"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Reconciliatio et Paenitentia
Exortação Apostólica Pós-sinodal
RECONCILIATIO ET PAENITENTIA
de Sua Santidade João Paulo II
ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis
Sobre a Reconciliação e a Penitência
na Missão da Igreja Hoje
INTRODUÇÃO
Origem e significado do Documento
1. Falar de RECONCILIAÇÃO e PENITÊNCIA, para os homens e mulheres do nosso
tempo, é convidá-los a reencontrar, traduzidas na sua linguagem, as próprias
palavras com que o nosso Salvador e Mestre Jesus Cristo quis iniciar a sua
pregação: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho», (1) ou seja, acolhei o
anúncio jubiloso do amor, da adoção como filhos de Deus e, conseqüentemente,
da fraternidade.
Porque é que a Igreja propõe de novo este tema e este convite?
A ânsia de conhecer melhor e de compreender o homem de hoje e o mundo
contemporâneo, de lhe decifrar o enigma e desvendar o seu mistério, de
discernir os fermentos de bem ou de mal que nele se agitam, leva muitos, de
há um certo tempo a esta parte, a fixar no mesmo homem e neste mundo um
olhar interrogativo. É o olhar do historiador e do sociólogo, do filósofo e
do teólogo, do psicólogo e do humanista, do poeta e do místico; e é,
sobretudo, o olhar preocupado, se bem que carregado de esperança, do pastor.
Um tal olhar revela-se, de modo exemplar, em cada uma das páginas da
importante Constituição pastoral do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes
sobre a Igreja no mundo contemporâneo, particularmente na sua ampla e
perspicaz introdução. Esse olhar revela-se, de igual modo, em alguns
Documentos emanados da sabedoria e da caridade pastoral dos meus veneráveis
Predecessores, cujos luminosos pontificados ficaram marcados pelo
acontecimento histórico e profético que foi esse Concílio Ecumênico. Como os
outros olhares, também o olhar do pastor descobre, infelizmente, entre
diversas características do mundo e da humanidade do nosso tempo, a
existência de numerosas, profundas e dolorosas divisões.
Um mundo despedaçado
2. Estas divisões manifestam-se nas relações entre as pessoas e entre os
grupos, como também ao nível das coletividades mais amplas: Nações contra
Nações, e blocos de países contrapostos, numa árdua busca de hegemonia. Na
raiz das rupturas não é difícil identificar conflitos que, em vez de serem
resolvidos mediante o diálogo, se agudizam no confronto e na oposição. Ao
indagar sobre os elementos geradores de divisão, observadores atentos
apontam os mais variados: desde a crescente disparidade entre grupos,
classes sociais e países, aos antagonismos ideológicos, nem por sombras
extintos; desde a contraposição dos interesses econômicos às polarizações
políticas; desde as divergências tribais às discriminações por motivos
sócio-religiosos. De resto, algumas realidades, bem à vista de todos,
constituem como que o rosto lastimoso da divisão, de que são fruto e de que
acentuam a gravidade, com irrefutável realismo. Podem recordar-se, entre
tantos outros dolorosos fenômenos sociais do nosso tempo:
* o espezinhar dos direitos fundamentais da pessoa humana, sendo o primeiro
entre eles o direito à vida e a uma digna qualidade de vida; e isso
apresenta-se mais escandaloso, na medida em que coexiste com uma retórica,
nunca antes conhecida, sobre os mesmos direitos;
* as insídias e as pressões contra a liberdade dos indivíduos e das
coletividades, sem excluir a liberdade de manter, professar e praticar a
própria fé, que é mesmo das mais atingidas e ameaçadas;
* as várias formas de discriminação: racial, cultural, religiosa, etc.;
* a violência e o terrorismo;
* o uso da tortura e as formas injustas e ilegítimas de repressão;
* a acumulação de armas convencionais ou atômicas, a corrida aos armamentos,
com despesas bélicas que poderiam servir para aliviar a miséria imerecida de
povos social e economicamente em condições deprimentes;
* a distribuição iníqua dos recursos do mundo e dos bens da civilização, que
atinge o seu cúmulo num tipo de organização social, por força da qual a
distância entre as condições humanas dos ricos e dos pobres aumenta cada vez
mais. (2) A potência avassaladora desta divisão faz do mundo em que vivemos
um mundo despedaçado, (3)até mesmo nos seus fundamentos.
Por outro lado, uma vez que a Igreja, sem se identificar com o mundo, nem
ser do mundo, está inserida no mundo e está em diálogo com o mundo, (4) não
é para admirar que se notem na sua própria estrutura repercussões e sinais
da divisão que dilacera a sociedade humana. Para além das cisões entre as
Comunidades cristãs que de há séculos a contristam, a Igreja experimenta
hoje no seu seio, aqui e além, divisões entre as suas próprias componentes,
causadas pela diversidade de pontos de vista e de escolhas, no campo
doutrinal e pastoral. (5) Também estas divisões podem, por vezes, parecer
irremediáveis. Por mais impressionantes que se apresentem tais lacerações à
primeira vista, só observando-as em profundidade se consegue individuar a
sua raiz: esta encontra-se numa ferida no íntimo do homem. À luz da fé
chamamos-lhe pecado, começando pelo pecado original, que cada um traz
consigo desde o nascimento, como uma herança recebida dos primeiros pais,
até aos pecados que cada um comete, abusando da própria liberdade.
Nostalgia de reconciliação
3. E, no entanto, o mesmo olhar indagador, se é suficientemente perspicaz,
captará no seio da divisão um desejo inconfundível, da parte dos homens de
boa vontade e dos verdadeiros cristãos, de recompor as fraturas, de
cicatrizar as lacerações e de instaurar, a todos os níveis, uma unidade
essencial. Este desejo comporta, em muitos casos, uma verdadeira nostalgia
de reconciliação, mesmo quando não é usada tal palavra. Para alguns,
trata-se como que de uma utopia, a qual poderia tornar-se a alavanca ideal
para uma verdadeira transformação da sociedade; para outros, apresenta-se,
ao contrário, como o objeto de uma árdua conquista e, portanto, uma meta a
atingir, através de um sério empenhamento de reflexão e de ação. Em qualquer
caso, a aspiração a uma reconciliação sincera e consistente é, sem sombra de
dúvida, um móbil fundamental da nossa sociedade, como que reflexo de um
irreprimível desejo de paz; e é-o tão vigorosamente — por mais paradoxal que
pareça — quanto mais perigosos são os próprios fatores de divisão. A
reconciliação, todavia, não poderá ser menos profunda do que se apresenta a
divisão. A nostalgia da reconciliação e a própria reconciliação serão plenas
e eficazes, na medida em que atingirem — para a curar — aquela dilaceração
primordial, que é a raiz de todas as outras, ou seja, o pecado.
A visão do Sínodo
4. Portanto, todas as instituições ou organizações, que se destinam ao
serviço do homem e interessadas em salvá-lo nas suas dimensões fundamentais,
hão-de volver um olhar penetrante para a reconciliação, para aprofundar o
seu significado e todo o seu alcance e tirar daí as necessárias
conseqüências para a ação.
A um olhar assim não podia eximir-se a Igreja de
Jesus Cristo. Com dedicação de Mãe e inteligência de Mestra, ela, solícita e
atenta, aplica-se em captar na sociedade, com os sinais da divisão, também
aqueles outros não menos eloqüentes e significativos da busca de uma
reconciliação. A Igreja sabe, de fato, que lhe foi dada, especialmente a
ela, a possibilidade e lhe está confiada a missão de tornar conhecido o
sentido verdadeiro, profundamente religioso, e as dimensões integrais da
reconciliação, contribuindo assim, já só com isso, para esclarecer os termos
essenciais da questão da unidade e da paz.
Os meus Predecessores não
cessaram de pregar a reconciliação e de convidar a pô-la em prática a
humanidade inteira, bem como cada setor e cada parcela da comunidade humana
que viam dilacerada e dividida. (6) E eu próprio, por um impulso interior,
que obedecia ao mesmo tempo — estou certo disso — à inspiração do Alto e aos
apelos da humanidade, em dois momentos diversos, ambos solenes e bem
importantes, quis pôr em foco a tema da reconciliação: em primeiro lugar,
convocando a VI Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos; e, em segundo lugar,
fazendo dele o ponto central do Ano Jubilar, proclamado para celebrar o
1950° aniversário da Redenção. (7)
E quando houve de designar um tema para o
Sínodo encontrei-me plenamente de acordo com o que tinha sido sugerido por
muitos dos meus Irmãos no Episcopado, ou seja, quanto ao tão fecundo tema de
reconciliação, em estreita ligação com o da penitência. (8) O termo e o
próprio conceito de penitência são bastante complexos. Se a relacionarmos
com a metanóia, a que se referem os Sinópticos, a penitência significa então
a íntima mudança do coração sob o influxo da Palavra de Deus e na
perspectiva do Reino. (9) Mas penitência quer dizer também mudar de vida, em
coerência com a mudança do coração; e, neste sentido, o fazer penitência
completa-se com o produzir frutos condignos de arrependimento: (10) é a
existência toda que se torna penitencial, aplicada numa contínua caminhada
em tensão para o que é melhor. Fazer penitência, no entanto, só será algo de
autêntico e eficaz se traduzir-se em atos e gestos de penitência. Neste
sentido, penitência significa, no vocabulário cristão teológico e
espiritual, a ascese, isto é, o esforço concreto e quotidiano do homem,
amparado pela graça de Deus, por perder a própria vida, por Cristo, como
único modo de a ganhar: (11) esforço por se despojar do homem velho e
revestir-se do novo; (12) por superar em si mesmo o que é carnal, para que
prevaleça o que é espiritual; (13) e esforço por se elevar continuamente das
coisas de cá de baixo para as lá do alto, onde está Cristo. (14)
A
penitência, portanto, é a conversão que passa do coração às obras e, por
conseguinte, à vida toda do cristão. Em cada um destes significados, a
penitência anda intimamente ligada com a reconciliação, uma vez que
reconciliar-se com Deus, consigo mesmo e com os outros pressupõe que se
supera a ruptura radical, que é o pecado; ora isto só se realiza através da
transformação interior ou conversão, que frutifica na vida mediante os atos
de penitência. O documento-base do Sínodo (chamado também Lineamenta =
Esboço), preparado só com a finalidade de apresentar o tema, acentuando
alguns dos seus aspectos fundamentais, permitiu às Comunidades eclesiais,
que existem pelo mundo, refletir durante quase dois anos, sobre estes
aspectos de uma questão — qual é a da conversão e da reconciliação — que
interessa a todos; e, além disso, de a ela ir buscar um renovado dinamismo
para a vida e para o apostolado cristão. A reflexão foi mais aprofundada
depois, na preparação imediata para os trabalhos sinodais, graças ao
Documento de trabalho («Instrumentum laboris»), enviado a seu tempo aos
Bispos e aos seus colaboradores.
E, por fim, durante um mês inteiro, os
Padres sinodais, assistidos por todos aqueles que foram chamados para a
Assembléia propriamente dita, com grande sentido de responsabilidade
trataram do mesmo tema e dos problemas, numerosos e variados, com ele
conexos. Do debate, do estudo em comum e da assídua e cuidadosa indagação
promanou um amplo e precioso tesouro, que as Propostas («Propositiones»)
finais resumem na sua essência.
A visão do Sínodo não ignora os atos de
reconciliação (alguns dos quais passam quase inobservados na sua verificação
quotidiana) que, embora em graus diversos, servem para acabar com as muitas
tensões, para superar os muitos conflitos e para vencer as pequenas e
grandes divisões, restabelecendo a unidade. A preocupação principal do
Sínodo, porém, era a de encontrar, no âmago destes atos dispersos, a raiz
escondida, uma reconciliação «fontal», por assim dizer, operante no coração
e na consciência do homem. O carisma e, simultaneamente, a originalidade da
Igreja, no que respeita à reconciliação, qualquer que seja o nível em que
deva ser posta em prática, residem no fato de a mesma Igreja ir sempre
buscar a sua origem àquela reconciliação fontal. Em virtude da sua missão
essencial, a Igreja sente-se, de fato, no dever de chegar até às raízes da
laceração primordial do pecado, para aí operar o saneamento e restabelecer
como que uma reconciliação, também ela primordial, que seja o princípio
eficaz de toda a verdadeira reconciliação.
Foi isto que a Igreja teve em
vista e propôs, mediante o Sínodo. Desta reconciliação nos fala a Sagrada
Escritura, convidando-nos a fazer todos os esforços para alcançá-la; (15)
mas diz-nos, por outro lado, que ela é, primeiro que tudo, um dom
misericordioso de Deus ao homem. (16) A história da Salvação — a salvação de
toda a humanidade, como a de cada homem, em qualquer momento — é a história
admirável de uma reconciliação: aquela reconciliação pela qual Deus, que é
Pai, no Sangue e na Cruz do Seu Filho feito homem, reconciliou consigo o
mundo, fazendo nascer assim una nova família de reconciliados.
A
reconciliação torna-se necessária porque se deu a ruptura do pecado, da qual
derivaram todas as outras formas de ruptura no íntimo do homem e à sua
volta. A reconciliação, portanto, para ser total exige necessariamente a
libertação do pecado, rejeitado nas suas raízes mais profundas. Por isso, há
uma estreita ligação interna, que une conversão e reconciliação: é
impossível dissociar as duas realidades, ou falar de uma sem falar da outra.
O Sínodo falou, ao mesmo tempo, da reconciliação de toda a família humana e
da conversão do coração de cada pessoa, do seu regresso a Deus, querendo
confirmar e proclamar que a união entre os homens não se poderá realizar sem
a mudança interior de cada um. A conversão pessoal é o caminho necessário
para a concórdia entre as pessoas. (17)
Quando a Igreja anuncia a boa nova
da reconciliação ou se propõe torná-la realidade através dos Sacramentos,
desempenha um verdadeiro papel profético, denunciando os males do homem na
sua nascente contaminada indicando a raiz das divisões e infundindo a
esperança de poder superar as tensões e os conflitos, para chegar à
fraternidade, à concórdia e à paz, em todos os níveis e em todas as camadas
da sociedade humana. Ela transforma uma condição histórica de ódio e de
violência numa civilização de amor; ela proporciona a todos o princípio
evangélico e sacramental daquela reconciliação «fontal», da qual brotam
todos os outros gestos ou atos de reconciliação, mesmo a nível social. É
desta reconciliação, fruto da conversão, que trata a presente Exortação
Apostólica.
Com efeito, como já aconteceu depois das três precedentes
Assembléias sinodais, também desta vez os próprios Padres quiseram deixar
nas mãos do Bispo de Roma, Pastor universal da Igreja e Chefe do Colégio
episcopal, na sua qualidade de Presidente do Sínodo, as conclusões do
próprio trabalho. Aceitei, como grave e grato dever do meu ministério, a
tarefa de colher na imensa riqueza do Sínodo para apresentar ao Povo de
Deus, qual fruto do mesmo Sínodo, uma mensagem doutrinal e pastoral sobre o
tema da penitência e da reconciliação.
Tratarei, pois, na primeira parte, da
Igreja no desempenho da sua missão reconciliadora e na atividade de
conversão dos corações, pelo abraço renovado entre o homem e Deus, entre o
homem e o seu irmão e entre o homem e tudo o que foi criado; na segunda
parte, será indicada a causa radical de todas as dilacerações ou divisões
entre os homens e, antes de mais, em relação com Deus: o pecado; por fim,
apontarei aqueles meios que permitem à Igreja promover e suscitar a plena
reconciliação dos homens com Deus e, conseqüentemente, dos homens entre si.
O Documento que agora confio aos filhos da Igreja, bem como a todos aqueles
que, crentes ou não, olham a mesma Igreja com interesse e ânimo sincero,
pretende ser a resposta que se impõe a tudo aquilo que o Sínodo me pediu.
Entretanto, ele é também — faço questão de o declarar, para satisfazer a um
imperativo de verdade e de justiça — obra do mesmo Sínodo. O conteúdo destas
páginas, de fato, dele é proveniente: da sua preparação remota ou próxima,
do Documento de trabalho, das intervenções na «Sala Sinodal», nas reuniões
de grupo («circuli minores») e, sobretudo, das sessenta e três Propostas («Propositiones»):
encontra-se aqui o fruto do trabalho conjunto dos Padres, entre os quais não
faltavam os representantes das Igrejas Orientais, cujo patrimônio teológico,
espiritual e litúrgico é tão rico e venerável, também pelo que respeita à
matéria que aqui nos interessa.
Além disso, o Conselho da Secretaria do
Sínodo, em duas importantes sessões, avaliou os resultados e as orientações
da Assembléia sinodal, logo que esta terminou, pôs em evidência a dinâmica
das referidas Propostas («Propositiones») e traçou as linhas julgadas mais
idôneas, para a estrutura do presente Documento. Estou grato a todos aqueles
que realizaram este trabalho, enquanto, fiel à minha missão, quero aqui
transmitir aquilo que, no tesouro doutrinal e pastoral do Sínodo, me parece
providencial para a vida de tantos homens, nesta hora, a um tempo magnífica
e difícil, da história. Convém fazê-lo — e afigura-se algo especialmente
significativo — enquanto está ainda viva a recordação do Ano Santo, todo ele
vivido sob o signo da penitência, conversão e reconciliação.
Que esta minha
Exortação, confiada aos Irmãos no Episcopado e aos seus colaboradores
Presbíteros e Diáconos, aos Religiosos e Religiosas, a todos os Fiéis e aos
homens e mulheres de consciência reta, possa constituir não apenas um
instrumento de purificação, de enriquecimento e aprofundamento da própria fé
pessoal, mas também um fermento capaz de estimular no coração do mundo, a
paz e a fraternidade, a esperança e a alegria, valores que brotam do
Evangelho acolhido, meditado e vivido, dia a dia, olhando para o exemplo de
Maria, Mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual aprouve a Deus
reconciliar consigo todas as coisas. (18)
PRIMEIRA PARTE
CONVERSÃO E RECONCILIAÇÃO: TAREFA E COMPROMISSO DA IGREJA
CAPÍTULO PRIMEIRO UMA PARÁBOLA DA RECONCILIAÇÃO
5. Ao iniciar esta Exortação Apostólica, vem-me à mente aquela página
extraordinária de São Lucas, que já procurei ilustrar num Documento
precedente. (19) Refiro-me à parábola do filho pródigo. (20)
Do irmão que se tinha perdido...
«Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao Pai: ´Pai, dá-me a parte
da herança que me compete´, conta Jesus ao apresentar as dramáticas
vicissitudes daquele jovem: a aventurosa partida da casa paterna, a
dissipação de todos os seus bens numa vida dissoluta e vazia, os dias
tenebrosos da distância e da fome e, pior ainda, da dignidade perdida, da
humilhação e da vergonha; e, por fim, a nostalgia da própria casa, a coragem
de regressar e o acolhimento do pai. Este, certamente, não tinha esquecido o
filho; ao contrário, conservara intactos o afeto e a estima para com ele. E
assim, esperara-o sempre; e agora abraça-o, enquanto inicia a grande festa
do regresso «daquele que estava morto e voltou à vida, se tinha perdido e
foi encontrado». O homem, — cada um dos homens — é este filho pródigo:
fascinado pela tentação de se separar do Pai para viver de modo independente
a própria existência; caído na tentação; desiludido do nada que, como
miragem, o tinha deslumbrado; sozinho, desonrado e explorado no momento em
que tenta construir um mundo só para si; atormentado, mesmo no mais profundo
da própria miséria, pelo desejo de voltar à comunhão com o Pai.
Como o pai
da parábola, Deus fica à espreita do regresso do filho, abraça-o à sua
chegada e põe a mesa para o banquete do novo encontro, com que se festeja a
reconciliação. O que nesta parábola sobressai mais é o acolhimento festivo e
amoroso do pai ao filho que regressa: imagem da misericórdia de Deus sempre
pronto a perdoar. Assentemos desde já nisto: a reconciliação é
principalmente um dom do Pai celeste.
...ao irmão que ficara em casa
6. Mas a parábola faz entrar em cena também o irmão mais velho, que recusa
ocupar o seu lugar no banquete. Reprocha ao irmão mais novo os seus
extravios e ao pai o acolhimento que lhe dispensou, enquanto a ele,
morigerado e trabalhador, fiel ao pai e à casa, nunca foi permitido — diz
ele — fazer uma festa com os amigos. Sinal de que não compreende a bondade
do pai. Enquanto este irmão, demasiado seguro de si mesmo e dos próprios
méritos, ciumento e desdenhoso, cheio de azedume e de raiva, não se
converteu e se reconciliou com o pai e com o irmão, o banquete ainda não
era, no sentido pleno, a festa do encontro e do convívio recuperado. O homem
— cada um dos homens — é também este irmão mais velho. O egoísmo torna-o
ciumento, endurece-lhe o coração, cega-o e leva-o a fechar-se aos outros e a
Deus.
A benignidade e a misericórdia do pai irritam-no e incomodam-no; a
felicidade do irmão reencontrado tem um sabor amargo para ele. (21) Também
sob este aspecto ele precisa de se converter para se reconciliar. A parábola
do filho pródigo é, antes de mais, a história inefável do grande amor de um
Pai — Deus — que oferece ao filho, que a Ele retorna, o dom da reconciliação
plena.
E ao evocar, na figura do irmão mais velho, o egoísmo que divide os
irmãos entre si, ela torna-se também a história da família humana: mostra a
nossa situação e indica o caminho a percorrer. O filho pródigo, com a sua
ânsia de conversão, de regresso aos braços do pai e de perdão, representa
aqueles que pressentem no fundo da própria consciência a nostalgia de uma
reconciliação a todos os níveis e sem reserva, e têm a intuição, com íntima
certeza, de que ela só será possível, se derivar de uma primeira e
fundamental reconciliação: aquela reconciliação que leva o homem da
distância à amizade filial com Deus, do qual reconhece a misericórdia
infinita. Lida, porém, na perspectiva do outro filho, a parábola retrata a
situação da família humana dividida pelos egoísmos, põe em evidência a
dificuldade em secundar o desejo e a nostalgia de uma só família
reconciliada e unida; e, por conseguinte, apela para a necessidade de uma
profunda transformação dos corações, pela redescoberta da misericórdia do
Pai e pela vitória sobre a incompreensão e a hostilidade entre irmãos. À luz
desta inesgotável parábola da misericórdia que apaga o pecado, a Igreja,
acolhendo o apelo que nela está contido, compreende a sua missão de
empenhar-se, seguindo as pegadas do Senhor, pela conversão dos corações e
pela reconciliação dos homens com Deus e entre si, duas realidades que estão
intimamente conexas.
CAPÍTULO SEGUNDO
NAS FONTES DA RECONCILIAÇÃO
À luz de Cristo Reconciliador
7. Como se deduz da parábola do filho pródigo, a reconciliação é um dom de
Deus e uma iniciativa sua. Mas a nossa fé ensina-nos que esta iniciativa se
concretiza no mistério de Cristo redentor e reconciliador, que liberta o
homem do pecado sob todas as suas formas. O próprio São Paulo não hesita em
resumir em tal tarefa e função a incomparável missão de Jesus de Nazaré,
Verbo e Filho de Deus feito homem. Também nós podemos partir deste mistério
central da economia da salvação e ponto-chave da cristologia do Apóstolo.
«Se, de fato, sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus, mediante a
morte do Seu Filho — escreve ele aos Romanos — muito mais, agora que estamos
reconciliados, seremos salvos pela sua vida. E não só isto; mas também nos
gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual, agora, obtivemos
a reconciliação». (22) Sendo assim, uma vez que «Deus nos reconciliou
consigo por meio de Cristo» Paulo sente-se inspirado a exortar os cristãos
de Corinto: «Reconciliai-vos com Deus». (23) De tal missão reconciliadora
mediante a morte na Cruz, falava noutros termos o evangelista João, ao
observar que Cristo devia morrer «para que fossem reconduzidos à unidade os
filhos de Deus que andavam dispersos». (24) São Paulo permite-nos, ainda,
alargar a nossa visão da obra de Cristo a dimensões cósmicas, quando escreve
que n´Ele o Pai reconciliou consigo todas as criaturas, as do céu e as da
terra. (25)
Pode dizer-se de Cristo Redentor, justamente, que «no tempo da ira foi feito
reconciliação», (26)
e que, se Ele é «a nossa paz», (27) é
também a nossa reconciliação. É com toda a razão que a sua paixão e morte,
sacramentalmente renovadas na Eucaristia, são chamadas pela Liturgia
«sacrifício de reconciliação»: (28) reconciliação com Deus e com os irmãos,
dado que o próprio Jesus ensina que a reconciliação fraterna deve
realizar-se antes do sacrifício. (29) A partir destas e de outras
significativas passagens do Novo Testamento, é legitimo, portanto, fazer
convergir as reflexões sobre todo o mistério de Cristo, em torno da sua
missão de Reconciliador.
Há que proclamar, portanto, mais uma vez, a fé da
Igreja no ato redentor de Cristo, no mistério pascal da sua morte e
ressurreição, enquanto causa da reconciliação do homem, no seu duplo aspecto
de libertação do pecado e de comunhão de graça com Deus. E exatamente
perante o quadro doloroso das divisões e das dificuldades da reconciliação
entre os homens, convido a olhar para o mistério da Cruz («mysterium Crucis»),
como para o drama mais alto, no qual Cristo conhece e sofre profundamente o
drama da divisão do homem em relação a Deus, ao ponto de clamar com o
Salmista: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»; (30) e realiza ao
mesmo tempo a nossa reconciliação. O olhar fixo no mistério do Gólgota deve
fazer-nos recordar sempre aquela dimensão «vertical» da divisão e da
reconciliação, que diz respeito à relação homem-Deus, e que, numa visão de
fé, prevalece sempre sobre a dimensão «horizontal», isto é, sobre a
realidade da divisão e sobre a necessidade da reconciliação entre os homens.
Sabemos, de fato, que tal reconciliação entre os homens não é e não pode ser
senão o fruto do ato redentor de Cristo, morto e ressuscitado para destroçar
o reino do pecado, restabelecer a aliança com Deus e abater assim o muro de
separação, (31) que o pecado tinha erguido entre os homens.
A Igreja reconciliadora
8. Mas — como dizia São Leão Magno, ao falar, da paixão de Cristo — «tudo
aquilo que o Filho de Deus fez e ensinou para a reconciliação do mundo, nós
não o conhecemos somente pela história das suas ações passadas, mas
sentimo-lo, também, na eficácia do que Ele realiza no presente». (32)
Sentimos a reconciliação, operada na sua humanidade, na eficácia dos
sagrados mistérios celebrados pela sua Igreja, pela qual Ele se entregou a
si mesmo, constituindo-a sinal e, conjuntamente, instrumento de salvação. É
isto que afirma São Paulo, ao escrever que Deus deu aos Apóstolos de Cristo
uma participação na sua obra reconciliadora. «Deus ´ diz ele ´ confiou-nos o
ministério da reconciliação ... as palavras da reconciliação». (33) Nas mãos
e na boca dos Apóstolos, seus mensageiros, o Pai depôs misericordiosamente
um ministério de reconciliação, que eles exercem de maneira singular, em
virtude do poder de agir «in persona Christi».
Mas também a toda a
comunidade dos fiéis, à inteira estrutura da Igreja, é confiada a mensagem
da reconciliação, ou seja, a obrigação de fazer todo o possível para
testemunhar a reconciliação e para a atuar no mundo. Pode dizer-se que
também o Concílio Vaticano II, ao definir a Igreja como «sacramento ou sinal
e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero
humano», e ao indicar como sua função própria a de obter a «plena unidade em
Cristo» para os «homens, hoje mais intimamente ligados por vários vínculos»,
(34) reconhecia que a mesma Igreja deve tender, sobretudo, para reconduzir
os homens à plena reconciliação.
Em íntima conexão com a missão de Cristo, a
missão da Igreja, assaz rica e complexa, pode, portanto, resumir-se na
tarefa, central para ela, da reconciliação do homem: com Deus, consigo
mesmo, com os irmãos e com toda a criação; e isto de maneira permanente,
porque — como já disse uma outra vez — «a Igreja é, por sua natureza, sempre
reconciliadora». (35) A Igreja é reconciliadora, na medida em que proclama a
mensagem da reconciliação, como sempre fez na sua história, desde o Concílio
apostólico de Jerusalém (36) até ao último Sínodo dos Bispos e ao recente
Jubileu da Redenção. A originalidade desta proclamação está no fato de que,
para a Igreja, a reconciliação está estreitamente ligada à conversão do
coração: é esta a via necessária para o entendimento entre os seres humanos.
A Igreja é reconciliadora, ainda, na medida em que mostra ao homem os
caminhos e lhe oferece os meios para a referida reconciliação em quatro
dimensões. Os caminhos são exatamente os da conversão do coração e da
vitória sobre o pecado, seja ele o egoísmo ou a injustiça, a prepotência ou
a exploração de outrem, o apego aos bens materiais ou a busca desenfreada do
prazer.
Os meios são os da fiel e amorosa escuta da Palavra de Deus, da
oração pessoal e comunitária e, sobretudo, dos Sacramentos, verdadeiros
sinais e instrumentos de reconciliação, entre os quais sobressai,
precisamente sob este aspecto, aquele a que, com razão, costumamos chamar o
Sacramento da Reconciliação ou da Penitência, ao qual voltarei em seguida.
A Igreja reconciliada
9. O meu venerável Predecessor Paulo VI teve o mérito de esclarecer que,
para ser evangelizadora, a Igreja deve começar por se mostrar ela própria
evangelizada, isto é, aberta ao anúncio pleno e integral da Boa Nova de
Jesus Cristo, para a escutar e pôr em prática. (37)
Também eu, coligindo num documento orgânico as reflexões da IV Assembléia
Geral do Sínodo, falei de uma Igreja que se catequiza na medida em que faz
catequese. (38) Não hesito
agora em retomar, aqui neste ponto, o paralelismo, porquanto ele se aplica
ao tema que estou a tratar, para afirmar que a Igreja, para ser
reconciliadora, deve começar por ser uma Igreja reconciliada.
Nesta
expressão simples e linear está subjacente a convicção de que a Igreja, para
anunciar e propor de modo cada vez mais eficaz ao mundo a reconciliação,
deve tornar-se cada vez mais uma comunidade (ainda que fosse o «pequeno
rebanho» dos primeiros tempos) de discípulos de Cristo, unidos no empenho em
se converterem continuamente ao Senhor e em viverem como homens novos no
espírito e na prática da reconciliação. Perante os nossos contemporâneos,
tão sensíveis à prova dos testemunhos concretos de vida, a Igreja é chamada
a dar o exemplo da reconciliação, antes de mais no seu interior; e para
isto, todos devemos esforçar-nos por apaziguar os ânimos, moderar as
tensões, superar as divisões, sanar as feridas eventualmente infligidas
entre irmãos, quando se agudiza o contraste entre opções no campo do
opinável, e procurar de preferência estar unidos naquilo que é essencial
para a fé e a vida cristã, segundo a antiga máxima: In dubiis libertas, in
necessariis unitas, in omnibus caritas (liberdade naquilo que é duvidoso,
unidade no que é necessário e caridade em todas as coisas).
É segundo este
mesmo critério, que a Igreja deve atuar também no que se refere à sua
dimensão ecumênica. De fato, para ser inteiramente reconciliada, a Igreja
sabe que deve prosseguir na busca da unidade entre aqueles que se prezam de
chamar-se cristãos, mas se encontram separados entre si, mesmo como Igrejas
ou Comunhões, e da Igreja de Roma. Esta procura uma unidade que, para ser
fruto e expressão de verdadeira reconciliação, não quer seja fundamentada
nem na dissimulação dos aspectos que dividem, nem em compromissos tão fáceis
quanto superficiais e frágeis. A unidade deve ser o resultado de uma
verdadeira conversão de todos, do perdão recíproco, do diálogo teológico e
das relações fraternais, da oração e da plena docilidade à ação do Espírito
Santo, que é também Espírito de reconciliação.
Por fim, a Igreja, para poder
dizer-se plenamente reconciliada, sente o dever de se aplicar cada vez mais
em levar o Evangelho a todos os povos, promovendo o «diálogo da salvação»
(39) com aqueles vastos sectores da humanidade que, no mundo contemporâneo,
não compartilham a sua fé e que, devido a um crescente secularismo, até
mesmo se mantêm distantes dela e lhe opõem uma indiferença fria, quando não
a hostilizam e perseguem. A Igreja sente o dever de repetir a todos com São
Paulo: «Reconciliai-vos com Deus». (40) Em qualquer caso, a Igreja promove
uma reconciliação na verdade, pois sabe bem que não são possíveis nem a
reconciliação nem a unidade, fora ou contra a verdade.
CAPÍTULO TERCEIRO
A INICIATIVA DE DEUS E O MINISTÉRIO DA IGREJA
10. Comunidade reconciliada e reconciliadora, a Igreja não pode esquecer que
na origem do seu dom e da sua missão de reconciliação se encontra a
iniciativa, cheia de amor compassivo e de misericórdia, daquele Deus que é
amor (41) e que por amor criou os homens: (42) criou-os, com o fim de
viverem em amizade com Ele e em comunhão entre si.
=A reconciliação vem de Deus
Deus é fiel ao seu desígnio eterno mesmo quando o homem, induzido pelo
Maligno (43)
e arrastado pelo seu orgulho, abusa da liberdade que lhe foi dada para amar
e procurar generosamente o bem, recusando a obediência ao seu Senhor e Pai;
mesmo quando o homem, em vez de responder com amor ao amor de Deus, se opõe
a Ele como a um seu rival, iludindo-se e presumindo das suas forças, com a
conseqüente ruptura das relações com Aquele que o criou. Não obstante esta
prevaricação do homem, Deus permanece fiel no amor.
A narração do jardim do
Éden leva-nos, certamente, a meditar sobre as conseqüências funestas da
rejeição do Pai, que se traduz na desordem interna do homem e na ruptura da
harmonia entre o homem e a mulher e entre irmão e irmão. (44)
Também é significativa a parábola evangélica dos dois filhos que se afastam
do pai, de maneira diversa, cavando um abismo entre si. A recusa do amor de
Deus e dos seus dons de amor está sempre na raiz das divisões da humanidade.
Mas nós sabemos que Deus, «rico em misericórdia» (45) tal como o pai da
parábola, não fecha o coração a nenhum dos seus filhos. Espera-os,
procura-os, vai alcançá-los precisamente no ponto em que a recusa da
comunhão os aprisiona no isolamento e na divisão e chama-os a reunirem-se à
volta da sua mesa, na alegria da festa do perdão e da reconciliação.
Esta
iniciativa de Deus concretiza-se e manifesta-se no ato redentor de Cristo,
que se irradia no mundo mediante o ministério da Igreja. De acordo com a
nossa fé, de fato, o Verbo de Deus fez-se carne e veio habitar a terra dos
homens, entrou na história do mundo, assumindo-a e recapitulando-a em si.
(46) Ele revelou-nos que Deus é amor e deu-nos o «mandamento novo» (47) do
amor, comunicando-nos, ao mesmo tempo, a certeza de que o caminho do amor
está aberto a todos os homens, de tal modo que não é vão o esforço para
instaurar a fraternidade universal. (48) Vencendo, com a sua morte na Cruz,
o mal e a força do pecado, pela sua obediência cheia de amor trouxe a
salvação a todos e tornou-se para todos «reconciliação».
N´Ele, Deus
reconciliou o homem consigo. A Igreja, continuando o anúncio de
reconciliação que Cristo apregoou nas aldeias da Galiléia e de toda a
Palestina, (49) não cessa de convidar a humanidade inteira a converter-se e
a acreditar na Boa Nova; ela fala em nome de Cristo, fazendo seu o apelo do
Apóstolo Paulo, que já recordamos: «Nós somos ... embaixadores ao serviço de
Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Suplicamos-vos, pois,
em nome de Cristo: Reconciliai-vos com Deus». (50) Quem aceita este apelo
entra na economia da reconciliação e faz a experiência da verdade contida
naquele outro anúncio de São Paulo, segundo o qual Cristo «é a nossa paz,
ele que fez de dois povos um só, destruindo o muro de separação, isto é, de
inimizade que constituía a barreira (...) estabelecendo a paz para
reconciliar uns e outros com Deus». (51) Embora este texto diga diretamente
respeito à superação da divisão religiosa entre Israel, como povo eleito do
Antigo Testamento, e os outros povos, todos chamados a fazer parte da Nova
Aliança, ele contém, todavia, a afirmação da nova universalidade espiritual,
querida por Deus e por Ele realizada, mediante o sacrifício do seu Filho, o
Verbo feito homem, sem limites nem exclusões de qualquer gênero, para todos
aqueles que se convertem e acreditam em Cristo. Todos, portanto, somos
chamados a usufruir dos frutos desta reconciliação querida por Deus: todos e
cada um dos homens, todos e cada um dos povos.
A Igreja, grande sacramento de reconciliação
11. A Igreja tem a missão de anunciar esta reconciliação e de ser o seu
sacramento no mundo. A Igreja é sacramento, isto é, sinal e instrumento de
reconciliação, por diversos títulos, de valor diferente, mas todos
convergentes para a obtenção daquilo que a iniciativa divina de misericórdia
quer conceder aos homens.
É-o, acima de tudo, pela sua própria existência de
comunidade reconciliada, que testemunha e representa no mundo a obra de
Cristo. É-o, depois, pelo seu serviço de guardiã e intérprete da Sagrada
Escritura, que é Boa Nova de reconciliação, na medida em que faz conhecer de
geração em geração o desígnio de amor de Deus e indica a cada um as vias da
reconciliação universal em Cristo. É-o, por fim, pelos sete Sacramentos que,
de um modo peculiar a cada um deles, «perfazem a Igreja». (52) Efetivamente,
uma vez que comemoram e renovam o mistério da Páscoa de Cristo, todos os
Sacramentos são fonte de vida para a Igreja e, nas mãos dela, instrumento de
conversão a Deus e de reconciliação dos homens.
Outros caminhos de reconciliação
12. A missão reconciliadora é própria de toda a Igreja, mesmo e sobretudo
daquela já foi admitida à plena participação da glória divina, com a Virgem
Maria e com os Anjos e os Santos, os quais contemplam e adoram o Deus três
vezes santo. Igreja do Céu, Igreja da Terra e Igreja do Purgatório estão
misteriosamente unidas nesta cooperação com Cristo para reconciliar o mundo
com Deus. A primeira via desta ação salvadora é a oração. Sem dúvida a
Virgem Santíssima, Mãe de Cristo e da Igreja, (53) e os Santos, que já
chegaram ao termo da caminhada terrena e à posse da glória de Deus,
sustentam, com a sua intercessão, os seus irmãos peregrinos no mundo, no
empenho de conversão, de fé, de recuperação após cada queda, de atividade
para fazer crescer a comunhão e a paz na Igreja e no mundo. É no mistério da
Comunhão dos Santos, que a reconciliação universal é atuada na sua forma
mais profunda e mais frutuosa para a salvação de todos. Há, depois, uma
outra via: a da pregação. Discípula do único Mestre Jesus Cristo, a Igreja,
por sua vez como Mãe e Mestra, não se cansa de propor aos homens a
reconciliação e não hesita em denunciar a maldade do pecado, em proclamar a
necessidade da conversão, em convidar e em pedir aos homens que «se deixem
reconciliar». Na realidade, é essa a sua missão profética no mundo de hoje,
como no de ontem: é a mesma missão do seu Mestre e Cabeça, Jesus. Como ele,
a Igreja há-de realizar sempre tal missão com sentimentos de amor
misericordioso e levar a todos as palavras do perdão e o convite à
esperança, que vêm da Cruz. Há ainda a via, tantas vezes difícil e árdua, da
ação pastoral para trazer cada um dos homens — sejam eles quem forem e onde
quer que se encontrem — ao caminho, por vezes longo, do retorno ao Pai na
comunhão com todos os irmãos. Há, por fim, a via do testemunho, quase sempre
silencioso, que nasce duma dupla consciência da Igreja: a de ser em si «indefectivelmente
santa», (54) mas ao mesmo tempo necessitada de continuar «a purificar-se,
dia a dia, até que Cristo a faça comparecer na sua presença, gloriosa, sem
mancha nem ruga», dado que, por causa dos nossos pecados, por vezes «o seu
rosto resplandece menos» aos olhos de quem a vê. (55) Este testemunho não
pode deixar de assumir duas manifestações fundamentais: ser sinal daquela
caridade universal que Jesus Cristo deixou como herança aos seus seguidores,
como prova da pertença ao seu Reino; e traduzir-se em fatos sempre novos de
conversão e de reconciliação no interior e no exterior da Igreja, com a
superação das tensões, com o perdão recíproco e com o crescimento no
espírito de fraternidade e de paz, que tem de ser propagado no mundo
inteiro. Percorrendo esta via a Igreja poderá atuar validamente para fazer
com que nasça aquilo a que o meu Predecessor Paulo VI chamava «a civilização
do amor».
SEGUNDA PARTE
O AMOR MAIOR DO QUE O PECADO
O drama do homem
13. Como escreve o Apóstolo São João «se dissermos que não temos pecado,
enganamo-nos a nós próprios e a verdade não está em nós. Se confessarmos os
nossos pecados, Ele que é fiel e justo perdoar-nos-á os pecados». (56) Estas
palavras inspiradas, escritas nos alvores da Igreja, introduzem melhor do
que qualquer outra expressão humana a reflexão sobre o pecado, que está
intimamente relacionada com o discurso sobre a reconciliação. Elas apreendem
o problema do pecado no seu horizonte antropológico, enquanto parte
integrante da verdade acerca do homem, mas inserem-no imediatamente no
horizonte divino, no qual o pecado é confrontado com a verdade do amor de
Deus, justo, generoso e fiel, que se manifesta sobretudo pelo perdão e pela
redenção.
Por isso, o próprio São João escreve pouco depois que «se (o nosso
coração) de alguma coisa nos acusa, Deus é maior do que o nosso coração».
(57) Reconhecer o próprio pecado, ou melhor — indo mais ao fundo na
consideração da própria personalidade — reconhecer-se pecador, capaz de
pecar e de ser induzido ao pecado, é o princípio indispensável do retorno a
Deus. É a experiência exemplar de David, que depois de «ter feito o mal aos
olhos do Senhor», repreendido pelo profeta Natan, (58) exclama: «Reconheço a
minha culpa, o meu pecado está sempre diante de mim. Pequei contra Vós, só
contra Vós; pratiquei aquilo que é mal aos vossos olhos». (59) De resto,
Jesus põe na boca e no coração do filho pródigo aquelas palavras
significativas: «Pai, pequei contra o Céu e contra ti». (60) Na realidade,
reconciliar-se com Deus supõe e inclui o apartar-se com lucidez e
determinação do pecado, no qual se caiu.
Supõe e inclui, portanto, o fazer
penitência no sentido mais pleno do termo: arrepender-se, manifestar o
arrependimento, assumir a atitude concreta do arrependido, que é a de quem
se coloca no caminho do regresso ao Pai. Isto é uma lei geral, que cada um
deve seguir na situação particular em que se encontra. A exposição sobre o
pecado e a conversão, de fato, não pode ser desenvolvida somente em termos
abstratos. Na condição concreta do homem pecador, em que não pode haver
conversão sem reconhecimento do próprio pecado, o ministério de
reconciliação da Igreja intervém, em qualquer hipótese, com uma finalidade
claramente penitencial, isto é, para levar o homem ao «conhecimento de si»,
segundo a expressão de Santa Catarina de Sena, (61) ao desapego do mal, ao
restabelecimento da amizade com Deus, à reordenação interior e à nova
conversão eclesial. Acrescente-se que, para além do âmbito da Igreja e dos
fiéis, a mensagem e o ministério da penitência são dirigidos a todos os
homens, uma vez que todos têm necessidade de conversão e de reconciliação.
(62) Para exercitar adequadamente tal ministério penitencial, será também
necessário avaliar, com os «olhos iluminados» (63) pela fé, as conseqüências
do pecado, que são motivo de divisão e de ruptura, não só no interior de
cada homem, mas também nos vários círculos em que ele vive: familiar,
ambiencial, profissional e social, como tantas vezes se pode verificar pela
experiência, em confirmação da página bíblica referente à cidade de Babel e
à sua torre. (64) Tendo a intenção de construir aquilo que devia ser, a um
tempo, símbolo e foco de unidade, aqueles homens encontraram-se mais
dispersos do que antes, confundidos na linguagem, divididos entre si e
incapazes de consenso e de convergência.
Porque falhou o ambicioso projeto?
Porque «se afadigaram em vão os construtores»? (65) Porque os homens tinham
colocado como sinal e garantia da desejada unidade unicamente uma obra das
suas mãos, esquecidos da ação do Senhor. Calcularam apenas com a dimensão
horizontal do trabalho e da vida social, descurando a dimensão vertical,
pela qual se teriam encontrado radicados em Deus, seu Criador e Senhor, e
voltados na direção dele como fim último do seu caminho. Ora, pode dizer-se
que o drama do homem de hoje, como o do homem de todos os tempos, consiste
precisamente no seu caráter babélico.
CAPÍTULO PRIMEIRO
O MISTÉRIO DO PECADO
14. Se lermos a página bíblica da cidade e da torre de Babel à luz da
novidade evangélica e a confrontarmos com a outra página da queda dos
primeiros pais, podemos tirar daí elementos preciosos para uma tomada de
consciência do mistério do pecado. Esta expressão, na qual se repercute o
que São Paulo escreve acerca do mistério da iniqüidade (66) tem em vista
fazer-nos perceber o que se esconde de obscuro e de inexplicável no pecado.
Este, sem dúvida, é obra da liberdade do homem; mas por dentro da realidade
desta experiência humana agem fatores, pelos quais ela se situa para além do
humano, na zona limite onde a consciência, a vontade e a sensibilidade do
homem estão em contato com forças obscuras que, segundo São Paulo, agem no
mundo até ao ponto de quase o senhorearem. (67)
A desobediência a Deus
Da narração bíblica relativa à construção da torre de Babel emerge um
primeiro elemento, que nos ajuda a compreender o pecado: os homens
pretenderam edificar uma cidade, reunir-se numa estrutura social, ser fortes
e poderosos sem Deus, se bem que, talvez, não contra Deus. (68) Neste
sentido, a narração do primeiro pecado no Éden e a narração de Babel, não
obstante as diferenças notáveis, de conteúdo e de forma, têm um ponto de
convergência: em ambas nos encontramos diante de uma exclusão de Deus, pela
oposição frontal a um mandamento seu, por uma atitude de rivalidade em
relação a Ele, pela ilusória pretensão de ser «como Ele». (69)
Na narração
de Babel a exclusão de Deus não aparece tanto num tom de contraste com Deus,
mas como esquecimento e indiferença em relação a ele, como se e o mesmo Deus
não merecesse nenhum interesse no âmbito dos desígnios empreendedores e
associativos do homem. Mas em ambos os casos a relação com Deus é cortada
com violência.
No caso do Éden aparece com toda a sua gravidade e
dramaticidade aquilo que constitui a essência mais íntima e mais obscura do
pecado: a desobediência a Deus, à sua lei, à norma moral que ele deu ao
homem, gravando-a no coração e confirmando-a e aperfeiçoando-a com a
revelação. Exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto
o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob
formas diversas, o pecado, que pode chegar até à negação de Deus e da sua
existência: é o fenômeno chamado ateísmo. Desobediência do homem, que — com
um ato da sua liberdade — não reconhece o senhorio de Deus sobre a sua vida,
pelo menos naquele momento determinado em que viola a sua lei.
A divisão entre os irmãos
15. Nas narrações bíblicas acima recordadas a ruptura com Deus desemboca
dramaticamente na divisão entre os irmãos. Na descrição do «primeiro
pecado», a ruptura com Javé espedaçou, ao mesmo tempo, o fio da amizade que
unia a família humana; tanto assim que as páginas do Gênesis que se seguem
nos mostram o homem e a mulher, como que a apontarem com o dedo acusador um
contra o outro; (70) depois o irmão que, hostil ao irmão, acaba por
tirar-lhe a vida. (71) Segundo a narração dos fatos de Babel, a conseqüência
do pecado é a desagregação da família humana, que já começara com o primeiro
pecado e agora chega ao extremo na sua forma social. Quem quiser indagar
sobre o mistério do pecado não pode deixar de considerar esta concatenação
de causa e efeito. Como ruptura com Deus, o pecado é o ato de desobediência
de uma criatura que, pelo menos implicitamente, enjeita Aquele do qual
proveio e que a mantém em vida; é, portanto, um ato suicida.
E dado que com
o pecado o homem se recusa a submeter-se a Deus, também se transtorna o seu
equilíbrio interior; e, precisamente no seu íntimo, irrompem contradições e
conflitos. Assim dilacerado, o homem produz, quase inevitavelmente, uma
laceração no tecido das suas relações com os outros homens e com o mundo
criado. É uma lei e um fato objetivo, que têm confirmação em muitos momentos
da psicologia humana e da vida espiritual, como aliás na realidade da vida
social, onde é fácil observar as repercussões e os sinais da desordem
interior. O mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o
pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo.
Por isso, pode
falar-se de pecado pessoal e social: todo o pecado sob um aspecto é pessoal,
e todo o pecado sob um outro aspecto é social, enquanto e porque tem também
conseqüências sociais.
Pecado pessoal e pecado social
16. 0 pecado, no sentido próprio e verdadeiro, é sempre um ato da pessoa,
porque é um ato de um homem, individualmente considerado, e não propriamente
de um grupo ou de uma comunidade. Este homem pode ser condicionado,
pressionado, impelido por numerosos e poderosos fatores externos, como
também pode estar sujeito a tendências, taras e hábitos relacionados com a
sua condição pessoal. Em não poucos casos, tais fatores externos e internos
podem atenuar, em maior ou menor grau, a sua liberdade e, conseqüentemente,
a sua responsabilidade e culpabilidade.
No entanto, é uma verdade de fé,
também confirmada pela nossa experiência e pela nossa razão, que a pessoa
humana é livre. E não se pode ignorar esta verdade,
para descarregar em realidades externas — as estruturas, os sistemas, os
outros ´ o pecado de cada um. Além do mais, isso seria obliterar a
dignidade e a liberdade de pessoa, que se revelam — se bem que negativa e
desastrosamente — também nessa responsabilidade do pecado cometido. Por
isso, em todos e em cada um dos homens, não há nada
tão pessoal e intransferível como o mérito da virtude ou a responsabilidade
da culpa.
Como ato da pessoa, o pecado tem as suas primeiras e mais
importantes conseqüências no próprio pecador; ou seja, na relação dele com
Deus, que é o próprio fundamento da vida humana; e também no seu espírito,
enfraquecendo-lhe a vontade e obscurecendo-lhe a inteligência. Chegados a
este ponto, devemos perguntar-nos: a que realidade se referiam os que, na
preparação do Sínodo e no decorrer dos trabalhos sinodais, mencionaram não
poucas vezes o pecado social? A realidade que está subjacente a tal
expressão e conceito faz com estes tenham, na verdade, diversos
significados.
Falar de pecado social quer dizer, primeiro que tudo,
reconhecer que, em virtude de uma solidariedade humana tão misteriosa e
imperceptível quanto real e concreta, o pecado de cada um se repercute, de
algum modo, sobre os outros. Está nisto uma outra faceta daquela
solidariedade que, a nível religioso, se desenvolve no profundo e magnífico
mistério da Comunhão dos Santos, graças à qual se pode dizer que «cada alma
que se eleva, eleva o mundo». (72) A esta lei da elevação corresponde,
infelizmente, a lei da descida, de tal modo que se pode falar de uma
comunhão no pecado, em razão da qual uma alma que se rebaixa pelo pecado
arrasta consigo a Igreja, e, de certa maneira, o mundo inteiro. Por outras
palavras não há nenhum pecado, mesmo o mais íntimo e secreto, o mais
estritamente individual, que diga respeito exclusivamente àquele que o
comete.
Todo o pecado se repercute, com maior ou menor veemência, com maior
ou menor dano, em toda a estrutura eclesial e em toda a família humana.
Segundo esta primeira acepção, a cada pecado pode atribuir-se
indiscutivelmente o caráter de pecado social. Há certos pecados, no entanto,
que constituem, pelo seu próprio objeto, uma agressão direta ao próximo e —
mais exatamente, com base na linguagem evangélica — ao irmão. Estes são uma
ofensa a Deus, porque ofendem o próximo.
A tais pecados costuma dar-se a
qualificação de sociais; e é esta a segunda acepção do termo. Neste sentido,
é social o pecado contra o amor do próximo, que é tanto mais grave na Lei de
Cristo, porquanto está em jogo o segundo mandamento, que é «semelhante ao
primeiro». (73) É igualmente social todo o pecado cometido contra a justiça,
quer nas relações de pessoa a pessoa, quer nas da pessoa com a comunidade,
quer, ainda, nas da comunidade com a pessoa. É social todo o pecado contra
os direitos da pessoa humana, a começar pelo direito à vida, incluindo a do
nascituro, ou contra a integridade física de alguém; todo o pecado contra a
liberdade de outrem, especialmente contra a suprema liberdade de crer em
Deus e de o adorar; todo o pecado contra a dignidade e a honra do próximo. É
social todo o pecado contra o bem comum e contra as suas exigências, em toda
a ampla esfera dos direitos e dos deveres dos cidadãos.
Pode ser social
tanto o pecado de comissão como o de omissão: da parte dos dirigentes
políticos, econômicos e sindicais, por exemplo, que, embora podendo, não se
empenhem com sabedoria no melhoramento ou na transformação da sociedade,
segundo as exigências e as possibilidades do momento histórico; como também
da parte dos trabalhadores, que faltem aos seus deveres de presença e de
colaboração, para que as empresas possam continuar a proporcionar o
bem-estar a eles próprios, às suas famílias e à inteira sociedade.
A
terceira acepção de pecado social diz respeito às relações entre as várias
comunidades humanas. Estas relações nem sempre estão em sintonia com a
desígnio de Deus, que quer no mundo justiça, liberdade e paz entre os
indivíduos, os grupos, os povos.
Assim, a luta de classes, seja quem for o
seu responsável ou, por vezes, o sistematizador, é um mal social. Assim, a
contraposição obstinada dos blocos de Nações e duma Nação contra a outra e
de grupos contra outros grupos no seio da mesma Nação, é igualmente um mal
social.
Em ambos os casos, pode fazer-se a pergunta, se é possível atribuir
a alguém a responsabilidade moral de tais males e, por conseguinte, o
pecado. Ora, deve admitir-se que realidades e situações como as que acabam
de ser indicadas, ao generalizarem-se e até mesmo ao agigantarem-se como
fatos sociais, quase sempre se tornam anônimas, assim como são complexas e
nem sempre identificáveis as suas causas. Por isso,
ao falar-se aqui de pecado social, a expressão tem um significado claramente
analógico.
Em todo o caso, falar de pecados
sociais, mesmo que seja em sentido analógico, não deve induzir ninguém a
subestimar a responsabilidade individual das pessoas; mas tem em
vista constituir um alerta para as consciências de todos, a fim de que cada
um assuma as próprias responsabilidades, no sentido de serem séria e
corajosamente modificadas essas realidades nefastas e essas situações
intoleráveis.
Dito isto, de maneira clara e
inequívoca, como premissa, é preciso acrescentar imediatamente que não é
legítima nem aceitável uma acepção do pecado social, não obstante esteja
muito em voga nos nossos dias nalguns ambientes, (74) a qual, ao
opor, não sem ambigüidade, pecado social a pecado pessoal, mais ou menos
inconscientemente leva a diluir e quase a eliminar o pessoal, para admitir
somente as culpas e responsabilidades sociais. Segundo esta concepção, que
revela com facilidade a sua derivação de ideologias e sistemas não cristãos
— hoje, talvez, já postos de parte por aqueles mesmos que a certa altura
foram os seus fautores oficiais — praticamente todos os pecados seriam
sociais, no sentido de serem imputáveis não tanto à consciência moral duma
pessoa, quanto a uma entidade vaga e coletividade anônima, que poderia ser a
situação, o sistema, a sociedade, as estruturas, a instituição etc. Pois
bem: a Igreja, quando fala de situações de pecado ou denuncia como pecados
sociais certas situações ou certos comportamentos coletivos de grupos
sociais, mais ou menos vastos, ou até mesmo de Nações inteiras e blocos de
Nações, sabe e proclama que tais casos de pecado social são o fruto, a
acumulação e a concentração de muitos pecados pessoais.
Trata-se dos pecados
pessoalíssimos de quem gera ou favorece a iniqüidade ou a desfruta; de quem,
podendo fazer alguma coisa para evitar, ou eliminar, ou pelo menos limitar
certos males sociais, deixa de o fazer por preguiça, por medo e temerosa
conivência, por cumplicidade disfarçada ou por indiferença; de quem procura
escusas na pretensa impossibilidade de mudar o mundo; e, ainda, de quem
pretende esquivar-se ao cansaço e ao sacrifício, aduzindo razões especiosas
de ordem superior. As verdadeiras responsabilidades, portanto, são das
pessoas. Uma situação — e de igual modo uma instituição, uma estrutura, uma
sociedade — não é, de per si, sujeito de atos morais; por isso, não pode
ser, em si mesma, boa ou má.
No fundo de cada situação de pecado, porém,
encontram-se sempre pessoas pecadoras. Isto é tão verdadeiro que, se tal
situação vier a ser mudada nos seus aspectos estruturais e institucionais
pela força da lei, ou — como acontece com mais freqüência, infelizmente —
pela lei da força, a mudança revela-se, na realidade, incompleta, de pouca
duração e, no fim de contas, vã e ineficaz — para não dizer mesmo
contraproducente — se não se converterem as pessoas direta ou indiretamente
responsáveis por essa mesma situação.
Pecado mortal e pecado venial
17. Mas há no mistério do pecado uma outra dimensão, sobre a qual a
inteligência do homem, nunca deixou de meditar: a da sua gravidade. É um
problema inevitável, ao qual a consciência cristã nunca se esquivou de dar
uma resposta: porquê e em que medida o pecado é grave na ofensa que faz a
Deus e na sua repercussão sobre o homem? A Igreja tem uma doutrina própria a
propósito disto e reafirma-a nos seus elementos essenciais, sabendo embora
que nem sempre é fácil, no concreto das situações, fazer delimitações
nítidas de fronteiras. Já no Antigo Testamento e para numerosos pecados — os
cometidos com deliberação, (75) as várias formas de impureza, (76) de
idolatria, (77) de culto dos falsos deuses (78) — se declarava que o réu
devia ser «eliminado do seu povo», o que podia significar mesmo ser
condenado à morte. (79) A estes contrapunham-se outros pecados, sobretudo os
cometidos por ignorância, que eram perdoados mediante um sacrifício. (80)
Com referência também a esses textos, a Igreja, já há séculos, fala
constantemente em pecado mortal e pecado venial. Mas esta distinção e estes
termos recebem luz sobretudo do Novo Testamento, no qual se encontram muitos
textos que enumeram e reprovam, com expressões enérgicas, os pecados
particularmente merecedores de condenação, (81) além e na continuidade da
confirmação dos do Decálogo feita pelo próprio Jesus. (82) Quereria
referir-me aqui, especialmente, a duas páginas significativas e
impressionantes.
Numa passagem da sua primeira Carta, São João fala de um
pecado que leva à morte (pròs thánaton) em contraposição a outro pecado que
não leva à morte (mè pròs thánaton). (83) No conceito de morte, aqui, como é
óbvio, subentende-se espiritual: trata-se da perda da verdadeira vida ou
«vida eterna», que, para São João, é o conhecimento do Pai e do Filho (84) e
a comunhão e a intimidade com eles. O pecado que leva à morte parece ser,
nesta passagem, a negação do Filho, (85) ou o culto de falsas divindades.
(86) Seja como for, com essa distinção de conceitos, São João parece querer
acentuar a incomensurável gravidade daquilo que é a essência do pecado, a
recusa de Deus, atuada sobretudo na apostasia e na idolatria; ou seja, no
repúdio da fé na verdade revelada e na equiparação a Deus de certas
realidades criadas, erigindo-as em ídolos ou falsos deuses. (87)
Mas o
Apóstolo, nessa mesma página, quer também pôr em evidência a certeza que
provém para o cristão do fato de ser «nascido de Deus» pela vinda do Filho:
há nele uma força que o preserva da queda no pecado; Deus guarda-o «e o
Maligno não o toca». No caso de pecar por fraqueza ou ignorância, subsiste
nele a esperança da remissão, também pelo apoio que lhe advém da oração
feita em conjunto pelos irmãos. Noutra página do Novo Testamento, no
Evangelho de São Mateus, (88) o próprio Jesus fala duma «blasfêmia contra o
Espírito Santo», que é «irremissível», porque, nas suas manifestações, ela
aparece como uma obstinada recusa de conversão ao amor do Pai das
misericórdias. Trata-se, é claro, de expressões extremas e radicais:
rejeição de Deus, rejeição da sua graça e, portanto, oposição ao próprio
princípio da salvação, (89) pela qual o homem parece fechar voluntariamente
a si mesmo o caminho da remissão. Há que ter esperança, porém, que bem
poucos queiram obstinar-se até ao fim nesta atitude de rebelião ou até de
desafio a Deus, o qual, aliás, no seu amor misericordioso é maior do que o
nosso coração, como nos ensina ainda São João. (90) Deus pode, de fato,
vencer todas as nossas resistências psicológicas e espirituais, de tal modo
que — como escreve Santo Tomás de Aquino — «não há que desesperar da
salvação de ninguém nesta vida, consideradas a onipotência e a misericórdia
de Deus». (91)
Mas, diante do problema do embate de uma vontade rebelde com
Deus infinitamente justo, não se pode deixar de nutrir sentimentos de
salutar «temor e tremor», como sugere São Paulo; (92) e o aviso de Jesus
sobre o pecado que não é «remissível» confirma a existência de culpas que
podem trazer para o pecador, como pena, a «morte eterna». À luz destes e de
outros textos da Sagrada Escritura, os doutores e teólogos, os mestres
espirituais e os pastores de almas distinguiram os pecados em mortais e
veniais. Santo Agostinho, entre outros, fala de letalia ou mortifera
crimina, opondo-os a venialia, levia ou quotidiana. (93)
O significado que
ele atribui a estes qualificativos influirá posteriormente no Magistério da
Igreja. Depois dele seria Santo Tomás de Aquino a formular, nos termos mais
claros que foi possível, a doutrina que se tornou constante na Igreja. Na
definição e distinção dos pecados mortais e veniais, não podia estar ausente
para Santo Tomás e para a Teologia do pecado que nele se foi inspirar, a
referência bíblica e, portanto, o conceito da morte espiritual. Segundo o
Doutor Angélico, para viver espiritualmente, o homem deve permanecer em
comunhão com o princípio supremo da vida, que é Deus, enquanto fim último de
todo o seu ser e do seu agir. Ora o pecado é uma desordem perpetrada pelo
homem contra este princípio vital.
E quando, «por meio do pecado, a alma
provoca uma desordem que vai até à separação do fim último — Deus — ao qual
se encontra ligada pela caridade, então há pecado mortal; de outro modo,
todas as vezes que a desordem fica aquém da separação de Deus, então o
pecado é venial». (94) Por esta razão, o pecado venial não priva da graça
santificante, da amizade com Deus, da caridade, nem, por conseguinte, da
bem-aventurança eterna; ao passo que tal privação é exatamente conseqüência
do pecado mortal.
Considerando o pecado, ademais, sob o aspecto da pena que
implica, Santo Tomás com outros doutores, chama mortal ao pecado que, se não
for remido, faz contrair uma pena eterna; venial, ao pecado que merece uma
simples pena temporal (quer dizer, parcial e expiável na terra ou no
Purgatório). Se se atender, depois, à matéria do pecado, as idéias de morte,
de ruptura radical com Deus, sumo bem, de desvio do caminho que leva a Deus
ou de interrupção da caminhada em direção a ele (tudo modos de definir o
pecado mortal) conjugam-se com a idéia da gravidade do conteúdo objetivo;
por isso, o pecado grave identifica-se praticamente, na doutrina e na ação
pastoral da Igreja, com o pecado mortal.
Atingimos aqui o núcleo do ensino
tradicional da Igreja, recordado muitas vezes e com vigor no decorrer do
recente Sínodo. Este, de fato, não só reafirmou tudo aquilo que foi
proclamado no Concílio de Trento sobre a existência e a natureza dos pecados
mortais e veniais, (95) mas quis ainda lembrar que é pecado mortal aquele
que tem por objeto uma matéria grave e que, conjuntamente, é cometido com
plena advertência e consentimento deliberado. E impõe-se acrescentar — como
se fez também no mesmo Sínodo — que alguns pecados, quanto à sua matéria,
são intrinsecamente graves e mortais.
Quer dizer, há determinados atos que,
por si mesmos e em si mesmos, independentemente das circunstâncias, são
sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu objeto. Esses atos, se forem
praticados com suficiente advertência e liberdade, são sempre culpa grave.
(96) Esta doutrina, fundamentada no Decálogo e na pregação do Antigo
Testamento e retomada no kérigma dos Apóstolos, e que faz parte do mais
antigo ensino que a Igreja tem vindo a repetir até hoje, tem uma comprovação
cabal na experiência humana de todos os tempos. O homem sabe bem, por
experiência, que na caminhada da fé e da justiça, que o leva ao conhecimento
e ao amor de Deus nesta vida e à perfeita união com ele na eternidade, pode
parar ou distrair-se, sem abandonar, no entanto, o rumo de Deus: neste caso
há efetivamente pecado venial. Este, porém, não deverá ser atenuado, como
se, automaticamente, se tratasse de algo que pudesse ser transcurado ou de
um «pecado de pouca monta».
Sucede também que o homem igualmente sabe, por
dolorosa experiência, que com um ato consciente e livre da sua vontade pode
inverter a marcha, caminhar no sentido oposto à vontade de Deus e, desse
modo, afastar-se dele (aversio a Deo), recusando a comunhão de amor com ele,
afastando-se do princípio de vida que ele é, e escolhendo, por isso mesmo, a
morte. Com toda a tradição da Igreja, chamamos pecado mortal a este ato pelo
qual um homem, com liberdade e advertência, rejeita Deus, a sua lei, a
aliança de amor que Deus lhe propõe, preferindo voltar-se para si mesmo,
para qualquer realidade criada e finita, para algo contrário ao querer
divino (conversio ad creaturam). Isto pode acontecer de modo direto e
formal, como nos pecados de idolatria, apostasia e ateísmo; ou de modo
equivalente, como em todas as desobediências aos mandamentos de Deus em
matéria grave.
O homem sente que esta desobediência a Deus corta a ligação
com o seu princípio vital: é um pecado mortal, ou seja, um ato que ofende
gravemente a Deus e acaba por se voltar contra o próprio homem, com uma
força obscura e potente de destruição. Durante a Assembléia sinodal foi
proposta por alguns Padres uma distinção tripartida entre os pecados, que
haveriam de passar a ser classificados com veniais, graves e mortais. A
tripartição poderia pôr em realce o fato de que entre os pecados graves
existe uma gradação.
Mas permanece sempre verdadeiro que a distinção
essencial e decisiva é a que existe entre pecados que destroem a caridade e
pecados que não matam a vida sobrenatural: entre a vida e a morte não há
lugar para um meio termo. De igual modo, há-de evitar-se reduzir o pecado
mortal a um ato de «opção fundamental» contra Deus — como hoje em dia se
costuma dizer — entendendo com isso um desprezo explícito e formal de Deus e
do próximo. Dá-se, efetivamente, o pecado mortal também quando o homem,
sabendo e querendo, por qualquer motivo escolhe alguma coisa gravemente
desordenada. Com efeito, numa escolha assim já está incluído um desprezo do
preceito divino, uma rejeição do amor de Deus para com a humanidade e para
com toda a criação: o homem afasta-se a si próprio de Deus e perde a
caridade. A orientação fundamental pode, pois, ser radicalmente modificada
por atos particulares.
Podem, sem dúvida, verificar-se situações muito
complexas e obscuras sob o ponto de vista psicológico, que influem na
imputabilidade subjetiva do pecador. Mas da consideração da esfera
psicológica não se pode passar para a constituição de uma categoria
teológica, como é precisamente a da «opção fundamental», entendendo-a de tal
modo que, no plano objetivo, mudasse ou pusesse em dúvida a concepção
tradicional do pecado mortal. Se bem que sejam de apreciar todas as
tentativas sinceras e prudentes de esclarecer o mistério psicológico e
teológico do pecado, a Igreja tem no entanto o dever de recordar a todos os
estudiosos desta matéria: a necessidade, por um lado, de serem fiéis à
Palavra de Deus, que nos elucida também sobre o pecado; e, por outro, o
risco que se corre de contribuir para atenuar ainda mais, no mundo
contemporâneo, o sentido do pecado.
Perda do sentido do pecado
18. A partir do Evangelho lido na comunhão eclesial, a consciência cristã
adquiriu, no decurso das gerações, uma fina sensibilidade e uma perspicaz
percepção dos fermentos de morte que estão contidos no pecado; sensibilidade
e capacidade de percepção, também para individuar tais fermentos nas mil
formas assumidas pelo pecado, nos mil carizes com que ele se apresenta. É a
isto que se costuma chamar o sentido do pecado. Este sentido tem a sua raiz
na consciência moral do homem e é como que o seu termômetro. Anda ligado ao
sentido de Deus, uma vez que deriva da consciência da relação que o homem
tem com o mesmo Deus, como seu Criador, Senhor e Pai.
E assim como não se
pode apagar completamente o sentido de Deus nem extinguir a consciência,
também não se dissipa nunca inteiramente o sentido do pecado. Entretanto,
não raro no decurso da história, por períodos mais ou menos longos e sob o
influxo de múltiplos fatores, acontece ficar gravemente obscurecida a
consciência moral em muitos homens. «Temos nós uma idéia justa da
consciência?» ´ perguntava eu há dois anos num colóquio com os fiéis ´ «Não
vive o homem contemporâneo sob a ameaça de um eclipse da consciência, de uma
deformação da consciência e de um entorpecimento ou duma ´anestesia´ das
consciências?». (97) Demasiados sinais indicam que no nosso tempo existe tal
eclipse, tanto mais inquietante quanto esta consciência, definida pelo
Concílio como «o núcleo mais secreto e o sacrário do homem», (98) anda
«estreitamente ligada à liberdade do homem (...). Por isso, a consciência,
com relevância principal, está na base da dignidade interior do homem e ao
mesmo tempo, da sua relação com Deus». (99) É inevitável, portanto, que
nesta situação fique obnubilado também o sentido do pecado, o qual está
intimamente ligado à consciência moral, à procura da verdade e à vontade de
fazer um uso responsável da liberdade.
Conjuntamente com a consciência, fica
também obscurecido o sentido de Deus, e então, perdido este decisivo ponto
de referência interior, desaparece o sentido do pecado. Foi este o motivo
por que o meu Predecessor Pio XII, com palavras que se tornaram quase
proverbiais, pôde declarar um dia que «o pecado do século é a perda do
sentido do pecado». (100) Porquê este fenômeno no nosso tempo? Uma vista de
olhos de algumas componentes da cultura contemporânea pode ajudar-nos a
compreender a atenuação progressiva do sentido do pecado, exatamente por
causa da crise da consciência e do sentido de Deus, acima realçada. O
«secularismo», que, pela sua própria natureza e definição, é um movimento de
idéias e de costumes, o qual propugna um humanismo que abstrai de Deus
totalmente, concentrado só no culto do empreender e do produzir e arrastado
pela embriaguez do consumo e do prazer, sem preocupações com o perigo de
«perder a própria alma», não pode deixar de minar o sentido do pecado.
Reduzir-se-á este último, quando muito, àquilo que ofende o homem.
Mas é
precisamente aqui que se impõe a amarga experiência a que já aludia na minha
primeira Encíclica; ou seja, que o homem pode construir um mundo sem Deus,
mas esse mundo acabará por voltar-se contra o mesmo homem. (101) Na
realidade, Deus é a origem e o fim supremo do homem e este leva consigo um
gérmen divino. (102) Por isso, é a realidade de Deus, que desvenda e ilumina
o mistério do homem. É inútil, pois, esperar que ganhe consistência um
sentido do pecado, no que respeita ao homem e aos valores humanos, quando
falta o sentido da ofensa cometida contra Deus, isto é, o verdadeiro sentido
do pecado. Desvanece-se este sentido do pecado na sociedade contemporânea
também pelos equívocos em que se cai ao apreender certos resultados das
ciências humanas.
Com base nalgumas afirmações da psicologia, a preocupação
de não tachar alguém como culpado nem pôr freio à liberdade leva a nunca
reconhecer uma falta. Por indevida extrapolação dos critérios da ciência
sociológica acaba-se — como já aludi — por descarregar sobre a sociedade
todas as culpas, de que o indivíduo é declarado inocente. E uma certa
antropologia cultural, por seu lado, à força de aumentar os condicionamentos
e influxos ambientais e históricos, aliás inegáveis, que agem sobre o homem,
limita-lhe tanto a responsabilidade que não lhe reconhece já a capacidade de
fazer verdadeiros atos humanos e, por conseqüência, a possibilidade de
pecar. O sentido do pecado decai facilmente, ainda, sob a influência de uma
ética que deriva dum certo relativismo historicista.
Pode tratar-se da ética
que relativiza a norma moral, negando o seu valor absoluto e incondicionado
e negando, por conseqüência, que possam existir atos intrinsecamente
ilícitos, independentemente das circunstâncias em que são realizados pelo
sujeito. Trata-se de uma verdadeira «reviravolta e derrocada dos valores
morais»; e «o problema não é tanto de ignorância da ética cristã», «mas
sobretudo do sentido dos fundamentos e critérios das atitudes morais». (103)
O efeito desta reviravolta ética é sempre também o de mitigar a tal ponto a
noção de pecado, que se acaba quase por afirmar que o pecado existe, mas não
se sabe quem o comete.
Esvai-se, por fim, o sentido do pecado quando — como
pode acontecer no ensino aos jovens, nas comunicações de massa e na própria
educação familiar — esse sentido do pecado é erroneamente identificado com o
sentimento morboso da culpa ou com a simples transgressão das normas e
preceitos legais. A perda do sentido do pecado, portanto, é uma forma ou um
fruto da negação de Deus: não só da negação ateísta, mas também da negação
secularista. Se o pecado é a interrupção da relação filial com Deus para
levar a própria existência fora da obediência a ele devida, então pecar não
é só negar Deus; pecar é também viver como se ele não existisse, bani-lo do
próprio quotidiano.
Um modelo de sociedade mutilado ou desequilibrado num ou
noutro sentido, como é freqüentemente veiculado pelos meios de comunicação,
favorece bastante a progressiva perda do sentido do pecado. Em tal situação,
o ofuscamento ou a debilitação do sentido do pecado resulta: seja da recusa
de qualquer referência ao transcendente, em nome da aspiração à autonomia
pessoal; seja da sujeição a modelos éticos impostos pelo consenso e costume
generalizado, mesmo quando são condenados pela consciência individual; seja
das dramáticas condições sócio-econômicas, que oprimem grande parte da
humanidade, causando a tendência para se verem erros e culpas apenas no
âmbito do social; seja, por fim e sobretudo, do obscurecimento da idéia da
paternidade de Deus e do seu domínio sobre a vida do homem. Até mesmo no
campo do pensamento e da vida eclesial, algumas tendências favorecem
inevitavelmente o declínio do sentido do pecado.
Alguns, por exemplo, tendem
a substituir posições exageradas do passado por outros exageros; assim, da
atitude de ver o pecado em toda a parte, passa-se a não o vislumbrar em lado
nenhum; da demasiada acentuação do temor das penas eternas, à pregação dum
amor de Deus, que excluiria toda e qualquer pena merecida pelo pecado; da
severidade no esforço para corrigir as consciências errôneas, a um pretenso
respeito pela consciência, até suprimir o dever de dizer a verdade.
E por
que não acrescentar que a confusão criada na consciência de muitos fiéis
pelas divergências de opiniões e de ensinamentos na teologia, na pregação,
na catequese e na direção espiritual, acerca de questões graves e delicadas
da moral cristã, acaba por fazer diminuir, quase até à sua extinção, o
verdadeiro sentido do pecado? E não podem deixar-se em silêncio alguns
defeitos na prática da Penitência sacramental: tal é a tendência a ofuscar o
significado eclesial do pecado e da conversão, reduzindo-os a fatos
meramente individuais, ou vice-versa, a anular o valor pessoal do bem e do
mal para considerar nestes exclusivamente a dimensão comunitária; tal é
também o perigo, que nunca foi totalmente esconjurado, do ritualismo
rotineiro, que tira ao Sacramento o seu significado pleno e a sua eficácia
formativa.
Restabelecer o justo sentido do pecado é a primeira forma de
combater a grave crise espiritual que impende sobre o homem do nosso tempo.
Mas o sentido do pecado só se restabelecerá com uma chamada a atenção clara
para os inderrogáveis princípios de razão e de fé, que a doutrina moral da
Igreja sempre sustentou. É lícito esperar que, sobretudo no mundo cristão
eclesial, reaflore um salutar sentido do pecado. A isso levarão uma boa
catequese, iluminada pela teologia bíblica da Aliança, a escuta atenta e o
acolhimento confiante do Magistério da Igreja, que não cessa de proporcionar
luz às consciências, e uma prática cada vez mais cuidada do Sacramento da
Penitência.
CAPÍTULO SEGUNDO
«MYSTERIUM PIETATIS»
19. Para conhecer o pecado, era necessário fixarmos o olhar na sua natureza,
tal como a revelação da economia da Salvação no-la deu a conhecer: ele é o
mistério da iniqüidade («mysterium iniquitatis»). Mas nesta economia o
pecado não é protagonista nem, menos ainda, vencedor. Contrasta, antes, como
antagonista, com um outro princípio operante, que — usando uma bela e
sugestiva expressão de São Paulo — podemos chamar o mistério ou sacramento
da piedade («mysterium», ou «sacramentum pietatis»).
O pecado do homem seria
vencedor e, por fim, destruidor, e o desígnio salvífico de Deus ficaria
incompleto ou mesmo vencido, se este mistério da piedade não se tivesse
inserido no dinamismo da história para vencer o pecado do homem. Encontramos
esta expressão numa das Cartas Pastorais de São Paulo, a primeira a Timóteo.
Aparece aí, repentina, como por uma inspiração impetuosa! O Apóstolo, na
verdade, consagrara em precedência longos parágrafos da sua mensagem ao
discípulo predileto, para explicar o significado da organização da
comunidade (litúrgica e, ligada a esta, hierárquica); falara depois do papel
dos chefes da comunidade, para se referir em seguida ao comportamento do
próprio Timóteo na «Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade».
E depois, no final da passagem, evoca quase ex abrupto, mas com intuito
profundo, aquilo que dá significado a tudo o que escrevera: «É grande, sem
dúvida, o mistério da piedade...». (104) Sem trair minimamente o sentido
literal do texto, podemos alargar esta magnífica intuição teológica do
Apóstolo a uma visão mais completa do papel que a verdade por ele anunciada
tem na economia da Salvação. «É verdadeiramente grande — repitamos com o
mesmo Apóstolo — o mistério da piedade», porque vence o pecado.
Mas o que é, na concepção paulina, esta «piedade»?
É o próprio Cristo
20. É profundamente significativo que, para apresentar este «mistério da
piedade», São Paulo transcreva simplesmente, sem estabelecer uma ligação
gramatical com o texto precedente, (105) três linhas de um Hino cristológico,
que — segundo a opinião de autorizados estudiosos — era usado nas
comunidades helênico-cristãs. Com as palavras desse Hino, densas de conteúdo
teológico e ricas de nobre beleza, esses cristãos do século primeiro
professavam a sua fé no mistério de Cristo, pelo qual:
* Ele se manifestou na realidade da carne humana e foi pelo Espírito Santo
constituído como o Justo, que se oferece pelos injustos;
* Ele apereceu aos Anjos, tornado maior que eles, e foi pregado aos povos,
como portador de salvação;
* Ele foi acreditado no mundo, como enviado do Pai, e pelo mesmo Pai
assumido no céu, como Senhor. (106)
O mistério ou sacramento da piedade, portanto, é o próprio mistério de
Cristo, E, numa síntese bem densa, ele é o mistério da Encarnação e da
Redenção, da plena Páscoa de Jesus, Filho de Deus e Filho de Maria: mistério
da sua paixão e morte, da sua ressurreição e glorificação. O que São Paulo,
ao referir as frases do Hino, quis recordar foi que este mistério é o
recôndito princípio vital que faz da Igreja a casa de Deus, a coluna e o
fundamento da verdade.
E na pegada do ensino paulino, nós podemos afirmar
que este mesmo mistério da infinita piedade de Deus para conosco é capaz de
penetrar até às raízes escondidas da nossa iniqüidade, para suscitar na alma
um movimento de conversão, para redimi-la, e fazê-la de vela em direção à
reconciliação.
Referindo-se sem dúvida a este mistério, também São João, com a sua
linguagem característica, que é diversa da de São Paulo, pôde escrever que
«aquele que nasceu de Deus, não peca»: o Filho de Deus salva-o e «o Maligno
não o toca». (107) Nesta afirmação joanina há uma indicação de esperança,
fundada sobre as promessas divinas: o cristão recebeu a garantia e as forças
necessárias para não pecar.
Não se trata, pois, de uma impecabilidade
adquirida por virtude própria e, menos ainda, ínsita no homem, como pensavam
os Gnósticos. É um resultado da ação de Deus. Para não pecar, o cristão
dispõe do conhecimento de Deus, recorda São João nesta passagem. Mas, pouco
antes, já tinha escrito: «Todo o que nasceu de Deus não comete pecado,
porque habita nele uma semente divina». (108) Se por esta «semente de Deus»
entendermos — como propõem alguns comentadores — Jesus, o Filho de Deus,
então podemos dizer que para não pecar — ou para libertar-se do pecado — o
cristão dispõe da presença em si do próprio Cristo e do mistério de Cristo,
que é mistério de piedade.
O esforço do cristão
21. Mas há no mistério da piedade um outro aspecto: à piedade de Deus para
com o cristão há-de corresponder a piedade do cristão para com Deus. Nesta
segunda acepção, a piedade (eusébeia) significa exatamente o comportamento
do cristão, que à piedade paterna de Deus corresponde com a sua piedade
filial. Também neste sentido podemos afirmar com São Paulo que «é grande o
mistério da piedade»; e ainda, que esta piedade, qual força de conversão e
de reconciliação, combate a iniqüidade e o pecado.
Neste caso, ainda, os
aspectos essenciais do mistério de Cristo são objeto da piedade, enquanto o
cristão acolhe o mistério, o contempla e a ele vai buscar a força espiritual
necessária para modelar a sua vida segundo o Evangelho. Também aqui se deve
dizer que «quem nasceu de Deus não comete pecado»; mas a expressão tem
sentido imperativo: sustentado pelo mistério — e pelos mistérios — de
Cristo, como por uma nascente interior de energia espiritual, o cristão é
avisado para não pecar e, mais ainda, recebe o mandamento de não pecar:
há-de comportar-se dignamente «na casa de Deus, que é a Igreja do Deus
vivo», (109) sendo como é um filho de Deus.
Para una vida reconciliada
22. Assim a Palavra da Escritura, ao revelar-nos o mistério da
piedade, abre a inteligência humana para a conversão e para a reconciliação,
entendidas não como abstrações, mas como valores cristãos concretos a
conquistar no dia a dia. Insidiados pela perda do sentido do pecado,
tentados, algumas vezes, pela ilusão bem pouco cristã de impecabilidade,
também os homens de hoje precisam de ouvir de novo, como dirigida a cada um
deles, pessoalmente, a advertência de São João: «Se dissermos que não temos
pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós»; (110) e mais
ainda, que «todo o mundo jaz sob o jugo do Maligno». (111) Cada um, pois, é
convidado pela voz da Verdade divina a ler realisticamente na própria
consciência e a confessar que foi gerado na iniqüidade, como dizemos no
Salmo Miserere. (112) Ameaçados pelo medo e pelo desespero, os homens de
hoje podem, no entanto, sentir-se consolados pela promessa divina, que os
abre à esperança da plena reconciliação.
O mistério da piedade, da parte de
Deus, é a misericórdia de que o Senhor e nosso Pai — repito-o mais uma vez —
é infinitamente rico. (113) Como disse na Encíclica dedicada ao tema da
misericórdia divina, (114) esta é um amor mais poderoso do que o pecado,
mais forte do que a morte. Quando nos damos conta de que o amor que Deus nos
dispensa não se detém diante do nosso pecado, não retrocede diante das
nossas ofensas, mas se torna ainda mais solícito e generoso; quando nos
apercebemos de que este amor chegou a causar a paixão e a morte do Verbo
feito carne, que aceitou remir-nos pagando com o seu Sangue, então
prorrompemos em reconhecimento: «Sim, o Senhor é rico em misericórdia», e
dizemos mesmo: «O Senhor é misericórdia».
O mistério da piedade é o caminho aberto pela misericórdia divina à vida
reconciliada.
TERCEIRA PARTE
A PASTORAL DA PENITÊNCIA E DA RECONCILIAÇÃO
Promoção da penitência e da reconciliação
23. Suscitar no coração do homem a conversão e a penitência e
proporcionar-lhe o dom da reconciliação é a missão conatural da Igreja, como
continuadora da obra redentora do seu divino Fundador. Trata-se de uma
missão que não será cumprida só com algumas afirmações teóricas e com a
proposta de um ideal ético não acompanhado por energias operativas; mas está
destinada a expressar-se em funções ministeriais bem precisas, em ordem à
prática concreta da penitência e da reconciliação. A este ministério,
fundado e iluminado pelos princípios de fé acima ilustrados, orientado para
objetivos precisos e apoiado em meios adequados, podemos dar o nome de
pastoral da penitência e da reconciliação. O seu ponto de partida é a
convicção da Igreja, de que o homem, a quem se destinam todas as formas de
pastoral, mas principalmente a pastoral da penitência e da reconciliação, é
o homem marcado pelo pecado, retratado no exemplo significativo do rei
David. Repreendido pelo profeta Natan, David aceita olhar de frente as suas
próprias torpezas, confessando: «Pequei contra o Senhor». (115) E proclama:
«Reconheço os meus pecados, tenho sempre diante de mim as minhas culpas».
(116) Mas também suplica: «Purificai-me, Senhor, e ficarei limpo; lavai-me e
ficarei mais branco do que a neve»; (117) e recebe a resposta da
misericórdia divina: «O Senhor perdoou o teu pecado, não morrerás». (118) A
Igreja encontra-se, pois, diante do homem — de todo um mundo humano — ferido
pelo pecado e por ele atingido naquilo que tem de mais íntimo, na
profundidade do seu ser; mas, ao mesmo tempo, movido interiormente por um
incontível desejo de libertação do pecado e também, especialmente se for
cristão, consciente de que o mistério da piedade, Cristo Senhor, já está a
atuar nele e no mundo com a força da Redenção.
A função reconciliadora da
Igreja deve desenvolver-se, pois, segundo aquele nexo íntimo que cônjuge
estreitamente o perdão e a remissão dos pecados de cada homem com a
reconciliação plena e fundamental da humanidade, que foi realizada pela
Redenção. Este nexo leva-nos a compreender que, sendo o pecado o princípio
ativo da divisão — divisão entre o homem e o Criador, divisão no coração e
no ser do homem, divisão entre os indivíduos e entre os grupos humanos,
divisão entre o homem e a natureza criada por Deus — só a conversão do
pecado é capaz de operar uma reconciliação profunda e duradoura onde quer
que a divisão tenha penetrado. Não é necessário repetir tudo o que já disse
a respeito da importância deste ministério da reconciliação (119) e da
correspondente pastoral que o põe em prática na consciência e na vida da
Igreja. Esta, de fato, falharia num aspecto essencial do seu ser e deixaria
por realizar uma sua função inabdicável, se não apregoasse, com clareza e
firmeza, a tempo e fora de tempo, a «palavra da reconciliação» (120) e não
proporcionasse ao mundo o dom da reconciliação. Mas, convém repeti-lo, a
importância do serviço eclesial da reconciliação estende-se para além das
fronteiras visíveis da Igreja, ao mundo inteiro. Falar de pastoral da
penitência e da reconciliação, portanto, equivale a referir-se ao conjunto
das tarefas de que a Igreja está incumbida, a todos os níveis, para a
promoção de uma e outra.
Mais concretamente, falar desta pastoral significa
recordar todas as atividades práticas, mediante as quais a Igreja, em todas
e cada uma das suas componentes — Pastores e fiéis, a todos os níveis e em
todos os campos — e com todos os meios à sua disposição — palavra e ação,
ensino e oração — procura levar os homens, individualmente ou em grupo, à
verdadeira penitência e introduzi-los assim no caminho da plena
reconciliação. Os Padres do Sínodo, como representantes dos seus Irmãos
Bispos, guias do povo que lhes está confiado, debruçaram-se sobre esta
pastoral nos seus elementos mais práticos e concretos.
E é para mim motivo
de alegria fazer-me eco deles, associando-me às suas inquietudes e
esperanças, acolhendo os frutos dos seus esforços de procura e experiências
e encorajando-os nos seus planos e realizações. Que eles possam encontrar
nesta parte da Exortação Apostólica a contribuição que deram para o Sínodo,
cuja utilidade desejaria tornar extensiva, mediante estas páginas, à Igreja
inteira. Desejaria, pois, pôr em evidência o essencial da pastoral da
penitência e da reconciliação, salientando nela, com a Assembléia do Sínodo,
os dois pontos seguintes:
Os meios usados e as vias seguidas pela Igreja para promover a penitência e
a reconciliação,
O Sacramento por excelência da penitência e da reconciliação.
CAPÍTULO PRIMEIRO
MEIOS E VIAS PARA A PROMOÇÃO DA PENITÊNCIA E DA RECONCILIAÇÃO
24. Para promover a penitência e a reconciliação, a Igreja tem ao seu dispor
dois meios, principalmente, que lhe foram confiados pelo seu próprio
Fundador: a catequese e os Sacramentos. A utilização destes meios,
considerada sempre pela Igreja plenamente conforme às exigências da sua
missão salvífica e igualmente susceptível de corresponder às exigências e
necessidades espirituais dos homens de todos os tempos, pode ser levada a
efeito seguindo formas e modos antigos e novos, entre os quais será bom
recordar, especialmente, o que, em continuidade com o meu Predecessor Paulo
VI, podemos designar por método do diálogo.
O Diálogo
25. O diálogo é para a Igreja, em certo sentido, um meio e sobretudo um modo
de desenvolver a sua ação no mundo contemporâneo. De fato, o Concílio
Vaticano II, depois de ter proclamado que «a Igreja, em virtude da missão
que tem de iluminar todo o mundo com a mensagem evangélica e reunir num só
Espírito todos os homens (...), torna-se sinal daquela fraternidade que
permite e robustece um diálogo sincero», acrescenta que a mesma Igreja deve
ser capaz de «estabelecer um diálogo cada vez mais frutuoso entre todos os
que constituem o único Povo de Deus», (121) assim como de «estabelecer um
diálogo com a sociedade humana». (122) O meu Predecessor Paulo VI dedicou ao
diálogo uma parte notável da sua primeira Encíclica Ecclesiam Suam, na qual
o descreve e caracteriza significativamente como diálogo da salvação. (123)
Na verdade, a Igreja usa o método do diálogo para melhor conduzir os homens
— aqueles que pelo Batismo e a profissão de fé se reconhecem membros da
comunidade cristã e aqueles que lhe são estranhos — à conversão e à
penitência, pelos caminhos de uma profunda renovação da própria consciência
e da própria vida à luz do mistério da Redenção e da Salvação, realizadas
por Cristo e confiadas ao ministério da sua Igreja.
O diálogo autêntico, por
conseguinte, tem em vista, antes de mais, a regeneração de cada um, mediante
a conversão interior e a penitência, sempre com profundo respeito pelas
consciências e com a paciência e o processo gradual requeridos pelas
condições dos homens do nosso tempo. O diálogo pastoral, em vista da
reconciliação, continua a ser hoje uma solicitude fundamental da Igreja em
diversos âmbitos e a vários níveis. Antes de mais, a Igreja promove um
diálogo Ecumênico, ou seja, um diálogo entre Igrejas e Comunidades eclesiais
que se atêm à fé em Cristo, Filho de Deus e único Salvador, e um diálogo com
as outras comunidades de homens que buscam a Deus e desejam estabelecer uma
relação de comunhão com Ele.
Como base desse diálogo com as outras Igrejas e
Comunidades eclesiais e com as outras religiões, e como condição da sua
credibilidade e eficácia, deve haver um sincero esforço de diálogo
permanente e renovado no interior da própria Igreja católica. Esta tem a
consciência de ser, por natureza, sacramento da comunhão universal de
caridade; (124) mas também sabe que existem no seu seio tensões que correm o
risco de se transformar em fatores de divisão. A exortação dorida e firme,
feita a seu tempo pelo meu Predecessor, com vista ao Ano Santo de 1975,
(125) continua válida ainda no momento atual.
Para se obter a superação dos
conflitos e fazer com que as normais tensões não resultem nocivas para a
unidade da Igreja, é preciso que todos nos confrontemos com a Palavra de
Deus e, postas de parte as próprias maneiras de ver subjetivas, procuremos a
verdade onde ela se encontra, ou seja, na mesma Palavra divina e na
interpretação autêntica que dela nos dá o Magistério da Igreja. Sob esta
luz, a escuta recíproca, o respeito e a abstenção de todo o juízo apressado,
a paciência, a capacidade de evitar que a fé, que une, seja subordinada às
opiniões, às modas e às opções ideológicas, que dividem, são outras tantas
qualidades de um diálogo que, no interior da Igreja, deve ser assíduo, cheio
de boa vontade e sincero.
E é claro que não o seria, nem se tornaria num
fator de reconciliação, sem a atenção ao Magistério e a aceitação do mesmo.
Aplicada deste modo, efetivamente, na busca da sua própria comunhão interna,
a Igreja católica pode dirigir o apelo à reconciliação ´ como de há tempos
já vem fazendo ´ às outras Igrejas com as quais não se verifica plena
comunhão, bem como às outras religiões e até mesmo a quem simplesmente
procura Deus com coração sincero. À luz do Concílio e do Magistério dos meus
Predecessores, cuja preciosa herança recebi e me esforço por conservar e pôr
em atuação, posso afirmar que a Igreja católica, com todas as suas
componentes, se empenha com lealdade no diálogo Ecumênico, sem otimismos
fáceis, mas também sem desalento e sem hesitações ou perdas de tempo.
As
regras fundamentais que ela procura seguir nesse diálogo são: por um lado, a
persuasão de que somente um ecumenismo espiritual — ou seja, fundado na
oração comum e na comum docilidade ao único Senhor — permitirá corresponder
sincera e seriamente às outras exigências da ação ecumênica; (126) e, por
outro lado, a convicção de que um certo irenismo em matéria doutrinal e
sobretudo dogmática, poderia talvez levar a um a forma de convivência
superficial e não duradoura, mas nunca àquela comunhão profunda e estável
que todos desejamos. Chegar-se-á a esta comunhão, no momento em que a divina
Providência quiser; mas para se chegar lá, a Igreja católica, pelo que lhe
diz respeito, sabe que deve estar aberta e sensível a todos «os valores
verdadeiramente cristãos, que promanam do patrimônio comum e se encontram
também entre os irmãos de nós separados»; (127) mas sabe igualmente que deve
colocar na base de um diálogo leal e construtivo a clareza na posição dos
problemas, a fidelidade e a coerência com a fé transmitida e definida na
esteira da tradição perene pelo seu Magistério.
Apesar da ameaça dum
aparente derrotismo e malgrado a inevitável lentidão que a inconsideração
não poderá nunca corrigir, a Igreja católica continua a procurar com todos
os outros Irmãos cristãos as vias da unidade, e com os seguidores das outras
religiões um diálogo sincero.
Que este diálogo inter-religioso possa fazer
chegar pelo menos à superação das atitudes de hostilidade, de desconfiança,
de mútua condenação e quiçá de mútuas invectivas. Nisto está uma condição
preliminar para que possamos encontrar-nos pelo menos na fé num Deus único e
na certeza da vida eterna para a alma imortal. Que o Senhor faça, em
particular, com que o diálogo Ecumênico leve a uma sincera reconciliação
centralizada em tudo aquilo que já possamos ter em comum com as outras
Igrejas cristãs: a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, Salvador e
Senhor, a escuta da Palavra, o estudo da Revelação e o sacramento da
Batismo.
Na medida em que a Igreja for capaz de suscitar a concórdia ativa —
a unidade na variedade — no seu próprio interior e de se apresentar como
testemunha e humilde artífice de reconciliação nas relações com as outras
Igrejas e Comunidades eclesiais e com as outras religiões, ela tornar-se-á,
segundo a expressiva definição de Santo Agostinho, «mundo reconciliado».
(128) E então poderá ser sinal de reconciliação no mundo e para o mundo. Com
a consciência da imensa gravidade da situação criada pelas forças da divisão
e da guerra, que constitui hoje uma séria ameaça, não só para o equilíbrio e
a harmonia das Nações, mas também para a própria sobrevivência da
humanidade, a Igreja sente-se no dever de oferecer e propor a sua
colaboração específica para a superação dos conflitos e para o
restabelecimento da concórdia. Trata-se de um complexo e delicado diálogo de
reconciliação, no qual a Igreja está empenhada, antes de mais, mediante a
atividade da Santa Sé e dos seus diversos Organismos.
A Santa Sé esforça-se
quer por intervir junto dos governantes das Nações e dos responsáveis das
várias Instituições internacionais, quer por associar-se a eles, dialogando
com eles ou estimulando-os a um diálogo entre si, em favor da reconciliação
no meio dos numerosos conflitos.
E faz isto não com segundos fins ou
interesses ocultos — dado que os não tem — mas «por uma preocupação
humanitária», (129) pondo a sua estrutura institucional e a sua autoridade
moral, absolutamente singulares, ao serviço da concórdia e da paz. Fá-lo na
convicção de que, assim como «na guerra há duas facções que se levantam uma
contra a outra», assim também «na questão da paz há sempre duas partes que
necessariamente devem saber empenhar-se»; e nisto «se encontra o verdadeiro
sentido do diálogo para a paz». (130) No diálogo em favor da reconciliação,
a Igreja também se empenha por intermédio dos Bispos, com a competência e a
responsabilidade que lhes é própria, quer individualmente na orientação das
respectivas Igrejas particulares, quer reunidos nas Conferências Episcopais,
com a colaboração dos Presbíteros e de todas as componentes das Comunidades
cristãs.
Eles desempenham regularmente essas suas tarefas, quando promovem o
diálogo que é indispensável e proclamam as exigências humanas e cristãs de
reconciliação e de paz. Em comunhão com os seus Pastores, os leigos, que têm
como «campo próprio da sua atividade evangelizadora o mundo vasto e
complicado da política, da realidade social e da economia (...), da vida
internacional», (131) são chamados a empenhar-se diretamente no diálogo ou
em favor do diálogo para a reconciliação.
Por intermédio deles, é ainda a
Igreja que desenvolve a sua ação reconciliadora. Na regeneração dos
corações, mediante a conversão e a penitência, portanto, está o pressuposto
fundamental e a base segura para toda e qualquer renovação social e para a
paz entre as Nações. Há que relembrar, por fim, que da parte da Igreja e dos
seus membros, o diálogo, seja qual for a forma sob a qual ele se desenrole —
e existem e podem existir formas muito diversas, pois o próprio conceito de
diálogo tem valor analógico — não poderá nunca partir de uma atitude de
indiferença em relação à verdade; mas tem de ser, sobretudo, uma
apresentação da verdade, feita serenamente e com respeito pela inteligência
e pela consciência dos outros.
O diálogo da reconciliação não poderá nunca
substituir ou atenuar o anúncio da verdade evangélica, que tem como objetivo
preciso a conversão, abandonando o pecado, e a comunhão com Cristo e com a
Igreja; mas deverá servir para a sua transmissão e realização, através dos
meios deixados por Cristo à Igreja para a pastoral da reconciliação: a
catequese e a Penitência.
A Catequese
26. Na vasta área em que a Igreja tem a missão de atuar com o instrumento do
diálogo, a pastoral da penitência e da reconciliação dirige-se aos membros
do corpo da Igreja, primeiro que tudo, por uma adequada catequese sobre as
duas realidades distintas e complementares, às quais os Padres sinodais
deram uma particular importância e que puseram em realce, em algumas das
Propostas («Propositiones») conclusivas: a penitência e a reconciliação,
precisamente.
A catequese é, pois, o primeiro meio a utilizar. Na base desta
recomendação do Sínodo, tão oportuna, encontra-se um pressuposto
fundamental: aquilo que é pastoral não se opõe ao doutrinal, e a ação
pastoral não pode prescindir do conteúdo doutrinal; pelo contrário, a ele
vai buscar a sua substância e a sua validade real. Ora, se a Igreja é
«coluna e sustentáculo da verdade» (132) e está posta no mundo como Mãe e
Mestra, como poderia ela descurar a tarefa de ensinar a verdade que
constitui um caminho de vida? Dos Pastores da Igreja espera-se, pois, antes
de mais, uma catequese sobre a reconciliação.
Esta não pode deixar de
fundamentar-se no ensino bíblico, em especial no do Novo Testamento, sobre a
necessidade de reconstituir a aliança com Deus em Cristo Redentor e
Reconciliador; e, à luz desta nova comunhão e desta nova amizade e no seu
prolongamento, sobre a necessidade de reconciliar-se com o irmão, mesmo à
custa de ter de interromper a oferta do sacrifício. (133) Jesus insiste
muito neste tema da reconciliação fraterna, quando, por exemplo, convida a
oferecer a outra face a quem nos bateu, ou a deixar também a capa a quem já
se apossou da túnica; (134) ou quando inculca a lei do perdão, que cada um
recebe na medida em que sabe perdoar, (135) perdão a oferecer também aos
inimigos, (136) perdão a conceder setenta vezes sete, (137) ou seja, na
prática, sem limite algum. Com estas condições, que só são realizáveis num
clima genuinamente evangélico, é possível uma verdadeira reconciliação, quer
entre os indivíduos, quer entre as famílias, as comunidades, as Nações e os
povos.
Destes dados bíblicos sobre a reconciliação promanará, naturalmente,
uma catequese teológica, que integrará também na sua síntese os dados da
psicologia, da sociologia e das outras ciências humanas, os quais podem
servir para esclarecer as situações, enquadrar bem os problemas e persuadir
os ouvintes ou leitores a tomarem resoluções concretas. Dos Pastores da
Igreja espera-se, ainda, uma catequese sobre a penitência. Também aqui a
riqueza da mensagem bíblica deve ser a fonte. Esta mensagem acentua na
penitência, primeiro que tudo, o seu valor de conversão, termo com o qual se
procura traduzir a palavra do texto grego metanóia, (138) que literalmente
significa um reviramento do espírito para o fazer voltar-se para Deus. São
estes, aliás, os dois elementos fundamentais que emergem da parábola do
filho perdido e reencontrado: o «cair em si» (139) e a decisão de voltar
para o pai.
Não pode haver reconciliação sem estas atitudes primordiais de
conversão, e a catequese deve explicá-las com conceitos e expressões
adaptados às várias idades e às diversas condições culturais, morais e
sociais. Trata-se de um primeiro valor da penitência, que se prolonga no
segundo: penitência significa também arrependimento. Os dois sentidos da
metanóia aparecem na significativa norma dada por Jesus: «Se o teu irmão se
arrepender ( = voltar a ti), perdoa-lhe. E se te ofender sete vezes ao dia e
sete vezes voltar a ti, dizendo: ´Estou arrependido´, hás-de perdoar-lhe».
(140) Uma boa catequese deverá mostrar que o arrependimento, assim como a
conversão, bem longe de ser um sentimento superficial, é uma verdadeira
reviravolta da alma. Um terceiro valor está contido ainda na penitência;
trata-se do movimento pelo qual as anteriores atitudes de conversão e
arrependimento se manifestam externamente: é o fazer penitência. Este
significado é bem perceptível no termo metanóia, como é usado pelo
Precursor, segundo o texto dos Sinópticos. (141) Fazer penitência quer
dizer, além do mais, restabelecer o equilíbrio e a harmonia alterados pelo
pecado, mudar de direção mesmo à custa de sacrifícios. Em suma, uma
catequese sobre a penitência, o mais completa e adequada possível, é
impreterível, num tempo como o nosso, em que as atitudes dominantes na
psicologia e nos comportamentos sociais contrastam abertamente com o
tríplice valor que foi ilustrado: mais do que nunca, o homem contemporâneo
parece encontrar dificuldade em reconhecer os seus próprios erros e em
decidir voltar atrás para retomar o caminho exato, fazendo uma retificação
de marcha; parece experimentar grande relutância em dizer: «arrependo-me» ou
«tenho muita pena»; parece recusar instintivamente, e muitas vezes
irresistivelmente, tudo aquilo que é penitência, no sentido do sacrifício
aceito e praticado para se corrigir do pecado.
A este respeito, desejo
sublinhar que, embora mitigada de há algum tempo a esta parte, a disciplina
penitencial da Igreja não pode ser abandonada sem grave prejuízo, quer para
a vida interior dos cristãos e da comunidade eclesial, quer para a sua
capacidade de irradiação missionária. Não é raro que alguns não-cristãos
fiquem surpreendidos com o fraco testemunho de verdadeira penitência da
parte dos discípulos de Cristo. É claro, de resto, que a penitência cristã
será autêntica, se for inspirada pelo amor, e não pelo mero temor; se
consistir num sério esforço para crucificar o «homem velho», a fim de que
possa renascer o «novo», por obra de Cristo; se seguir como modelo o mesmo
Cristo, que, embora fosse inocente, escolheu o caminho da pobreza, da
paciência, da austeridade e, pode dizer-se, da vida penitente.
Dos Pastores
da Igreja espera-se ainda — como recordou o Sínodo — uma catequese sobre a
consciência e a sua formação. É um tema de viva atualidade, também este,
visto que, no meio dos abalos a que está sujeita a cultura do nosso tempo,
com muita freqüência é agredido, posto à prova, perturbado e obscurecido
esse santuário interior, ou seja, o eu mais íntimo do homem: a sua
consciência. Para uma catequese sapiente sobre a consciência podem
encontrar-se indicações preciosas, quer nos Doutores da Igreja, quer na
teologia do Concílio Vaticano II e, especialmente, em dois dos seus
Documentos: sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo (142) e sobre a Liberdade
Religiosa. (143)
Nesta mesma linha, o Sumo Pontífice Paulo VI pronunciou-se
muitas vezes, para recordar a natureza e o papel da consciência na nossa
vida. (144) Eu próprio, seguindo as suas pegadas, não deixo passar ocasião
alguma para fazer luz sobre esta altíssima componente da grandeza e
dignidade do homem, (145) sobre esta «espécie de sentido moral, que nos leva
a distinguir o bem do mal (...), como que os olhos da alma, capacidade
visual do espírito, em condições de guiar os nossos passos no caminho do
bem; e insisto na necessidade de «formar cristãmente a própria consciência
pessoal», a fim de esta não se tornar «numa força destruidora da humanidade
verdadeira (da pessoa), mas ser sempre o lugar sagrado onde Deus lhe revela
o seu verdadeiro bem». (146) Também se espera que a catequese dos Pastores
da Igreja incida sobre outros pontos, de não menor relevância para a
reconciliação:
* Sobre o sentido do pecado, que — como disse — não pouco se tem vindo a
atenuar no nosso mundo.
* Sobre a tentação e as tentações: o próprio Senhor Jesus, Filho de Deus,
«provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado», (147) quis ser
tentado pelo Maligno, (148) para indicar que, assim como ele, também os seus
discípulos seriam submetidos à tentação; e, ainda, para mostrar como é
necessário comportar-se na tentação. Para quem implora do Pai não ser
tentado acima das próprias forças (149)
e não sucumbir à tentação, (150)
para quem não se expõe às ocasiões de pecado, o fato de ser submetido à
tentação não significa ter pecado; mas é, prevalentemente, uma ocasião para
crescer na fidelidade e na coerência, pela humildade e pela vigilância.
* Sobre o jejum: este pode praticar-se em formas antigas e novas, como sinal
de conversão, de arrependimento e de mortificação pessoal; e, ao mesmo
tempo, sinal de união com Cristo crucificado e de solidariedade com os que
passam fome e que sofrem.
* Sobre a esmola: trata-se de um meio para tornar efetiva a caridade,
partilhando aquilo que se possui com aqueles que sofrem as conseqüências da
pobreza.
* Sobre o nexo íntimo que concatena a superação das divisões no mundo com a
comunhão plena com Deus e entre os homens, finalidade escatológica da
Igreja.
* Sobre as circunstâncias concretas em que a reconciliação (na família, na
comunidade civil, nas estruturas sociais) se deve realizar; e,
particularmente, sobre as quatro reconciliações que consertam as quatro
fraturas fundamentais: reconciliação do homem com Deus, consigo mesmo, com
os irmãos e com o mundo criado.
E a Igreja não pode omitir, ainda, sem grave mutilação da sua mensagem
essencial, uma constante catequese sobre as realidades que a linguagem
cristã tradicional designa como os quatro novíssimos do homem: morte, juízo
(particular e universal), inferno e paraíso. Numa cultura que tende a
encerrar o homem nas suas vicissitudes terrestres, mais ou menos bem
sucedidas, aos Pastores da Igreja é solicitada uma catequese que abra e
ilumine, com as certezas da fé, o além da vida presente: para lá das
misteriosas portas da morte, delineia-se uma eternidade de alegria na
comunhão com Deus, ou de pena no afastamento d´Ele. Somente nesta visão
escatológica é possível ter a medida exata do pecado e sentir-se
resolutamente impelido para a penitência e a reconciliação.
Não faltarão
nunca aos Pastores de almas zelosos e dotados de inventiva as ocasiões para
ministrar esta catequese assim, ampla e variada, tendo em conta a
diversidade de cultura e de formação religiosa daqueles a quem se dirigem.
Com freqüência, proporcionam essas ocasiões as próprias leituras bíblicas e
os ritos da Santa Missa e dos outros Sacramentos, bem como as próprias
circunstâncias em que estes são celebrados. Muitos outras iniciativas podem
ser tomadas com o mesmo objetivo, tais como: pregações, palestras, debates,
encontros e cursos de cultura religiosa, etc., o que já sucede em muitas
partes.
Desejo aqui assinalar, em especial, a importância e a eficácia, que
revestem para uma tal catequese, as antigas missões populares. Se forem
adaptadas às peculiares exigências do nosso tempo, elas podem ser, hoje como
ontem, um válido instrumento de educação na fé, também pelo que diz respeito
ao sector da penitência e da reconciliação. Dada a grande importância que
tem a reconciliação, fundada sobre a conversão, no campo delicado da
relações humanas e da convivência social a todos os níveis, incluindo o
internacional, não pode faltar à catequese o precioso contributo da doutrina
social da Igreja.
O atento e preciso ensino dos meus Predecessores, a partir
do Papa Leão XIII, ao qual veio unir-se a contribuição substanciosa da
Constituição pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II e juntar-se a
dos vários Episcopados, solicitados por diversas circunstâncias dos
respectivos países, constitui um vasto e sólido corpo de doutrina a respeito
das múltiplas exigências inerentes à vida da comunidade humana, às relações
entre os indivíduos, famílias e grupos nos seus diversos âmbitos, e à
própria constituição de uma sociedade que queira ser coerente com a lei
moral, que é fundamento da civilização.
Na base deste ensino social da
Igreja encontra-se, obviamente, a luz que ela vai buscar à Palavra de Deus:
a respeito dos direitos e deveres dos indivíduos, da família e da
comunidade; a respeito do valor da liberdade e das dimensões da justiça; a
respeito do primado da caridade; a respeito da dignidade da pessoa humana e
das exigências do bem comum, que deve ser tido em vista pela política e pela
própria economia. É sobre estes princípios fundamentais do magistério
social, que confirmam e reapresentam os ditames universais da razão e da
consciência dos povos que se apóia, em grande parte, a esperança duma
solução pacífica de tantos conflitos sociais e, em definitivo, da
reconciliação universal.
Os Sacramentos
27. O segundo meio de instituição divina, que é oferecido pela Igreja à
pastoral da penitência e da reconciliação, é constituído pelos Sacramentos.
No misterioso dinamismo dos Sacramentos, tão rico de simbolismos e de
conteúdos, é possível perceber um aspecto nem sempre posto em realce: cada
um deles, além da sua graça própria, é também sinal de penitência e
reconciliação; e, por isso, em cada um deles, é possível reviver estas
dimensões espirituais.
O Batismo é, certamente, uma ablução salvífica que —
como diz São Pedro — tem valor «não (como) purificação das impurezas do
corpo, mas pela que consiste em pedir a Deus uma boa consciência». (151) É
morte, sepultura e ressurreição com Cristo, morto, sepultado e ressuscitado.
(152) É dom do Espírito Santo por intermédio de Cristo. (153) Mas esta
dimensão constitutiva essencial e original do Batismo, longe de eliminar,
enriquece o elemento penitencial já presente no Batismo que o próprio Jesus
recebeu de João «para se cumprir toda a justiça»: (154) um fato, portanto,
de conversão e reintegração na justa ordem das relações com Deus, de
reconciliação com Deus, com o apagamento da mancha original e a conseqüente
inserção na grande família dos reconciliados. Paralelamente, o Crisma,
também como confirmação do Batismo e, juntamente com ele, como Sacramento de
iniciação, ao conferir a plenitude do Espírito Santo e ao encaminhar a vida
cristã à idade adulta, significa e realiza, por isso exatamente, uma maior
conversão do coração e uma mais íntima e efetiva inserção na assembléia dos
reconciliados, que é a Igreja de Cristo.
A definição que dá Santo Agostinho
da Eucaristia, como sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo da
caridade («sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis»),
(155) põe em evidência os efeitos de santificação pessoal (piedade) e de
reconciliação comunitária (unidade e caridade), que derivam da própria
essência do Mistério eucarístico, como renovação incruenta do sacrifício da
Cruz e fonte de salvação e de reconciliação para todos os homens.
É
necessário, todavia, recordar que a Igreja, guiada pela fé neste augusto
Sacramento, ensina que nenhum fiel cristão, consciente de estar em pecado
grave, pode receber a Eucaristia sem ter obtido antes o perdão de Deus.
Assim se lê na Instrução Eucharisticum Mysterium, a qual, devidamente
aprovada pelo Papa Paulo VI, confirma todo o ensino do Concílio de Trento:
«a Eucaristia há-de ser proposta aos fiéis ´como antídoto que nos liberta
das culpas de cada dia e nos preserva dos pecados mortais´, e seja-lhes
indicada a maneira conveniente para se utilizarem das partes penitênciais da
liturgia da Missa. ´A quem quiser comungar, seja recordado... o preceito:
examine-se cada qual a si mesmo (1Cor 11,28
). E a prática da Igreja
demonstra que esse exame é necessário, para que ninguém, consciente de estar
em pecado mortal, por mais contrito que se julgue, se aproxime da Sagrada
Eucaristia antes da Confissão sacramental´.
E se alguém vier a encontrar-se
em caso de necessidade e não tiver a possibilidade de se confessar, faça
antes (de comungar) um ato de contrição perfeita». (156) O Sacramento da
Ordem destina-se a dar à Igreja os Pastores, os quais, além de mestres e
guias, são chamados a ser também testemunhas e operadores de unidade,
construtores da família de Deus, defensores e preservadores da comunhão
desta família contra os fermentos de divisão e de dispersão.
O Sacramento do
Matrimônio, exaltação do amor humano sob a ação da graça, é sinal, sim, do
amor de Cristo pela Igreja, mas também da vitória que Ele concede aos
esposos obterem sobre as forças que deformam e destroem o amor, de tal forma
que a família, nascida deste Sacramento, se torna sinal também da Igreja
reconciliada e reconciliadora, para um mundo reconciliado em todas as suas
estruturas e instituições. Por fim, a Unção dos Enfermos, na provação da
doença e da velhice, especialmente na hora derradeira do cristão, é sinal da
definitiva conversão ao Senhor, bem como da total aceitação da dor e da
morte como penitência pelos pecados.
E nisto atua-se a suprema reconciliação
com o Pai. Entre os Sacramentos, porém, há um, que, muito embora
freqüentemente chamado confissão, por motivo da acusação dos pecados que
nele se faz, mais propriamente pode considerar-se o Sacramento da Penitência
por antonomásia, como de fato se chama; e, por isso, é o Sacramento da
conversão e da reconciliação. Foi deste Sacramento que a recente Assembléia
do Sínodo tratou, em particular, dada a importância que ele tem para a
reconciliação.
CAPÍTULO SEGUNDO
O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA E DA RECONCILIAÇÃO
28. Em todas as fases e a todos os níveis do seu decurso, o Sínodo
considerou com a máxima atenção aquele sinal sacramental que representa e ao
mesmo tempo realiza a penitência e a reconciliação. Este Sacramento não
esgota em si mesmo, certamente, os conceitos de conversão e reconciliação.
A
Igreja, de fato, desde as suas origens, conhece e valoriza numerosas e
variadas formas de penitência: algumas litúrgicas ou paralitúrgicas, que vão
do ato penitencial da Missa às funções propiciatórias e às peregrinações;
outras, de caráter ascético, como o jejum. No entanto, de todos esses atos
nenhum é mais significativo, mais divinamente eficaz e mais elevado e ao
mesmo tempo acessível no seu rito, do que o Sacramento da Penitência. Desde
a sua preparação e, sucessivamente, nas numerosas intervenções que se
sucederam no seu decorrer, nos trabalhos de grupo e nas Propostas («Propositiones»)
finais, o Sínodo teve em conta a afirmação pronunciada muitas vezes em tons
diversos e com diverso conteúdo: o Sacramento da Penitência está em crise; e
desta crise tomou a devida nota. Recomendou uma aprofundada catequese, mas
também, uma não menos aprofundada análise de caráter teológico, histórico,
psicológico, sociológico e jurídico acerca da penitência em geral e do
Sacramento da Penitência em particular.
Com tudo isso teve a intenção de
esclarecer os motivos da crise e abrir caminhos no sentido de uma sua
solução positiva, para benefício da humanidade. Entretanto, do próprio
Sínodo a Igreja recebeu uma confirmação clara da sua fé no que respeita ao
Sacramento, pelo qual é dada a cada cristão e a toda a comunidade dos fiéis
a certeza do perdão graças ao poder do Sangue redentor de Cristo. É bom
renovar e reafirmar esta fé num momento em que poderia debilitar-se, perder
algo da sua integridade ou entrar numa zona de penumbra e de silêncio,
ameaçada como se encontra pela já mencionada crise, no que ela tem de
negativo.
Insidiam, de fato, o Sacramento da Confissão: por um lado, o
obscurecimento da consciência moral e religiosa, a atenuação do sentido do
pecado, a adulteração do conceito do arrependimento, a escassa propensão
para uma vida autenticamente cristã; por outro lado, a mentalidade, às vezes
difundida, de que se poderia obter o perdão diretamente de Deus, mesmo de
modo ordinário, sem receber o Sacramento da Reconciliação, bem como a rotina
de uma prática sacramental algumas vezes destituída de verdadeiro fervor e
sem espontaneidade espiritual, originada, talvez, por uma consideração
errada e degenerada dos efeitos do Sacramento. Convém, portanto, recordar os
principais aspectos deste grande Sacramento.
«A quem perdoardes»
29. O primeiro dado fundamental é-nos proporcionado pelos Livros sagrados do
Antigo e do Novo Testamento, no que diz respeito à misericórdia do Senhor e
ao seu perdão. Nos Salmos e na pregação dos Profetas o nome de
misericordioso é talvez o que mais freqüentemente se atribui ao Senhor, em
oposição ao persistente cliché, segundo o qual o Deus do Antigo Testamento é
apresentado sobretudo como severo e punidor.
Assim, nos Salmos, um longo
discurso sapiencial, remontando à tradição do Êxodo, reevoca a ação benigna
de Deus no meio do seu povo. Tal ação, apesar da sua representação
antropomórfica, é talvez uma das mais eloqüentes proclamações
vetero-testamentárias da misericórdia divina. Basta aqui recordar o
versículo: «E Ele, misericordioso, perdoava-lhes a falta e não os
exterminava; antes, muitas vezes conteve a sua cólera e não deixou
acender-se o seu furor, recordando que eram simples carne, sopro que se
esvai e não volta». (157) Na plenitude dos tempos, o Filho de Deus, vindo
como o Cordeiro que tira e carrega sobre si o pecado do mundo, (158) aparece
como aquele que tem poder, quer de julgar, (159) quer de perdoar os pecados
(160) e que veio não para condenar, mas para perdoar e salvar. (161) Ora
este poder de perdoar os pecados Jesus confere-o, mediante o Espírito Santo,
a simples homens, sujeitos também eles próprios à insídia do pecado, isto é,
aos seus Apóstolos: «Recebei o Espírito Santo: a quem perdoardes os pecados
ficar-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes ficar-lhes-ão
retidos».(162) Esta é uma das mais formidáveis novidades evangélicas! Jesus
confere tal poder aos Apóstolos também como transmissível — assim o entendeu
a Igreja desde o seu dealbar — aos seus sucessores, investidos pelos mesmos
Apóstolos na missão e na responsabilidade de continuar a sua obra de
anunciadores do Evangelho e de ministros da obra redentora de Cristo.
Aqui
aparece em toda a sua grandeza a figura do ministro do Sacramento da
Penitência, chamado, por antiqüíssimo costume, o confessor. Como no altar
onde celebra a Eucaristia e como em cada um dos Sacramentos, o Sacerdote,
ministro da Penitência, age «in persona Christi». O mesmo Cristo, por ele
tornado presente e que por meio dele atua o mistério da remissão dos
pecados, é Aquele que aparece como irmão do homem, (163) pontífice
misericordioso, fiel e cheio de compaixão, (164) pastor decidido a procurar
a ovelha perdida, (165) médico que cura e conforta, (166) mestre único que
ensina a verdade e indica os caminhos de Deus, (167) juiz dos vivos e dos
mortos, (168) que julga segundo a verdade e não segundo as aparências. (169)
Trata-se, sem dúvida, do ministério mais difícil e delicado, do mais
cansativo e exigente; mas também de um dos mais belos e consoladores
ministérios do Sacerdote; e, precisamente por isto, atendendo à vigorosa
chamada do Sínodo, nunca me cansarei de pedir aos meus Irmãos, Bispos e
Presbíteros, o seu fiel e diligente desempenho. (170) Perante a consciência
do fiel, que a ele se abre, com um misto de tremor e de confiança, o
confessor é chamado a uma tarefa sublime que é serviço à causa da penitência
e da reconciliação humana: conhecer as fraquezas e as quedas, de um
determinado fiel, avaliar o seu desejo de recuperação e os esforços para a
conseguir, discernir a ação do Espírito santificador no seu coração,
comunicar-lhe o perdão que só Deus pode conceder, «celebrar» a sua
reconciliação com o Pai representada na parábola do filho pródigo, reinserir
esse pecador resgatado na comunhão eclesial com os irmãos e advertir
paternalmente esse penitente com um firme, encorajador e amigável «doravante
não tornes a pecar». (171) Para o exercício eficaz de tal ministério, o
confessor tem de possuir necessariamente qualidades humanas de prudência,
discreção, discernimento e firmeza temperada pela mansidão e bondade. Deve
ter, ainda, séria e cuidada preparação, não fragmentária mas integral e
harmônica, nos diversos ramos da teologia, na pedagogia e na psicologia, na
didática catequética, na metodologia do diálogo e, sobretudo, no
conhecimento vivo e comunicativo da Palavra de Deus.
Mas é mais necessário
ainda que ele viva uma vida espiritual intensa e genuína. Para guiar os
outros pelos caminhos da perfeição cristã, o ministro da Penitência deve
percorrer, ele próprio, primeiro, este caminho; e mais com obras do que com
palavras exuberantes, dar mostras de real experiência da oração vivida, de
prática das virtudes evangélicas teologais e morais, de fiel obediência à
vontade de Deus, de amor à Igreja e de docilidade ao seu Magistério. Todo
este aparato de dotes humanos, de virtudes cristãs e de capacidades
pastorais não se improvisa nem se adquire sem esforço.
Para o ministério da
Penitência sacramental cada Sacerdote deve ser preparado desde os anos do
Seminário: juntamente com o estudo da teologia dogmática, moral, espiritual
e pastoral (que são sempre uma só teologia), com as ciências do homem e com
a metodologia do diálogo e, especialmente, do colóquio pastoral. Há-de,
ainda, ser iniciado e amparado nas primeiras experiências. Deverá cuidar
sempre do próprio aperfeiçoamento e atualização, com o estudo permanente.
Que tesouros de graça, de verdadeira vida e de irradiação espiritual não
adviriam à Igreja, se cada Sacerdote se mostrasse cuidadoso em nunca faltar,
por negligência ou desculpas várias, ao encontro com os fiéis no
confessionário e tivesse ainda maior cuidado de nunca aí se sentar sem
preparação, ou sem as indispensáveis qualidades humanas e condições
espirituais e pastorais! A este propósito não posso deixar de evocar, com
devota admiração, as figuras de extraordinários apóstolos do confessionário,
como São João Nepomuceno, São João Maria Vianney, São José Cafasso e São
Leopoldo de Castelnuovo, para falar só de alguns mais conhecidos, que a
Igreja inscreveu no álbum dos seus Santos.
Mas desejo igualmente prestar
homenagem à inumerável plêiade de confessores santos e quase sempre
anônimos, aos quais se ficou a dever a salvação de tantas almas, por eles
ajudadas na conversão, na luta contra o pecado e as tentações, no progresso
espiritual e, em definitivo, na santificação. Não hesito em afirmar que os
grandes Santos canonizados saíram geralmente desses confessionários e, com
os Santos, o patrimônio espiritual da Igreja e o próprio florescimento de
uma civilização impregnada de espírito cristão! Honra seja, portanto, a este
silencioso exército de irmãos nossos, que bem serviram e servem cada dia a
causa da reconciliação, mediante o ministério da Penitência sacramental!
O Sacramento do Perdão
30. Pela revelação do valor deste ministério e do poder de perdoar os
pecados, conferido por Cristo aos Apóstolos e aos seus sucessores,
desenvolveu-se na Igreja a consciência do sinal do perdão, concedido
mediante o Sacramento da Penitência; ou seja, a certeza, de que o próprio
Senhor Jesus instituiu e confiou à Igreja — qual dom da sua benignidade e da
sua «filantropia», (172) a proporcionar a todos os homens — um especial
Sacramento para a remissão dos pecados cometidos depois do Batismo. A
prática deste Sacramento, pelo que se refere à sua celebração e à sua forma,
conheceu um longo processo de desenvolvimento, como atestam os mais antigos
sacramentários, as atas dos Concílios e dos Sínodos episcopais, a pregação
dos Padres e o ensino dos Doutores da Igreja.
Mas quanto à substância do
Sacramento, permaneceu sempre sólida e imutável, na consciência da Igreja, a
certeza de que, por vontade de Cristo, o perdão é oferecido a cada um por
meio da absolvição sacramental, dada pelos ministros da Penitência; esta
certeza é reafirmada com particular vigor, quer pelo Concílio de Trento,
(173) quer pelo Concílio Vaticano II: «Aqueles que se aproximam do
Sacramento da Penitência recebem da misericórdia de Deus o perdão das
ofensas que lhe fizeram e, ao mesmo tempo, reconciliam-se com a Igreja, à
qual infligiram uma ferida com o pecado: a Igreja que coopera na sua
conversão com a caridade, com o exemplo e a oração». (174)
E como dado
essencial da fé sobre o valor e a finalidade da Penitência deve reafirmar-se
que «o nosso Salvador Jesus Cristo instituiu na sua Igreja o Sacramento da
Penitência, para que os fiéis caídos no pecado depois do Batismo recebessem
a graça e se reconciliassem com Deus». (175) A fé da Igreja neste Sacramento
comporta algumas outras verdades fundamentais, que são ineludíveis. O rito
sacramental da Penitência, na sua evolução e variação de formas práticas,
sempre conservou e realçou claramente essas verdades. O Concílio Vaticano
II, ao prescrever a reforma deste rito, tinha em vista fazer com que ele
exprimisse ainda com mais clareza tais verdades, (176) o que se verificou
com o novo Ritual da Penitência. (177)
Este, de fato, assumiu na sua
integridade a doutrina da tradição coligida pelo Concílio de Trento,
transferindo-a do seu particular contexto histórico (o de um esforço
corajoso de esclarecimento doutrinal, defronte aos graves desvios em relação
ao genuino ensino da Igreja) para a traduzir fielmente em termos mais
adequados ao contexto do nosso tempo.
Algumas convicções fundamentais
31. As menciondas verdades, reafirmadas com energia e clareza pelo Sínodo e
presentes nas Propostas («Propositiones»), podem resumir-se nas convicções
de fé, que a seguir enuncio e à volta das quais se reúnem todas as outras
afirmações da doutrina católica sobre o Sacramento da Penitência.
I. A primeira convicção é que, para um cristão, o Sacramento da Penitência é
a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos seus pecados graves
cometidos depois do Batismo.
O divino Salvador e a sua ação salvífica,
certamente, não estão ligados a um sinal sacramental, de maneira a não
poderem em qualquer tempo e circunstância da história da salvação agir fora
e acima dos Sacramentos. Mas na escola da fé aprendemos que o mesmo Salvador
quis e dispôs que os humildes e preciosos Sacramentos da fé sejam
ordinariamente os meios eficazes, pelos quais passa e opera o seu poder
redentor. Seria portanto insensato, além de presunçoso, querer prescindir
arbitrariamente dos instrumentos de graça e de salvação que o Senhor dispôs
e, no caso específico, pretender receber o perdão, pondo de lado o
Sacramento, instituído por Cristo exatamente para o perdão.
A renovação dos
ritos, levada a efeito depois do Concílio, não deixa margem para qualquer
confusão ou alteração neste sentido. A mesma renovação devia e deve servir,
segundo a intenção da Igreja, para suscitar em cada um de nós um novo
impulso para a renovação da nossa atitude interior, ou seja, para a
compreensão mais profunda da natureza do Sacramento da Penitência; para um
seu acolhimento mais repassado de fé, não ansioso mas confiante; para uma
maior freqüência do Sacramento, que se apresenta totalmente impregnado pelo
amor misericordioso do Senhor.
II. A segunda convicção diz respeito à função do Sacramento da Penitência
para aqueles que a ele recorrem. Segundo a mais antiga concepção da Tradição
trata-se de uma espécie de ato judicial; mas este ato decorre junto de um
tribunal mais de misericórdia, do que de estrita e rigorosa justiça, pelo
que não é comparável aos tribunais humanos, (178) senão por analogia; ou
seja, na medida em que o pecador aí descobre os seus pecados e a sua própria
condição de criatura sujeita ao pecado; se compromete a renunciar e a
combater o pecado; aceita a pena (penitência sacramental) que o confessor
lhe impõe e dele recebe a absolvição. Ao refletir, porém, sobre a função
deste Sacramento, a consciência da Igreja vislumbra nele, além do caráter
judicial, no sentido acima aludido, um caráter terapêutico ou medicinal.
E
isto relaciona-se com o fato, freqüente no Evangelho, da apresentação de
Cristo como médico, (179) enquanto a sua obra redentora é muitas vezes
chamada, desde a antiguidade cristã, «remédio da salvação» («medicina
salutis»). «Eu quero curar, não acusar», dizia Santo Agostinho, referindo-se
ao exercício da pastoral penitencial, (180) e é graças ao remédio da
confissão que a experiência do pecado não degenera em desespero. (181) O
Ritual da Penitência alude a este aspecto medicinal do Sacramento, (182) ao
qual o homem contemporâneo é talvez mais sensível, vendo no pecado o que ele
comporta de erro, obviamente, e mais ainda aquilo que ele indica relacionado
com a fraqueza e enfermidade humanas.
Tribunal de misericórdia ou lugar de
cura espiritual, sob ambos os aspectos o Sacramento exige um conhecimento do
íntimo do pecador, para o poder julgar e absolver, para tratar dele e o
curar. E precisamente por isto, implica, da parte do penitente, a acusação
sincera e completa dos pecados, que tem assim uma razão de ser, não só
inspirada em fins ascéticos (como exercício de humildade e de mortificação),
mas inerente à própria natureza do Sacramento.
III. A terceira convicção que desejo aqui salientar, diz respeito às
realidades ou partes que compõem o sinal sacramental do perdão e da
reconciliação. Algumas destas realidades são atos do penitente, de
importância diversa, mas cada um deles indispensável ou para a validade ou
para a integridade ou para o fruto do sinal.
Uma condição indispensável,
primeiro que tudo, é a retidão e a limpidez da consciência do penitente. Um
homem não se põe a caminho para uma verdadeira e genuína penitência,
enquanto não perceber que o pecado contrasta com a norma ética, inscrita no
íntimo do próprio ser; (183) enquanto não reconhecer ter feito a experiência
pessoal e responsável de uma tal oposição; enquanto não disser não apenas «o
pecado existe», mas «eu pequei»; enquanto não admitir que o pecado
introduziu na sua consciência uma divisão, que avassala todo o seu ser e o
separa de Deus e dos irmãos.
O sinal sacramental desta limpidez da
consciência é o ato tradicionalmente chamado exame de consciência, ato que
deveria ser sempre, não tanto uma introspecção psicológica ansiosa, mas o
confronto sincero e sereno com a lei moral interior, com as normas
evangélicas propostas pela Igreja, com o próprio Jesus Cristo, que é para
nós mestre e modelo de vida e com o Pai celeste que nos chama ao bem e à
perfeição. (184) Mas o ato essencial da Penitência, da parte do penitente, é
a contrição, ou seja, um claro e decidido repúdio do pecado cometido,
juntamente com o propósito de não o tornar a cometer, (185) pelo amor que se
tem a Deus e que renasce com o arrependimento. Entendida deste modo a
contrição é, pois, o princípio e a alma da conversão, daquela metanóia
evangélica que reconduz o homem a Deus, como o filho pródigo que volta ao
pai, e que tem no Sacramento da Penitência o seu sinal visível e
aperfeiçoador da própria atrição.
Por isso, «desta contrição do coração
depende a verdade da penitência». (186) Supondo e chamando a atenção para
tudo aquilo que a Igreja, inspirada pela palavra de Deus, ensina acerca da
contrição, está-me particularmente a peito, neste ponto, salientar um
aspecto de tal doutrina, para que seja melhor conhecido e mais tido
presente. Não raro se considera a conversão e a contrição sob o aspecto das
inegáveis exigências que elas comportam e da mortificação que impõem em
ordem a uma radical mudança de vida. Mas é bom recordar e acentuar que
contrição e conversão são, sobretudo, uma aproximação da santidade de Deus,
um reencontro da própria verdade interior, obscurecida e transtornada pelo
pecado , um libertar-se no mais profundo de si próprio e, por isso, um
reconquistar a alegria perdida, a alegria de ser salvado, (187) que a
maioria dos homens do nosso tempo já não sabe saborear. Compreende-se,
assim, que desde os primeiros tempos cristãos, em ligação com os Apóstolos e
com Cristo, a Igreja tenha incluído no sinal sacramental da Penitência a
acusação dos pecados. Esta aparece como tão relevante que, desde há séculos,
o nome usual do Sacramento foi e é ainda agora o de confissão. Acusar os
próprios pecados é exigido, antes de mais, pela necessidade do pecador ser
conhecido por aquele que no Sacramento exerce o papel de juiz, o qual deve
avaliar, quer a gravidade dos pecados, quer o arrependimento do penitente;
e, simultaneamente, o papel de médico, que deve conhecer o estado do enfermo
para tratar dele e o curar.
Mas a confissão individual tem também o valor de
sinal: sinal do encontro do pecador com a mediação eclesial na pessoa do
ministro; sinal do seu pôr-se a descoberto diante de Deus e da Igreja como
pecador, do esclarecer-se a si mesmo sob o olhar de Deus. A acusação dos
pecados, portanto, não pode ser reduzida a qualquer tentativa de
autolibertação psicológica, ainda que esta corresponda a uma necessidade
legítima e natural de abrir-se com alguém, o que é algo ínsito no coração do
homem. Trata-se de um gesto litúrgico, solene na sua dramaticidade, humilde
e sóbrio na grandeza do seu significado.
É o gesto do filho pródigo que
volta para junto do pai e por ele é acolhido com o beijo da paz; gesto de
lealdade e de coragem; gesto de entrega de si mesmo, passando além do
pecado, à misericórdia que perdoa. (188) Compreende-se, então, por que é que
a acusação dos pecados deve ser ordinariamente individual e não coletiva,
tal como o pecado é um fato profundamente pessoal. Ao mesmo tempo, porém,
esta acusação arranca, de certo modo, o pecado do segredo do coração e, por
conseguinte, do âmbito da pura individualidade, pondo em relevo o seu
caráter social, uma vez que, mediante o ministro da Penitência, é a
Comunidade eclesial, lesada pelo pecado, que acolhe de novo o pecador
arrependido e perdoado. O outro momento essencial do Sacramento da
Penitência, compete, por sua vez, ao confessor juiz e médico, imagem de Deus
Pai que acolhe aquele que regressa e lhe perdoa: é a absolvição. As palavras
que a exprimem e os gestos que a acompanham no antigo e no novo Ritual da
Penitência, revestem-se de uma significativa simplicidade na sua grandeza.
A
fórmula sacramental: «Eu te absolvo...», a imposição das mãos e o sinal da
cruz traçado sobre o penitente manifestam que naquele momento o pecador
contrito e convertido entra em contato com o poder e a misericórdia de Deus.
É em tal momento que, em resposta ao penitente, a Santíssima Trindade se
torna presente para apagar o seu pecado e restituir-lhe a inocência; e a
força salvífica da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus é comunicada ao
mesmo penitente, como «misericórdia mais forte do que a culpa e a ofensa»,
como a designei na Encíclica Dives in Misericordia. Deus é sempre o
principal ofendido pelo pecado — «Pequei só contra Vós!» («tibi soli peccavi!»)
— e só Deus pode perdoar. Por isso, a absolvição que o Sacerdote, ministro
do perdão, embora também ele pecador, concede ao penitente, é o sinal eficaz
da intervenção do Pai em cada absolvição e da «ressurreição» da «morte
espiritual» que se renova todas as vezes que é atuado o Sacramento da
Penitência.
Só a fé pode assegurar que naquele momento todos e cada um dos
pecados são perdoados e apagados pela misteriosa intervenção do Salvador. A
satisfação é o ato final que coroa o sinal sacramental da Penitência. Em
alguns países, o que o penitente perdoado e absolvido aceita cumprir depois
de ter recebido a absolvição, chama-se precisamente penitência. Qual é o
significado desta satisfação que se dá ou desta penitência que se faz? Não é
certamente o preço que se paga pelo pecado absolvido e pelo perdão
alcançado: nenhum preço humano pode equivaler ao que se obteve, fruto do
preciosíssimo Sangue de Cristo.
As obras de satisfação — que, embora
conservando um caráter de simplicidade e de humildade, deveriam tornar-se
mais expressivas de tudo aquilo que significam — querem dizer algo de
precioso: são o sinal do compromisso pessoal que o cristão assumiu com Deus,
no Sacramento, de começar uma existência nova (e por isso não deveriam
reduzir-se somente a algumas fórmulas a recitar, mas consistir em obras de
culto, de caridade, de misericórdia e de reparação; incluem a idéia de que o
pecador perdoado é capaz de unir a sua própria mortificação física e
espiritual, procurada ou ao menos aceite, à Paixão de Jesus que lhe alcançou
o perdão; recordam que, mesmo depois da absolvição, permanece no cristão uma
zona de sombra devida às feridas do pecado, à imperfeição do amor no
arrependimento, ao enfraquecimento das faculdades espirituais em que
continua ainda ativo um foco infeccioso de pecado, que é preciso combater
sempre com a mortificação e a penitência. Tal é o significado da humilde mas
sincera satisfação. (189)
IV. Resta-me fazer uma breve referência a outras
importantes convicções relativas ao Sacramento da Penitência. Antes de mais,
é preciso insistir em que não há nada mais pessoal e íntimo do que este
Sacramento, no qual o pecador se encontra na presença de Deus, só, com a sua
culpa, o seu arrependimento e a sua confiança.
Ninguém pode arrepender-se em
seu lugar ou pode pedir perdão em seu nome. Há uma certa solidão do pecador
na sua culpa, que se pode ver dramaticamente representada em Caim com o
pecado «à espreita à sua porta», como diz tão eficazmente o livro do
Gênesis, e marcado com o sinal particular na sua fronte; (190) em David,
repreendido pelo profeta Natan; (191) ou no filho pródigo, quando toma
consciência da condição à qual se reduziu pelo afastamento do pai e decide
voltar para junto dele: (192) tudo se passa só entre o homem e Deus. Mas, ao
mesmo tempo, é inegável a dimensão social deste Sacramento, no qual é toda a
Igreja — a militante, a purgante e a triunfante no Céu — que intervém em
auxílio do penitente e o acolhe de novo no seu seio, tanto mais que toda a
Igreja fora ofendida e ferida pelo seu pecado.
O Sacerdote, ministro da
Penitência, em virtude da sua função sagrada, aparece como testemunha e
representante de tal eclesialidade. São dois aspectos complementares do
Sacramento, a individualidade e a eclesialidade, que a progressiva reforma
do rito da Penitência, especialmente a do Ordo Paenitentiae (novo Ritual)
promulgado pelo Papa Paulo VI, procurou realçar e tornar mais significativos
na sua celebração.
V. É de salientar, ainda, que o fruto mais precioso do perdão, obtido pela
Penitência, consiste na reconciliação com Deus, a qual se verifica no
segredo do coração do filho pródigo, e reencontrado, que é cada penitente.
Mas é preciso acrescentar que tal reconciliação com Deus tem como
conseqüência, por assim dizer, outras reconciliações, que vão remediar
outras tantas rupturas, causadas pelo pecado: o penitente perdoado
reconcilia-se consigo próprio no íntimo mais profundo do próprio ser, onde
recupera a própria verdade interior; reconcilia-se com os irmãos, por ele de
alguma maneira agredidos e lesados; reconcilia-se com a Igreja; e
reconcilia-se com toda a criação.
A tomada de consciência de tudo isto faz
nascer no penitente, no final da celebração, um sentimento de gratidão para
com Deus pelo dom da misericórdia que recebeu; e a Igreja convida-o à ação
de graças. Todos os confessionários são um espaço privilegiado e abençoado,
do qual, uma vez eliminadas as divisões, surge, novo e incontaminado, um
homem reconciliado — um mundo reconciliado!
VI. E por fim, está-me particularmente a peito fazer uma última consideração
que nos diz respeito a todos nós Sacerdotes, que somos os ministros do
Sacramento da Penitência, mas que somos também — e devemos sê-lo sempre — os
beneficiários. A vida espiritual e pastoral do Sacerdote, como a dos seus
irmãos leigos e religiosos, depende, na sua qualidade e no seu fervor, da
prática pessoal assídua e conscienciosa do Sacramento da Penitência. (193) A
celebração da Eucaristia e o ministério dos outros Sacramentos, o zelo
pastoral, a relação com os fiéis, a comunhão com os irmãos Sacerdotes, a
colaboração com o Bispo, a vida de oração, numa palavra, toda a existência
sacerdotal sofre inexorável decadência, se lhe falta por negligência ou por
qualquer outro motivo o recurso, periódico e inspirado por fé autêntica e
devoção, ao Sacramento da Penitência. Num sacerdote que deixasse de se
confessar ou se confessasse mal, o seu ser padre e o exercício do seu
Sacerdócio bem depressa se ressentiriam e disso se daria conta a própria
Comunidade de que ele é pastor.
Mas acrescento também que, até para ser bom
e eficaz ministro da Penitência, o Sacerdote precisa de recorrer à fonte da
graça e santidade presente neste Sacramento. Nós Sacerdotes, com base na
nossa experiência pessoal, bem podemos dizer que, na medida em que
procuramos recorrer ao Sacramento da Penitência e nos aproximamos dele com
freqüência e com boas disposições, desempenhamos melhor o nosso próprio
ministério de confessores e melhor asseguramos aos penitentes o seu
benefício. De outro modo, este ministério perderia muito da sua eficácia, se
de alguma maneira deixássemos de ser bons penitentes. Tal é a lógica interna
deste grande Sacramento. Ele convida-nos, a todos nós Sacerdotes de Cristo,
a uma renovada atenção à nossa confissão pessoal.
A experiência pessoal, por
sua vez, torna-se e deve tornar-se hoje um estímulo para o exercício
diligente, pontual, paciente e fervoroso do ministério sagrado da
Penitência, a que estamos comprometidos por força do nosso Sacerdócio e da
nossa vocação para ser pastores e servidores dos nossos irmãos. Assim, com a
presente Exortação, quero dirigir um instante apelo a todos os Sacerdotes do
mundo, especialmente aos meus Irmãos no Episcopado e aos Párocos, para que
favoreçam com todas as veras a freqüência dos fiéis a este Sacramento,
ponham em prática todos os meios possíveis e convenientes e tentem todas as
vias para fazer chegar ao maior número de irmãos nossos a «graça que nos foi
dada» mediante a Penitência, para a reconciliação de cada alma e de todo o
mundo com Deus, em Cristo.
As formas da celebração
32. Seguindo as indicações do Concílio Vaticano II, o Ordo Paenitentiae
predispôs três ritos que, ressalvados sempre os elementos essenciais,
permitem adaptar a celebração do Sacramento da Penitência a determinadas
circunstancias pastorais. A primeira forma — reconciliação individual dos
penitentes — constitui o único modo normal e ordinário da celebração
sacramental, e não pode nem deve deixar-se cair em desuso ou ser descurada.
A segunda — reconciliação de vários penitentes com confissão e absolvição
individual— ainda que permita, nos atos preparatórios, realçar mais os
aspectos comunitários do Sacramento, vai confluir na primeira forma no ato
sacramental culminante, que é o da confissão e a absolvição individuais dos
pecados; e, por isso, pode ser equiparada à primeira forma no que toca à
normalidade do rito.
A terceira, ao contrário — reconciliação de vários
penitentes com a confissão e a absolvição geral — reveste-se de caráter
excepcional e não é, por isso, deixada à livre escolha, mas é regulada por
uma disciplina especial. A primeira forma permite a valorização dos aspectos
mais pessoais — e essenciais — que estão compreendidos no itinerário
penitencial. O diálogo entre o penitente e o confessor, o próprio conjunto
dos subsídios utilizados (os textos bíblicos, a escolha das formas de
«satisfação», etc.) são elementos que tornam a celebração sacramental mais
correspondente à situação concreta do penitente. Descobre-se o valor de tais
elementos, quando se pensa nas diversas razões que levam um cristão à
penitência sacramental: necessidade de reconciliação pessoal e readmissão na
amizade com Deus, recuperando a graça perdida por causa do pecado;
necessidade de verificação do caminho espiritual e, por vezes, de um mais
preciso discernimento vocacional; e, tantas outras vezes, uma necessidade e
um desejo de sair de um estado de apatia espiritual e de crise religiosa.
Graças, ainda, à sua índole individual, a primeira forma de celebração
permite associar o Sacramento da Penitência a algo de diferente, mas
perfeitamente conciliável com ele: refiro-me à direção espiritual. Por
conseguinte, é óbvio que a decisão e o empenho pessoais estão claramente
significados e solicitados nessa primeira forma.
A segunda forma de
celebração, precisamente pelo seu caráter comunitário e pela modalidade
celebrativa que a caracteriza, faz ressaltar alguns aspectos de grande
importância: a Palavra de Deus, escutada em comum, tem um efeito singular,
em relação à sua leitura individual, e evidencia melhor o caráter eclesial
da conversão e da reconciliação. Essa celebração resulta particularmente
significativa nos diversos tempos do ano litúrgico e em conexão com
acontecimentos de especial relevância pastoral.
Basta acenar aqui, apenas,
que para tal celebração importa haver a presença de um número suficiente de
confessores. É natural, portanto, que os critérios para estabelecer a qual
das duas formas de celebração se deva recorrer sejam ditados, não por
motivações conjunturais e subjetivas, mas pelo desejo de obter o verdadeiro
bem espiritual dos fiéis, em obediência à disciplina penitencial da Igreja.
Será bom recordar também que, para uma equilibrada orientação espiritual e
pastoral neste campo, é necessário continuar a atribuir grande valor ao
Sacramento da Penitência e educar os fiéis a recorrerem a ele, mesmo só para
os pecados veniais, como atestam uma tradição doutrinal e uma prática já
seculares. Mesmo sabendo e ensinando que os pecados veniais são perdoados
também de outros modos — pense-se nos atos de contrição, na obras de
caridade, na oração e nos ritos penitenciais — a Igreja não cessa de
recordar a todos a singular riqueza do momento sacramental também pelo que
se refere a tais pecados. O recurso freqüente ao Sacramento — a que estão
obrigadas algumas categorias de fiéis — reforça a consciência de que também
os pecados menores ofendem a Deus e ferem a Igreja, corpo de Cristo; e a
celebração do mesmo Sacramento torna-se para todos os cristãos «ocasião e
estímulo a conformarem-se mais intimamente com Cristo e a tornarem-se mais
dóceis à voz do Espírito». (194)
Sobretudo deve frisar-se bem o fato de a
graça própria da celebração sacramental ter grande eficácia terapêutica e
contribuir para arrancar as próprias raízes do pecado. O cuidado dispensado
ao aspecto celebrativo, (195) com particular referência à importância da
Palavra de Deus, lida, evocada e explicada, quando for possível e oportuno,
aos fiéis e com os fiéis, contribuirá para vivificar a prática do Sacramento
e para impedir que decaia para algo de formal e rotineiro. O penitente há-de
ser ajudado sobretudo a descobrir que está a viver um acontecimento de
salvação, capaz de infundir nele um novo impulso de vida e uma verdadeira
paz no seu coração.
Este cuidado pela celebração há-de levar, ainda, entre
outras coisas, a fixar em cada Igreja tempos destinados à celebração do
Sacramento e a educar os fiéis, especialmente as crianças e os jovens, a
aterem-se a eles, ordinariamente, salvo a casos de necessidade, em relação
aos quais o pastor de almas deverá mostrar-se sempre pronto a acolher de boa
vontade quem a ele recorrer.
A celebração do Sacramento com absolvição geral
33. Na nova ordenação litúrgica e, mais recentemente, no novo Código de
Direito Canônico, (196) estão determinadas as condições que legitimam o
recurso ao «rito da reconciliação de vários penitentes, com a confissão e a
absolvição geral». As normas e as diretrizes dadas quanto a este ponto,
fruto de madura e equilibrada consideração, devem ser acolhidas e aplicadas
evitando toda a espécie de interpretação arbitrária. É oportuna uma ulterior
reflexão, mais aprofundada, sobre as motivações, que impõem a celebração da
Penitência numa das duas primeiras formas e que permitem o recurso à
terceira forma. Há, antes de mais, uma motivação de fidelidade à vontade do
Senhor Jesus, transmitida pela doutrina da Igreja e, além disso, de
obediência às leis da mesma Igreja: o Sínodo reafirmou numa das suas
Propostas («Propositiones») o inalterado ensino que a Igreja foi haurir na
mais antiga Tradição e recordou a lei com que codificou a antiga prática
penitencial: a confissão individual e íntegra dos pecados, com a absolvição
igualmente individual, constitui o único modo ordinário, pelo qual o fiel,
culpado de pecado grave, é reconciliado com Deus e com a Igreja. Desta
confirmação do ensino da Igreja, resulta claramente que todos os pecados
devem ser sempre declarados, com as suas circunstâncias determinantes, numa
confissão individual. Existe, ainda, uma motivação de ordem pastoral. Se é
verdade que, verificando-se as condizões requeridas pela disciplina
canônica, se pode fazer uso da terceira forma de celebração da Penitência,
não se deve esquecer, no entanto, que esta não pode tornar-se uma forma
ordinária, e que não pode nem deve ser adotada — repetiu-o o Sínodo — senão
«em casos de grave necessidade», permanecendo firme a obrigação de confessar
individualmente os pecados graves antes de recorrer novamente à absolvição
geral. O Bispo, portanto, o único a quem compete, no âmbito da sua Diocese,
ajuizar se existem em concreto as condições que a lei canônica estabelece
para o uso dessa terceira forma, dará tal juízo, onerando gravemente a sua
consciência, com respeito pleno da lei e da prática da Igreja; e, além
disso, tendo em conta critérios e orientações que hajam sido dados — com
base nas considerações doutrinais e pastorais acima apresentadas — de comum
acordo, pelos demais membros da Conferência Episcopal. Terá de haver,
igualmente, uma autêntica preocupação pastoral em procurar e garantir as
condições que tornem o recurso à terceira forma susceptível de dar aqueles
frutos espirituais, para os quais ela está prevista. Assim, o uso
excepcional da terceira forma de celebração do Sacramento da Penitência não
deverá nunca levar a uma menor consideração e, menos ainda, ao abandono das
formas ordinárias, ou então a considerar essa forma como uma alternativa das
outras duas.
Não é, efetivamente, deixado à liberdade dos Pastores e dos
fiéis escolher entre as mencionadas formas de celebração aquela que
retiverem mais oportuna. Para os Pastores permanece a obrigação de
facilitarem aos fiéis a prática da confissão íntegra e individual dos
pecados, que constitui para eles não só um dever, mas também um direito
inviolável e inalienável, além de uma necessidade espiritual. Para os fiéis
o uso da terceira forma de celebração comporta a obrigação de se aterem a
todas as normas que regulam a sua prática, incluindo a de não recorrerem de
novo à absolvição geral antes de uma confissão regular, integral e
individual dos pecados, que deverão fazer logo que seja possível.
Os mesmos
fiéis devem ser advertidos e instruídos pelo Sacerdote, acerca desta norma e
da obrigação de a observar, antes da absolvição. Ao recordar assim a
doutrina e a lei da Igreja, é minha intenção inculcar em todos o vivo
sentido de responsabilidade, que sempre nos deve guiar ao tratar das coisas
sagradas; estas não são propriedade nossa, como é o caso dos Sacramentos; ou
então têm direito a não serem deixadas na incerteza e na confusão, como são
as consciências. Coisas sagradas — repito — são uns e outras: os Sacramentos
e as consciências; e exigem da nossa parte serem servidas com verdade.
Esta é a razão da lei da Igreja!
Alguns casos mais delicados
34. Sinto-me no dever, chegado a este ponto, de fazer uma alusão, ainda que
brevíssima, a um caso pastoral que o Sínodo quis tratar — na medida que lhe
era possível fazê-lo — contemplando-o também numa das Propostas
(«Propositiones»). Refiro-me a certas situações, hoje não infrequentes, em
que, vêm a encontrar-se cristãos desejosos de continuarem a prática
religiosa sacramental, mas que disso estão impedidos pela própria condição
pessoal, em contraste com os compromissos assumidos livremente diante de
Deus e da Igreja. São situações que se apresentam particularmente delicadas
e quase inextricáveis.
Não poucas intervenções, no decorrer do Sínodo,
exprimindo o pensamento geral dos Padres, puseram bem a claro a coexistência
e a influência mútua de dois princípios, igualmente importantes, no que
respeita a estes casos. O primeiro é o princípio da compaixão e da
misericórdia, segundo o qual a Igreja, continuadora na história da presença
e da obra de Cristo, não querendo a morte do pecador, mas que se converta e
viva, (197) atenta a não partir a cana já fendida e a não apagar a chama que
ainda fumega, (198) procura sempre facultar, na medida em que lhe é
possível, o caminho do retorno a Deus e da reconciliação com ele. O outro é
o princípio da verdade e da coerência, pelo qual a Igreja não aceita chamar
bem ao mal e mal ao bem. Baseando-se nestes dois princípios complementares,
a Igreja mais não pode do que convidar os seus filhos, que se encontram
nessas situações dolorosas, a aproximarem-se da misericórdia divina por
outras vias, mas não pela via dos Sacramentos, especialmente da Penitência e
da Eucaristia, até que não tenham podido alcançar as condições requeridas.
Acerca desta matéria, que angustia profundamente também o nosso coração de
pastores, pareceu-me ser meu preciso dever, já na Exortação Apostólica
Familiaris Consortio, dizer palavras claras pelo que se refere ao caso dos
divorciados novamente casados (199)
ou de cristãos que, de qualquer maneira, convivem conjugalmente de modo
irregular. Ao mesmo tempo, sinto vivamente o dever de exortar, juntamente
com o Sínodo, as comunidades eclesiais e, sobretudo os Bispos, a darem toda
a ajuda possível aos Sacerdotes, que, tendo faltado aos graves compromissos
assumidos na Ordenação, se encontram em situações irregulares. Nenhum destes
irmãos há-de sentir-se abandonado pela Igreja.
Para todos aqueles que não se
encontrem atualmente nas condições objetivas requeridas pelo Sacramento da
Penitência, as demonstrações de maternal bondade por parte da Igreja, o
apoio de atos de piedade diversos dos atos sacramentais, o esforço sincero
por se manter em contato com o Senhor, a participação na Santa Missa, a
repetição freqüente de atos de fé, de esperança, de caridade e de contrição
quanto for possível perfeitos, poderão preparar o caminho para uma plena
reconciliação no momento que só a Providência conhece.
VOTOS CONCLUSIVOS
35. No final deste Documento, sinto ressoar em mim e desejo repetir a todos
vós a exortação que o primeiro Bispo de Roma, numa hora crítica dos
primórdios da Igreja, quis endereçar «aos peregrinos da Dispersão (...),
eleitos segundo a presciência de Deus Pai»: «sede todos concordes, sede
compassivos, em amor de irmãos, misericordiosos, humildes». (200) O Apóstolo
recomendava: «sede todos concordes...»; mas imediatamente a seguir apontava
os pecados contra a concórdia e a paz, que é preciso evitar: «Não retribuais
o mal com o mal, nem a injúria com a injúria; ao contrário, respondei
bendizendo, pois para isto fostes chamados, para conseguirdes a bênção». E
concluía com uma palavra de encorajamento e de esperança: «quem vos poderá
fazer mal, se fordes zelosos pelo bem?». (201)
Ouso ligar esta minha
Exortação, numa hora não menos crítica da história, à do Príncipe dos
Apóstolos, que foi o primeiro a sentar-se nesta Cátedra romana, como
testemunha de Cristo e pastor da Igreja, e aqui «presidiu à caridade» diante
do mundo inteiro. Também eu, em comunhão com os Bispos sucessores dos
Apóstolos e confortado pela reflexão colegial que muitos deles, reunidos no
Sínodo, dedicaram aos temas e problemas da reconciliação, desejei
comunicar-vos, com o mesmo espírito do pescador da Galiléia, o que ele dizia
aos nossos irmãos na fé, longe de nós no tempo, mas bem unidos no coração:
«sede todos concordes (...), não retribuais o mal com o mal (...), sede
zelosos pelo bem». (202) E acrescentava: «É melhor padecer, praticando o
bem, se assim agrada à vontade de Deus, do que fazendo o mal». (203) Esta
palavra de ordem está repleta de expressões que Pedro ouvira ao próprio
Jesus e de conceitos, que faziam parte da sua «Boa Nova»: o mandamento novo
do amor mútuo; o anelo e o empenho pela unidade; as bem-aventuranças da
misericórdia e da paciência na perseguição pela justiça; o retribuir o mal
com o bem; o perdão das ofensas; o amor dos inimigos.
Em tais palavras e
conceitos está a síntese original e transcendente da ética cristã ou, melhor
e mais profundamente, da espiritualidade da Nova Aliança em Jesus Cristo.
Confio ao Pai, rico de misericórdia, confio ao Filho de Deus, feito homem
como nosso Redentor e Reconciliador, confio ao Espírito Santo, fonte de
unidade e de paz, este meu apelo de pai e de pastor à penitência e à
reconciliação.
Queira a Trindade Santíssima e adorável fazer germinar na
Igreja e no mundo a pequenina semente que neste momento entrego à terra
generosa de tantos corações humanos. Para que daí provenham, num dia não
muito longínquo, frutos abundantes, convido-vos a todos a dirigir-vos comigo
ao Coração de Cristo, sinal eloquente da misericórdia divina, «propiciação
pelos nossos pecados», «nossa paz e reconciliação», (204) para aí haurirmos
a energia interior para a detestação do pecado e para a conversão a Deus, e
aí encontrarmos a benignidade divina que amorosamente responde ao
arrependimento humano. Convido-vos também a dirigir-vos comigo ao Coração
Imaculado de Maria, Mãe de Jesus, na qual «se operou a reconciliação de Deus
com a humanidade (...), se realizou a obra da reconciliação, porque ela
recebeu de Deus a plenitude da graça, em virtude do sacrifício redentor de
Cristo». (205) Na verdade, Maria, em virtude da sua maternidade divina,
tornou-se «a aliada de Deus» na obra da reconciliação. (206) Nas mãos desta
Mãe, cujo «fiat», na expressão de muitos autores, assinalou o início daquela
«plenitude dos tempos» que viu ser realizada por Cristo a reconciliação do
homem com Deus e ao seu Coração Imaculado — ao qual tenho repetidamente
entregado e confiado toda a humanidade, turbada pelo pecado e dilacerada por
tantas tensões e conflitos — confio agora de modo especial esta intenção:
que, por sua intercessão, a mesma humanidade descubra e percorra o caminho
da penitência, o único que a poderá conduzir à plena reconciliação! A todos
vós, que, com espírito de comunhão eclesial na obediência e na fé, (207)
quiserdes acolher as indicações, as sugestões e as diretrizes contidas neste
Documento, esforçando-vos por traduzi-las em prática pastoral viva, concedo
de todo o coração a minha Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, a 2 de Dezembro,
I Domingo do Advento, do ano de 1984, sétimo do meu Pontificado.
1. Mc 1, 15.
2. Cf. João Paulo II, Discurso na abertura da 3a Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano, III, 1-7: AAS 71 (1979), pp. 198-204.
3. A visão de um mundo «despedaçado» transparece na obra de não poucos
escritores contemporâneos, cristãos e não cristãos, testemunhas da condição
do homem nesta nossa atormentada época.
4. Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Const. past. sobre a Igreja no Mundo
Contemporâneo Gaudium et Spes, 43-44; Decreto sobre o Ministério e Vida dos
Sacerdotes Presbyterorum Ordinis, 12; PAULO VI, Encíclica Ecclesiam suam:
AAS 56 (1964), 609-659.
5. Sobre as divisões no corpo da Igreja, escrevia com palavras ardentes, nos
albores da Igreja, o Apóstolo São Paulo na famosa página da 1 Cor 1, 10-16.
Aos mesmos Coríntios dirigir-se-á, alguns anos mais tarde, São Clemente de
Roma, para denunciar as dilacerações no seio daquela comunidade: cf. Carta
aos Coríntios, III-IV; LVII: Patres Apostolici ed. FUNK, I, 103; 171-173.
Sabemos, pelos mais antigos Padres da Igreja, que a túnica inconsútil de
Cristo, que não foi lacerada pelos soldados, se tornou imagem da unidade da
Igreja: cf. S. CIPRIANO, De Ecclesiae catholicae unitate, 7: CCL 3/1, 254
s.; S. AGOSTINHO, In Ioannis Evangelium tractatus, 118, 4: CCL 36, 656 s.;
S. BEDA VENERÁVEL, In Marci Evangeliurn expositio, IV, 15: CCL 120, 630; In
Lucae Evangelium expositio, VI, 23: CCL 120, 403; In S. Ioannis Evangelium
expositio, 19: PL 92, 911 s.
6. A Encíclica Pacem in Terris, testamento espiritual do Papa João XXIII,
(cf. ASS 55 [1963], 257-304), é freqüentemente considerada um «documento
social» e até mesmo uma «mensagem política»; e é-o, na verdade, se tomarem
estas expressões em toda a sua amplitude. Mais do que uma estratégia em
vista da convivência dos povos e Nações, o texto pontifício é de fato —
conforme se verifica, passados mais de vinte anos da sua publicação — uma
veemente chamada à atenção para os valores supremos, sem os quais a paz na
terra se torna uma quimera. Um destes valores é precisamente a reconciliação
entre os homens, tema a que se referiu muitas vezes o mesmo Papa João XXIII.
De Paulo VI bastará recordar que, ao convocar a Igreja e o Mundo inteiro
para celebrar o Ano Santo de 1975, ele quis que «renovação e reconciliação»
fossem a idéia central desse importante acontecimento. E não se devem
esquecer as catequeses que o mesmo Sumo Pontífice dedicou a essa
idéia-mestra, também para ilustrar o mesmo Jubileu.
7. «Este tempo forte, durante o qual todos e cada um dos cristãos são
chamados a realizar mais profundamente a sua vocação para a reconciliação
com o Pai, no Filho´ ´ tive ocasião de escrever na Bula de proclamação do
Ano Santo extraordinário da Redenção ´ só alcançará plenamente os seus
objetivos, se levar a um empenhamento novo de cada um e de todos ao serviço
da reconciliação, não apenas entre os discípulos de Cristo, mas também entre
todos os homens». Bula Aperite portas Redemptori, n. 3: AAS 75 (1983), 93.
8. O tema do Sínodo, mais precisamente, era: Reconciliação e Penitência na
Missão da Igreja.
9. Cf. Mt 4, 17; Mc 1, 15.
10. Cf. Lc 3, 8.
11. Cf. Mt 16, 24-26; Mc 8, 34-36; Lc 9, 23-25.
12. Cf. Ef 4, 23 s.
13. Cf. 1 Cor 3, 1-20.
14. Cf. Col 3, 1 s.
15. «Nós vo-lo suplicamos em nome de Cristo: reconciliai-vos com
Deus»: 2 Cor 5, 20.
16. «Nós gloriamo-nos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Qual
obtivemos agora a reconciliação»: Rom 5, 11; cf. Col 1, 20.
17. O Concílio Vaticano II, a este propósito, salienta: «Na verdade, os
desequilíbrios de que sofre o mundo atual, estão ligados a um desequilíbrio
mais fundamental que se enraíza no coração do homem. É precisamente no
íntimo do homem que muitos elementos se combatem. Enquanto por um lado, como
criatura, faz a experiência das suas múltiplas limitações, por outro,
sente-se ilimitado nas suas aspirações e chamado a uma vida superior.
Atraído por muitas solicitacões, vê-se a todo o momento obrigado a escolher
entre elas e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, não raro
faz o que não quer e não faz o que desejaria (cf. Rom 7, 14 ss.). Por isso,
sofre em si mesmo a divisão, da qual promanam também tantas e tão graves
discórdias para a sociedade»: Const. past. sobre a Igreja no Mundo
Contemporâneo Gaudium et Spes, 10.
18. Cf. Col 1, 19 s.
19. Cf. João Paulo II, Encíclica Dives in Misericordia, IV: 5-6 AAS
72 (1980), 1193-1199
20. Cf. Lc 15, 11-32.
21. O Livro de Jonas, no Antigo Testamento, é uma admirável antecipação e
figura deste aspecto da parábola. O pecado de Jonas consistiu em ele ter
experimentado «profundo desagrado e ter ficado irritado», por Deus ser
«misericordioso e clemente, longanime e cheio de bondade, que desiste
facilmente do mal ameaçado»; é o pecado de «sentir pena de um rícino (...)
que nasceu numa noite e numa noite feneceu», e de não entender que o Senhor
«se compadeça de Nínive»: cf. Jon 4.
22. Rom 5, 10 s.; cf. Col 1, 20-22.
23. 2 Cor 5, 18. 20.
24. Jo 11, 52.
25. Cf. Col 1, 20.
26. Cf. Sir 44, 17.
27. Ef 2, 14.
28. Cf. Prece Eucarística III.
29. Cf Mt 5, 23 s.
30. Mt 27, 46; Mc 15, 34; Sl 22 [21], 2.
31. Cf. Ef 2, 14-16.
32. S. LEÃO MAGNO, Tractatus 63 (De passione Domini 12), 6: CCL
138/A, 386.
33. 2 Cor 5, 18 s.
34. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 1.
35. «Por sua própria natureza, a Igreja é sempre reconciliadora porque
transmite aos outros o dom que ela mesma recebeu, o dom de ser perdoada e
tornada algo unido com Deus»: João Paulo II, Discurso em Liverpool (30 de
Maio de 1982), 3: Insegnamenti V, 2 (1982) 1992.
36. Cf. At 15, 2-33.
37. Cf. Exort. Apostólica Evangelii Nuntiandi, n. 13: AAS 67 (1976),
p. 12 s.
38. Cf. João Paulo II, Exort. Apostólica Catechesi
Tradendae, n. 24: AAS 71 (1979), p. 1297.
39 .Cf. PAULO VI, Encíclica Ecclesiam Suam: AAS 56 (1964), 609-659.
40. 2 Cor 5, 20.
41. Cf. 1 Jo 4, 8.
42. Cf Sab 11, 24-26; Gén 1, 27; Sl 8, 4-8.
43. Cf. Sab 2, 24.
44. Cf. Gén 3, 12 S., 4, 1-16.
45. Ef 2, 4
46. Cf. Ef 1, 10.
47. Jo 13, 34.
48. Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Const. past. sobre a Igreja no Mundo
Contemporâneo Gaudium et Spes, 38.
49. Cf. Mc 1, 15.
50. 2 Cor 5, 20
51. Ef 2, 14-16.
52. Cf. S. AGOSTINHO, De Civitate Dei, XXII, 17: CCL 48, 835 s.; S. TOMÁS DE
AQUINO, Summa Theologiae, pars III, q. 64, a. 2 ad tertium.
53. Cf. PAULO VI, Alocução no encerramento da Terceira Sessão do Concílio
Ecumenico Vaticano II (21 de Novembro de 1964): AAS 56 (1964), 1015-1018.
54. CONC. ECUM. VATICANO II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 39.
55. Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Decr. sobre o Ecumenismo Unitatis
Redintegratio, 4.
56. 1 Jo 1, 8 s.
57. 1 Jo 3, 20; cf. a referência por mim feita a este texto, no discurso na
Audiência Geral de 14 de Março de 1984;Insegnamenti VII, 1 (1984), p. 683.
58. Cf. 2 Sam 11-12.
59. Sl 50 [51], 5 s.
60. Lc 15, 18-21.
61. Lettere, Firenze, 1970, I, pp. 3 s.; Il Dialogo della Divina
Provvidenza, Roma, 1980, passim.
62. Cf. Rom 3, 23-26.
63. Cf. Ef 1, 18.
64. Cf. Gén 11, 1-9.
65. Cf Sl 127 (126), 1.
66. Cf. 2 Tess 2, 7.
67. Cf. Rom 7, 7-25; Ef 2, 2; 6, 12.
68. É significativa a terminologia usada na tradução grega dos LXX e no Novo
Testamento acerca do pecado. A designação mais comum é a de hamartía, a que
há que juntar outras palavras da mesma raiz. Esta exprime o conceito de
faltar mais ou menos gravemente, quer contra uma norma ou uma lei, quer
contra uma pessoa ou mesmo até contra uma divindade. Mas o pecado é também
designado adikía, cujo significado é o de praticar a injustica. Falar-se-á
também de parábasis ou transgressão; de asébeia, impiedade, e outros
conceitos; todos em conjunto dão-nos a imagem do pecado.
69. Gén 3, 5: «Tornar-vos-eis como Deus, conhecendo o bem e o mal»; cf.
também o v. 22.
70. Cf. Gén 3 12.
71. Cf. Gén 4, 2-16.
72. A expressão é da autoria da escritora francesa ELISABETH LESEUR: Journal
et pensées de chaque jour, Paris 1918, p. 31.
73. Cf. Mt 22, 39; Mc 12, 31; Lc 10, 27 s.
74. Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre alguns
aspectos da «Teologia da Libertação» Libertatis Nuntius: (6 de Agosto de
1984), IV, 14-15: AAS 76 (1984), 885 s. :
(14. Não se pode, portanto, restringir o campo do pecado, cujo primeiro
efeito é o de introduzir a desordem na relação entre o homem e Deus, àquilo
que se denomina pecado social. Na verdade, só uma adequada doutrina sobre
o pecado permitirá insistir sobre a gravidade de seus efeitos sociais.
15. Não se pode tampouco
situar o mal unicamente ou principalmente nas estruturas econômicas,
sociais ou políticas, como se todos os outros males derivassem destas
estruturas como de sua causa: neste caso, a criação de um homem novo
dependeria da instauração de estruturas econômicas e sócio-políticas
diferentes. Há, certamente, estruturas iníquas e geradoras de iniqüidade, e
é preciso ter a coragem de mudá-las. Fruto da ação do homem, as estruturas
boas ou más são conseqüências antes de serem causas. A raiz do mal se
encontra, pois, nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas
pela graça de Jesus Cristo, para viver e agir como criaturas novas, no amor
ao próximo, na busca eficaz da justiça, do autodomínio e do exercício das
virtudes.)
89. Cf. S. TOMÁS
DE AQUINO, Summa Theologiae, Ia’IIae, q. 14, aa. 1-3.
90. Cf. 1 Jo 3, 20.
91. S. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, IIa´IIae, q. 14, a. 3 ad primum.
92 .Cf. Flp 2, 12.
93. Cf. S. AGOSTINHO, De spiritu et littera, XXVIII: CSEL 60, 202 s.;
Enarrat. in ps. 39, 22: CCL 38, 441; Enchiridion ad Laurentium de fide et
spe et caritate, XIX, 71: CCL 46, 88; In Ioannis Evangelium tractatus, 12,
3, 14: CCL 36, 129.
94. S. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, Ia´IIae, q. 72, a. 5.
95. Cf. CONC. ECUM. TRIDENTINO, Sessio VI, De iustificatione, cap. II, e
Câns. 23, 25, 27: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Bologna 19733, 671. 680
s. (DS 1573, 1575, 1577).
97. João Paulo II, Angelus de 14 de Março de 1982: Insegnamenti V, 1 (1982),
861.
98. Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, Gaudium et Spes, 16.
99. João Paulo II, Angelus de 14 de Março de 1982:Insegnamenti V, 1 (1982),
860.
100. PIO XII, Radiomensagem ao Congresso Catequístico Nacional dos Estados
Unidos em Bostom (26 de Outubro de 1946): Discorsi e Radiomessaggi, VIII
(1946), 288.
101. Cf. João Paulo II, Encíclica Redemptor Hominis, 15: AAS 71 (1979),
286-289.
102. Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Const. past. sobre a Igreja no Mundo
Contemporâneo Gaudium et Spes, 3; cf. 1 Jo 3, 9.
103. João Paulo II, Discurso aos Bispos da Região Leste da França (1° de
Abril de 1982), 2: Insegnamenti V, 1 (1982), 1081.
104. 1 Tim 3, 15 s.
105. O texto oferece, por isso, uma certa dificuldade de leitura, uma vez
que o pronome relativo, que abre a citação literal, não concorda com o
neutro «mysterion». Alguns manuscritos tardios retocaram o texto para o
corrigir gramaticalmente; mas São Paulo pretendeu somente justapor ao seu um
outro texto venerável, que lhe parecia plenamente esclarecedor.
106. A comunidade cristã primitiva exprime a sua fé no Crucificado, que foi
glorificado, que os anjos adoram e que é Senhor. Mas o elemento
impressionante desta mensagem continua a ser o «manifestado na carne»: o
«grande mistério» é que o eterno Filho de Deus se tenha feito homem.
107. 1 Jo 5, 18 s.
108. 1 Jo 3, 9.
109. 1 Tim 3, 15.
110. 1 Jo 1, 8.
111. 1 Jo 5, 19.
112.
Cf. Sl 51 (50), 7.
113. Cf. Ef 2, 4.
114. Cf. João Paulo II, Encíclica Dives in Misericordia, VIII, 15:
AAS 72 (1980), 1203-1207; 1231.
115.
2 Sam 12, 13.
116. Sl 51 (50), 5.
117. Sl 51 (50), 9.
118. 2 Sam 12,
13.
119. Cf. 2 Cor 5, 18.
120. Cf 2 Cor 5, 19.
121. Const past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 92.
122. Cf. Decr. sobre o Múnus Pastoral dos Bispos Christus Dominus, 13; cf.
Decl. sobre a Educação Cristã Gravissimum Educationis, 8; Decr. sobre a
Atividade Missionária da Igreja Ad Gentes, 11. 12.
123. Cf. PAULO VI, Encíclica Ecclesiam Suam, III: AAS 56 (1964), 639-659.
124. Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium,
1. 9. 13.
125. PAULO VI, Exort. Apostólica Paterna cum Benevolentia: AAS 67 (1975),
5-23.
126. Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Decr. sobre o Ecumenismo Unitatis
Redintegratio, 7-8.
127. Ibidem, 4.
128. S. AGOSTINHO, Sermo 96, 7: PL 38, 588.
129. João Paulo II, Discurso aos Membros do Corpo Diplomático acreditado
junto da Santa Sé (15 de Janeiro de 1983), 4. 6. 11: AAS 75 (1983), 376. 378
s.; 381.
130. João Paulo II, Homilia da Missa do XVI Dia Mundial da Paz (1· de
Janeiro de 1983), 6: Insegnamenti, VI, 1 (1983), 7.
131. PAULO VI, Exort. Apostólica Evangelii Nuntiandi, 70: AAS 68 (1976), 59
s.
132. 1 Tim 3, 15.
133. Cf. Mt 5, 23 s.
134. Cf. Mt 5, 38-40.
135. Cf. Mt 6, 12.
136. Cf. Mt 5, 43 ss.
137.
Cf. Mt 18, 21 s.
138. Cf. Mc 1, 4. 14; Mt 3, 2; 4, 17; Lc 3, 8.
139. Cf. Lc 15, 17.
140. Cf. Lc 17, 3 s.
141. Cf. Mt 3, 2; Mc 1, 2b; Lc 3, 1-6.
142. Cf. Const.
past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 8. 16. 19. 26.
41. 48. 143. Cf. Declaração sobre a Liberdade Religiosa Dignitatis Humanae,
2. 3. 4. 144. Cf. entre muitos outros, os discursos nas Audiências Gerais de
28 de Março de 1973: Insegnamenti, XI (1973), 294 ss.; 8 de Agosto de 1973:
Ibidem, 772 ss.; 7 de Novembro de 1973: Ibidem, 1054 ss.; 13 de Março de
1974: Insegnamenti, XVI (1974), 230 ss.; 8 de Maio de 1974: Ibidem, 402 ss.,
12 de Fevereiro de 1975: Insegnamenti, XIII (1975), 154 ss., 9 de Abril de
1975: Ibidem, 290 ss.; 13 de Julho de 1977: Insegnamenti, XV (1977), 710 ss.
145. Cf. João Paulo II, Angelus de 17 de Março de 1982: Insegnamenti, V, 1
(1982), 860 s.
146. Cf. João Paulo II, Discurso na Audiência Geral de 17 de Agosto de 1983,
1-3: Insegnamenti, VI, 2 (1983), 256 s.
147.
Hebr 4, 15.
148. Cf. Mt 4, 1-11; Mc 1, 12 s.; Lc 4, 1-13.
149. Cf. 1 Cor 10, 13.
150. Cf. Mt 6, 13; Lc 11, 4.
151. 1 Pdr 3, 21.
152. Cf. Rom 6, 3 s.; Col 2, 12.
153 .Cf. Mt 3, 11; Lc 3, 16; Jo 1, 33; At 1, 5; 11, 16.
154. Cf. Mt 3,
15.
155. S. AGOSTINHO, In Iohannis Evangelium tractatus, 26, 13: CCL 36, 266.
156. S. CONGREGAÇÃO DOS RITOS, Instr. sobre o Culto do Mistério Eucarístico
Eucharisticum Mysterium (25 de Maio de 1967), 35:AAS 59 (1967), 560 s.
162. Jo 20, 22; Mt 18, 18; cf. também, pelo que diz respeito a Pedro, Mt 16,
19. 0 Beato Isac della Stella, num seu discurso sobre a plena comunhão de
Cristo com a Igreja no que se refere à remissão dos pecados, acentua: «A
Igreja nada pode perdoar sem Cristo e Cristo nada quer perdoar sem a Igreja.
A Igreja não pode perdoar senão a quem é penitente, isto é, a quem Cristo
tocou com a sua graça; e Cristo nada quer considerar como perdoado a quem
despreza a sua Igreja»: Sermo 11 (In dominica III post Epiphaniam, I): PL
194, 1729.
163. Cf. Mt 12, 49 s.; Mc 3, 33 s.; Lc 8, 20 s.;Rom 8, 29: «primogénito
entre muitos irmãos».
164.
Cf Hebr 2, 17- 4, 15.
165. Cf. Mt 18, 12 s.; Lc 15, 4-6.
166. Cf. Lc 5, 31 s.
167. Cf. Mt 22, 16.
168. At 10, 42.
169. Jo 8, 16.
170. Cf. Discurso aos Penitenciários das Basílicas Patriarcais de Roma e aos
Sacerdotes confessores, ao terminar o Jubileu da Redenção (9 de Julho de
1984): L´Osservatore Romano, 9-10 de Julho de 1984.
171.
Jo 8, 11.
172. Cf. Tit 3, 4.
173. Cf. CONC. ECUM. TRIDENTINO, Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae, cap. I e cân. 1:
Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 703 s., 711 (DS 1668-1670.
1701).
174. Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 11.
175. Cf. CONC. ECUM. TRIDENTINO, Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae,
cap. I e cân. 1: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 703 s., 711
(DS 1668-1670. 1701).
176. Cf. Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 72.
177. Cf. Rituale Romanum ex Decreto Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani
II instauratum, auctoritate Pauli VI promulgatum. Ordo Paenitentiae, Typis
Polyglottis Vaticanis, 1974.
178. O Concílio de Trento usa a expressão atenuada «ad instar actus
iudicialis» (Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae, cap. 6: Conciliorum
Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 707 [DS 1685]), para frisar a diferença
relativamente aos tribunais humanos. O novo Ritual da Penitência alude a
esta função, nn. 6 b e 10 a.
179. Cf. Lc 5, 31 s.: Não são os que gozam de saúde que precisam de médico,
mas sim os que estão doentes», com a conclusão: «Eu (...)
vim para chamar (...) os pecadores para que se arrependam; Lc 9, 2: «enviou-os a pregar o
Reino de Deus e a curar os enfermos». A imagem de Cristo-médico adquire
novas e impressionantes tonalidades, se a pusermos em confronto com a figura
daquele «Servo de Javé» do qual o Livro de Isaías profetizava que «ele tomou
sobre si as nossas enfermidades carregou-se com as nossas dores» e que
«pelas suas chagas nós fomos curados» (Is 53, 4 s.).
180. S. AGOSTINHO, Sermo 82 8: PL 38, 511.
181. Cf. S. AGOSTINHO, Sermo 352, 3, 8-9´ PL 39, 1558 s.
182. Cf. Ordo Paenitentiae 6 c.
183. Já os pagãos — como Sófocles (Antígona vv. 450-460) e Aristóteles
(Rhetor., lib. I, cap. 15, 1375 a-b) reconheciam a existência de normas
morais «divinas», que existiram «desde sempre» profundamente gravadas no
coração do homem.
184. Sobre este papel de consciência, cf. aquilo que tive ocasião de dizer
no decorrer da Audiência Geral de 14 de Março de 1984, 3: Insegnamenti, VII,
1 (1984), 683.
185. Cf. CONC. ECUM. TRIDENTINO, Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae,
cap. IV De contritione: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 705 (DS
1676-1677). Como é conhecido, para se aproximar do sacramento da Penitência
é suficiente a atrição, ou seja, um arrependimento imperfeito, devido mais
ao temor do que ao amor; mas, no âmbito do Sacramento, sob a ação da graça
que recebe, o penitente «ex attrito fit contritus»; de tal modo que a
Penitência, de fato, produz como efeito em quem se aproximar dela bem
disposto a conversão no amor: cf. CONC. ECUM. TRIDENTINO, ibidem, ed. cit.,
705 (DS 1678).
186. Cf. Ordo Paenitentiae, 6 c.
187. Cf. Sl 51 (50), 14.
188. Sobre estes aspectos da Penitência, todo eles fundamentais, tive
ocasião de falar nas Audiência Gerais de: 19 de Maio de 1982: Insegnamenti
V, 2 (1982), 1758 ss.; 28 de Fevereiro de 1979: Insegnamenti, II (1979),
475-478; de 21 de Março de 1984: Insegnamenti, VII, 1 (1984), 720-722.
Chama-se também a atenção para as normas do Código de Direito Canônico, que
dizem respeito ao lugar para a administração do Sacramento e aos
confessionários (cân. 964, 2-3).
189. Tratei resumidamente do tema no decorrer da Audiência Geral de 7 de
Março de 1984: Insegnamenti, VII, 1 (1984), 63 1-633.
190.
Cf. Gén 4, 7. 15. 191. Cf. 2 Sam 12.
192. Cf. Lc 15, 17-21.
193. Cf. CONC. ECUM. VATICANO II, Decr. sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes
Presbyterorum Ordinis, 18.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).