"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Igreja Santa e Pecadora ?
1.3. A Pessoa da Igreja
Em Ef 5, 25-27 lê-se: "Cristo amou a Igreja e se entregou a ela, a fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível".
São Paulo aí fala da Igreja Esposa de Cristo e, por isto, santa; é o que se poderia chamar "a Pessoa da Igreja". Essa Esposa santa é Mãe, Mãe de filhos nem sempre fiéis aos preceitos de sua Mãe; tais são os católicos, que constituem a face visível da Igreja; vêm a ser o que se chama "o pessoal da igreja".
Na Igreja, portanto, existem a Pessoa (o elemento santo, indefectível, porque Cristo lhe assiste infalivelmente) e o pessoal (as criaturas que, tendo recebido o Batismo, se esforçam, com maior ou menor empenho, por corresponder à beleza da sua Mãe).
Conseqüentemente, quem vê falhas na Igreja (elas podem ser mesmo muito notórias), não as atribua sem mais à Igreja, mas impute-as ao pessoal ou aos filhos da Igreja, sujeitos à fragilidade humana. Apesar de tudo, a Mãe Igreja continua a ser santa e fonte inextinguível de santidade para quantos a procuram em seus sacramentos e sacramentais.
A história da Igreja revela tal paradoxo através dos séculos, paradoxo que não impede seja a Igreja até hoje a consciência viva da humanidade, portadora da palavra da sabedoria que o Senhor lhe comunica para que a apregoe ao mundo.
A distinção entre Pessoa e pessoal da Igreja explica por que o Papa João Paulo II, aos 12/03/00, pediu perdão pelos pecados dos filhos da Igreja, e não pelos "pecados da Igreja". A formulação das preces de perdão foi concebida com precisão, como se pode depreender de quanto está publicado em PR 459/2000, pp. 338-343.
A reflexão se prolongará sob o subtítulo seguinte.
2. Santidade e Pecado na Igreja
2.1. Conforme a Escritura
Os membros da Igreja santa têm a obrigação de levar uma vida santa ou isenta de pecado: "Sede santos, porque eu sou santo" é norma do Antigo Testamento, que ressoa no Novo:
"Como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos também santos em todo o vosso comportamento, porque está escrito: 'Sede santos, porque eu sou Santo' (Lv 17, 1)" (1Pd 1, 15s)
O cristão é chamado a ser, por todo o seu teor de vida, uma hóstia santa e agradável a Deus; a vida do cristão é um culto, cuja lei é a pureza:
"Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus; este é o vosso culto espiritual" (Rm 12, 1).
Assim a Igreja é a comunidade dos santos, ou seja, de pessoas consagradas e pertencentes a Deus pelo batismo e que se esforçam por viver fielmente a sua consagração batismal e a sua qualidade de membros do Corpo de Cristo.
A Igreja nascente era muito exigente no tocante ao teor de vida dos seus fiéis. Todavia desde os tempos dos Apóstolos se registravam desvios dessa vocação sublime: tal foi o caso do incestuoso de Corinto (1Cor 5, 5), o do homem que injuriou Paulo (2Cor 2, 5-11), o dos apóstatas (Hb 6, 4-8; 10, 26-31). O Apóstolo aplicava sanções, até mesmo a excomunhão, aos delinqüentes, a fim de os trazer de volta ao bom caminho (cf. 1Cor 5, 3-5; 2Cor 2, 6-8).
Quem percorre os escritos do Novo Testamento, verifica que já no tempo dos Apóstolos havia graves falhas morais nas respectivas comunidades (cf. Gl 1, 6; 3, 1; 5, 4); o Apocalipse, cc. 2 e 3, censura severamente o esfriamento do fervor inicial. Isto se compreende bem se se leva em conta a pregação do próprio Cristo: a parábola do joio e do trigo (Mt 13, 24-30), a da rede que capta peixes bons e maus (Mt 13, 47-50); só no fim dos tempos será feita a definitiva separação de bons e maus.
Apesar de tudo, houve nos primeiros séculos tendências rigoristas, que não admitiam o perdão dos graves pecados da apostasia, do homicídio e do adultério; assim pensavam Tertuliano (+220 aproximadamente), Novaciano (+225 aproximadamente), os donatistas nos séculos IV e V. S. Agostinho (+430) disse a respeito a palavra final, lembrando a parábola do joio e do trigo; a Igreja não consta apenas de Santos; ela inclui também os pecadores entre os seus membros, como o joio existe ao lado do trigo no mesmo campo.
Estes fatos iniciais da história da Igreja tiveram significado definitivo. A Igreja reconhece ser indefectivelmente santa, porque é o Corpo de Cristo prolongado, mas ela tem filhos pecadores, que ela carrega em seu bojo e para os quais ela traz os meios de reconciliação, entre os quais o sacramento da Penitência.
2.2. Fala a Teologia
A Igreja é santa, porque indissoluvelmente unida a Cristo, que nela habita e por ela age. Todavia essa santidade não atinge igualmente todos os membros da Igreja, que, mesmo depois do Batismo, trazem em si resquícios do velho homem ou do paganismo. O fato de que Cristo habita na Igreja distingue do povo de Deus do Antigo Testamento o novo povo de Deus; com efeito, a Igreja não é apenas a soma de seus membros humanos; ela é o Cristo prolongado, revestido da face humana de seus membros.
A dialética entre santidade e pecado na Igreja se exprime por diversas fórmulas:
"A Igreja não existe sem pecadores, mas ela mesma é sem pecado"
(Charles Journet, L'Église du Verbe Incarné, II, Paris, 1954, p. 904).
Jacques Maritain distingue na Igreja a pessoa e o pessoal. A pessoa é o sujeito-Igreja unida a Cristo como Corpo Místico ou Esposa indefectível; o pessoal seriam os membros da Igreja, sujeitos à fragilidade humana[2]. O pensamento é assim desenvolvido, com outras palavras, por Maritain:
"Os católicos não são o Catolicismo. As falhas, as lerdezas, as carências e as sonolências do católico não comprometem o Catolicismo... A melhor apologética não consiste em justificar os católicos quando erram, mas, ao contrário, em caracterizar esses erros e dizer que não afetam a substância do Catolicismo e só contribuem para melhor trazer à tona a força de uma religião sempre viva apesar deles... Não nos considereis a nós, pecadores. Vede, antes, como a Igreja sana as nossas chagas e nos leva trôpegos para a vida eterna... A grande glória da Igreja é ser Santa com membros pecadores" (Religion et Culture, Paris, 1930, p. 60).
Em conseqüência, afirma-se, com razão, que as fronteiras da Igreja não passam em torno dos países pagãos, mas passam no íntimo de cada cristão, onde há uma porção já cristianizada e uma faixa ainda pagã, que se exprime no pecado.
Aprofundando um pouco mais, diremos: é certo que não se pode atribuir à Igreja como tal o pecado, como se ela cometesse o pecado; sujeito do pecado só pode ser uma pessoa individual. Ela consta de seres humanos na sua realidade histórica, que são pecadores: são membros da Igreja, mas o pecado que eles cometem não brota do bojo da Igreja nem é ensinado pela Igreja, que, ao contrário, o combate. Por isto na Igreja existe a Penitência como remédio para o pecado. É o que diz a Constituição Lumen Gentium nº 8:
"Enquanto Cristo santo, inocente, imaculado (Hb 7, 20), não conhece o pecado (2Cor 5, 21), mas veio para expiar os pecados do povo (Hb 2, 17), a Igreja, reunindo em seu próprio seio os pecadores, ao mesmo tempo santa e sempre na necessidade de purificar-se, busca sem cessar a penitência e a renovação".
Em sua encíclica Mystici Corporis Pio XII exorta os fiéis a amar a Igreja, servindo-se de palavras muito calorosas:
"Julgamos conforme à nossa missão pastoral estimular as almas a amar esse Corpo Místico com uma caridade tão ardente que se traduza não somente em pensamentos e palavras, mas também em obras...
Com efeito; nada se pode conceber de mais glorioso, mais nobre, mais honroso do que pertencer à Igreja Santa, Católica, Apostólica e Romana, pela qual nos tornamos membros de um Corpo tão santo, somos dirigidos por um chefe tão sublime, somos penetrados por um único Espírito divino, enfim somos alimentados, neste exílio terrestre, por uma só doutrina e um só Pão celeste até que finalmente tomemos parte da única e eterna bem-aventurança nos céus" (nº 90).
"Não basta amar esse Corpo Místico por causa da sua Cabeça Divina e dos celestes privilégios que são o seu apanágio; é preciso amá-lo igualmente com ardor eficaz tal como se manifesta em nossa carne mortal, constituído, como é, por elementos humanos e débeis, mesmo se estes, por vezes, são indignos do lugar que ocupam nesse Corpo venerável" (nº 91).
Por sua vez, no Credo do Povo de Deus escreve Paulo VI:
«A Igreja é santa, não obstante compreender no seu seio pecadores, porque ela não possui em si outra vida senão a da graça; é vivendo de sua vida que os seus membros se santificam; e é subtraindo-se à sua vida que eles caem no pecado e nas desordens que ofuscam o brilho da sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por estas faltas, tendo o poder de curar delas os seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo».
3. "Minha Igreja"
Em seu livro "Minha Igreja", o grande teólogo Frei Boaventura Kloppenburg tece valiosas considerações sobre o paradoxo da Igreja divino-humana:
«Bem sabemos por experiência própria, uns mais, outros menos, e alguns até com sofrimento e amargura, que a Igreja visível foi confiada a homens que, todos eles, sem exceção, nasceram em pecado original, e que suas seqüelas continuaram neles também depois do Batismo e de outros sacramentos, inclusive da Ordem em seu mais alto grau. Entre os doze apóstolos que o Senhor escolhera a dedo, um (quase 10% do total) se tornou traidor; outro, que depois seria o chefe, o negou; e os demais se dispersaram quando o Senhor foi preso. Deixaram-no sozinho e sem defesa. São os elementos humanos da Igreja para provar nossa fé nas vicissitudes da vida. Mas podemos constatar que, em nossos dias, a grande maioria dos que estão à frente da Igreja são pessoas excelentes, razoavelmente bem formadas e cuidadosamente preparadas. Porém são apenas instrumentos vivos e oxalá sempre afinados da Igreja, mas não são a parte principal de minha Igreja. Se ela fosse só isso, não lhe daria minha vida, nem ela mereceria meu desinteressado amor.
É ilusório afirmar que queremos Cristo, não a Igreja. Cristo e a Igreja são de fato inseparáveis. Crer em Cristo significa aceitar o que ele ensinou, instituiu e mandou. Jesus podia ser duro e exigente, como na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6, 59-70). Se queremos apenas Cristo, mas não sua Igreja, que faríamos com tão grande número de textos inspirados do Novo Testamento (o NT escrito não é constituído apenas pelos quatro Evangelhos) que nos falam precisamente da Igreja e de sua necessidade? Quem nos daria os Sacramentos que o Senhor nos deixou? Que fariam os Apóstolos que Jesus convocou, nomeou e enviou? O NT nos apresenta a Igreja como Corpo de Cristo ou sua Esposa. Pretender um Jesus sem seu Corpo seria como querer uma Cabeça sem Corpo ou um Esposo sem Esposa.
Querer Cristo sem a parte visível e social de sua Igreja seria ignorar a missão de Jesus e a natureza da Igreja. Mas ver na Igreja de Cristo (a "minha Igreja", disse o Senhor) só o elemento perceptível e humano, seria desconhecer o Verbo que se fez carne e habitou entre nós; e seria não reconhecer precisamente aquilo que foi estabelecido por Deus Pai para ser na terra o sacramento do Filho Unigênito e o instrumento do Espírito Santo» (p. 13).
O autor tece um paralelo entre o mistério da Encarnação e o da Igreja:
«A natureza humana de Jesus é... o sacraamento ou o sinal e o instrumento do Filho Único e da salvação que ele traz. O Logos como tal, ou a natureza divina encarnada em Jesus de Nazaré, era invisível para os que viviam ou estavam com ele. Tão invisível que seus adversários o mataram. Se o tivessem reconhecido, "não teriam crucificado o Senhor da glória" (1Cor2, 8). O que se via ou percebia era sua natureza humana, em tudo igual à nossa, que ocultava sua natureza divina, indiscutivelmente a parte mais importante do Senhor; mas unicamente reconhecível e amável à luz da fé. Porém, sem a natureza humana de Jesus não teríamos nem a Encarnação nem a Redenção. É uma atrevida analogia que nos pode ajudar a conhecer as dificuldades de nossas relações de afeição e amor com a lgreja, também ela, como no caso do Verbo Encarnado, simultaneamente humana e divina, com o elemento divino tão bem escondido que pode ser ignorado ou até desprezado, como de fato também se deu com o Senhor Jesus» (p. 14).
Autor: D. Estevão Bettencourt
Fonte: PR 462 - pp. 485-494