certa
forma, constitui o céu que desce à terra. O memorial do sacrifício redentor traz
em si mesmo os traços daquela beleza de Jesus testemunhada por Pedro, Tiago e
João, quando o Mestre, a caminho de Jerusalém, quis transfigurar-Se diante deles
(Mc 9,2). Concluindo, a beleza não é um fator decorativo da ação
litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da
sua revelação. Tudo isto nos há-de tornar conscientes da atenção que se deve
prestar à ação litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza.
A celebração eucarística,
obra de Cristo inteiro
Cristo inteiro:
cabeça e corpo
36. A beleza intrínseca
da liturgia tem, como sujeito próprio, Cristo ressuscitado e glorificado no
Espírito Santo, que inclui a Igreja na sua ação.(109
)
Nesta perspectiva, é muito sugestivo recordar as palavras de Santo Agostinho que
descrevem, de modo eficaz, esta dinâmica de fé própria da Eucaristia;
referindo-se precisamente ao mistério eucarístico, o grande santo de Hipona põe
em evidência como o próprio Cristo nos assimila a Si mesmo: “O pão que vedes
sobre o altar, santificado com a palavra de Deus, é o corpo de Cristo. O cálice,
ou melhor, aquilo que o cálice contém, santificado com as palavras de Deus, é
sangue de Cristo. Com estes [sinais], Cristo Senhor quis confiar-nos o seu corpo
e o seu sangue, que derramou por nós para a remissão dos pecados. Se os
recebestes bem, vós mesmos sois Aquele que recebestes”.(110
)
Assim, “tornamo-nos não apenas cristãos, mas o próprio Cristo”.(111
)
Nisto podemos contemplar a ação misteriosa de Deus, que inclui a unidade
profunda entre nós e o Senhor Jesus: “De fato, não se pode crer que Cristo
esteja na cabeça sem estar também no corpo, pois Ele está todo inteiro na cabeça
e no corpo (Christus totus in capite et in corpore)”.(112
)
Eucaristia e Cristo
ressuscitado
37. Visto que
a liturgia eucarística é essencialmente ação de Deus (actio Dei)
que nos envolve em Jesus por meio do Espírito, o seu fundamento
não está à mercê do nosso arbítrio e não pode suportar a chantagem das modas
passageiras. Vale aqui também, sem dúvida, a advertência de São Paulo:
“Ninguém pode pôr outro fundamento diferente do que foi posto, isto é, Jesus
Cristo” (1Cor 3,11). O Apóstolo das Gentes certifica-nos ainda,
referindo-se à Eucaristia, que não nos comunica uma doutrina pessoal, mas aquilo
que, por sua vez, tinha recebido (1Cor 11,23); de fato, a celebração da
Eucaristia implica a Tradição viva. A Igreja celebra o sacrifício eucarístico
obedecendo ao mandato de Cristo, a partir da experiência do Ressuscitado e da
efusão do Espírito Santo. Por este motivo, a comunidade cristã, desde os seus
primórdios, reúne-se para a fração do pão (fractio panis) no dia do
Senhor. O dia em que Cristo ressuscitou dos mortos, o domingo, é também o
primeiro dia da semana, aquele em que a tradição do Antigo Testamento
contemplava o início da criação.
O dia da criação tornou-se agora o dia da “nova criação”, o dia da nossa
libertação, no qual fazemos memória de Cristo morto e ressuscitado.(113
)
Arte da celebração
38. Durante os
trabalhos sinodais, foi várias vezes recomendada a necessidade de superar toda e
qualquer separação entre a arte da celebração (ars celebrandi, isto é, a
arte de celebrar retamente) e a participação plena, ativa e frutuosa de todos os
fiéis: com efeito,
o primeiro modo de favorecer a participação do povo de Deus no rito sagrado é a
condigna celebração do mesmo; a arte da celebração é a melhor condição
para a participação ativa (actuosa participatio).(114
)
Aquela resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade, pois
é precisamente este modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé
de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus,
sacerdócio real, nação santa (1Pd 2,4-5.9).(115
)
O bispo, liturgista
por excelência
39. Se é verdade que
todo o povo de Deus participa na liturgia eucarística, uma função
imprescindível, relativamente à correta ars celebrandi, compete todavia
àqueles que receberam o sacramento da Ordem. Bispos, sacerdotes e diáconos, cada
qual segundo o próprio grau, devem considerar a celebração como o seu dever
principal.(116
)
Antes de mais ninguém, o bispo diocesano: de fato, como “primeiro dispensador
dos mistérios de Deus na Igreja particular que lhe está confiada, ele é o guia,
o promotor e o guardião de toda a vida litúrgica”.(117
)
Tudo isto é decisivo para a vida da Igreja particular, não só porque a comunhão
com o bispo é condição para que seja legítima uma celebração no respectivo
território, mas também porque ele mesmo é o liturgista por excelência da sua
Igreja.(118
)
Compete-lhe salvaguardar a concorde unidade das celebrações na sua diocese; por
isso, deve ser “preocupação do bispo fazer com que os presbíteros, os diáconos e
os fiéis compreendam cada vez melhor o sentido autêntico dos ritos e dos textos
litúrgicos, levando-os deste modo a uma ativa e frutuosa celebração da
Eucaristia”.(119
)
De modo particular, exorto a fazer tudo o que for necessário a fim de que as
celebrações litúrgicas realizadas pelo bispo na catedral se desenrolem no
respeito cabal da arte da celebração, para que possam ser consideradas como
modelo por todas as igrejas espalhadas no território.(120
)
O respeito pelos
livros litúrgicos e pela riqueza dos sinais
40. Ao ressaltar a
importância da arte da celebração, conseqüentemente põe-se em evidência o valor
das normas litúrgicas.(121
)
Aquela deve favorecer o sentido do sagrado e a utilização das formas exteriores
que educam para tal sentido, como, por exemplo, a harmonia do rito, das vestes
litúrgicas, da decoração e do lugar sagrado. A celebração eucarística é frutuosa
quando os sacerdotes e os responsáveis da pastoral litúrgica se esforçam por dar
a conhecer os livros litúrgicos em vigor e as respectivas normas, pondo em
destaque as riquezas estupendas da
e da
Instrução das Leituras da Missa. Talvez se dê por adquirido, nas comunidades
eclesiais, o seu conhecimento e devido apreço, mas freqüentemente não é assim;
na realidade, trata-se de textos onde estão contidas riquezas que guardam e
exprimem a fé e o caminho do povo de Deus ao longo dos dois milênios da sua
história. Igualmente importante para uma correta arte da celebração é a atenção
a todas as formas de linguagem previstas pela liturgia: palavra e canto, gestos
e silêncios, movimento do corpo, cores litúrgicas dos paramentos. Com efeito, a
liturgia, por sua natureza, possui uma tal variedade de níveis de comunicação
que lhe permitem cativar o ser humano na sua totalidade.
A simplicidade dos gestos e a sobriedade dos sinais, situados na ordem e nos
momentos previstos, comunicam e cativam mais do que o artificialismo de adições
inoportunas. A atenção e a obediência à estrutura própria do rito, ao
mesmo tempo que exprimem a consciência do caráter de dom da Eucaristia,
manifestam a vontade que o ministro tem de acolher, com dócil gratidão, esse dom
inefável.
Arte ao serviço da
celebração
41 A profunda ligação
entre a beleza e a liturgia deve levar-nos a considerar atentamente todas as
expressões artísticas colocadas ao serviço da celebração.(122
)
Uma componente importante da arte sacra é, sem dúvida, a arquitetura das
igrejas,(123
)
nas quais há-de sobressair a coerência entre os elementos próprios do
presbitério: altar, crucifixo, sacrário, ambão, cadeira. A este respeito,
tenha-se presente que a finalidade da arquitetura sacra é oferecer à Igreja que
celebra os mistérios de fé, especialmente a Eucaristia, o espaço mais idôneo
para uma condigna realização da sua ação litúrgica; (124
)
de fato, a natureza do templo cristão define-se precisamente pela ação
litúrgica, a qual implica a reunião dos fiéis (ecclesia), que são as
pedras vivas do templo (1Pd 2,5).
O mesmo princípio vale
para toda a arte sacra em geral, especialmente para a pintura e a escultura,
devendo a iconografia religiosa ser orientada para a mistagogia sacramental. Um
conhecimento profundo das formas que a arte sacra conseguiu produzir, ao longo
dos séculos, pode ser de grande ajuda para quem tenha a responsabilidade de
chamar arquitetos e artistas para comissionar-lhes obras de arte destinadas à
ação litúrgica; por isso, é indispensável que, na formação dos seminaristas e
dos sacerdotes, se inclua, entre as disciplinas importantes, a História da Arte
com especial referimento aos edifícios de culto à luz das normas litúrgicas.
Enfim, é necessário que, em tudo quanto tenha a ver com a Eucaristia, haja gosto
pela beleza; dever-se-á ter respeito e cuidado também pelos paramentos, as
alfaias, os vasos sagrados, para que, interligados de forma orgânica e ordenada,
alimentem o enlevo pelo mistério de Deus, manifestem a unidade da fé e reforcem
a devoção.(125
)
O canto litúrgico
42. Na arte da
celebração, ocupa lugar de destaque o canto litúrgico.(126
)
Com razão afirma Santo Agostinho, num famoso sermão: “O homem novo conhece o
cântico novo. O cântico é uma manifestação de alegria e, se considerarmos
melhor, um sinal de amor”.(127
)
O povo de Deus, reunido para a celebração, canta os louvores de Deus. Na sua
história bimilenária, a Igreja criou, e continua a criar, música e cânticos que
constituem um patrimônio de fé e amor que não se deve perder. Verdadeiramente,
em liturgia, não podemos dizer que tanto vale um cântico como outro; a
propósito, é necessário evitar a improvisação genérica ou a introdução de
gêneros musicais que não respeitem o sentido da liturgia. Enquanto elemento
litúrgico, o canto deve integrar-se na forma própria da celebração; (128
)
conseqüentemente, tudo — no texto, na melodia, na execução — deve corresponder
ao sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes
tempos litúrgicos.(129
)
Enfim, embora tendo em conta as distintas orientações e as diferentes e
amplamente louváveis tradições,
desejo — como foi pedido pelos padres sinodais — que se valorize adequadamente o
canto gregoriano,(130
)
como canto próprio da liturgia romana.(131
)
A estrutura da celebração
eucarística
43. Depois de ter
recordado os elementos fundamentais da arte da celebração relevados durante os
trabalhos sinodais, desejo chamar a atenção mais especificamente para algumas
partes da estrutura da celebração eucarística, que necessitam de um cuidado
particular no nosso tempo, a fim de permanecermos fiéis à intenção profunda da
renovação litúrgica que o Concílio Vaticano II quis em continuidade com toda a
grande tradição eclesial.
Unidade intrínseca
da ação litúrgica
44. Antes de mais, é
necessário refletir sobre a unidade intrínseca do rito da Santa Missa, evitando,
tanto nas catequeses como na modalidade de celebração, que se dê ensejo a uma
visão justaposta das duas partes do rito: a liturgia da palavra e a liturgia
eucarística — para além dos ritos iniciais e conclusivo — “estão entre si tão
estreitamente ligadas que constituem um único ato de culto”.(132
)
De fato, existe uma ligação intrínseca entre a palavra de Deus e a parte
eucarística: ao ouvirmos a palavra de Deus, nasce ou reforça-se a fé (Rm
10,17), enquanto, na parte eucarística, o Verbo feito carne dá-Se a nós como
alimento espiritual; (133
)
assim, “a partir das duas mesas, a da palavra de Deus e a do corpo de Cristo, a
Igreja recebe e oferece aos fiéis o pão de vida”.(134
)
Por isso, deve ter-se constantemente presente que a palavra de Deus, lida e
anunciada na liturgia pela Igreja, conduz à Eucaristia como a seu fim conatural.
A liturgia da
palavra
45. Juntamente com o
Sínodo, peço que a liturgia da palavra seja sempre devidamente preparada e
vivida. Recomendo, pois, vivamente que se tenha grande cuidado, nas liturgias,
com a proclamação da palavra de Deus por leitores bem preparados; nunca nos
esqueçamos de que, “quando na igreja se lê a Sagrada Escritura, é o próprio Deus
que fala ao seu povo, é Cristo presente na sua palavra que anuncia o
Evangelho”.(135
)
Se as circunstâncias o recomendarem, pode-se pensar numas breves palavras de
introdução, que ajudem os fiéis a tomar renovada consciência do momento. Para
ser bem compreendida, a palavra de Deus deve ser escutada e acolhida com
espírito eclesial e cientes da sua unidade com o sacramento eucarístico. Com
efeito, a palavra que anunciamos e ouvimos é o Verbo feito carne (Jo
1,14) e possui uma referência intrínseca à pessoa de Cristo e à modalidade
sacramental da sua permanência: Cristo não fala no passado, mas no nosso
presente, tal como Ele está presente na ação litúrgica. Neste horizonte
sacramental da revelação cristã,(136
)
o conhecimento e o estudo da palavra de Deus permitem-nos valorizar, celebrar e
viver melhor a Eucaristia; também aqui se mostra em toda a sua verdade a
conhecida asserção: “A ignorância da Escritura é ignorância de Cristo”.(137
)
Para isso, é necessário
ajudar os fiéis a valorizarem os tesouros da Sagrada Escritura presentes no
Leccionário, por meio de iniciativas pastorais, de celebrações da palavra e da
leitura orante (lectio divina). Além disso, não se esqueça de promover as
formas de oração confirmadas pela tradição: a Liturgia das Horas, sobretudo
Laudes, Vésperas, Completas e ainda as celebrações das Vigílias. A oração dos
salmos, as leituras bíblicas e as da grande tradição apresentadas no Ofício
Divino podem levar a uma experiência profunda do acontecimento de Cristo e da
economia da salvação, capaz por sua vez de enriquecer a compreensão e a
participação na celebração eucarística.(138
)
A homilia
46. Pensando na importância da palavra de Deus, surge a
necessidade de melhorar a qualidade da homilia; de fato, esta “constitui parte
integrante da ação litúrgica”,(139
)
cuja função é favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da palavra de Deus
na vida dos fiéis. Por isso, os ministros ordenados devem “preparar
cuidadosamente a homilia, baseando-se num adequado conhecimento da Sagrada
Escritura”.(140
)
Evitem-se homilias genéricas ou abstratas; de modo particular, peço aos
ministros para fazerem com que a homilia coloque a palavra de Deus proclamada em
estreita relação com a celebração sacramental (141
)
e com a vida da comunidade, de tal modo que a palavra de Deus seja realmente
apoio e vida da Igreja.(142
)
Tenha-se presente, portanto, a finalidade catequética e exortativa da homilia.
Considera-se que é oportuno oferecer prudentemente, a partir do Leccionário
trienal, homilias temáticas aos fiéis que tratem, ao longo do ano litúrgico, os
grandes temas da fé cristã, haurindo de quanto está autorizadamente proposto
pelo Magistério nos quatro “pilares” do Catecismo da Igreja Católica e no
recenteCompêndio: a
profissão da fé, a celebração do mistério cristão, a vida em Cristo, a oração
cristã.(143
)
Apresentação das
oferendas
47. Os padres sinodais
chamaram a atenção também para a apresentação das oferendas. Não se trata
simplesmente duma espécie de “intervalo” entre a liturgia da palavra e a
liturgia eucarística, o que faria, sem dúvida, atenuar o sentido de um único
rito composto de duas partes interligadas; realmente, neste gesto humilde e
simples, encerra-se um significado muito grande: no pão e no vinho que levamos
ao altar, toda a criação é assumida por Cristo Redentor para ser transformada e
apresentada ao Pai.(144
)
Nesta perspectiva, levamos ao altar também todo o sofrimento e tribulação do
mundo, na certeza de que tudo é precioso aos olhos de Deus. Este gesto não
necessita de ser enfatizado com descabidas complicações para ser vivido no seu
significado autêntico: o mesmo permite valorizar a participação primeira que
Deus pede ao homem, ou seja, levar em si mesmo a obra divina à perfeição, e dar
assim pleno sentido ao trabalho humano que, através da celebração eucarística,
fica unido ao sacrifício redentor de Cristo.
A Oração Eucarística
48. A Oração
Eucarística é “o ponto central e culminante de toda a celebração”; (145
)
merece ser convenientemente ressaltada a sua importância. As diversas Orações
Eucarísticas contidas no Missal foram-nos transmitidas pela Tradição viva da
Igreja e caracterizam-se por uma riqueza teológica e espiritual inesgotável; os
fiéis devem poder ser capazes de apreciá-la. A isto mesmo nos ajuda a
, quando lembra os elementos fundamentais de
cada Oração Eucarística: ação de graças, aclamação, epiclese, narração da
instituição, consagração, anamnese, oblação, intercessões e doxologia final.(146
)
Em particular, a espiritualidade eucarística e a reflexão teológica são
iluminadas se se contempla a profunda unidade que existe, na anáfora, entre a
invocação do Espírito Santo e a narração da instituição,(147
)
quando “se realiza o sacrifício que o próprio Cristo instituiu na Última
Ceia”.(148
)
De fato, “por meio de invocações especiais, a Igreja implora o poder do Espírito
Santo, para que os dons oferecidos pelos homens sejam consagrados, isto é, se
convertam no corpo e sangue de Cristo, e para que a vítima imaculada, que vai
ser recebida na comunhão, opere a salvação daqueles que dela vão
participar”.(149
)
Saudação da paz
49. A Eucaristia é, por
sua natureza, sacramento da paz. Na celebração litúrgica, esta dimensão do
mistério eucarístico encontra a sua manifestação específica no rito da saudação
da paz. Trata-se, sem dúvida, dum sinal de grande valor (Jo 14,27). Neste
nosso tempo pavorosamente cheio de conflitos, tal gesto adquire — mesmo do ponto
de vista da sensibilidade comum — um relevo particular, pois a Igreja sente cada
vez mais como sua missão própria a de implorar ao Senhor o dom da paz e da
unidade para si mesma e para a família humana inteira. A paz é, sem dúvida, uma
aspiração radical que se encontra no coração de cada um; a Igreja dá voz ao
pedido de paz e reconciliação que brota do espírito de cada pessoa de boa
vontade, apresentando-o
Àquele que “é a nossa paz” (Ef 2,14) e pode pacificar de novo
povos e pessoas, mesmo onde tivessem falido os esforços humanos. A partir de
tudo isto, é possível compreender a intensidade com que freqüentemente é sentido
o rito da paz na celebração litúrgica. A este respeito, porém, durante o Sínodo
dos Bispos foi sublinhada a conveniência de moderar este gesto, que pode assumir
expressões excessivas, suscitando um pouco de confusão na assembléia
precisamente antes da comunhão.
É bom lembrar que nada tira ao alto valor do gesto a sobriedade necessária para
se manter um clima apropriado à celebração, limitando, por exemplo, a saudação
da paz a quem está mais próximo.(150
)
Distribuição e
recepção da Eucaristia
50. Outro momento da
celebração, que necessita de menção, é a distribuição e a recepção da sagrada
comunhão. Peço a todos, especialmente aos ministros ordenados e àqueles que,
devidamente preparados e em caso de real necessidade, estejam autorizados para o
ministério da distribuição da Eucaristia, que façam o possível para que o gesto,
na sua simplicidade, corresponda ao seu valor de encontro pessoal com o Senhor
Jesus no sacramento. Quanto às prescrições para a correta prática do mesmo,
vejam-se os documentos recentemente emanados; (151
)
todas as comunidades cristãs se atenham fielmente às normas vigentes,
vendo nelas a expressão da fé e do amor que todos devemos ter por este sublime
sacramento. Além disso, não seja transcurado o tempo precioso de ação de graças
depois da comunhão: além da entoação dum cântico oportuno, pode ser muito útil
também permanecer
recolhidos em silêncio.(152
)
A propósito, desejo
chamar a atenção para um problema pastoral com que freqüentemente nos deparamos
no nosso tempo: em determinadas circunstâncias como, por exemplo, nas Missas
celebradas por ocasião de matrimônios, funerais ou acontecimentos análogos,
encontram-se presentes na celebração, além dos fiéis praticantes, outros que
talvez há anos não se aproximam do altar ou se encontram numa situação de vida
que não permite o acesso aos sacramentos; outras vezes acontece que estão
presentes pessoas de outras confissões cristãs ou até de outras religiões.
Circunstâncias semelhantes verificam-se também em igrejas que são meta de
turistas, sobretudo nas cidades de grande valor artístico. Ora,
salta aos olhos a necessidade de encontrar formas breves e incisivas para
alertar a todos sobre o sentido da comunhão sacramental e sobre as condições que
se requerem para a sua recepção. Em situações onde não se possa garantir
a necessária clareza quanto ao significado da Eucaristia, deve-se ponderar a
oportunidade de substituir a celebração eucarística por uma celebração da
palavra de Deus.(153
)
A despedida:
”Ite, missa est”
51. Por último, quero
deter-me naquilo que disseram os padres sinodais acerca da saudação de despedida
no final da celebração eucarística. Depois da bênção, o diácono ou o sacerdote
despede o povo com as palavras “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe”, tradução
aproximada da fórmula latina: Ite, missa est. Nesta saudação, podemos
identificar a relação entre a Missa celebrada e a missão cristã no mundo. Na
antiguidade, o termo “missa” significava simplesmente “despedida”; mas,
no uso cristão, o mesmo foi ganhando um sentido cada vez mais profundo, tendo o
termo “despedir” evoluído para “expedir em missão”. Deste modo, a referida
saudação exprime sinteticamente a natureza missionária da Igreja; seria bom
ajudar o povo de Deus a aprofundar esta dimensão constitutiva da vida eclesial,
tirando inspiração da liturgia. Nesta perspectiva, pode ser útil dispor de
textos, devidamente aprovados, para a oração sobre o povo e a bênção final que
explicitem tal ligação.(154
)
Participação ativa
Autêntica
participação
52. O Concílio Vaticano II colocara, justamente, uma
ênfase particular sobre a participação ativa, plena e frutuosa de todo o povo de
Deus na celebração eucarística.(155
)
A renovação operada nestes anos proporcionou, sem dúvida, notáveis progressos na
direção desejada pelos padres conciliares; mas não podemos ignorar que houve, às
vezes, qualquer incompreensão precisamente acerca do sentido desta participação.
Convém, pois, deixar claro que não se pretende, com tal palavra, aludir a mera
atividade exterior durante a celebração; na realidade,
a participação ativa desejada pelo Concílio deve ser entendida, em termos mais
substanciais, a partir duma maior consciência do mistério que é celebrado
e da sua relação com a vida quotidiana. Permanece plenamente válida ainda a
recomendação da Constituição conciliar
Sacrosanctum Concilium
feita aos fiéis quando os exorta a não
assistirem à liturgia eucarística “como estranhos ou espectadores mudos”, mas a
participarem “na ação sagrada, consciente, ativa e piedosamente”.(156
)
E o Concílio, desenvolvendo seu pensamento, prossegue: Os fiéis “sejam
instruídos pela palavra de Deus; alimentem-se à mesa do corpo do Senhor; dêem
graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si mesmos, ao oferecer juntamente com o
sacerdote, que não só pelas mãos dele, a hóstia imaculada; que, dia após dia,
por Cristo Mediador, progridam na unidade com Deus e entre si”.(157
)
Participação e
ministério sacerdotal
53. A beleza e a
harmonia da ação litúrgica encontram significativa expressão na ordem com que
cada um é chamado a participar ativamente nela; isto requer o conhecimento das
diversas funções hierárquicas implicadas na própria celebração. Pode ser útil
lembrar que a participação ativa na mesma não coincide, de per si, com o
desempenho dum ministério particular; sobretudo, não favorece a causa da
participação ativa dos fiéis uma confusão gerada pela incapacidade de
distinguir, na comunhão eclesial, as diversas funções que cabem a cada um.(158
)
De modo particular, convém que haja clareza quanto às funções específicas do
sacerdote: como atesta a tradição da Igreja, é ele quem insubstituivelmente
preside à celebração eucarística inteira, desde a saudação inicial até à bênção
final. Em virtude da Ordem sacra recebida, representa Jesus Cristo cabeça da
Igreja e, na forma que lhe é própria, também a Igreja.(159
)
De fato, cada celebração da Eucaristia é conduzida pelo Bispo, “quer
pessoalmente, quer pelos presbíteros seus colaboradores”; (160
)
e é coadjuvado pelo diácono, que tem na celebração algumas funções específicas:
preparar o altar e assistir ao sacerdote, proclamar o Evangelho e,
eventualmente, fazer a homilia, propor aos fiéis as intenções da Oração
Universal, distribuir a Eucaristia aos fiéis.(161
)
Em relação com estes ministérios dependentes do sacramento da Ordem, aparecem
depois outros ministérios para o serviço litúrgico, louvavelmente desempenhados
por religiosos e leigos preparados.(162
)
Celebração
eucarística e inculturação
54. Partindo fundamentalmente de quanto afirmou o Concílio
Vaticano II, várias vezes foi sublinhada a importância da participação ativa dos
fiéis no sacrifício eucarístico. Para a favorecer, podem ter lugar algumas
adaptações apropriadas aos respectivos contextos e às diversas culturas;(163
)
o fato de ter havido alguns abusos não turba a clareza deste princípio, que deve
ser mantido segundo as necessidades reais da Igreja, a qual vive e celebra o
mesmo mistério de Cristo em situações culturais diferentes. De fato, o Senhor
Jesus, precisamente no mistério da Encarnação, ao nascer de uma mulher como
perfeito homem (Gl 4,4) colocou-se em relação direta não só com as
expectativas que se registavam no âmbito do Antigo Testamento, mas também com as
cultivadas por todos os povos; manifestou, assim, que Deus pretende alcançar-nos
no nosso contexto vital. Por conseguinte é útil, para uma participação mais
eficaz dos fiéis nos santos mistérios, a continuação do processo de inculturação
inclusivamente quanto à celebração eucarística, tendo em conta as possibilidades
de
adaptação oferecidas pela Instrução Geral do Missal Romano,(164
)
interpretadas à luz dos critérios estabelecidos pela IV Instrução da Congregação
para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, designada Varietates
legitimæ, de 25 de Janeiro de 1994,(165
)
e pelas directrizes expressas pelo Papa João Paulo II nas Exortações
pós-sinodaisEcclesia in Africa,
Ecclesia in America
,
Ecclesia in Asia,Ecclesia in Oceania,Ecclesia in Europa.(166
)
Com esta finalidade, recomendo às Conferências Episcopais que prossigam com esta
obra, favorecendo um justo equilíbrio entre os critérios e diretrizes já
emanados e as novas adaptações,(167
)
sempre de acordo com a Sé Apostólica.
Condições pessoais
para uma participação ativa
55. Ao considerarem o
tema da participação ativa (actuosa participatio) dos fiéis no rito
sagrado, os padres sinodais ressaltaram também as condições pessoais que se
requerem em cada um para uma frutuosa participação.(168
)
Uma delas é, sem dúvida, o espírito de constante conversão que deve caracterizar
a vida de todos os fiéis: não podemos esperar uma participação ativa na liturgia
eucarística, se nos abeiramos dela superficialmente e sem antes nos
interrogarmos sobre a própria vida. Favorecem tal disposição interior, por
exemplo, o recolhimento e o silêncio durante alguns momentos pelo menos antes do
início da liturgia, o jejum e — quando for preciso — a confissão sacramental; um
coração reconciliado com Deus predispõe para a verdadeira participação. De modo
particular é preciso alertar os fiéis que não se pode verificar uma participação
ativa nos santos mistérios, se ao mesmo tempo não se procura tomar parte ativa
na vida eclesial em toda a sua amplitude, incluindo o compromisso missionário de
levar o amor de Cristo para o meio da sociedade.
Sem dúvida, para a
plena participação na Eucaristia é preciso também aproximar-se pessoalmente do
altar para receber a comunhão; (169
)
contudo é preciso estar atento para que esta afirmação, justa em si mesma, não
induza os fiéis a um certo automatismo levando-os a pensar que, pelo simples
fato de se encontrar na igreja durante a liturgia, se tenha o direito ou mesmo —
quem sabe — se sinta no dever de aproximar-se da mesa eucarística. Mesmo quando
não for possível abeirar-se da comunhão sacramental, a participação na Santa
Missa permanece necessária, válida, significativa e frutuosa; neste caso, é bom
cultivar o desejo da plena união com Cristo, por exemplo, através da prática da
comunhão espiritual, recordada por João Paulo II (170
)
e recomendada por santos mestres de vida espiritual.(171
)
Participação dos
cristãos não católicos
56. Ao tratarmos o tema da participação, temos
inevitavelmente de falar dos cristãos que pertencem a Igrejas ou Comunidades
eclesiais que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica. A este
respeito, temos de dizer, por um lado, que o vínculo intrínseco existente entre
a Eucaristia e a unidade da Igreja nos faz desejar ardentemente o dia em que
poderemos celebrar, juntamente com todos os que crêem em Cristo, a divina
Eucaristia e exprimir assim visivelmente aquela plena unidade que Cristo quis
para os seus discípulos (Jo 17,21); mas, por outro lado, o respeito que
devemos ao sacramento do corpo e do sangue de Cristo impede-nos de fazer dele um
simples “meio” usado indiscriminadamente para alcançar a referida unidade.(172
)
De fato, a Eucaristia não manifesta somente a nossa comunhão pessoal com Jesus
Cristo, mas implica também a plena comunhão (communio) com a Igreja; este
é o motivo pelo qual, com dor mas não sem esperança, pedimos aos cristãos não
católicos que compreendam e respeitem a nossa convicção, que assenta na Bíblia e
na Tradição: pensamos que a comunhão eucarística e a comunhão eclesial se
interpenetrem tão intimamente que se torna geralmente impossível aos cristãos
não católicos terem acesso a uma sem gozar da outra.
Ainda mais desprovida de sentido seria uma concelebração verdadeira e própria
com ministros de Igrejas ou Comunidades eclesiais que não estão em plena
comunhão com a Igreja Católica. Não deixa, porém, de ser verdade que, em
ordem à salvação eterna, há a possibilidade de admitir indivíduos cristãos não
católicos à Eucaristia, ao sacramento da Penitência e à Unção dos Enfermos; mas
isso supõe que se verifiquem determinadas e excepcionais situações, associadas a
precisas condições.(173
)
Estas aparecem claramente indicadas no Catecismo da Igreja Católica (174
)
e no seu
Compêndio.(175
)
É dever de cada um ater-se a elas fielmente.
Participação através
dos meios de comunicação
57. Devido ao progresso
admirável dos meios de comunicação, nos últimos decênios a palavra
“participação” adquiriu um significado mais amplo do que no passado; com
satisfação, todos reconhecemos que estes instrumentos oferecem novas
possibilidades inclusivamente quanto à celebração eucarística.(176
)
Isto requer dos agentes pastorais do setor uma preparação específica e um vivo
sentido de responsabilidade; com efeito, a Santa Missa transmitida na televisão
ganha inevitavelmente um certo caráter de exemplaridade; daí o dever de prestar
particular atenção a que
a celebração, além de se realizar em lugares dignos e bem preparados, respeite
as normas litúrgicas.
Enfim, quanto ao valor
desta participação na Santa Missa pelos meios de comunicação, quem assiste a
tais transmissões deve saber que, em condições normais, não cumpre o preceito
dominical; de fato, a linguagem da imagem representa a realidade, mas não a
reproduz em si mesma.(177
)
Se é muito louvável que idosos e doentes participem na Santa Missa festiva
através das transmissões radiotelevisivas, o mesmo não se pode dizer de quem
quisesse, por meio de tais transmissões, dispensar-se de ir à igreja tomar parte
na celebração eucarística na assembléia da Igreja viva.
Participação ativa
dos doentes
58. Considerando a
condição de quantos por motivos de saúde ou idade não podem ir aos lugares de
culto, quero chamar a atenção de toda a comunidade eclesial para a necessidade
pastoral de garantir a assistência espiritual aos doentes, quer estejam nas
próprias casas quer se encontrem no hospital. Diversas vezes, no Sínodo dos
Bispos, se aludiu à sua condição; é preciso providenciar para que estes nossos
irmãos e irmãs possam receber, com frequência, a comunhão sacramental;
revigorando assim a sua relação com Cristo crucificado e ressuscitado, poderão
sentir a própria existência inserida plenamente na vida e missão da Igreja, por
meio da oferta do seu sofrimento em união com o sacrifício de Nosso Senhor. Uma
particular atenção há-de ser reservada aos deficientes: sempre que a sua
condição o permita, a comunidade cristã deve facilitar a sua participação na
celebração no lugar de culto; a propósito, procure-se remover, nos edifícios
sagrados, eventuais obstáculos arquitetónicos que impeçam o seu acesso aos
deficientes. Enfim, seja garantida também a comunhão eucarística, na medida do
possível, aos deficientes mentais, batizados e crismados: eles recebem a
Eucaristia na fé também da família ou da comunidade que os acompanha.(178
)
A solicitude pelos
presos
59. A tradição
espiritual da Igreja, na esteira duma concreta afirmação de Cristo (Mt
25,36), individuou na visita aos presos uma das obras de misericórdia corporais.
Aqueles que se encontram nesta situação têm particularmente necessidade de ser
visitados pelo próprio Senhor no sacramento da Eucaristia; experimentar a
solidariedade da comunidade eclesial, participar na Eucaristia e receber a
sagrada comunhão num período da vida tão especial e doloroso pode seguramente
contribuir para a qualidade do seu caminho de fé e favorecer a plena recuperação
social da pessoa. Interpretando votos formulados na assembléia sinodal, peço às
dioceses para providenciarem que haja, na medida do possível, um conveniente
investimento de forças na atividade pastoral dedicada ao cuidado espiritual dos
presos.(179
)
Os migrantes e a
participação na Eucaristia
60. Ao abordar o
problema das pessoas que, por motivos vários, são obrigadas a deixar a sua
terra, o Sínodo manifestou particular gratidão a quantos vivem empenhados no
cuidado pastoral dos migrantes. Neste contexto, uma atenção específica deve ser
dada aos migrantes membros das Igrejas Católicas Orientais, já que, à separação
da própria casa, vem juntar-se a dificuldade de não poderem participar na
liturgia eucarística segundo o próprio rito a que pertencem; por isso, onde for
possível, seja-lhes concedido usufruir da assistência de sacerdotes do seu rito.
Em todo o caso, peço aos bispos que acolham estes irmãos na caridade de Cristo.
O encontro entre fiéis de rito diverso pode tornar-se também ocasião de mútuo
enriquecimento: penso de modo particular no benefício que pode resultar,
sobretudo para o clero, do conhecimento das diversas tradições.(180
)
As grandes
concelebrações
61. A assembléia
sinodal deteve-se a analisar a qualidade da participação nas grandes celebrações
que têm lugar em circunstâncias particulares e nas quais se encontram, para além
dum grande número de fiéis, também muitos sacerdotes concelebrantes.(181
)
É fácil, por um lado, reconhecer o valor destes momentos, especialmente quando
preside o bispo rodeado do seu presbitério e dos diáconos; mas, por outro, em
tais ocasiões podem verificar-se problemas quanto à expressão sensível da
unidade do presbitério, especialmente na Oração Eucarística, e quanto à
distribuição da sagrada comunhão. Deve-se evitar que estas grandes
concelebrações criem dispersão; providencie-se a isto mesmo por meio de
adequados instrumentos de coordenação, e organizando o lugar de culto de tal
modo que permita aos presbíteros e aos fiéis uma plena e real participação.
Entretanto, é preciso ter presente que se trata de concelebrações com índole
excepcional e limitadas a situações extraordinárias.
A língua latina
62. O que acabo de
afirmar não deve, porém, ofuscar o valor destas grandes liturgias; penso neste
momento, em particular, às celebrações que têm lugar durante encontros
internacionais, cada vez mais freqüentes hoje, e que devem justamente ser
valorizadas. A fim de exprimir melhor a unidade e a universalidade da Igreja,
quero recomendar o que foi sugerido pelo Sínodo dos Bispos, em sintonia com as
diretrizes do Concílio Vaticano II: (182
)
excetuando as leituras, a homilia e a oração dos fiéis,
é bom que tais celebrações sejam em língua latina; sejam igualmente
recitadas em latim as orações mais conhecidas (183
)
da tradição da Igreja e, eventualmente, entoadas algumas partes em canto
gregoriano. A nível geral, peço que os futuros sacerdotes sejam preparados,
desde o tempo do seminário, para compreender e celebrar a Santa Missa em latim,
bem como para usar textos latinos e entoar o canto gregoriano; nem se transcure
a possibilidade de formar os próprios fiéis para saberem, em latim, as orações
mais comuns e cantarem, em gregoriano, determinadas partes da liturgia.(184
)
Celebrações
eucarísticas em pequenos grupos
63. Bem distinta é a
situação criada em algumas circunstâncias pastorais, onde, precisamente para uma
participação mais consciente, ativa e frutuosa, se favorecem as celebrações em
pequenos grupos. Embora reconhecendo o valor formativo subjacente a estas
opções, é necessário especificar que as mesmas devem ser harmonizadas com o
conjunto da proposta pastoral da diocese; com efeito, tais experiências
perderiam o seu caráter pedagógico, se fossem vistas em antagonismo ou paralelo
com a vida da Igreja particular. A este respeito, o Sínodo pôs em evidência
alguns critérios a que se devem ater: os pequenos grupos devem servir para
unificar a comunidade, e não para a dividir; a prova disto mesmo há-de ver-se na
prática concreta; estes grupos devem favorecer a participação frutuosa da
assembléia inteira e preservar, na medida do possível, a unidade da vida
litúrgica de cada uma das famílias.(185
)
Celebração interiormente
participada
Catequese
mistagógica
64. A grande tradição
litúrgica da Igreja ensina-nos que é necessário, para uma frutuosa participação,
esforçar-se por corresponder pessoalmente ao mistério que é celebrado, através
do oferecimento a Deus da própria vida em união com o sacrifício de Cristo pela
salvação do mundo inteiro. Por este motivo, o Sínodo dos Bispos recomendou que
se fomentasse, nos fiéis,
profunda concordância das disposições interiores com os gestos e palavras; se
ela faltasse, as nossas celebrações, por muito animadas que fossem,
arriscar-se-iam a cair no ritualismo. Assim, é preciso promover uma
educação da fé eucarística que predisponha os fiéis a viverem pessoalmente o que
se celebra. Vista a importância essencial desta participação pessoal e
consciente, quais poderiam ser os instrumentos de formação mais adequados? Para
isso, os padres sinodais indicaram unanimemente a estrada duma catequese de
caráter mistagógico, que leve os fiéis a penetrarem cada vez mais nos mistérios
que são celebrados.(186
)
Em concreto e antes de mais, há que afirmar que, devido à relação entre a arte
da celebração e a participação ativa,
“a melhor catequese sobre a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebrada”;
(187
)
com efeito, por sua natureza a liturgia possui uma eficácia pedagógica própria
para introduzir os fiéis no conhecimento do mistério celebrado. Por isso mesmo,
na tradição mais antiga da Igreja, o caminho formativo do cristão — embora sem
descurar a inteligência sistemática dos conteúdos da fé — assumia sempre um
caráter de experiência, em que era determinante o encontro vivo e persuasivo com
Cristo anunciado por autênticas testemunhas. Neste sentido, quem introduz nos
mistérios é primariamente a testemunha; depois, este encontro aprofunda-se, sem
dúvida, na catequese e encontra a sua fonte e ápice na celebração da Eucaristia.
Desta estrutura fundamental da experiência cristã parte a exigência de um
itinerário mistagógico, no qual se hão-de ter sempre presente três elementos:
a) Trata-se,
primeiramente, da interpretação dos ritos à luz dos acontecimentos salvíficos,
em conformidade com a tradição viva da Igreja; de fato, a celebração da
Eucaristia, na sua riqueza infinita, possui contínuas referências à história da
salvação. Em Cristo crucificado e ressuscitado, podemos celebrar verdadeiramente
o centro recapitulador de toda a realidade (Ef 1,10); desde o seu início,
a comunidade cristã leu os acontecimentos da vida de Jesus, e particularmente o
mistério pascal, em relação com todo o percurso do Antigo Testamento.
b) Além disso, a
catequese mistagógica há-de preocupar-se por introduzir no sentido dos sinais
contidos nos ritos; esta tarefa é particularmente urgente numa época
acentuadamente tecnológica como a atual, que corre o risco de perder a
capacidade de perceber os sinais e os símbolos. Mais do que informar, a
catequese mistagógica deverá despertar e educar a sensibilidade dos fiéis para a
linguagem dos sinais e dos gestos que, unidos à palavra, constituem o rito.
c) Enfim, a
catequese mistagógica deve preocupar-se por mostrar o significado dos ritos
para a vida cristã em todas as suas dimensões: trabalho e compromisso,
pensamentos e afetos, atividade e repouso. Faz parte do itinerário mistagógico
pôr em evidência a ligação dos mistérios celebrados no rito com a
responsabilidade missionária dos fiéis; neste sentido, o fruto maduro da
mistagogia é a consciência de que a própria vida vai sendo progressivamente
transformada pelos sagrados mistérios celebrados. Aliás, a finalidade de toda a
educação cristã é formar o fiel enquanto “homem novo” para uma fé adulta, que o
torne capaz de testemunhar no próprio ambiente a esperança cristã que o anima.
Condição necessária
para se realizar, no âmbito das nossas comunidades eclesiais, esta tarefa
educativa é dispor de formadores adequadamente preparados; mas todo o povo de
Deus deve, sem dúvida, sentir-se comprometido nesta formação. Cada comunidade
cristã é chamada a ser lugar de introdução pedagógica aos mistérios que se
celebram na fé; a propósito, durante o Sínodo, os padres sublinharam a
conveniência de um maior envolvimento das comunidades de vida consagrada,
movimentos e agregações que, pelo próprio carisma, possam dar novo impulso à
formação cristã.(188
)
Temos a certeza de que, também no nosso tempo, o Espírito Santo não poupa a
efusão dos seus dons para sustentar a missão apostólica da Igreja, a quem
compete difundir a fé e educá-la até à sua maturidade.(189
)
A reverência à
Eucaristia
65. Um sinal
convincente da eficácia que a catequese eucarística tem sobre os fiéis é
seguramente o crescimento neles do sentido do mistério de Deus presente entre
nós; podemos verificá-lo através de específicas manifestações de reverência à
Eucaristia, nas quais o percurso mistagógico deve introduzir os fiéis.(190
)
Penso, em geral, na importância dos gestos e posições, como, por exemplo,
ajoelhar-se durante os momentos salientes da Oração Eucarística. Embora
adaptando-se à legítima variedade de sinais que tem lugar no contexto das
diferentes culturas, cada um viva e exprima a consciência de encontrar-se, em
cada celebração, diante da majestade infinita de Deus, que chega até nós
humildemente nos sinais sacramentais.
Adoração e piedade eucarística
A relação intrínseca
entre celebração e adoração
66. Um dos momentos
mais intensos do Sínodo vivemo-lo quando fomos à Basílica de São Pedro,
juntamente com muitos fiéis, fazer adoração eucarística. Com aquele momento de
oração, quis a assembléia dos bispos não se limitar às palavras na sua chamada
de atenção para a importância da relação intrínseca entre a celebração
eucarística e a adoração. Neste significativo aspecto da fé da Igreja,
encontra-se um dos elementos decisivos do caminho eclesial que se realizou após
a renovação litúrgica querida pelo Concílio Vaticano II. Quando a reforma dava
os primeiros passos, aconteceu às vezes não se perceber com suficiente clareza a
relação intrínseca entre a Santa Missa e a adoração do Santíssimo Sacramento;
uma objeção então em voga, por exemplo, partia da idéia que o pão eucarístico
nos fora dado não para ser contemplado, mas comido. Ora, tal contraposição,
vista à luz da experiência de oração da Igreja, aparece realmente destituída de
qualquer fundamento; já Santo Agostinho dissera: “Nemo autem illam carnem
manducat, nisi prius adoraverit; (...) peccemus non adorando
– ninguém come esta carne, sem antes a adorar; (...) pecaríamos se não a
adorássemos”.(191
)
De fato, na Eucaristia, o Filho de Deus vem ao nosso encontro e deseja unir-Se
connosco; a adoração eucarística é apenas o prolongamento visível da celebração
eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de adoração da Igreja: (192
)
receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d'Aquele que
comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só
com Ele e, de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia
celeste. O ato de adoração fora da Santa Missa prolonga e intensifica aquilo que
se fez na própria celebração litúrgica. Com efeito, “somente na adoração pode
maturar um acolhimento profundo e verdadeiro. Precisamente neste ato pessoal de
encontro com o Senhor amadurece depois também a missão social, que está
encerrada na Eucaristia e deseja romper as barreiras não apenas entre o Senhor e
nós mesmos, mas também, e sobretudo, as barreiras que nos separam uns dos
outros”.(193
)
A prática da
adoração eucarística
67. Juntamente com a
assembléia sinodal, recomendo, pois, vivamente aos pastores da Igreja e ao povo
de Deus a prática da adoração eucarística tanto pessoal como comunitária.(194
)
Para isso, será de grande proveito uma catequese específica na qual se explique
aos fiéis a importância deste ato de culto que permite viver, mais profundamente
e com maior fruto, a própria celebração litúrgica. Depois, na medida do possível
e sobretudo nos centros mais populosos,
será conveniente individuar igrejas ou capelas que se possam reservar
propositadamente para a adoração perpétua. Além disso, recomendo que na
formação catequética, particularmente nos itinerários de preparação para a
Primeira Comunhão, se iniciem as crianças no sentido e na beleza de demorar-se
na companhia de Jesus, cultivando o enlevo pela sua presença na Eucaristia.
Quero exprimir, aqui,
apreço e apoio a todos os institutos de vida consagrada, cujos membros dedicam
uma parte significativa do seu tempo à adoração eucarística; deste modo,
oferecem a todos o exemplo de pessoas que se deixam plasmar pela presença real
do Senhor. Desejo igualmente encorajar as associações de fiéis, nomeadamente as
confrarias, que assumem esta prática como seu compromisso especial, tornando-se
assim fermento de contemplação para toda a Igreja e apelo à centralidade de
Cristo na vida dos indivíduos e da comunidade.
Formas de devoção
eucarística
68. O relacionamento
pessoal que cada fiel estabelece com Jesus, presente na Eucaristia, recondu-lo
sempre ao conjunto da comunhão eclesial, alimentando nele a consciência da sua
pertença ao corpo de Cristo. Por isso, além de convidar cada um dos fiéis a
encontrar pessoalmente tempo para se demorar em oração diante do sacramento do
altar,
sinto o dever de convidar as próprias paróquias e demais grupos eclesiais a
promoverem momentos de adoração comunitária. Obviamente, conservam todo o
seu valor as formas já existentes de devoção eucarística. Penso, por exemplo,
nas procissões eucarísticas, sobretudo a tradicional procissão na solenidade do
Corpo de Deus, na devoção das Quarenta Horas, nos congressos eucarísticos
locais, nacionais e internacionais, e noutras iniciativas análogas. Devidamente
atualizadas e adaptadas às diversas circunstâncias, tais formas de devoção
merecem ser cultivadas ainda hoje.(195
)
O lugar do sacrário
na igreja
69. Ainda relacionado
com a importância da reserva eucarística e da adoração e reverência diante do
sacramento do sacrifício de Cristo, o Sínodo dos Bispos interrogou-se sobre a
devida colocação do sacrário dentro das nossas igrejas.(196
)
Com efeito, uma correta localização do mesmo ajuda a reconhecer a presença real
de Cristo no Santíssimo Sacramento; por isso, é necessário que o lugar onde são
conservadas as espécies eucarísticas seja fácil de individuar por qualquer
pessoa que entre na igreja, graças nomeadamente à lâmpada do Santíssimo
perenemente acesa. Tendo em vista tal objetivo, é preciso considerar a
disposição arquitetónica do edifício sagrado: nas igrejas, onde não existe a
capela do Santíssimo Sacramento, mas perdura o altar-mor com o sacrário, convém
continuar a valer-se de tal estrutura para a conservação e adoração da
Eucaristia, evitando porém colocar a cadeira do celebrante na sua frente. Nas
novas igrejas,
bom seria predispor a capela do Santíssimo nas proximidades do
presbitério; onde isso não for possível, é preferível colocar o sacrário no
presbitério, em lugar suficientemente elevado, no centro do fecho absidal ou
então noutro ponto onde fique de igual modo bem visível. Estas precauções
concorrem para conferir dignidade ao sacrário que deve ser cuidado sempre também
sob o perfil artístico. Obviamente, é necessário ter em conta também o que diz a
propósito a
)
Em todo o caso, o juízo último sobre esta matéria compete ao bispo diocesano.
III PARTE - EUCARISTIA, MISTÉRIO VIVIDO
“Assim como o Pai, que
vive, Me enviou e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim” (Jo
6, 57).
Forma eucarística da vida cristã
O culto espiritual
70. O Senhor Jesus, que
para nós Se fez alimento de verdade e amor, falando do dom da sua vida
assegura-nos: “Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51). Mas,
esta “vida eterna” começa em nós, já agora, através da mudança que o dom
eucarístico gera na nossa vida: “Aquele que Me come viverá por Mim” (Jo
6,57). Estas palavras de Jesus permitem-nos compreender que o mistério
“acreditado” e “celebrado” possui em si mesmo um tal dinamismo, que faz dele
princípio de vida nova em nós e forma da existência cristã. De fato, comungando
o corpo e o sangue de Jesus Cristo, vamo-nos tornando participantes da vida
divina de modo sempre mais adulto e consciente. Vale aqui o mesmo que Santo
Agostinho afirma a propósito do Verbo (Logos) eterno, alimento da alma,
quando, pondo em evidência o caráter paradoxal deste alimento, o santo doutor
imagina ouvi-Lo dizer: “Sou o pão dos fortes; cresce e comer-Me-ás. Não Me
transformarás em ti como ao alimento da tua carne, mas mudar-te-ás em Mim”.(198
)
Com efeito,
não é o alimento eucarístico que se transforma em nós, mas somos nós que
acabamos misteriosamente mudados por ele. Cristo alimenta-nos, unindo-nos
a Si; “atrai-nos para dentro de Si”.(199
)
A celebração
eucarística surge aqui em toda a sua força como fonte e ápice da existência
eclesial, enquanto exprime a origem e simultaneamente a realização do culto novo
e definitivo, o culto espiritual (logiké latreía).(200
)
As palavras que encontramos sobre isto, na Carta de São Paulo aos
Romanos, são a formulação mais sintética do modo como a Eucaristia
transforma toda a nossa vida em culto espiritual agradável a Deus: “Peço-vos,
irmãos, pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como
sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Tal é o culto espiritual que Lhe
deveis prestar” (12, 1). Nesta exortação, aparece a imagem do novo culto como
oferta total da própria pessoa em comunhão com toda a Igreja. A insistência do
Apóstolo sobre a oferta dos nossos corpos sublinha o concretismo humano dum
culto de forma alguma desencarnado. E, a propósito, o santo de Hipona lembra-nos
que “este é o sacrifício dos cristãos, ou seja, serem muitos e um só corpo em
Cristo. A Igreja celebra este mistério através do sacramento do altar, que os
fiéis bem conhecem e no qual se lhes mostra claramente que, naquilo que se
oferece, ela mesma é oferecida”.(201
)
De fato, a doutrina católica afirma que a Eucaristia, enquanto sacrifício de
Cristo, é também sacrifício da Igreja e, conseqüentemente, dos fiéis.(202
)
Esta insistência sobre o sacrifício —sacrum facere, “tornar sagrado” —
exprime aqui toda a densidade existencial que está implicada na transformação da
nossa realidade humana alcançada por Cristo (Fl 3,12).
Eficácia
omnicompreensiva do culto eucarístico
71. O novo culto
cristão engloba todos os aspectos da existência, transfigurando-a: “Quando
comeis ou bebeis, ou fazeis qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de
Deus” (1Cor 10,31). Em cada ato da sua vida, o cristão é chamado a
manifestar o verdadeiro culto a Deus; daqui toma forma a natureza
intrinsecamente eucarística da vida cristã. Uma vez que abraça a realidade
humana do crente em seu concretismo quotidiano, a Eucaristia torna possível dia
após dia a progressiva transfiguração do homem, por graça chamado a ser conforme
à imagem do Filho de Deus (Rm 8,29s). Nada há de autenticamente humano —
pensamentos e afetos, palavras e obras — que não encontre no sacramento da
Eucaristia a forma adequada para ser vivido em plenitude. Sobressai aqui todo o
valor antropológico da novidade radical trazida por Cristo com a Eucaristia: o
culto a Deus na existência humana não pode ser relegado para um momento
particular e privado, mas tende, por sua natureza, a permear cada aspecto da
realidade do indivíduo. Assim, o culto agradável a Deus torna-se uma nova
maneira de viver todas as circunstâncias da existência, na qual cada particular
fica exaltado porque vivido dentro do relacionamento com Cristo e como oferta a
Deus. A glória de Deus é o homem vivo (1Cor 10,31); e a vida do homem é a
visão de Deus.(203
)
Viver segundo o
domingo
72. Esta novidade
radical, que a Eucaristia introduz na vida do homem, revelou-se à consciência
cristã desde o princípio; prontamente os fiéis compreenderam a influência
profunda que a celebração eucarística exercia sobre o estilo da sua vida. Santo
Inácio de Antioquia exprimia esta verdade designando os cristãos como “aqueles
que chegaram à nova esperança”, e apresentava-os como aqueles que vivem “segundo
o domingo” (iuxta dominicam viventes).(204
)
Esta expressão do grande mártir antioqueno põe claramente em evidência a ligação
entre a realidade eucarística e a vida cristã no seu dia-a-dia.
O costume característico que têm os cristãos de reunir-se no primeiro dia depois
do sábado para celebrar a ressurreição de Cristo — conforme a narração do
mártir São Justino(205
)
— é também o dado que define a forma da vida renovada pelo encontro com Cristo.
Mas, a expressão de
Santo Inácio — “viver segundo o domingo” — sublinha também o valor
paradigmático que este dia santo tem para os restantes dias da semana. De fato,
o domingo não se distingue com base na simples suspensão das atividades
habituais, como se fosse uma espécie de parêntesis dentro do ritmo normal dos
dias; os cristãos sempre sentiram este dia como o primeiro da semana, porque
nele se faz memória da novidade radical trazida por Cristo. Por isso, o domingo
é o dia em que o cristão reencontra a forma eucarística própria da sua
existência, segundo a qual é chamado a viver constantemente: “viver segundo o
domingo” significa viver consciente da libertação trazida por Cristo e realizar
a própria existência como oferta de si mesmo a Deus, para que a sua vitória se
manifeste plenamente a todos os homens através duma conduta intimamente
renovada.
Viver o preceito
dominical
73. Cientes deste princípio novo de vida que a Eucaristia
deposita no cristão,
os padres sinodais reafirmaram a importância que tem, para todos os fiéis, o
preceito dominical como fonte de liberdade autêntica, a fim de poderem viver
cada um dos outros dias segundo o que celebraram no “dia do Senhor”. Com
efeito, a vida de fé corre perigo quando se deixa de sentir desejo de participar
na celebração eucarística em que se faz memória da vitória pascal. A
participação na assembléia litúrgica dominical, ao lado de todos os irmãos e
irmãs com os quais se forma um só corpo em Cristo Jesus, é exigida pela
consciência cristã e simultaneamente educa a consciência cristã.
Perder o sentido do domingo como dia do Senhor que deve ser santificado é
sintoma duma perda do sentido autêntico da liberdade cristã, a liberdade
dos filhos de Deus.(206
)
Continuam a ser preciosas as observações feitas a este respeito pelo meu
venerado predecessor João Paulo II, na Carta Apostólica
,(207
)
quando trata das diversas dimensões que o domingo tem para os cristãos: é
dies Domini, em referimento à obra da criação; dies Christi, enquanto
dia da nova criação e do dom do Espírito Santo que o Senhor Ressuscitado
concede; dies Ecclesiæ, como dia em que a comunidade cristã se reúne para
a celebração; dies hominis, porque dia de alegria, repouso e caridade
fraterna.
Um tal dia aparece,
assim, como festa primordial em que todo o fiel, no próprio ambiente onde vive,
se pode fazer arauto e guardião do sentido do tempo. Deste dia, com efeito,
brota o sentido cristão da existência e uma nova maneira de viver o tempo, as
relações, o trabalho, a vida e a morte. Por isso, é bom que, no dia do Senhor,
as realidades eclesiais organizem, a partir da celebração eucarística dominical,
manifestações próprias da comunidade cristã: encontros de amizade, iniciativas
para a formação de crianças, jovens e adultos na fé, peregrinações, obras de
caridade e momentos variados de oração. Por causa destes valores tão importantes
— embora justamente a tarde de sábado a partir das primeiras Vésperas já
pertença ao domingo, sendo permitido cumprir nela o preceito dominical — é
necessário recordar que é o domingo em si mesmo que merece ser santificado, para
que não acabe por ficar um dia “vazio de Deus”.(208
)
O sentido do repouso
e do trabalho
74. É particularmente
urgente no nosso tempo lembrar que
o dia do Senhor é também o dia de repouso do trabalho. Desejamos
vivamente que isto mesmo seja reconhecido também pela sociedade civil, de modo
que se possa ficar livre das obrigações laborais sem ser penalizado por isso. De
fato, os cristãos — não sem relação com o significado do sábado na tradição
hebraica — viram no dia do Senhor também o dia de repouso da fadiga quotidiana.
Isto possui um significado bem preciso, ou seja, constitui uma relativização
do trabalho, que tem por finalidade o homem:
o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho. É fácil intuir a
tutela que isto oferece ao próprio homem, ficando assim emancipado duma possível
forma de escravidão. Como já tive ocasião de afirmar, “o trabalho reveste uma
importância primária para a realização do homem e o progresso da sociedade; por
isso torna-se necessário que aquele seja sempre organizado e realizado no pleno
respeito da dignidade humana e ao serviço do bem comum. Ao mesmo tempo,
é indispensável que o homem não se deixe escravizar pelo trabalho, que não o
idolatre pretendendo achar nele o sentido último e definitivo da vida”.(209
)
É no dia consagrado a Deus que o homem compreende o sentido da sua existência e
também do trabalho.(210
)
Assembléias
dominicais na ausência de sacerdote
75. Uma vez descoberto
o significado da celebração dominical para a vida do cristão, coloca-se
espontaneamente o problema das comunidades cristãs onde falta o sacerdote e,
conseqüentemente, não é possível celebrar a Santa Missa no dia do Senhor. A tal
respeito, convém reconhecer que nos encontramos perante situações muito
diversificadas entre si. Antes de mais,
o Sínodo recomendou aos fiéis que fossem a uma das igrejas da diocese onde está
garantida a presença do sacerdote, mesmo que isso lhes exija um pouco de
sacrifício.(211
)
Entretanto, nos casos em que se torne praticamente impossível, devido à grande
distância, a participação na Eucaristia dominical, é importante que as
comunidades cristãs se reúnam igualmente para louvar o Senhor e fazer memória do
dia a Ele dedicado. Mas, isso deverá verificar-se a partir duma
conveniente instrução sobre a diferença entre a Santa Missa e as assembléias
dominicais à espera de sacerdote. A solicitude pastoral da Igreja há-de
exprimir-se, neste caso, vigiando que a liturgia da palavra — organizada sob a
guia dum diácono ou dum responsável da comunidade a quem foi regularmente
confiado este ministério pela autoridade competente — se realize segundo um
ritual específico elaborado pelas Conferências Episcopais e para tal fim
aprovado por elas.(212
)
Lembro que compete aos Ordinários conceder a faculdade de distribuir a comunhão
nessas liturgias, ponderando atentamente a conveniência da escolha a fazer. Além
disso, tudo deve ser feito de forma que tais assembléias não criem confusão
quanto ao papel central do sacerdote e à dimensão sacramental na vida da Igreja.
A importância da função dos leigos, a quem justamente há que agradecer a
generosidade ao serviço das comunidades cristãs,
jamais deve ofuscar o ministério insubstituível dos sacerdotes na vida da Igreja.(213
)
Por isso, vigie-se atentamente sobre as assembléias à espera de sacerdote para
que não dêem lugar a visões eclesiológicas incompatíveis com a verdade do
Evangelho e a tradição da Igreja; devem antes tornar-se ocasiões privilegiadas
de oração a Deus para que mande sacerdotes santos segundo o seu Coração. A
propósito, vale a pena recordar aquilo que escreveu o Papa João Paulo II na
Carta aos Sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa de 1979, recordando o
caso comovente que se verificava em certos lugares onde as pessoas, privadas de
sacerdote pelo regime ditatorial, se reuniam numa igreja ou num santuário,
colocavam sobre o altar a estola que ainda conservavam e recitavam as orações da
liturgia eucarística até ao “momento que corresponderia à transubstanciação” e
aí se detinham em silêncio, dando testemunho de quão “ardentemente desejavam
ouvir aquelas palavras que só os lábios dum sacerdote podiam eficazmente
pronunciar”.(214
)
Precisamente nesta perspectiva, considerando o bem incomparável que deriva da
celebração do sacrifício eucarístico, peço a todos os sacerdotes uma efetiva e
concreta disponibilidade para visitarem, com a maior assiduidade possível, as
comunidades que estão confiadas ao seu cuidado pastoral, a fim de não ficarem
demasiado tempo sem o sacramento da caridade.
Uma forma
eucarística da existência cristã, a pertença eclesial
76. A importância do domingo como dia da Igreja (dies Ecclesiæ)
traz-nos à mente a relação intrínseca entre a vitória de Jesus sobre o mal e a
morte e a nossa pertença ao seu corpo eclesial; no dia do Senhor, com efeito,
todo o cristão reencontra também a dimensão comunitária da sua existência
redimida. Participar na ação litúrgica, comungar o corpo e o sangue de Cristo
significa, ao mesmo tempo, tornar cada vez mais íntima e profunda a própria
pertença Àquele que morreu por nós (1Cor 6,19s; 7,23). Verdadeiramente
quem se nutre de Cristo, vive por Ele. Compreende-se o sentido profundo da
comunhão dos santos (communio sanctorum), relacionando-a com o mistério
eucarístico. A comunhão tem sempre e inseparavelmente uma conotação vertical e
uma horizontal: comunhão com Deus e comunhão com os irmãos e irmãs. Estas duas
dimensões encontram-se misteriosamente no dom eucarístico. “Onde se destrói a
comunhão com Deus, que é comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo,
destrói-se também a raiz e a fonte da comunhão entre nós. E onde a comunhão
entre nós não for vivida, também a comunhão com o Deus-Trindade não é viva nem
verdadeira”.(215
)
Chamados, pois, a ser membros de Cristo e conseqüentemente membros uns dos
outros (1Cor 12,27), constituímos uma realidade ontologicamente fundada
no Batismo e alimentada pela Eucaristia, realidade essa que exige ter expressão
sensível na vida das nossas comunidades.
A forma eucarística da
vida cristã é, sem dúvida, eclesial e comunitária. Através da diocese e das
paróquias, enquanto estruturas basilares da Igreja num território particular,
cada fiel pode fazer experiência concreta da sua pertença ao corpo de Cristo.
As associações, os movimentos eclesiais e novas comunidades — com a vivacidade
dos carismas que lhes foram concedidos pelo Espírito Santo para o nosso tempo —
bem como os institutos de vida consagrada têm a missão de oferecer a sua
contribuição específica para favorecer nos fiéis a percepção desta sua pertença
ao Senhor (Rm 14,8). O fenômeno da secularização, que
apresenta — não por acaso — traços fortemente individualistas, logra seus
efeitos deletérios sobretudo nas pessoas que se isolam por escasso sentido de
pertença. Desde os seus inícios, sempre o cristianismo implica uma companhia,
uma trama de relações continuamente vivificadas pela escuta da palavra e pela
celebração eucarística e animadas pelo Espírito Santo.
Espiritualidade e
cultura eucarística
77. Os padres sinodais
afirmaram, significativamente, que “os fiéis cristãos precisam duma compreensão
mais profunda das relações entre a Eucaristia e a vida quotidiana. A
espiritualidade eucarística não é apenas participação na Missa e devoção ao
Santíssimo Sacramento; mas abraça a vida inteira”.(216
)
Um tal realce assume atualmente particular significado para todos nós; é preciso
reconhecer que um dos efeitos mais graves da secularização, há pouco mencionada,
é ter relegado a fé cristã para a margem da existência, como se fosse inútil
para a realização concreta da vida dos homens; a falência desta maneira de viver
“como se Deus não existisse” está agora patente a todos. Hoje torna-se
necessário redescobrir que Jesus Cristo não é uma simples convicção privada ou
uma doutrina abstrata, mas uma pessoa real cuja inserção na história é capaz de
renovar a vida de todos. Por isso, a
Eucaristia, enquanto fonte e ápice da vida e missão da Igreja, deve
traduzir-se em espiritualidade, em vida “segundo o Espírito” (Rm 8,4s;
cf. Gl 5,16.25). É significativo que São Paulo, na passagem da Carta
aos Romanos onde convida a viver o novo culto espiritual, apele ao mesmo
tempo para a necessidade de mudar a própria forma de viver e pensar: “Não vos
conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente,
para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe é
agradável, o que é perfeito” (12,2). Deste modo, o Apóstolo das Gentes põe em
evidência a ligação entre o verdadeiro culto espiritual e a necessidade duma
nova maneira de compreender a existência e orientar a vida. Constitui parte
integrante da forma eucarística da vida cristã a renovação da mentalidade, pois
“assim já não seremos crianças inconstantes, levadas ao sabor de todo o vento de
doutrina” (Ef 4,14).
Eucaristia e
evangelização das culturas
78. Daquilo que ficou
dito, segue-se que o mistério eucarístico nos põe em diálogo com as
várias culturas, mas de certa forma também as desafia.(217
)
É preciso reconhecer o caráter intercultural deste novo culto, desta logiké
latreía: a presença de Jesus Cristo e a efusão do Espírito Santo são
acontecimentos que podem encontrar-se de forma duradoura com qualquer realidade
cultural a fim de a fermentar evangelicamente. Em consequência disto mesmo,
temos a obrigação de promover convictamente a evangelização das culturas, na
certeza de que o próprio Cristo é a verdade de todo o homem e da história humana
inteira. A Eucaristia torna-se critério de valorização de tudo o que o
cristão encontra nas diversas expressões culturais; num processo importante como
este, podem revelar-se de grande significado as palavras de São Paulo quando, na
sua I Carta aos Tessalonicenses, convida a “avaliar tudo e conservar o
que for bom” (5,21).
Eucaristia e fiéis
leigos
79. Em Cristo, cabeça
da Igreja seu corpo, todos os cristãos formam uma “raça eleita, sacerdócio real,
nação santa, povo adquirido por Deus para anunciar os louvores d'Aquele que os
chamou das trevas à sua luz admirável” (1Pd 2,9). A Eucaristia, enquanto
mistério a ser vivido, oferece-se a cada um de nós na condição concreta em que
nos encontramos, fazendo com que esta mesma situação vital se torne um lugar
onde viver diariamente a novidade cristã. Se o sacrifício eucarístico alimenta e
faz crescer em nós tudo o que já nos foi dado no Batismo, pelo qual todos somos
chamados à santidade,(218
)
então isso deve transparecer e manifestar-se precisamente nas situações ou
estados de vida em que cada cristão se encontra; tornamo-nos dia após dia culto
agradável a Deus, vivendo a própria vida como vocação. O próprio sacramento da
Eucaristia, a partir da convocação litúrgica, compromete-nos na realidade
quotidiana a fim de que tudo seja feito para glória de Deus.
E, dado que o mundo é
“o campo” (Mt 13,38) onde Deus coloca os seus filhos como boa semente, os
cristãos leigos, em virtude do Batismo e da Confirmação e corroborados pela
Eucaristia, são chamados a viver a novidade radical trazida por Cristo
precisamente no meio das condições normais da vida; (219
)
devem cultivar o desejo de ver a Eucaristia influir cada vez mais profundamente
na sua existência quotidiana, levando-os a serem testemunhas reconhecidas como
tais no próprio ambiente de trabalho e na sociedade inteira.(220
)
Dirijo um particular encorajamento às famílias a haurirem inspiração e força
deste sacramento: o amor entre o homem e a mulher, o acolhimento da vida, a
missão educadora aparecem como âmbitos privilegiados onde a Eucaristia pode
mostrar a sua capacidade de transformar e encher de significado a
existência.(221
)
Os pastores nunca deixem de apoiar, educar e encorajar os fiéis leigos a viverem
plenamente a própria vocação à santidade no meio deste mundo que Deus amou até
ao ponto de dar o Filho para sua salvação (Jo 3, 16).
Eucaristia e
espiritualidade sacerdotal
80. A forma eucarística
da existência cristã manifesta-se, sem dúvida, de modo particular no estado de
vida sacerdotal. A espiritualidade sacerdotal é intrinsecamente eucarística; a
semente desta espiritualidade encontra-se já nas palavras que o bispo pronuncia
na liturgia da ordenação: “Recebe a oferenda do povo santo para a apresentares a
Deus. Toma consciência do que virás a fazer; imita o que virás a realizar, e
conforma a tua vida com o mistério da cruz do Senhor”.(222
)
Para conferir à sua existência uma forma eucarística cada vez mais perfeita, o
sacerdote deve reservar, já no período de formação e depois nos anos
sucessivos, amplo
espaço para a vida espiritual.(223
)
É chamado a ser continuamente um autêntico perscrutador de Deus, embora ao mesmo
tempo permaneça solidário com as preocupações dos homens. Uma vida espiritual
intensa permitir-lhe-á entrar mais profundamente em comunhão com o Senhor e
ajudá-lo-á a deixar-se possuir pelo amor de Deus, tornando-se sua testemunha em
todas as circunstâncias mesmo difíceis e obscuras. Para isso, juntamente com os
padres do Sínodo, recomendo aos sacerdotes “a celebração diária da Santa Missa,
mesmo quando não houver participação de fiéis”.(224
)
Tal recomendação é ditada, ante de mais, pelo valor objetivamente infinito de
cada celebração eucarística; e é motivada ainda pela sua singular eficácia
espiritual, porque, se vivida com atenção e fé, a Santa Missa é formadora no
sentido mais profundo do termo, enquanto promove a configuração a Cristo e
reforça o sacerdote na sua vocação.
Eucaristia e vida
consagrada
81. No contexto da
relação entre a Eucaristia e as diversas vocações eclesiais, refulge de modo
particular “o testemunho profético de mulheres e homens consagrados que
encontram, na celebração eucarística e na adoração, a força para o seguimento
radical de Cristo obediente, pobre e casto”.(225
)
Embora realizem muitos serviços no campo da formação humana e do cuidado pelos
pobres, no ensino ou na assistência aos doentes,
os consagrados e consagradas sabem que a finalidade principal da sua vida é “a
contemplação das coisas divinas e a união assídua com Deus”;(226
)a
contribuição essencial que a Igreja espera da vida consagrada destina-se muito
mais ao ser do que ao fazer. Neste contexto, queria evocar a importância
do testemunho virginal precisamente em relação ao mistério da Eucaristia; com
efeito, além da ligação com o celibato sacerdotal, o mistério eucarístico
apresenta uma relação intrínseca com a virgindade consagrada, enquanto esta é
expressão da dedicação exclusiva da Igreja a Cristo, que ela acolhe como seu
Esposo com radical e fecunda fidelidade.227
)
Na Eucaristia, a virgindade consagrada encontra inspiração e nutrimento para a
sua dedicação total a Cristo; além disso, aufere da Eucaristia conforto e
impulso para ser, no nosso tempo também, sinal do amor gratuito e fecundo que
Deus tem pela humanidade. Enfim, é através do seu testemunho específico que a
vida consagrada se torna objetivamente apelo e antecipação daquelas “núpcias do
Cordeiro” (Ap 19,7-9) que constituem a meta de toda a história da
salvação; neste sentido, aquela constitui uma evocação eficaz do horizonte
escatológico de que o homem necessita para poder orientar as suas opções e
resoluções de vida.
Eucaristia e
transformação moral
82. Descoberta a beleza
da forma eucarística da existência cristã, somos levados a refletir também sobre
as energias morais que, por tal forma, se desencadeiam em apoio da liberdade
autêntica e própria dos filhos de Deus. Desejo, assim, retomar um assunto que
surgiu no Sínodo: a ligação entre forma eucarística da vida e
transformação moral. O Papa João Paulo II afirmara que a vida moral “possui
o valor de um ‘‘culto espiritual'' (Rm 12,1; cf. Fl 3,3), que
brota e se alimenta daquela fonte inesgotável de santidade e glorificação de
Deus que são os sacramentos, especialmente a Eucaristia: com efeito, ao
participar no sacrifício da cruz, o cristão comunga do amor de doação de Cristo,
ficando habilitado e comprometido a viver esta mesma caridade em todas as suas
atitudes e comportamentos de vida”.(228
)
Em suma, “no próprio ‘‘culto'', na comunhão eucarística, está contido o ser
amado e o amar por sua vez os outros. Uma Eucaristia que não se traduza em amor
concretamente vivido é em si mesma fragmentária”.(229
)
Este apelo ao valor
moral do culto espiritual não deve ser interpretado em chave moralista; é, antes
de mais, a descoberta feliz do dinamismo do amor no coração de quem acolhe o dom
do Senhor, abandona-se a Ele e encontra a verdadeira liberdade. A transformação
moral, que o novo culto instituído por Cristo implica, é uma tensão e um anseio
profundo de querer corresponder ao amor do Senhor com todo o próprio ser, embora
conscientes da própria fragilidade. Aquilo de que estamos a falar aparece
claramente no relato evangélico de Zaqueu (Lc 19,1-10): depois de ter
hospedado Jesus na sua casa, o publicano sente-se completamente transformado;
decide dar metade dos seus haveres aos pobres e restituir quatro vezes mais a
quem roubou.
A tensão moral, que nasce do ato de hospedar Jesus na nossa vida, brota
da gratidão por se ter experimentado a imerecida proximidade do Senhor.
Coerência
eucarística
83. É importante
salientar aquilo que os padres sinodais designaram por coerência eucarística,
à qual está objetivamente chamada a nossa existência. Com efeito, o culto
agradável a Deus nunca é um ato meramente privado, sem consequências nas nossas
relações sociais: requer o testemunho público da própria fé. Evidentemente isto
vale
para todos os batizados, mas impõe-se com particular premência a quantos,
pela posição social ou política que ocupam, devem tomar decisões sobre valores
fundamentais como o respeito e
defesa da vida humana desde a concepção até à morte natural, a família fundada
sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher, a liberdade de educação dos
filhos e a promoção do bem comum em todas as suas formas.(230
)
Estes
são valores não negociáveis. Por isso, cientes da sua grave
responsabilidade social, os políticos e os legisladores católicos devem
sentir-se particularmente interpelados pela sua consciência retamente formada a
apresentar e apoiar leis inspiradas nos valores impressos na natureza
humana.(231
)
Tudo isto tem, aliás, uma ligação objectiva com a Eucaristia (1 Cor 11,
27-29). Os bispos são obrigados a recordar sem cessar tais valores; faz parte da
sua responsabilidade pelo rebanho que lhes foi confiado.(232
)
Eucaristia, mistério anunciado
Eucaristia e missão
84. Na homilia durante
a celebração eucarística com que solenemente dei início ao meu ministério na
Cátedra de Pedro, disse: “Não há nada de mais belo do que ser alcançado,
surpreendido pelo Evangelho, por Cristo. Não há nada de mais belo do que
conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade com Ele”.(233
)
Esta afirmação cresce de intensidade, quando pensamos no mistério eucarístico;
com efeito, não podemos reservar para nós o amor que celebramos neste
sacramento: por sua natureza, pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que o
mundo tem necessidade é do amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar
n'Ele. Por isso, a Eucaristia é fonte e ápice não só da vida da Igreja, mas
também da sua missão: “Uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja
missionária”.(234
)
Havemos, também nós, de poder dizer com convicção aos nossos irmãos: “Nós vos
anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão connosco”
(1Jo 1,2-3). Verdadeiramente não há nada de mais belo do que encontrar e
comunicar Cristo a todos! Aliás, a própria instituição da Eucaristia antecipa
aquilo que constitui o cerne da missão de Jesus: Ele é o enviado do Pai para a
redenção do mundo (Jo
3,16-17; Rm 8,32). Na Última Ceia, Jesus entrega aos seus discípulos
o sacramento que atualiza o sacrifício que Ele, em obediência ao Pai, fez de Si
mesmo pela salvação de todos nós.
Não podemos abeirar-nos da mesa eucarística sem nos deixarmos arrastar pelo
movimento da missão que, partindo do próprio Coração de Deus, visa
atingir todos os homens; assim, a tensão missionária é parte constitutiva da
forma eucarística da existência cristã.
Eucaristia e
testemunho
85. A
missão primeira e fundamental, que deriva dos santos mistérios
celebrados,
é dar testemunho com a nossa vida. O enlevo pelo dom que Deus nos
concedeu em Cristo, imprime à nossa existência um dinamismo novo que nos
compromete a ser testemunhas do seu amor. Tornamo-nos testemunhas quando,
através das nossas ações, palavras e modo de ser, é Outro que aparece e Se
comunica. Pode-se afirmar que o testemunho é o meio pelo qual a verdade do amor
de Deus alcança o homem na história, convidando-o a acolher livremente esta
novidade radical. No testemunho, Deus expõe-Se por assim dizer ao risco da
liberdade do homem. O próprio Jesus é a testemunha fiel e verdadeira (Ap
1,5; 3,14); veio para dar testemunho da verdade (Jo 18,37). Nesta ordem
de idéias, apraz-me retomar um conceito caro aos primeiros cristãos, mas que nos
interpela também a nós, cristãos de hoje:
o testemunho até ao dom de si mesmo, até ao martírio, sempre foi
considerado, na história da Igreja, o apogeu do novo culto espiritual: “Oferecei
os vossos corpos” (Rm 12,1). Pense-se, por exemplo, na narração do
martírio de São Policarpo de Esmirna, discípulo de São João: o seu caso,
dramático, é todo ele descrito como uma liturgia; mais ainda, como se o próprio
mártir se tornasse Eucaristia.(235
)
Pensemos também na consciência eucarística que Inácio de Antioquia exprime tendo
em mente o seu martírio: considera-se “trigo de Deus” e, pelo martírio, deseja
transformar-se em “pão puro de Cristo”.(236
)
O cristão, quando oferece a sua vida no martírio, entra em plena comunhão com a
páscoa de Jesus Cristo e, assim, ele mesmo se torna Eucaristia com Cristo. Não
faltam, ainda hoje, à Igreja os mártires, nos quais se manifesta de modo supremo
o amor de Deus. E, mesmo que não nos seja pedida a prova do martírio, sabemos,
porém, que o culto agradável a Deus postula intimamente esta disponibilidade
(237
)
e encontra a sua realização no feliz e convicto testemunho perante o mundo duma
vida cristã coerente nos diversos sectores onde o Senhor nos chama a anunciá-Lo.
Jesus Cristo, único
Salvador
86. Sublinhar a ligação
intrínseca entre Eucaristia e missão faz-nos descobrir também o conteúdo supremo
do nosso anúncio. Quanto mais vivo for o amor pela Eucaristia no coração do povo
cristão, tanto mais clara lhe será a incumbência da missão: levar Cristo;
não meramente uma idéia ou uma ética n'Ele inspirada, mas o dom da sua própria
Pessoa. Quem não comunica a verdade do Amor ao irmão, ainda não deu bastante. A
Eucaristia enquanto sacramento da nossa salvação chama-nos assim,
inevitavelmente, à unicidade de Cristo e da salvação por Ele realizada a preço
do seu sangue. Por isso,
do mistério eucarístico acreditado e celebrado nasce a exigência de educar
constantemente a todos para o trabalho missionário, cujo centro é o anúncio de
Jesus, único Salvador.(238
)
Isto impedirá de confinar, em chave meramente sociológica, a obra decisiva de
promoção humana que todo o processo de evangelização autêntico sempre implica.
Liberdade de culto
87. Neste contexto,
desejo dar voz àquilo que os padres referiram, durante a assembléia sinodal, a
propósito das graves dificuldades criadas à missão das comunidades cristãs que
vivem em condições de minoria ou mesmo de privação da liberdade religiosa.(239
)
Devemos verdadeiramente dar graças ao Senhor por todos os bispos, sacerdotes,
pessoas consagradas e leigos que se prodigalizam a anunciar o Evangelho e vivem
a sua fé sob risco da própria vida. Não são poucas as regiões do mundo onde o
simples ir à igreja constitui um testemunho heróico que expõe a vida da pessoa à
marginalização e à violência. Nesta ocasião, quero também reiterar a
solidariedade da Igreja inteira a quantos sofrem por falta de liberdade de
culto. Nos lugares onde não há a liberdade religiosa, sabemos que falta, no fim
de contas, a liberdade mais significativa, pois é na fé que o homem exprime a
decisão íntima relativa ao sentido último da própria existência; por isso,
rezemos para que se alargue o espaço da liberdade religiosa em todos os Estados,
a fim de os cristãos e os membros das outras religiões poderem livremente viver
as suas convicções, pessoalmente e em comunidade.
Eucaristia, mistério
oferecido ao mundo
Eucaristia, pão
repartido para a vida do mundo
88. “O pão que Eu
hei-de dar é a minha carne que Eu darei pela vida do mundo” (Jo 6,51).
Com estas palavras, o Senhor revela o verdadeiro significado do dom da sua vida
por todos os homens; as mesmas mostram-nos também a compaixão íntima que Ele
sente por cada pessoa. Na realidade, os Evangelhos transmitem-nos muitas vezes
os sentimentos de Jesus para com as pessoas, especialmente doentes e pecadores (Mt
20,34; Mc 6,34; Lc 19,41). Ele exprime, através dum sentimento
profundamente humano, a intenção salvífica de Deus que deseja que todo o homem
alcance a verdadeira vida.
Cada celebração eucarística atualiza sacramentalmente a doação que Jesus fez da
sua própria vida na cruz por nós e pelo mundo inteiro. Ao mesmo tempo, na
Eucaristia, Jesus faz de nós testemunhas da compaixão de Deus por cada irmão e
irmã; nasce assim, à volta do mistério eucarístico, o serviço da caridade para
com o próximo, que “consiste precisamente no fato de eu amar, em Deus e com
Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível
realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou
comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a ver
aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a
perspectiva de Jesus Cristo”.(240
)
Desta forma, nas pessoas que contacto, reconheço irmãs e irmãos, pelos quais o
Senhor deu a sua vida amando-os “até ao fim” (Jo 13,1). Por conseguinte,
as nossas comunidades, quando celebram a Eucaristia, devem consciencializar-se
cada vez mais de que o sacrifício de Jesus é por todos; e, assim, a Eucaristia
impele todo o que acredita n'Ele a fazer-se “pão repartido” para os outros e,
conseqüentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno. Como sucedeu
na multiplicação dos pães e dos peixes, temos de reconhecer que Cristo continua,
ainda hoje, exortando os seus discípulos a empenharem-se pessoalmente: “Dai-lhes
vós de comer” (Mt 14,16). Na verdade, a vocação de cada um de nós
consiste em ser, unido a Jesus,
pão repartido para a vida do mundo.
As implicações
sociais do mistério eucarístico
89. A união com Cristo,
que se realiza no sacramento, habilita-nos também a uma novidade de relações
sociais: “a ‘‘mística'' do sacramento tem um caráter social, porque (...) a
união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros aos quais Ele Se
entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe somente unido
a todos aqueles que se tornaram ou hão-de tornar Seus”.(241
)
A propósito, é necessário explicitar a relação entre mistério eucarístico e
compromisso social. A Eucaristia é sacramento de comunhão entre irmãos e irmãs
que aceitam reconciliar-se em Cristo, o Qual fez de judeus e gentios um só povo,
destruindo o muro de inimizade que os separava (Ef 2,14). Somente esta
tensão constante à reconciliação permite comungar dignamente o corpo e o sangue
de Cristo (Mt 5,23-24).(242
)
Através do memorial do seu sacrifício, Ele reforça a comunhão entre os irmãos e,
de modo particular, estimula os que estão em conflito a apressar a sua
reconciliação, abrindo-se ao diálogo e ao compromisso em prol da justiça. A
restauração da justiça, a reconciliação e o perdão são, sem dúvida alguma,
condições para construir uma verdadeira paz; (243
)
desta consciência nasce a vontade de transformar também as estruturas injustas,
a fim de se restabelecer o respeito da dignidade do homem, criado à imagem e
semelhança de Deus; é através da realização concreta desta responsabilidade que
a Eucaristia se torna na vida o que significa na celebração. Como já tive
ocasião de afirmar,
não é missão própria da Igreja tomar nas suas mãos a batalha política
para se realizar a sociedade mais justa possível; todavia, ela não pode nem deve
ficar à margem da luta pela justiça. A Igreja “deve inserir-se nela pela via da
argumentação racional e
deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer
renúncias também, não poderá afirmar-se nem prosperar”.(244
)
Na perspectiva da
responsabilidade social de todos os cristãos, os padres sinodais lembraram que o
sacrifício de Cristo é mistério de libertação que nos interpela e provoca
continuamente; dirijo, pois, um apelo a todos os fiéis para que se tornem
realmente obreiros de paz e justiça: “Com efeito, quem participa na Eucaristia
deve empenhar-se na edificação da paz neste nosso mundo marcado por muitas
violências e guerras, e, hoje de modo particular, pelo terrorismo, a corrupção
econômica e a exploração sexual”;(245
)
problemas, estes, que geram por sua vez outros fenômenos degradantes que causam
viva preocupação. Sabemos que estas situações não podem ser encaradas de modo
superficial. Precisamente em virtude do mistério que celebramos, é preciso
denunciar as circunstâncias que estão em contraste com a dignidade do homem,
pelo qual Cristo derramou o seu sangue, afirmando assim o alto valor de cada
pessoa.
O alimento da
verdade e a indigência do homem
90. Não podemos ficar
inativos perante certos processos de globalização, que não raro fazem crescer
desmesuradamente a distância entre ricos e pobres a nível mundial. Devemos
denunciar quem delapida as riquezas da terra, provocando desigualdades que
bradam ao céu (Tg 5,4). Por exemplo, é impossível calar diante das
“imagens impressionantes dos grandes campos de deslocados ou refugiados — em
várias partes do mundo — amontoados em condições precárias para escapar a sorte
pior, mas carecidos de tudo. Porventura estes seres humanos não são nossos
irmãos e irmãs? Os seus filhos não vieram ao mundo com os mesmos legítimos
anseios de felicidade que os outros?”.(246
)
O Senhor Jesus, pão de vida eterna, incita a tornarmo-nos atentos às situações
de indigência em que ainda vive grande parte da humanidade: são situações cuja
causa se fica a dever, freqüentemente, a uma clara e preocupante
responsabilidade dos homens. De fato, “com base em dados estatísticos
disponíveis, pode-se afirmar que bastaria menos de metade das somas imensas
globalmente destinadas a armamentos para tirar, de forma estável, da indigência
o exército ilimitado dos pobres. Isto interpela a consciência humana. Às
populações que vivem sob o limiar da pobreza, mais por causa de situações que
dependem das relações internacionais políticas, comerciais e culturais do que
por circunstâncias incontroláveis, o nosso esforço comum verdadeiramente pode e
deve oferecer-lhes nova esperança”.(247
)
O alimento da verdade
leva-nos a denunciar as situações indignas do homem, nas quais se morre à míngua
de alimento por causa da injustiça e da exploração, e dá-nos nova força e
coragem para trabalhar sem descanso na edificação da civilização do amor. Desde
o princípio, os cristãos tiveram a preocupação de partilhar os seus bens (At
4,32) e de ajudar os pobres (Rm 15,26). O peditório que se realiza
nas assembléias litúrgicas constitui viva reminiscência disso mesmo, mas é
também uma necessidade muito atual. As instituições eclesiais de beneficência,
de modo particular a Caritas nos seus vários níveis, realizam o valioso
serviço de auxiliar as pessoas em necessidade, sobretudo os mais pobres. Tirando
inspiração da Eucaristia, que é o sacramento da caridade, aquelas tornam-se a
sua expressão concreta; por isso, merecem todo o aplauso e estímulo pelo seu
empenho solidário no mundo.
A doutrina social da
Igreja
91. O mistério da
Eucaristia habilita-nos e impele-nos a um compromisso corajoso nas estruturas
deste mundo para lhes conferir aquela novidade de relações que tem a sua fonte
inexaurível no dom de Deus. O pedido que repetimos em cada Missa: “O pão nosso
de cada dia nos dai hoje”, obriga-nos a fazer tudo o que for possível, em
colaboração com as instituições internacionais, estatais, privadas, para que
cesse ou pelo menos diminua, no mundo, o escândalo da fome e da subnutrição que
padecem muitos milhões de pessoas, sobretudo nos países em vias de
desenvolvimento. Particularmente o leigo cristão, formado na escola da
Eucaristia, é chamado a assumir diretamente a sua responsabilidade
político-social; a fim de poder desempenhar adequadamente as suas funções, é
preciso prepará-lo através duma educação concreta para a caridade e a justiça.
Para isso, como foi pedido pelo Sínodo, é necessário que, nas dioceses e
comunidades cristãs, se dê a conhecer e incremente a doutrina social da
Igreja.(248
)
Neste precioso patrimônio, nascido da mais antiga tradição eclesial, encontramos
os elementos que orientam, com profunda sabedoria, o comportamento dos cristãos
nas questões sociais em ebulição. Amadurecida durante toda a história da Igreja,
esta doutrina caracteriza-se pelo seu realismo e equilíbrio, ajudando assim a
evitar promessas enganadoras ou vãs utopias.
Santificação do
mundo e defesa da criação
92. Enfim, para
desenvolver uma espiritualidade eucarística profunda, capaz de incidir
significativamente também no tecido social, é necessário que o povo cristão, ao
dar graças por meio da Eucaristia, tenha consciência de o fazer em nome da
criação inteira, aspirando assim à santificação do mundo e trabalhando
intensamente para tal fim.(249
)
A própria Eucaristia projeta uma luz intensa sobre a história humana e todo o
universo. Nesta perspectiva sacramental, aprendemos dia após dia que cada
acontecimento eclesial possui o caráter de sinal, pelo qual Deus Se comunica a
Si mesmo e nos interpela. Desta maneira, a forma eucarística da existência pode
verdadeiramente favorecer uma autêntica mudança de mentalidade no modo como
lemos a história e o mundo. Para tudo isto nos educa a própria liturgia quando o
sacerdote, durante a apresentação dos dons, dirige a Deus uma oração de bênção e
súplica a respeito do pão e do vinho, “fruto da terra”, “da videira” e do
“trabalho do homem”. Com estas palavras, o rito, além de envolver na oferta a
Deus toda a atividade e canseira humana, impele-nos a considerar a terra como
criação de Deus, que produz quanto precisamos para o nosso sustento. Não se
trata duma realidade neutral, nem de mera matéria a ser utilizada
indiferentemente segundo o instinto humano; mas coloca-se dentro do desígnio
amoroso de Deus, segundo o qual todos nós somos chamados a ser filhos e filhas
de Deus no seu único Filho, Jesus Cristo (Ef
1,4-12). As condições ecológicas em que a criação subjaz em muitas partes do
mundo suscitam justas preocupações, que encontram motivo de conforto na
perspectiva da esperança cristã, pois esta compromete-nos a trabalhar
responsavelmente na defesa da criação; (250
)
de fato, na relação entre a Eucaristia e o universo, descobrimos a unidade do
desígnio de Deus e somos levados a individuar a relação profunda da criação com
a “nova criação” que foi inaugurada na ressurreição de Cristo, novo Adão. Dela
participamos já agora em virtude do Batismo (Cl 2,12s), abrindo-se assim
à nossa vida cristã, alimentada pela Eucaristia, a perspectiva do mundo novo, do
novo céu e da nova terra, onde a nova Jerusalém desce do céu, de junto de Deus,
“bela como noiva adornada para o seu esposo” (Ap 21,2).
Utilidade dum
Compêndio Eucarístico
93. No termo destas
reflexões em que de boa vontade me detive sobre as indicações surgidas no
Sínodo, desejo acolher também o pedido que os padres apresentaram para ajudar o
povo cristão a crer, celebrar e viver cada vez melhor o mistério eucarístico.
Cuidado pelos Dicastérios competentes, há-de ser publicado um Compêndio,
que recolha textos do Catecismo da Igreja Católica, orações, explicações das
Orações Eucarísticas do Missal e tudo o mais que possa demonstrar-se útil para a
correta compreensão, celebração e adoração do sacramento do altar.(251
)
Espero que este instrumento possa contribuir para que o memorial da páscoa do
Senhor se torne cada dia sempre mais fonte e ápice da vida e da missão da
Igreja; isto animará cada fiel a fazer da sua própria vida um verdadeiro culto
espiritual.
CONCLUSÃO
94. Amados irmãos e
irmãs, a Eucaristia está na origem de toda a forma de santidade, sendo cada um
de nós chamado à plenitude de vida no Espírito Santo. Quantos santos tornaram
autêntica a própria vida, graças à sua piedade eucarística! De Santo Inácio de
Antioquia a Santo Agostinho, de Santo Antão Abade a São Bento, de São Francisco
de Assis a São Tomás de Aquino, de Santa Clara de Assis a Santa Catarina de
Sena, de São Pascoal Bailão a São Pedro Julião Eymard, de Santo Afonso Maria de
Ligório ao Beato Carlos de Foucauld, de São João Maria Vianey a Santa Teresa de
Lisieux, de São Pio de Pietrelcina à Beata Teresa de Calcutá, do Beato Pedro
Jorge Frassati ao Beato Ivan Mertz, para mencionar apenas alguns de tantos
nomes, a santidade sempre encontrou o seu centro no sacramento da Eucaristia.
Por isso, é necessário
que, na Igreja, este mistério santíssimo seja verdadeiramente acreditado,
devotamente celebrado e intensamente vivido. A doação que Jesus faz de Si mesmo
no sacramento memorial da sua paixão, atesta que o êxito da nossa vida está na
participação da vida trinitária, que nos é oferecida n'Ele de forma definitiva e
eficaz. A celebração e a adoração da Eucaristia permitem abeirar-nos do amor de
Deus e a ele aderir pessoalmente até à união com o bem-amado Senhor. A oferta da
nossa vida, a comunhão com a comunidade inteira dos crentes e a solidariedade
com todo o homem são aspectos imprescindíveis da logiké latreía, ou seja,
do culto espiritual, santo e agradável a Deus (Rm 12,1), no qual toda a
nossa realidade humana concreta é transformada para glória de Deus.
Convido, pois, todos os pastores a prestarem a máxima atenção à promoção duma
espiritualidade cristã autenticamente eucarística. Os presbíteros, os
diáconos e todos aqueles que exercem um ministério eucarístico possam sempre
tirar destes mesmos serviços, realizados com solicitude e constante preparação,
força e estímulo para o seu caminho pessoal e comunitário de santificação.
Exorto todos os leigos, e as famílias em particular, a encontrarem continuamente
no sacramento do amor de Cristo a energia de que precisam para transformar a
própria vida num sinal autêntico da presença do Senhor ressuscitado. Peço a
todos os consagrados e consagradas para manifestarem, com a própria existência
eucarística, o esplendor e a beleza de pertencer totalmente ao Senhor.
95. No início do século
IV, quando o culto cristão era ainda proibido pelas autoridades imperiais,
alguns cristãos do norte de África, que se sentiam obrigados a celebrar o dia do
Senhor, desafiaram tal proibição. Foram martirizados enquanto declaravam que não
lhes era possível viver sem a Eucaristia, alimento do Senhor: “Sine
dominico non possumus –
sem o domingo, não podemos viver”.(252
)
Estes mártires de Abitinas, juntamente com muitos outros santos e beatos que
fizeram da Eucaristia o centro da sua vida, intercedam por nós e nos ensinem a
fidelidade ao encontro com Cristo ressuscitado! Também nós não podemos viver sem
participar no sacramento da nossa salvação e desejamos ser iuxta dominicam
viventes, isto é, traduzir na vida o que celebramos no dia do Senhor. Com
efeito, este é o dia da nossa libertação definitiva. Então porquê maravilhar-se
quando desejamos que cada dia seja vivido segundo a novidade introduzida por
Cristo com o mistério da Eucaristia?
96. Que
Maria Santíssima, Virgem Imaculada, arca da nova e eterna aliança, nos
acompanhe neste caminho ao encontro do Senhor que vem! N'Ela encontramos
realizada, na forma mais perfeita, a essência da Igreja. Esta vê em Maria,
“Mulher eucarística” — como A designou o servo de Deus João Paulo II (253
)
—, o seu ícone melhor conseguido e contempla-A como modelo insubstituível de
vida eucarística. Por isso, na presença do “verum corpus natum de Maria
Virgine –
verdadeiro corpo nascido da Virgem Maria” sobre o altar, o sacerdote, em
nome da assembléia litúrgica, proclama com as palavras do cânone: “Veneramos a
memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe do nosso Deus e Senhor, Jesus
Cristo”.(254
)
O seu nome santo é invocado e venerado também nos cânones das tradições
orientais cristãs. Por sua vez, os fiéis “recomendam a Maria, Mãe da Igreja, a
sua existência e trabalho. Esforçando-se por ter os mesmos sentimentos que
Maria, ajudam toda a comunidade a viver em oferta viva, agradável ao Pai”.(255
)
Ela é a Tota Pulchra, a Toda Formosa, porque n'Ela resplandece o fulgor
da glória de Deus. A beleza da liturgia celeste, que deve refletir-se também nas
nossas assembléias, encontra n'Ela um espelho fiel. D'Ela devemos aprender a
tornar-nos pessoas eucarísticas e eclesiais para podermos também nós
apresentar-nos, segundo a palavra de São Paulo, “imaculados” perante o Senhor,
tal como Ele nos quis desde o princípio (Cl 1,22; Ef 1,4).(256
)
97. Por intercessão da
bem-aventurada Virgem Maria, o Espírito Santo acenda em nós o mesmo ardor que
experimentaram os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) e renove na nossa
vida o enlevo eucarístico pelo esplendor e a beleza que refulgem no rito
litúrgico, sinal eficaz da própria beleza infinita do mistério santo de Deus. Os
referidos discípulos levantaram-se e voltaram a toda a pressa para Jerusalém a
fim de partilhar a alegria com os irmãos e irmãs na fé. Com efeito, a verdadeira
alegria é reconhecer que o Senhor permanece no nosso meio, companheiro fiel do
nosso caminho; a Eucaristia faz-nos descobrir que Cristo, morto e ressuscitado,
Se manifesta como nosso contemporâneo no mistério da Igreja, seu corpo. Deste
mistério de amor fomos feitos testemunhas. Os votos que reciprocamente
formulamos sejam os de irmos cheios de alegria e maravilha ao encontro da
santíssima Eucaristia, para experimentar e anunciar aos outros a verdade das
palavras com que Jesus Se despediu dos seus discípulos: “Eu estou sempre
convosco, até ao fim dos tempos” (Mt 28,20).
Dado em Roma,
junto de São Pedro, no dia 22 de Fevereiro — festa da Cátedra de São Pedro — de
2007, segundo ano de Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI
Notas
1) Cf. São Tomás de Aquino,
Summa Theologiæ, III, q. 73, a. 3.
2) Santo Agostinho, In Iohannis
Evangelium Tractatus, 26, 5: PL 35, 1609.
3) Bento XVI,
Discurso aos participantes na Assembléia Plenária
da Congregação para a Doutrina da Fé
(10 de Fevereiro de 2006): AAS
98 (2006), 255.
4) Cf. Bento XVI,
Discurso aos membros do Conselho Ordinário da
Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos
(1 de Junho de 2006): L'Osservatore
Romano (ed. port. de 8/VI/2006), 237.
5) Cf. Propositio 2.
6) Aludo aqui à necessidade duma hermenêutica da
continuidade mesmo no que diz respeito a uma correta leitura do desenvolvimento
litúrgico depois do Concílio Vaticano II: cf. Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana
(22 de Dezembro de 2005):
AAS 98 (2006), 44-45.
7) Tem a data de 7 de Outubro de
2004; veja-se o texto em AAS 97 (2005), 337-352.
8) Cf.
Ano da Eucaristia: sugestões e propostas
(15 de Outubro de 2004): L'Osservatore Romano (15 de Outubro de 2004),
Suplemento.
9) Tem a data de 17 de Abril de 2003; veja-se o
texto em AAS 95 (2003), 433-475. Há que recordar também a Instrução da
Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
Redemptionis sacramentum
(25 de Março de 2004): AAS 96 (2004), 549-601, expressamente desejada por João
Paulo II.
10) Recordo apenas os principais: Conc. Ecum. de
Trento, Doctrina et canones de ss. Missæ sacrificio: DS 1738-1759;
Leão XIII, Carta enc. Miræ caritatis (28 de Maio de 1902): ASS
(1903), 115-136; Pio XII, Carta enc.
Mediator Dei
(20 de Novembro de 1947): AAS 39 (1947), 521-595; Paulo VI, Carta enc. Mysterium fidei
(3 de Setembro de 1965): AAS 57 (1965), 753-774; João Paulo II, Carta
enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de Abril de 2003): AAS 95 (2003), 433-475; Congr. para o Culto Divino
e a Disciplina dos Sacramentos, Instr. Eucharisticum mysterium (25 de
Maio de 1967): AAS 59 (1967), 539-573; Instr. Liturgiam authenticam
(28 de Março de 2001): AAS 93 (2001), 685-726.
11) Cf. Propositio 1.
12) N. 14: AAS 98 (2006),
229.
13) Catecismo da Igreja
Católica, 1327.
14) Propositio16.
15) Bento XVI,
Homilia na tomada de posse da Cátedra de Roma
(7 de Maio de 2005): AAS 97 (2005), 752.
(16) Cf. Propositio 4.
17) De Trinitate, VIII, 8,
12: CCL 50, 287.
18) Carta enc.
Deus caritas est(25
de Dezembro de 2005), 12: AAS 98 (2006), 228.
19) Cf. Propositio 3.
20) Cf. Breviário Romano: Hino
do Ofício de Leituras, na solenidade do Corpo de Deus.
22) Cf. Bento XVI,
Homilia na Esplanada de Marienfeld
(21 de Agosto de 2005): AAS 97 (2005), 891-892.
23) Cf. Propositio 3.
24) Cf. Missal Romano: Oração
Eucarística IV.
25) Catequese
23, 7: PG 33, 1114s.
26) Cf. Sobre o sacerdócio,
6, 4: PG 48, 681.
27) Ibid., 3, 4: o.c.,
48, 642.
28) Propositio22.
29) Cf. Propositio 42:
“Este encontro eucarístico realiza-se no Espírito Santo, que nos transforma e
santifica. Ele desperta no discípulo a vontade decidida de anunciar aos outros,
com desassombro, tudo o que ouviu e viveu, para conduzi-los, também a eles, ao
mesmo encontro com Cristo. Deste modo o discípulo, enviado pela Igreja, abre-se
a uma missão sem fronteiras”.
30) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre
a Igreja
Lumen gentium,
3. Veja-se, por exemplo, São João Crisóstomo, Catequeses 3, 13-19: SC
50, 174-177.
31) João Paulo II, Carta enc.
Ecclesia de Eucharistia
(17 de Abril de 2003), 1:
AAS 95 (2003), 433.
38) Congr. para a Doutrina da Fé, Carta sobre
alguns aspectos da Igreja entendida como comunhão
Communionis notio
(28 de Maio de 1992), 11: AAS 85 (1993), 844-845.
39) Propositio
5: “O termo ‘‘católico'' exprime a universalidade resultante da unidade que
a Eucaristia, celebrada em cada Igreja, fomenta e constrói. Assim, as Igrejas
particulares na Igreja universal têm, na Eucaristia, a missão de tornar visível
a sua própria unidade e a sua diversidade. Este laço de amor fraterno deixa
transparecer a comunhão trinitária. Os concílios e os sínodos exprimem na
história este aspecto fraterno da Igreja”.
40) Cf. Ibid., 5.
41) Decr. sobre o ministério e a vida dos
presbíteros
Presbyterorum ordinis,
5.
42) Cf. Propositio 14.
43) Const. dogm. sobre a Igreja
Lumen gentium,
1.
44) De oratione dominica,
23: PL 4, 553.
45) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a
Igreja href="index.php?pg=doutrina&tabela=documentos&id=27">
Lumen gentium,
48; veja-se também o n. 9.
46) Cf. Propositio 13.
47) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre
a Igreja
48) Cf. Ibid., 11; Decr. sobre a
atividade missionária da Igreja Ad gentes,
9.13.
49) Cf. João Paulo II, Carta ap. Dominicæ
Cenæ (24 de Fevereiro de 1980), 7: AAS 72 (1980), 124-127; Conc.
Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida dos presbíteros
Presbyterorum ordinis,
5.
50) Cf. Código dos Cânones das
Igrejas Orientais, cân. 710.
51) Cf. Rito da Iniciação
Cristã dos Adultos, Introd. ger., nn. 34-36.
52) Cf. Rito do Batismo das
Crianças, Introd., nn. 18-19.
53) Cf. Propositio 15.
54) Cf. Propositio 7; João Paulo II,
Carta enc.
Ecclesia de Eucharistia
(17 de Abril de 2003), 36:AAS 95 (2003), 457-458.
55) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal
Reconciliatio et pænitentia
(2 de Dezembro de 1984), 18: AAS 77 (1985), 224-228.
56) Cf. Catecismo da Igreja
Católica, 1385.
57) Pense-se na “Confissão”
(Confiteor) ou nas palavras proferidas pelo sacerdote e a assembléia
pouco antes de comungarem: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha
morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. Significativamente a liturgia
prevê, para o sacerdote, algumas orações muito belas, recebidas da tradição, que
lhe recordam a necessidade de ser perdoado, como, por exemplo, a oração feita em
silêncio antes de convidar os fiéis para a comunhão sacramental: “...livrai-me
de todos os meus pecados e de todo o mal, por este vosso santíssimo corpo e
sangue; conservai-me sempre fiel aos vossos mandamentos e não permitais que eu
me separe de Vós”.
58) Cf. São João Damasceno,
Sobre a recta fé, 4, 9: PG 94, 1124C; São Gregório de Nazianzo,
Discurso 39, 17: PG 36, 356A; Conc. Ecum. de Trento, Doctrina de
sacramento pænitentiæ, cap. 2: DS 1672.
59) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre
a Igreja
Lumen gentium,
11; João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal
Reconciliatio et pænitentia
(2 de Dezembro de 1984), 30: AAS 77 (1985), 256-257.
62) Lembro, juntamente com os
padres sinodais, que as celebrações penitenciais não sacramentais, mencionadas
no ritual do sacramento da Reconciliação, podem ser úteis para fomentar o
espírito de conversão e de comunhão nas comunidades cristãs, preparando assim os
corações para a celebração do sacramento: cf.
Propositio 7.
(1 de Janeiro de 1967), Normæ, 1: AAS 59 (1967), 21.
65)I bid., 9: o.c.,
18-19.
66) Cf. Catecismo da Igreja
Católica, 1499-1531.
67) Ibid., 1524.
68) Cf. Propositio 44.
69) Cf. II Assembléia Geral
Ordinária do Sínodo dos Bispos, Doc. sobre o sacerdócio ministerial Ultimis
temporibus(30 de Novembro de 1971): AAS 63 (1971), 898-942.
70) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal
Pastores dabo vobis
(25 de Março de 1992), 42-69:
AAS 84 (1992), 729-778.
71) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre
a Igreja
Lumen gentium, 10; Congr. para a Doutrina da Fé, Carta acerca de algumas questões relativas ao
ministro da Eucaristia Sacerdotium ministeriale (6 de Agosto de 1983):
AAS 75 (1983), 1001-1009.
(1 de Agosto de 1959): AAS 51 (1959),
545-579; Paulo VI, Carta enc.
Sacerdotalis cœlibatus
(24 de Junho de 1967): AAS 59 (1967), 657-697; João Paulo II, Exort. ap.
pós-sinodal
Pastores dabo vobis
(25 de Março de 1992), 29: AAS 84 (1992), 703-705; Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana durante a apresentação dos
votos natalícios
(22 de Dezembro de 2006): L'Osservatore Romano
(ed. port. de 30/XII/2006), 658.
78) Cf. Propositio 11.
79) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a
formação sacerdotal
Optatam totius,
6; Código de Direito Canónico, cân. 241-§ 1 e cân. 1029; Código dos
Cânones das Igrejas Orientais, cân. 342-§ 1 e cân. 758; João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal
Pastores dabo vobis
(25 de Março de 1992), 11.34.50: AAS 84 (1992), 673-675.712714.746-748;
Congr. para o Clero,
Directório para o ministério e a vida dos
presbíteros (31 de Março de 1994), n. 58;
Congr. para a Educação Católica,
Instr. sobre os critérios de discernimento
vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao
Seminário e às Ordens Sacras
(4 de Novembro de 2005): AAS 97 (2005),
1007-1013.
80) Cf. Propositio 12; João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal
Pastores dabo vobis
(25 de Março de 1992), 41:
AAS 84 (1992), 726-729.
81) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a
Igreja
89) Cf. João Paulo II, Carta ap.
Mulieris dignitatem(15
de Agosto de 1988): AAS 80 (1988), 1653-1729; Congr. para a Doutrina da
Fé,
Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a
colaboração do homem e da mulher na Igreja e no mundo
(31 de Maio de 2004): AAS
96 (2004), 671-687.
(22 de Novembro de 1981), 84: AAS 74
(1982), 184-186; Congr. para a Doutrina da Fé, Carta aos bispos da Igreja Católica acerca da
recepção da comunhão eucarística pelos fiéis divorciados re-casados Annus
internationalis familiæ (14
de Setembro de 1994): AAS86 (1994), 974-979.
93) Cf. Pont. Cons. para os Textos Legislativos,
Instr. sobre as normas a observar pelos tribunais eclesiásticos nas causas
matrimoniais
Dignitatis connubii
(25 de Janeiro de 2005), Cidade do Vaticano, 2005.
94) Cf. Propositio 40.
95) Bento XVI,
Discurso ao Tribunal da Rota Romana por ocasião da
inauguração do ano judicial
(28 de Janeiro de 2006): AAS 98 (2006), 138.
96) Propositio40.
97) Cf. Ibid.,
40.
98) Cf. Ibid.,
40.
99) Cf.
Conc.
Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja
Lumen gentium,
48.
100) Cf. Propositio 3.
101) Apraz-me recordar aqui as
palavras cheias de esperança e conforto que encontramos na Oração Eucarística
II: “Lembrai-Vos dos nossos irmãos que adormeceram na esperança da
ressurreição e de todos aqueles que, na vossa misericórdia, partiram deste
mundo. Acolhei-os na luz da vossa presença”.
102) Cf. Bento XVI,
Homilia no 40º aniversário do encerramento do
Concílio Vaticano II e solenidade da Imaculada Conceição
(8 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 15-16.
103) Const. dogm. sobre a Igreja
Lumen gentium, 58.
104) Propositio4.
105) Relatio post
disceptationem, 4: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/XI/2005),
660.
106) Cf. Sermones 1, 7; 11, 10; 22, 7;
29, 76: Sermones dominicales ad fidem codicum nunc denuo editi
(Grottaferrata 1977), pp. 135.209s.292s.337; Bento XVI,
Mensagem aos Movimentos Eclesiais e às Novas
Comunidades
(22 de Maio de 2006): AAS 98 (2006), 463.
107) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre
a Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes,
22.
108) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre
a divina revelação
<
111) Santo Agostinho, In
Iohannis Evangelium Tractatus, 21, 8: PL 35, 1568.
112) Ibid.,28, 1: o.c.,
35, 1622.
113) Cf. Propositio
30.Mesmo a Santa Missa que a Igreja celebra durante a semana, na qual os fiéis
são convidados a participar, encontra a sua forma própria no dia do Senhor, o
dia da ressurreição de Cristo: cf. Propositio 43.
114) Cf. Propositio 2.
115) Cf. Propositio 25.
116) Cf.
Propositio 19. E a Propositio 25 especifica: “Uma autêntica ação
litúrgica exprime a sacralidade do mistério eucarístico. Esta deveria
transparecer nas palavras e ações do sacerdote celebrante, quando intercede
junto de Deus Pai quer com os fiéis quer pelos fiéis”.
117) Instrução Geral do Missal Romano,
22; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
41; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr.
(25 de Março de 2004), 19-25:
AAS 96 (2004), 555-557.
118) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o
múnus pastoral dos bispos na Igreja
Christus Dominus,
14; Const. sobre a sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
41.
119) Instrução Geral do Missal
Romano, 22.
120) Cf. Ibid.,
22.
121) Cf.
Propositio 25.
122) Cf.
Conc.
Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada
liturgia
Sacrosanctum Concilium,
112-130.
123) Cf. Propositio 27.
124) Cf. Ibid., 27.
125) Em tudo o que diz respeito a
estes aspectos, é preciso ater-se fielmente a quanto está indicado na
Instrução Geral do Missal Romano, 319-351.
126) Cf. Instrução Geral do Missal Romano,
39-41; Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
112-118.
127) Sermo34, 1: PL
38, 210.
128) Cf. Propositio 25:
“Como todas as expressões artísticas, também o canto deve estar intimamente
harmonizado com a liturgia, colaborar eficazmente para o seu fim, ou seja, deve
exprimir a fé, a oração, o enlevo, o amor por Jesus presente na Eucaristia”.
129) Cf. Propositio 29.
130) Cf. Propositio 36.
131) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a
sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
116; Instrução Geral do Missal Romano, 41.
132) Instrução Geral do Missal Romano,
28; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
56; Sagr. Congr. dos Ritos, Instr. Eucharisticum mysterium (25 de Maio de
1967), 3: AAS (1967), 540-543.
143) Com esta finalidade, o Sínodo
exortou a elaborar subsídios pastorais, baseados no Leccionário trienal, que
ajudem a ligar de maneira intrínseca a proclamação das leituras previstas com a
doutrina da fé: cf. Propositio 19.
150) Tendo em consideração antigos
e veneráveis costumes e votos expressos pelos padres sinodais, pedi aos
Dicastérios competentes que estudassem a possibilidade de se colocar a saudação
da paz noutro momento, por exemplo antes da apresentação das oferendas ao altar.
Aliás, tal escolha não deixaria de suscitar uma significativa evocação da
advertência feita pelo Senhor a propósito da necessidade de reconciliação antes
de qualquer oferta a Deus (Mt 5, 23s): cf. Propositio 23.
151) Cf. Congr. para o Culto Divino e a
Disciplina dos Sacramentos, Instr.
Redemptionis sacramentum
(25 de Março de 2004), 80-96: AAS 96 (2004), 574-577.
152) Cf. Propositio 34.
153) Cf. Propositio 35.
154) Cf. Propositio 24.
155) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a
sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
14-20.30s.48s; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr.
(25 de Março de 2004), 36-42:
AAS 96 (2004), 561-564.
156) N. 48.
157) Ibid., 48.
158) Cf. Congr. para o Clero e outros
Dicastérios da Cúria Romana, Instr.
acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado
ministério dos sacerdotes Ecclesiæ de mysterio
(15 de Agosto de 1997): AAS 89 (1997), 852-877.
159) Cf. Propositio 33.
160) Instrução Geral do Missal
Romano, 92.
161) Cf. Ibid., 94.
162) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o
apostolado dos leigos
Apostolicam actuositatem,
24; Instrução Geral do Missal Romano, nn. 95-111; Congr. para o Culto
Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr.
(25 de Março 2004), 43-47: AAS 96 (2004), 564-566; Propositio 33:
“Estes ministérios devem ser introduzidos segundo um mandato específico e
segundo as reais exigências da comunidade que celebra. As pessoas encarregadas
destes serviços litúrgicos laicais devem ser escolhidas cuidadosamente, bem
preparadas e acompanhadas por uma formação permanente. A sua nomeação deve ser
temporária. Tais pessoas devem ser conhecidas pela comunidade e desta receberem
também um grato reconhecimento”.
163) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a
sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
37-42.
164) Cf. nn. 386-399.
165) Veja-se o texto em AAS
87 (1995), 288-314.
166) Cf. Exort. ap. pós-sinodal
Ecclesia in Africa
(14 de Setembro de 1995), 55-71: AAS
88 (1996), 34-47; Exort. ap. pós-sinodal
(6 de Novembro de 1999), 21s: AAS 92
(2000), 482-487; Exort. ap. pós-sinodal
Ecclesia in Oceania
(22 de Novembro de 2001), 16: AAS 94 (2002), 382-384; Exort. ap.
pós-sinodal
Ecclesia in Europa
(28 de Junho de 2003), 58-60: AAS 95 (2003), 685-686.
167) Cf. Propositio 26.
168) Cf. Propositio 35; Conc. Ecum. Vat.
II, Const. sobre a sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
11.
169) Cf. Catecismo da Igreja Católica,
1388; Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium,
55.
171) Assim, por exemplo, São Tomás
de Aquino, Summa Theologiæ, III, q. 80, a. 1,2; Santa Teresa de Jesus,
Caminho de perfeição, cap. 35. A doutrina foi confirmada autorizadamente
pelo Concílio de Trento, Sessão XIII, cân. 8.
172) Cf. João Paulo II, Carta enc.
Ut unum sint
(25 de Maio de 1995), 8: AAS 87 (1995), 925-926.
173) Cf. Propositio 41; Conc. Ecum. Vat.
II, Decr. sobre o ecumenismo
Unitatis redintegratio,
8.15; João Paulo II, Carta enc. Ut unum sint
(25 de Maio de 1995), 46: AAS 87 (1995), 948; Carta enc.
Ecclesia de Eucharistia
(17 de Abril de 2003), 45-46:
AAS 95 (2003), 463-464; Código de Direito Canónico, cân. 844-§§ 3 e
4; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân. 671-§§ 3 e 4; Pont.
Cons. para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Directório para a aplicação
dos princípios e normas sobre o ecumenismo (25 de Março de 1993),
125.129-131: AAS 85 (1993), 1087.1088-1089.
174) Cf. nn.
1398-1401.
175) Cf. n. 293.
176) Cf.
Pont.
Cons. das Comunicações Sociais,
Instr. past. sobre as comunicações sociais no XX
aniversário da ‘‘Communio et progressio'' Ætatis novæ
(22 de Fevereiro de 1992): AAS 84 (1992), 447-468.
177) Cf. Propositio 29.
178) Cf. Propositio 44.
179) Cf. Propositio 48.
180) Tal conhecimento pode ser
adquirido também no Seminário, durante os anos de formação dos candidatos ao
sacerdócio, através de oportunas iniciativas: cf. Propositio 45.
181) Cf. Propositio 37.
182) Cf. Const. sobre a sagrada liturgia
Sacrosanctum Concilium36.54.
183) Cf. Propositio 36.
184) Cf. Ibid., 36.
185) Cf. Propositio32.
186) Cf. Propositio 14.
187) Propositio19.
188) Cf. Propositio 14.
189) Cf. Bento XVI,
Homilia nas primeiras Vésperas de Pentecostes
(3 de Junho de 2006): AAS
98 (2006), 509.
190) Propositio34.
191) Enarrationes in Psalmos98, 9: CCL
39, 1835; cf. Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2005):
AAS 98 (2006), 44-45.
192) Cf. Propositio 6.
193) Bento XVI,
Discurso à Cúria Romana
(22 de Dezembro de 2005):
AAS 98 (2006), 45.
194) Cf. Propositio 6; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Directório sobre piedade popular e liturgia(17 de Dezembro de 2001), nn. 164-165; Sagr. Congr. dos Ritos, Instr. Eucharisticum mysterium (25 de Maio de 1967): AAS 57 (1067), 539-573.
195) Cf. Relatio
post disceptationem, 11: L'Osservatore Romano (ed. port. de
19/XI/2005), 661.
196) Cf. Propositio 28.
197) Cf. n. 314.
198) Confissões
7, 10, 16: PL 32, 742.
199) Bento XVI,
Homilia na Esplanada de Marienfeld
(21 de Agosto de 2005): AAS 97 (2005),
892; cf.
Homilia nas primeiras Vésperas de Pentecostes
(3 de Junho de 2006): AAS 98 (2006), 505.
200) Cf. Relatio post
disceptationem, 6.47: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/XI/2005),
660.663; Propositio 43.
201) De civitate Dei 10, 6:
PL 41, 284.
202) Cf. Catecismo da Igreja
Católica, 1368.
203) Cf. Santo Ireneu, Contra
as heresias 4, 20, 7: PG 7, 1037.
204) Epístola aos Magnésios9,
1: PG 5, 670.
205) Cf. I Apologia 67,
1-6; 66: PG 6, 430s; 427.
206) Cf. Propositio 30.
207) Cf. AAS 90 (1998),
713-766.
208) Propositio30.
209)Homilia
na solenidade de São José(19
de Março de 2006): AAS 98 (2006), 324.
210) A este respeito observa, oportunamente, o
Compêndio da Doutrina Social da Igreja,
258: “Para o homem, ligado à necessidade do trabalho, o repouso abre a
perspectiva de uma liberdade mais plena, a do Sábado eterno (Hb 4, 9-10). O
repouso consente aos homens recordar e reviver as obras de Deus, da criação à
redenção, e reconhecerem-se a si próprios como obra do mesmo Deus (Ef 2,
10), dar-Lhe graças pela própria vida e subsistência, a Ele, que é seu autor”.
211) Cf. Propositio 10.
212) Cf. Ibid., 10.
213) Cf. Bento XVI,
Discurso aos bispos da Conferência Episcopal do Canadá-Quebec em Visita
ad limina Apostolorum (11 de
Maio de 2006): L'Osservatore Romano (ed. port. de 20/V/2006), 227.
214) N. 10: AAS 71 (1979),
414-415.
215) Bento XVI,
Audiência Geral de 29 de Março de 2006:
L'Osservatore Romano (ed. port. de 01/IV/2006), 152.
216) Propositio39.
217) Cf. Relatio post
disceptationem, 30: L'Osservatore Romano (ed. port. de 19/XI/2005),
662.
218) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre
a Igreja
Lumen gentium,
39-42.
219) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal
Christifideles laici
(30 de Dezembro de 1988), 14.16: AAS 81 (1989), 409-413.416-418.
220) Cf. Propositio 39.
221) Cf. Ibid., 39.
222) Pontifical Romano –
Ordenação do Bispo, dos Presbíteros e Diáconos: Rito da Ordenação do
Presbítero, n. 150.
223) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal
Pastores dabo vobis
(25 de Março de 1992), 19-33.70-81: AAS 84 (1992), 686-712. 778-800.
224) Propositio38.
225) Propositio 39; cf. João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal
Vita consecrata
(25 de Março de 1996), 95: AAS 88 (1996), 470-471.
226) Código de Direito Canónico,
cân. 663-§ 1.
227) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal
Vita consecrata
(25 de Março de 1996), 34: AAS 88 (1996), 407-408.
228) Carta enc.
Veritatis splendor(6
de Agosto de 1993), 107: AAS 85 (1993), 1216-1217.
230) Cf. João Paulo II, Carta enc.
Evangelium vitæ
(25 de Março de 1995): AAS 87 (1995),
401-522; Bento XVI,
Discurso à Pontifícia Academia para a Vida
(27 de Fevereiro de 2006): AAS 98 (2006), 264-265.
231) Cf. Congr. para a Doutrina da Fé,
Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à
participação e comportamento dos católicos na vida política
(24 de Novembro de 2002): AAS 95 (2004), 359-370.
232) Cf. Propositio 46.
233)Homilia(24
de Abril de 2005): AAS
97 (2005), 711.
234) Propositio42.
235) Cf. O martírio de
Policarpo15, 1: PG 5, 1039.1042.
236) Santo Inácio de Antioquia,
Epístola aos Romanos 4, 1: PG 5, 690.
237) Cf. Conc. Ecum. Vat. II,
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 42.
238) Cf. Propositio 42; Congr. para a
Doutrina da Fé, Decl. sobre a unicidade e universalidade salvífica de Jesus
Cristo e da Igreja
(6 de Agosto de 2000), 13-15:
AAS 92 (2000), 754-755.
239) Cf. Propositio 42.
240) Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est
(25 de Dezembro de 2005), 18: AAS 98 (2006), 232.
241) Ibid., 14: o.c.,
228-229.
242) Durante a assembléia sinodal
ouvimos, comovidos, testemunhos muito significativos sobre a eficácia deste
sacramento na obra de pacificação. A tal respeito, afirma-se na
Propositio49: “Graças às celebrações eucarísticas, povos em conflito
puderam reunir-se ao redor da palavra de Deus, ouvir o seu anúncio profético da
reconciliação através do perdão gratuito, receber a graça da conversão que
permite a comunhão no mesmo pão e no mesmo cálice”.
243) Cf. Propositio 48.
244) Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est
(25 de Dezembro de 2005), 28: AAS 98 (2006), 239.
245) Propositio48.
246) Bento XVI,
Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé
(9 de Janeiro de 2006): AAS
98 (2006), 127.
247) Ibid.: o.c.,
127.
248) Cf.
Propositio 48.A este respeito, revela-se muito útil o Compêndio da
Doutrina Social da Igreja.
249) Cf. Propositio 43.
250) Cf. Propositio 47.
251) Cf. Propositio 17.
252) Acta ss. Saturnini, Dativi
et aliorum plurimorum martyrum in Africa 7, 9, 10: PL8, 707.709-710.
256) Cf. Bento XVI,
Homilia no 40º aniversário do encerramento do
Concílio Vaticano II e solenidade da Imaculada Conceição
(8 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 15.
NOTA do autor do site:
A palavra "praga" referindo-se ao casamento de divorciados, usada no item-29, gerou polêmica entre os críticos. Alguns adocicaram o sentido do texto, substituindo a palavra "praga" por "chaga" que também traduz "piaga", do texto original em Latim.
Entretanto a tradução para o português foi feita pelo próprio Vaticano.
Entrevistado sobre o assunto, Dom Karl Josef Romer, secretário do Pontifício Conselho para a Família, respondeu:
"É praga mesmo, é isso que o Santo Padre quis dizer, pois ele é muito cuidadoso na escolha das palavras”(O Estado de S. Paulo, 20-03-2007).
E acrescentou:
"Ninguém pode garantir que, se o primeiro casamento não deu certo, a segunda união vá ser melhor, o que, no entanto, pode acontecer...tanto que fazem isso com facilidade, o que significa um desafio pastoral para a Igreja".
Evidentemente a palavra "praga" não se refere às pessoas, mas à união irregular.
Em 31/01/2015
-Alteração em 04/03/2020.
Nilton Fontes
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).