"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Libertatis Nuntius
LIBERTATIS NUNTIUS
Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação
INTRODUÇÃO
O Evangelho
de Jesus Cristo é mensagem de liberdade e força de libertação. Esta verdade
essencial tornou-se, nos últimos anos, objeto da reflexão dos teólogos, com
uma nova atenção que, em si mesma, é rica de promessas.
A libertação
é antes de tudo e principalmente libertação da escravidão radical do pecado.
Seu objetivo e seu termo é a liberdade dos filhos de Deus, que é dom da graça.
Ela exige, por uma conseqüência lógica, a libertação de muitas outras
escravidões, de ordem cultural, econômica, social e política, que, em última
análise, derivam todas do pecado e constituem outros tantos obstáculos que
impedem os homens de viver segundo a própria dignidade. Discernir com clareza
o que é fundamental e o que faz parte das conseqüências é condição
indispensável para uma reflexão teológica sobre a libertação.
Na verdade,
diante da urgência dos problemas, alguns são levados a acentuar
unilateralmente a libertação das escravidões de ordem terrena e temporal,
dando a impressão de relegar ao segundo plano a libertação do pecado e,
portanto, de não lhe atribuir praticamente a importância primordial que lhe
compete.
A apresentação dos problemas por eles proposta torna-se, por isso,
confusa e ambígua. Outros, com a intenção de chegar a um conhecimento mais
exato das causas das escravidões que desejam eliminar, servem-se, sem a
suficiente precaução crítica, de instrumentos de pensamento que é difícil, e
até mesmo impossível, purificar de uma inspiração ideológica incompatível com
a fé cristã e com as exigências éticas que dela derivam.
A Congregação
para a Doutrina da Fé não pretende tratar aqui o vasto tema da liberdade
cristã e da libertação em si mesmo. Propõe-se a fazê-lo num documento
posterior, no qual porá em evidência, de maneira positiva, toda a sua riqueza,
tanto para a doutrina como para a prática.
A presente
Instrução tem uma finalidade mais precisa e
mais limitada: quer chamar a atenção dos Pastores, dos teólogos e de todos os
fiéis para os desvios e perigos de desvios, prejudiciais à fé e à vida cristã,
inerentes a certas formas da teologia da libertação que usam, de maneira
insuficientemente crítica, conceitos assumidos de diversas correntes do
pensamento marxista.
Esta
advertência não deve, de modo algum, ser interpretada como uma desaprovação de
todos aqueles que querem responder generosamente e com autêntico espírito
evangélico à opção preferencial pelos pobres. Nem pode, de maneira alguma,
servir de pretexto para aqueles que se refugiam numa atitude de neutralidade e
de indiferença diante dos trágicos e urgentes problemas da miséria e da
injustiça. Pelo contrário, é ditada pela certeza de que os graves desvios
ideológicos que ela aponta levam inevitavelmente a trair a causa dos pobres.
Mais do que nunca, convém que grande número de cristãos, com uma fé
esclarecida e decididos a viver a vida cristã na sua totalidade, se empenhem,
por amor a seus irmãos deserdados, oprimidos ou perseguidos, na luta pela
justiça, pela liberdade e pela dignidade humana. Hoje mais do que nunca, a
Igreja propõe-se a condenar os abusos, as injustiças e os atentados à
liberdade, onde quer que eles aconteçam e quaisquer que sejam seus autores, e
lutar, com os seus próprios meios, pela defesa e promoção dos direitos do
homem, especialmente na pessoa dos pobres.
I -
UMA ASPIRAÇÃO
1. A poderosa
e quase irresistível aspiração dos povos à libertação constitui um dos
principais sinais dos tempos que a Igreja deve perscrutar e interpretar à luz
do Evangelho. Este fenômeno marcante de nossa época tem uma amplidão
universal; manifesta-se, porém, em formas e em graus diferentes, conforme os
povos. É, sobretudo entre os povos que experimentam o peso da miséria e entre
as camadas deserdadas que esta aspiração se exprime com vigor.
2. Esta
aspiração traduz a percepção autêntica, ainda que obscura, da dignidade do
homem, criado à imagem e semelhança de Deus (Gn1,26-27), rebaixada e
menosprezada por múltiplas opressões culturais, políticas, raciais, sociais e
econômicas, que muitas vezes se acumulam.
3. Ao
revelar-lhes a sua vocação de filhos de Deus, o Evangelho suscitou no coração
dos homens a exigência e a vontade positiva de uma vida fraterna, justa e
pacífica, na qual cada pessoa possa encontrar o respeito e as condições da sua
auto-realização espiritual e material. Esta exigência encontra-se, sem dúvida,
na raiz da aspiração de que falamos.
4. Por
conseqüência, o homem já não está disposto a sujeitar-se passivamente ao peso
esmagador da miséria, com suas seqüelas de morte, doença e depauperamento.
Sente profundamente esta miséria como uma intolerável violação da sua
dignidade original. Muitos fatores, entre os quais é preciso incluir o
fermento evangélico, contribuíram para o despertar da consciência dos
oprimidos.
5. Já não se
ignora, mesmo nos segmentos da população ainda dominados pelo analfabetismo,
que, graças ao maravilhoso progresso das ciências e das técnicas, a
humanidade, em constante crescimento demográfico, seria capaz de assegurar a
cada ser humano um mínimo de bens exigidos pela sua dignidade de pessoa.
6. O
escândalo das gritantes desigualdades entre ricos e pobres - quer se trate de
desigualdades entre países ricos e países pobres, ou de desigualdades entre
camadas sociais dentro de um mesmo território nacional - já não é tolerado. De
um lado, atingiu-se uma abundância jamais vista até agora, que favorece o
desperdício; e, de outro lado, vive-se ainda numa situação de indigência,
marcada pela privação dos bens de primeira necessidade, de modo que já não se
conta mais o número das vítimas da subnutrição.
7. A falta de
eqüidade e de sentido de solidariedade nos intercâmbios internacionais reverte
de tal modo em benefício dos países industrializados, que a distância entre
ricos e pobres aumenta sem cessar. Daí o sentimento de frustração, entre os
povos do Terceiro Mundo, e a acusação de exploração e de colonialismo
econômico lançada contra os países industrializados.
8. A
recordação dos estragos causados por um certo tipo de colonialismo e de suas
conseqüências aviva muitas vezes feridas e traumatismos.
9. A Sé
Apostólica, na linha do Concílio Vaticano II, bem como as Conferências
Episcopais, não têm cessado de denunciar o escândalo que constitui a
gigantesca corrida armamentista que, além das ameaças que faz pesar sobre a
paz, absorve enormes somas, uma parcela das quais seria suficiente para acudir
às necessidades mais urgentes das populações privadas do necessário.
II –
EXPRESSÕES DESTA ASPIRAÇÃO
1. A
aspiração pela justiça e pelo reconhecimento efetivo da dignidade de cada ser
humano, como qualquer outra aspiração profunda, exige ser esclarecida e
orientada.
2. Com
efeito, é um dever usar de discernimento acerca das expressões, teóricas e
práticas, desta aspiração. Pois existem numerosos movimentos políticos e
Sociais que se apresentam como porta-vozes autênticos da aspiração dos pobres
e como habilitados, mesmo com o recurso a meios violentos, a realizar as
transformações radicais que poriam fim à opressão e à miséria do povo.
3. Deste
modo, a aspiração pela justiça encontra-se muitas vezes prisioneira de
ideologias que ocultam ou pervertem o seu sentido, propondo à luta dos povos
para a sua libertação objetivos que se opõem à verdadeira finalidade da vida
humana e pregando meios de ação que implicam o recurso sistemático à
violência, contrários a uma ética que respeite as pessoas.
4. A
interpretação dos sinais dos tempos à luz do Evangelho exige, pois, que se
perscrute o sentido da aspiração profunda dos povos pela justiça, mas, ao
mesmo tempo, que se examinem, com um discernimento crítico, as expressões
teóricas e práticas que são componentes desta aspiração.
III -
A LIBERTAÇÃO, TEMA CRISTÃO
1.
Considerada em si mesma, a aspiração pela libertação não pode deixar de
encontrar eco amplo e fraterno no coração e no espírito dos cristãos.
2. Assim, em
consonância com esta aspiração, nasceu o movimento teológico e pastoral
conhecido pelo nome de teologia da libertação:num primeiro momento nos
países da América Latina, marcados pela herança religiosa e cultural do
cristianismo; em seguida, nas outras regiões do Terceiro Mundo, bem como em
alguns ambientes dos países industrializados.
3. A
expressão teologia da libertação designa primeiramente uma preocupação
privilegiada, geradora de compromisso pela justiça,voltada para os pobres e
para as vítimas da opressão. A partir desta abordagem podem-se distinguir
diversas maneiras, freqüentemente inconciliáveis, de conceber a significação
cristã da pobreza e o tipo de compromisso pela justiça que ela exige. Como
todo movimento de idéias, as teologias da libertação englobam posições
teológicas diversificadas; suas fronteiras doutrinais são mal definidas.
4. A
aspiração pela libertação, como o próprio termo indica, refere-se a um tema
fundamental do Antigo e do Novo Testamento. Por isso,tomada em si mesma a
expressão teologia da libertação é uma expressão perfeitamente válida:
designa, neste caso, uma reflexão teológica centrada no tema bíblico da
libertação e da liberdade e na urgência de suas incidências práticas. A
convergência entre as aspiração pela libertação e as teologias da libertação
não é pois fortuita. O significado desta convergência não pode ser
compreendido corretamente senão à luz da especificidade da mensagem da
Revelação, autenticamente interpretada pelo Magistério da Igreja.
IV -
FUNDAMENTOS BÍBLICOS
1. Uma
teologia da libertação corretamente entendida constitui, pois, um convite aos
teólogos a aprofundar certos temas bíblicos essenciais, com o espírito atento
às graves e urgentes questões que a atual aspiração pela libertação e os
movimentos de libertação, eco mais ou menos fiel dessa aspiração, põem à
Igreja. Não é possível esquecer, por um só instante, as situações de dramática
miséria de onde brota a interpelação assim lançada aos teólogos.
2. A
experiência radical da liberdade cristã constitui aqui o primeiro ponto de
referência. Cristo, nosso Libertador, libertou-nos do pecado e da escravidão
da lei e da carne, que constitui a marca da condição do homem pecador. É,
pois, a vida nova da graça, fruto da justificação, que nos torna livres. Isto
significa que a mais radical das escravidões é a escravidão do pecado. As
demais formas de escravidão encontram, pois, na escravidão do pecado, a sua
raiz mais profunda. É por isso que liberdade, no pleno sentido cristão,
caracterizada pela vida no Espírito, não pode ser confundida com a licença de
ceder aos desejos da carne. Ela é vida nova na caridade.
3. As
teologias da libertação recorrem amplamente à narração do Livro do Êxodo.
Este constitui, de fato, o acontecimento fundamental na formação do povo
eleito. É preciso não perder de vista, contudo, que a significação específica
do acontecimento provém de sua finalidade, já que esta libertação está
orientada para a constituição do povo de Deus e para o culto da Aliança
celebrado no Monte Sinai.
Por isso, a
libertação do Êxodo não pode ser reduzida a uma libertação de natureza
prevalentemente ou exclusivamente política. É significativo, de resto, que o
termo libertação seja às vezes substituído na Sagrada Escritura pelo outro,
muito semelhante, de redenção.
4. Jamais se
apagará da memória de Israel o episódio que originou o Êxodo. Ele é o ponto de
referência quando, após a destruição de Jerusalém e o exílio de Babilônia, o
povo eleito vive na esperança de uma nova libertação e, para além dessa, na
expectativa de uma libertação definitiva. Nessa experiência, Deus é
reconhecido como o Libertador. Ele estabelecerá com seu povo uma nova Aliança,
marcada pelo dom do seu Espírito e pela conversão dos corações.
5. As
múltiplas angústias e desgraças experimentadas pelo homem fiel ao Deus da
Aliança servem de tema para diversos salmos:lamentações, pedidos de socorro,
ações de graças referem-se à salvação religiosa e à libertação. Nesse
contexto, a desgraça não se identifica pura e simplesmente com uma condição
social de miséria ou com a sorte de quem sofre opressão política. Ela inclui
também a hostilidade dos inimigos, a injustiça, a morte e a culpa. Os salmos
nos remetem a uma experiência religiosa essencial: somente de Deus se espera a
salvação e o remédio. Deus, e não o homem, tem o poder de mudar as situações
de angústia. Assim, os pobres do Senhor vivem numa dependência total e
confiante na providência amorosa de Deus. Aliás, durante toda a travessia do
deserto, o Senhor nunca deixou de prover à libertação e à purificação
espirituais de seu povo.
6. No Antigo
Testamento, os profetas, desde Amós, não cessam de recordar, com particular
vigor, as exigências da justiça e da solidariedade e de formular um juízo
extremamente severo sobre os ricos que oprimem o pobre. Tomam a defesa da
viúva e do órfão.Proferem ameaças contra os poderosos: a acumulação de
iniqüidade acarretará necessariamente terríveis castigos. Isto porque não se
concebe a fidelidade à Aliança sem a prática da justiça. A justiça em relação
a Deus e a justiça em relação aos homens são inseparáveis.Deus é o defensor e
o libertador do pobre.
7.
Semelhantes exigências encontram-se também no Novo Testamento. Ali são até
radicalizadas, como demonstra o discurso das Bem-aventuranças. Conversão e
renovação devem operar-se no mais íntimo do coração.
8. Já
anunciado no Antigo Testamento, o mandamento do amor fraterno estendido a
todos os homens constitui agora a suprema norma da vida social. Não há
discriminações ou limites que possam opor-se ao reconhecimento de todo e
qualquer homem como o próximo.
9. A pobreza
por amor ao Reino é exaltada. E na figura do pobre somos levados a reconhecer
a imagem e como que a presença misteriosa do Filho de Deus que se fez pobre
por nosso amor. Este é o fundamento das inexauríveis palavras de Jesus sobre o
Juízo, em Mt 25,31-46. Nosso Senhor é solidário com toda desgraça; toda
desgraça leva a marca de sua Presença.
10.
Contemporaneamente, as exigências da justiça e da misericórdia, já enunciadas
no Antigo Testamento, são aprofundadas a ponto de revestirem no Novo
Testamento uma significação nova. Aqueles que sofrem ou são perseguidos são
identificados com Cristo. A perfeição que Jesus exige de seus discípulos (Mt
5,18) consiste no dever de serem misericordiosos como vosso Pai é
misericordioso (Lc 6,36).
11. É à luz
da vocação cristã ao amor fraterno e à misericórdia que os ricos são
severamente admoestados para que cumpram o seu dever. São Paulo, perante as
desordens na Igreja de Corinto, acentua vigorosamente a ligação que existe
entre tomar parte no sacramento do amor e repartir o pão com o irmão que se
encontra em necessidade.
12. A
Revelação do Novo Testamento nos ensina que o pecado é o mal mais profundo,
que atinge o homem no cerne da sua personalidade. A primeira libertação, ponto
de referência para as demais, é a do pecado.
13. Se o Novo
Testamento se abstém de exigir previamente, como pressuposto para a conquista
desta liberdade, uma mudança da condição política e social, é, sem dúvida,
para salientar o caráter radical da emancipação trazida por Cristo, oferecida
a todos os homens, sejam eles livres ou escravos politicamente. Contudo, a
Carta a Filemon mostra que a nova liberdade, trazida pela graça de Cristo,
deve necessariamente ter repercussão também no campo social.
14. Não se
pode, portanto, restringir o campo do pecado, cujo primeiro efeito é o de
introduzir a desordem na relação entre o homem e Deus, àquilo que se denomina
pecado social. Na verdade, só uma adequada doutrina sobre o pecado permitirá
insistir sobre a gravidade de seus efeitos sociais.
15. Não se
pode tampouco situar o mal unicamente ou principalmente nas estruturas
econômicas, sociais ou políticas, como se todos os outros males derivassem
destas estruturas como de sua causa: neste caso, a criação de um homem novo
dependeria da instauração de estruturas econômicas e sócio-políticas
diferentes. Há, certamente, estruturas iníquas e geradoras de iniqüidade, e é
preciso ter a coragem de mudá-las. Fruto da ação do homem, as estruturas boas
ou más são conseqüências antes de serem causas. A raiz do mal se encontra,
pois, nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas pela graça
de Jesus Cristo, para viver e agir como criaturas novas, no amor ao próximo,
na busca eficaz da justiça, do autodomínio e do exercício das virtudes.
Ao
estabelecer como primeiro imperativo a revolução radical das relações sociais
e ao criticar, a partir desta posição, a busca da perfeição pessoal,
envereda-se pelo caminho da negação do sentido da pessoa e de sua
transcendência, e destroem-se a ética e o seu fundamento,que é o caráter
absoluto da distinção entre o bem e o mal. Ademais, sendo a caridade o
princípio da autêntica perfeição, esta não pode ser concebida sem abertura aos
outros e sem espírito de serviço.
V - A
VOZ DO MAGISTÉRIO
1. Para
responder ao desafio lançado à nossa época pela opressão e pela fome, o
Magistério da Igreja, com a preocupação de despertar as consciências cristãs
para o sentido da justiça, da responsabilidade social e da solidariedade para
com os pobres e os oprimidos, relembra repetidamente a atualidade e a urgência
da doutrina e dos imperativos contidos na Revelação.
2.
Limitamo-nos a mencionar aqui apenas algumas destas intervenções: os
pronunciamentos pontifícios mais recentes,Mater et Magistra e
Pacem in terris,Populorum progressio e
,
Dives in Misericordiae Laborem exercens. As numerosas intervenções que
relembram a doutrina dos direitos do homem tocam diretamente nos problemas da
libertação da pessoa humana diante dos diversos tipos de opressão de que é
vítima. É preciso citar, especialmente neste contexto, o discurso proferido
diante da XXXVI Assembléia geral da ONU, em Nova Iorque, no dia 2 de outubro
de 1979. No dia 28 de janeiro do mesmo ano, João Paulo II, ao abrir a Terceira
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Puebla, havia recordado
que a verdade completa sobre o homem é a base da verdadeira libertação. Este
texto constitui um documento de referência direta para a teologia da
libertação.
5. Por duas
vezes, em 1971 e 1974, o Sínodo dos Bispos tratou de temas que se referem
diretamente à concepção cristã da libertação: o tema da justiça no mundo e o
tema da relação entre a libertação das opressões e a libertação integral ou a
salvação do homem. Os trabalhos dos Sínodos de 1971 e de 1974 levaram Paulo VI
a esclarecer, na Exortação apostólica
, a relação que existe entre a evangelização e a
libertação ou a promoção humana.
6. A
preocupação da Igreja pela libertação e pela promoção humana traduziu-se
também no fato da constituição da Pontifícia Comissão Justiça e Paz.
7. Numerosos
episcopados, de acordo com a Santa Sé, têm lembrado também eles a urgência e
os caminhos para uma autêntica libertação humana. Neste contexto convém fazer
menção especial dos documentos das Conferências Gerais do Episcopado
Latino-Americano de Medelím, em 1968, e de Puebla, em 1979. Paulo VI esteve
presente na abertura de Medelím, João Paulo II na de Puebla. Ambos os Papas
trataram do tema da conversão e da libertação.
8. Seguindo
as pegadas de Paulo VI, insistindo na especificidade da mensagem do Evangelho,
especificidade que deriva da sua origem divina, João Paulo II, no discurso de
Puebla, lembrou quais são os três pilares sobre os quais deve assentar uma
autêntica teologia da libertação: a verdade sobre Jesus Cristo, a verdade
sobre a Igreja e a verdade sobre o homem .
VI -
UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DO CRISTIANISMO
1. Não se
pode esquecer a ingente soma de trabalho desinteressado realizado por
cristãos, pastores, sacerdotes, religiosos e leigos que, impelidos pelo amor a
seus irmãos que vivem em condições desumanas, se esforçam por prestar auxílio
e proporcionar alívio aos inumeráveis males que são frutos da miséria. Entre
eles, alguns se preocupam por encontrar os meios eficazes que permitam pôr
fim, o mais depressa possível, a uma situação intolerável.
2. O zelo e a
compaixão, que devem ocupar um lugar no coração de todos os pastores, correm
por vezes o risco de se desorientar ou de serem desviados para iniciativas não
menos prejudiciais ao homem e à sua dignidade do que a própria miséria que se
combate, se não se prestar suficiente atenção a certas tentações.
3. O
sentimento angustiante da urgência dos problemas não pode levar a perder de
vista o essencial, nem fazer esquecer a resposta de Jesus ao Tentador (Mt
4,4): Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de
Deus (Dt 8,3). Assim, sucede que alguns, diante da urgência de repartir o
pão, são tentados a colocar entre parênteses e a adiar para amanhã a
evangelização: primeiro o pão, a palavra mais tarde. É um erro fatal separar
as duas coisas, até chegar a opô-las. O senso cristão, aliás, espontaneamente
sugere a muitos que façam uma e outra.
4. A alguns
parece até que a luta necessária para obter justiça e liberdade humanas,
entendidas no sentido econômico e político, constitua o essencial e a
totalidade da salvação. Para estes, o Evangelho se reduz a um evangelho
puramente terrestre.
5. É em
relação à opção preferencial pelos pobres, reafirmada com vigor e sem meios
termos, após Medelín, na Conferência de Puebla, de um lado, e à tentação de
reduzir o Evangelho da salvação a um evangelho terrestre, de outro lado, que
se situam as diversas teologias da libertação.
6. Lembremos
que a opção preferencial, definida em Puebla, é dupla: pelos pobres e pelos
jovens. É significativo que a opção pela juventude seja, de maneira geral,
totalmente silenciada.
7. Dissemos
acima (cf. IV, 1) que existe uma autêntica teologia da libertação, aquela
que lança raízes na Palavra de Deus, devidamente interpretada.
8. Mas sob um
ponto de vista descritivo, convém falar das teologias da libertação, pois a
expressão abrange posições teológicas, ou até mesmo ideológicas, não apenas
diferentes, mas até, muitas vezes, incompatíveis entre si.
9. No
presente documento, tratar-se-á somente das produções daquela corrente de
pensamento que, sob o nome de teologia da libertação, propõe uma
interpretação inovadora do conteúdo da fé e da existência cristã,
interpretação que se afasta gravemente da fé da Igreja, mais ainda, constitui
uma negação prática dessa fé.
10. Conceitos
tomados por empréstimo, de maneira a crítica, à ideologia marxista e o recurso
a teses de uma hermenêutica bíblica marcada pelo racionalismo encontram-se na
raiz da nova interpretação, que vem corromper o que havia de autêntico no
generoso empenho inicial em favor dos pobres.
VII -
A ANÁLISE MARXISTA
1. A
impaciência e o desejo de ser eficazes levaram alguns cristãos, perdida a
confiança em qualquer outro método, a voltarem-se para aquilo que chamam de
análise marxista.
2. Seu
raciocínio é o seguinte: uma situação intolerável e explosiva exige uma ação
eficaz que não pode mais ser adiada. Uma ação eficaz supõe uma analise
científica das causas estruturais da miséria. Ora, o marxismo aperfeiçoou um
instrumental para semelhante análise. Bastará, pois, aplicá-lo à situação do
Terceiro Mundo e, especialmente, à situação da América Latina.
conhecimento científico da situação e dos possíveis caminhos de transformação
social seja o pressuposto de uma ação capaz de levar aos objetivos prefixados,
é evidente. Vai nisto um sinal de seriedade no compromisso.
4. O termo
científico, porém, exerce uma fascinação quase mítica; nem tudo o que
ostenta a etiqueta de científico o é necessariamente. Por isso, tomar
emprestado um método de abordagem da realidade é algo que deve ser precedido
de um exame crítico de natureza epistemológica. Ora, este prévio exame crítico
falta a várias teologias da libertação.
5. Nas
ciências humanas e sociais, convém estar atento antes de tudo à pluralidade de
métodos e de pontos de vista, cada um dos quais põe em evidência um só aspecto
da realidade; esta, em virtude de sua complexidade, escapa a uma explicação
unitária e unívoca.
6. No caso do
marxismo, tal como se pretende utilizar na conjuntura de que falamos, tanto
mais se impõe a crítica prévia, quanto o pensamento de Marx constitui uma
concepção totalizante do mundo, na qual numerosos dados de observação e de
análise descritiva são integrados numa estrutura filosófico-ideológica, que
determina a significação e a importância relativa que se lhes atribui. Os a
priori ideológicos são pressupostos para a leitura da realidade social. Assim,
a dissociação dos elementos heterogêneos que compõem este amálgama
epistemologicamente híbrido torna-se impossível, de modo que, acreditando
aceitar somente o que se apresenta como análise, se é forçado a aceitar, ao
mesmo tempo, a ideologia. Por isso, não é raro que sejam os aspectos
ideológicos que predominem nos empréstimos que diversos teólogos da
libertação pedem aos autores marxistas.
7. A
advertência de Paulo VI continua ainda hoje plenamente atual: através do
marxismo, tal como é vivido concretamente, podem-se distinguir diversos
aspectos e diversas questões propostas à reflexão e à ação dos cristãos.
Entretanto, seria ilusório e perigoso chegar ao ponto de esquecer o vínculo
estreito que os liga radicalmente, aceitar os elementos da análise marxista
sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da luta de
classes e de sua interpretação marxista sem tentar perceber o tipo de
sociedade totalitária à qual este processo conduz.
8. É verdade
que desde as origens, mais acentuadamente, porém, nestes últimos anos, o
pensamento marxista se diversificou, dando origem a diversas correntes que
divergem consideravelmente entre si. Na medida, porém, em que se mantêm
verdadeiramente marxistas, estas correntes continuam a estar vinculadas a um
certo número de teses fundamentais que não são compatíveis com a concepção
cristã do homem e da sociedade. Neste contexto, certas fórmulas não são
neutras, mas conservam a significação que receberam na doutrina marxista
original.
É o que acontece com a luta de classes. Esta expressão continua
impregnada da interpretação que Marx lhe deu e não poderia,por conseguinte,
ser considerada como um equivalente, de caráter empírico, da expressão
conflito social agudo. Aqueles que se servem de semelhantes fórmulas,
pretendendo reter apenas certos elementos da análise marxista, que de resto
seria rejeitada na sua globalidade,alimentam pelo menos um grave mal-entendido
no espírito de seus leitores.
9. Lembremos
que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus
direitos encontram-se no centro da concepção marxista. Esta contém de fato
erros que ameaçam diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno das
pessoas. Ainda mais: querer integrar na teologia uma análise cujos critérios
de interpretação dependam desta concepção atéia significa embrenhar-se em
desastrosas contradições. O desconhecimento da natureza espiritual da pessoa,
aliás, leva a subordiná-la totalmente à coletividade e, deste modo, a negar os
princípios de uma vida social e política em conformidade com a dignidade
humana.
10. O exame
crítico dos métodos de análise tomados de outras disciplinas impõe-se de
maneira particular ao teólogo. É a luz da fé que fornece à teologia seus
princípios. Por isso, a utilização, por parte dos teólogos, de elementos
filosóficos ou das ciências humanas tem um valor instrumental e deve ser
objeto de um discernimento crítico de natureza teológica. Em outras palavras,
o critério final e decisivo da verdade não pode ser, em última análise, senão
um critério teológico.
É à luz da fé, e daquilo que ela nos ensina sobre a
verdade do homem e sobre o sentido último de seu destino, que se deve julgar
da validade ou do grau de validade daquilo que as outras disciplinas propõem,
de resto, muitas vezes à maneira de conjectura, como sendo verdades sobre o
homem, sobre a sua história e sobre o seu destino.
11. Aplicados
à realidade econômica, social e política de hoje, certos esquemas de
interpretação tomados de correntes do pensamento marxista podem apresentar, à
primeira vista, alguma verossimilhança na medida em que a situação de alguns
países oferece analogias com aquilo que Marx descreveu e interpretou, em
meados do século passado. Tomando por base estas analogias, operam-se
simplificações que,abstraindo de fatores essenciais específicos, impedem, de
fato, uma análise verdadeiramente rigorosa das causas da miséria, mantêm as
confusões.
12. Em certas
regiões da América Latina, a monopolização de grande parte das riquezas por
uma oligarquia de proprietários desprovidos de consciência social, a quase
ausência ou as carências do estado de direito, as ditaduras militares que
conculcam os direitos elementares do homem, o abuso do poder por parte de
certos dirigentes, as manobras selvagens de um certo capital estrangeiro,
constituem outros tantos fatores que alimentam um violento sentimento de
revolta junto àqueles que, deste modo, se consideram vítimas impotentes de um
novo colonialismo de cunho tecnológico, financeiro, monetário ou econômico. A
tomada de consciência das injustiças é acompanhada por um pathos que pede
muitas vezes emprestado ao marxismo seu discurso, apresentado abusivamente
como sendo um discurso científico.
13. A
primeira condição para uma análise é a total docilidade à realidade que se
pretende descrever. Por isso, uma consciência crítica deve acompanhar o uso
das hipóteses de trabalho que se adotam. É necessário saber que elas
correspondem a um ponto de vista particular, o que tem por conseqüência
inevitável sublinhar unilateralmente certos aspectos do real, deixando outros
na sombra. Esta limitação, que deriva da natureza das ciências sociais, é
ignorada por aqueles que, à guisa de hipóteses reconhecidas como tais,
recorrem a uma concepção totalizante, como é o pensamento de Marx.
VIII
- SUBVERSÃO DO SENSO DA VERDADE E VIOLÊNCIA
1. Esta
concepção totalizante impõe assim a sua lógica e leva as teologias da
libertação a aceitar um conjunto de posições incompatíveis com a visão cristã
do homem. Com efeito, o núcleo ideológico, tomado do marxismo e que serve de
ponto de referência, exerce a função de principio determinante. Este papel lhe
é confiado em virtude da qualificação de científico, quer dizer, de
necessariamente verdadeiro, que lhe é atribuída. Neste núcleo, podem-se
distinguir diversos componentes.
2. Na lógica
do pensamento marxista, a análise não é dissociável da práxis e da concepção
da história à qual esta práxis está ligada. A análise é, pois, um instrumento
de crítica e a crítica não passa de uma etapa do combate revolucionário. Este
combate é o da classe do proletariado investido de sua missão histórica.
3. Em
conseqüência, somente quem participa deste combate pode fazer uma análise
correta.
4. A
consciência verdadeira é, pois, uma consciência partidarista. Pelo que se
vê, é a própria concepção da verdade que aqui está em causa e que se encontra
totalmente subvertida: não existe verdade - afirma-se - a não ser na e pela
práxis partidarista.
5. A práxis e
a verdade que dela deriva são práxis e verdade partidaristas, porque a
estrutura fundamental da história está marcada pela luta de classes. Existe,
pois, uma necessidade objetiva de entrar na luta de classes (que é o reverso
dialético da relação de exploração que se denuncia). A verdade é a verdade de
classe não há verdade senão no combate da classe revolucionária.
6. A lei
fundamental da história, que é a lei da luta de classes, implica que a
sociedade esteja fundada sobre a violência. À violência que constitui a
relação de dominação dos ricos sobre os pobres deverá responder a contra
violência revolucionária, mediante a qual esta relação será invertida.
7. A luta de
classes é, pois, apresentada como uma lei objetiva e necessária. Ao entrar no
seu processo, do lado dos oprimidos, faz-se a verdade, age-se
cientificamente. Em conseqüência, a concepção da verdade vai de par com a
afirmação da violência necessária e, por isso, com a do amoralismo político.
Nesta perspectiva, a referência a exigências éticas, que prescrevam reformas
estruturais e institucionais radicais e corajosas, perde totalmente o sentido.
8. A lei
fundamental da luta de classes tem um caráter de globalidade e de
universalidade. Ela se reflete em todos os domínios da existência,religiosos,
éticos, culturais e institucionais. Em relação a esta lei, nenhum destes
domínios é autônomo. Em cada um esta lei constitui o elemento determinante.
9. Quando se
assumem estas teses de origem marxista é, em particular, a própria natureza da
ética que é radicalmente questionada. De fato, o caráter transcendente da
distinção entre o bem e o mal, princípio da moralidade, encontram-se
implicitamente negado na ótica da luta de classes.
IX -
TRADUÇÃO TEOLÓGICA DESTE NÚCLEO IDEOLÓGICO
1. As
posições aqui expostas encontram-se às vezes enunciadas com todos os seus
termos em alguns escritos de teólogos da libertação.Em outros, elas se
deduzem logicamente das premissas colocadas. Em outros ainda, elas são
pressupostas em certas práticas litúrgicas(como por exemplo a Eucaristia
transformada em celebração do povo em luta), embora quem participe destas
práticas não esteja plenamente consciente disso. Estamos, pois, diante de um
verdadeiro sistema, mesmo quando alguns hesitam em seguir a sua lógica até o
fim. Como tal, este sistema é uma perversão da mensagem cristã, como esta foi
confiada por Deus à Igreja. Esta mensagem se encontra,pois, posta em xeque, na
sua globalidade, pelas teologias da libertação.
2. Não é o
fato das estratificações sociais, com as conexas desigualdades e injustiças, é
a teoria da luta de classes como lei estrutural fundamental da história que é
recebida por estas teologias da libertação, na qualidade de princípio. A
conclusão a que se chega é que a luta de classes, entendida deste modo, divide
a própria Igreja e em função dela se devem julgar as realidades eclesiais.
Pretende-se ainda que afirmar que o amor, na sua universalidade, é um meio
capaz de vencer aquilo que constitui a lei estrutural primária da sociedade
capitalista, seria manter, de má fé, uma ilusão falaz.
3. Dentro
desta concepção, a luta de classes é o motor da história. A história torna-se
assim uma noção central. Afirmar-se-á que Deus se fez história.
Acrescentar-se-á que não existe senão uma única história, na qual já não é
preciso distinguir entre história da salvação e história profana. Manter a
distinção seria cair no dualismo. Semelhantes afirmações refletem um
imanentismo historicista. Tende-se, deste modo, a identificar o Reino de Deus
e o seu advento com o movimento de libertação humana e a fazer da mesma
história o sujeito de seu próprio desenvolvimento como processo da
auto-redenção do homem por meio de luta de classes. Esta identificação está em
oposição com a fé da Igreja, como foi relembrada pelo Concílio Vaticano II.
4. Nesta
linha, alguns chegam até ao extremo de identificar o próprio Deus com a
história e a definir a fé como fidelidade à história, o que significa
fidelidade comprometida com uma prática política, afinada com a concepção do
devir da humanidade concebido no sentido de um messianismo puramente temporal.
5. Por
conseguinte, a fé, a esperança e a caridade recebem um novo conteúdo: são
fidelidade à história, confiança no futuro, opção pelos pobres. É o
mesmo que dizer que são negadas em sua realidade teologal.
6. Desta nova
concepção deriva inevitavelmente uma politização radical das afirmações da fé
e dos juízos teológicos. Já não se trata somente de chamar a atenção para as
conseqüências e incidências políticas das verdades de fé que seriam
respeitadas antes de tudo em seu valor transcendente. Toda e qualquer
afirmação de fé ou de teologia se vê subordinada a um critério político, que,
por sua vez, depende da teoria da luta de classes, como motor da história.
7.
Apresenta-se, por conseguinte, o ingresso na luta de classes como uma
exigência da própria caridade; denuncia-se como atitude desmobilizadora e
contrária ao amor pelos pobres a vontade de amar, de saída, todo homem,
qualquer que seja a classe a que pertença, e de ir ao seu encontro pelas vias
não-violentas do diálogo e da persuasão. Mesmo afirmando que ele não pode ser
objeto de ódio, afirma-se com a mesma força que, pelo fato de pertencer
objetivamente ao mundo dos ricos, ele é, antes de tudo, um inimigo de classe a
combater.Como conseqüência, a universalidade do amor ao próximo e a
fraternidade transformam-se num princípio escatológico que terá valor somente
para o homem novo que surgirá da revolução vitoriosa.
8. Quanto à
Igreja, a tendência é de encará-la simplesmente como uma realidade dentro da
história, sujeita ela também às leis que, segundo se pensa, governam o devir
histórico na sua imanência. Esta redução esvazia a realidade específica da
Igreja, dom da graça de Deus e mistério da fé. Contesta-se, igualmente, que a
participação na mesma mesa eucarística de cristãos que, por acaso, pertençam a
classes opostas, tenha ainda algum sentido.
9. Na sua
significação positiva, a Igreja dos pobres indica a preferência, sem
exclusivismo, dada aos pobres, segundo todas as formas de miséria humana,
porque eles são os prediletos de Deus. A expressão significa ainda que a
Igreja, como comunhão e como instituição, assim como os membros da mesma
Igreja, tomam consciência, em nosso tempo, das exigências da pobreza
evangélica.
10. Mas as
teologias da libertação, que têm o mérito de haver revalorizado os grandes
textos dos profetas e do Evangelho acerca da defesa dos pobres, passam a fazer
um amálgama pernicioso entre o pobre da Escritura e o proletariado de Marx.
Perverte-se, deste modo, o sentido cristão do pobre e o combate pelos direitos
dos pobres transforma-se em combate de classes na perspectiva ideológica da
luta de classes. A Igreja dos pobres significa, então, Igreja classista, que
tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para a
libertação e que celebra esta libertação na sua liturgia.
11. É
necessário fazer uma observação análoga a respeito da expressão Igreja do
povo. Do ponto de vista pastoral, pode-se entender com essa expressão os
destinatários prioritários da evangelização, aqueles para os quais, em virtude
de sua condição, se volta primeiro que tudo o amor pastoral da Igreja. É
possível referir-se também à Igreja como povo de Deus, ou seja, como o povo
da Nova Aliança realizada em Cristo.
12. As
teologias da libertação, a que aqui nos referimos, porém, entendem por
Igreja do povo a Igreja da luta libertadora organizada. O povo assim entendido
chega mesmo a tornar-se, para alguns, objeto de fé.
13. A partir
de semelhante concepção da Igreja do povo, elabora-se uma crítica das próprias
estruturas da Igreja. Não se trata apenas de uma correção fraterna dirigida
aos Pastores da Igreja, cujo comportamento não reflita o espírito evangélico
de serviço e se apegue a sinais anacrônicos de autoridade que escandalizam os
pobres. Trata-se, sim, de pôr em xeque a estrutura sacramental e hierárquica
da Igreja, tal como a quis o próprio Senhor. São denunciados na Hierarquia e
no Magistério os representantes objetivos da classe dominante, que é preciso
combater. Teologicamente, esta Posição equivale a afirmar que o povo é a fonte
dos ministérios e, portanto, pode dotar-se de ministros à sua escolha, de
acordo com as necessidades de sua missão revolucionária histórica.
X -
UMA NOVA HERMENÊUTlCA
1. A
concepção partidarista da verdade, que se manifesta na práxis revolucionária
de classe, corrobora esta posição. Os teólogos que não compartilham as teses
da teologia da libertação, a hierarquia e sobretudo o Magistério romano são
assim desacreditados a priori, como pertencentes à classe dos opressores. A
teologia deles é uma teologia de classe. Os argumentos e ensinamentos não
merecem, pois, ser examinados em si mesmos, uma vez que refletem simplesmente
os interesses de uma classe. Por isso, decreta-se que o discurso deles é, em
princípio, falso.
2. Aparece
aqui o caráter global e totalizante da teologia da libertação. Por isso
mesmo, deve ser criticada não nesta ou naquela afirmação que ela faz, mas a
partir do ponto de vista de classes que ela adota a priori e que nela funciona
como princípio hermenêutico determinante.
3. Por causa
deste pressuposto classista, torna-se extremamente difícil, para não dizer
impossível, conseguir com alguns teólogos da libertação um verdadeiro
diálogo, no qual o interlocutor seja ouvido e seus argumentos sejam discutidos
objetivamente e com atenção. Com efeito, estes teólogos, mais ou menos
conscientemente, partem do pressuposto de que o ponto de vista da classe
oprimida e revolucionária, que seria o mesmo deles, constitui o único ponto de
vista da verdade. Os critérios teológicos da verdade vêem-se, deste modo,
relativizados e subordinados aos imperativos da luta de classes. Nesta
perspectiva, substitui-se a ortodoxia, como regra correta da fé, pela idéia da
ortopráxis, como critério de verdade.
A este respeito, é preciso não confundir
a orientação prática, própria à teologia tradicional, do mesmo modo e pelo
mesmo título que lhe é própria também a orientação especulativa, com um
primado privilegiado, conferido a um determinado tipo de práxis. Na realidade,
esta última é a práxis revolucionária que se tornaria assim critério supremo
da verdade teológica. Uma metodologia teológica sadia toma em consideração sem
dúvida, a práxis da Igreja e nela encontra um de seus fundamentos, mas isto
porque essa práxis é decorrência da fé e constitui uma expressão vivenciada
dessa fé.
4. A doutrina
social da Igreja é rejeitada com desdém. Esta procede, afirma-se, da ilusão de
um Possível compromisso, próprio das classes médias, destituídas de sentido
histórico.
5. A nova
hermenêutica inserida nas teologias da libertação conduz a uma releitura
essencialmente política da Escritura. É assim que se atribui a máxima
importância ao acontecimento do Êxodo, enquanto libertação da escravidão
política. Propõe-se igualmente uma leitura política do Magnificat. O erro aqui
não está em privilegiar uma dimensão política das narrações bíblicas, mas em
fazer desta dimensão a dimensão principal e exclusiva, o que leva a urna
leitura redutiva da Escritura.
6. Quem assim
procede, coloca-se por isso mesmo na perspectiva de um messianismo temporal,
que é uma das expressões mais radicais da secularização do Reino de Deus e de
sua absorção na imanência da história humana.
7.
Privilegiar deste modo a dimensão política é o mesmo que ser levado a negar a
radical novidade do Novo Testamento e, antes de tudo, a desconhecer a pessoa
de Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, bem como o
caráter específico da libertação que ele nos traz e que é fundamentalmente
libertação do pecado, fonte de todos os males.
8. Aliás, pôr
de lado a interpretação autorizada do Magistério, denunciada como
interpretação de classe, é afastar-se automaticamente da Tradição. É, por isso
mesmo, privar-se de um critério teológico essencial para a interpretação e
acolher, no vazio assim criado, as teses mais radicais da exegese
racionalista. Retoma-se, então, sem espírito crítico, a Oposição entre o
Jesus da história e o Jesus da fé.
9.
Conserva-se, sem dúvida, a letra das fórmulas da fé, especialmente a de
Calcedônia, mas atribui-se a essas fórmulas uma nova significação, que
constitui urna negação da fé da Igreja. De um lado, rejeita-se a doutrina
cristológica apresentada pela Tradição, em nome do critério de classe; e, de
outro lado, pretende-se chegar ao Jesus da história a partir da experiência
revolucionária da luta dos pobres pela sua libertação.
10.
Pretende-se reviver uma experiência análoga à que teria sido a de Jesus. A
experiência dos pobres lutando por sua libertação, que teria sido a de Jesus,
e só ela revelaria assim o conhecimento do verdadeiro Deus e do Reino.
11. É claro
que a fé no Verbo encarnado, morto e ressuscitado por todos os homens, a quem
Deus fez Senhor e Cristo, é negada. Toma o seu lugar uma figura de Jesus,
uma espécie de símbolo que resume em si mesmo as exigências da luta dos
oprimidos.
12.
Propõe-se, assim, uma interpretação exclusivamente política da morte de
Cristo. Nega-se, desta maneira, seu valor salvífico e toda a economia da
redenção.
13. A nova
interpretação atinge, assim, todo o conjunto do mistério cristão.
14. De modo geral, ela opera o que se poderia chamar de inversão dos símbolos. Assim, em
lugar de ver no Êxodo com São Paulo uma figura do batismo se tenderá ao
extremo de fazer deste um símbolo da libertação política do povo.
15. Pelo mesmo critério hermenêutico, aplicado à vida eclesial e à constituição
hierárquica da Igreja, as relações entre a hierarquia e a base tornam-se
relações de dominação que obedecem à lei da luta de classes. A
sacramentalidade, que está na raiz dos ministérios eclesiásticos e que faz da
Igreja uma realidade espiritual que não se pode reduzir a uma análise
puramente sociológica, é simplesmente ignorada.
16. Verifica-se ainda a inversão dos símbolos no domínio dos sacramentos. A
Eucaristia não é mais entendida na sua verdade de presença sacramental do
sacrifício reconciliador e como dom do Corpo e do Sangue de Cristo. Torna-se
celebração do povo na sua luta. Por conseguinte, a unidade da Igreja é
radicalmente negada. A unidade, a reconciliação, a comunhão no amor não mais
são concebidas como um dom que recebemos de Cristo. É a classe histórica dos
pobres que, mediante o combate, construirá a unidade. A luta de classes é o
caminho desta unidade. A Eucaristia torna-se, deste modo, Eucaristia de
classe. Nega-se também, ao mesmo tempo, a força triunfante do amor de Deus que
nos é dado.
XI -
ORIENTAÇÕES
1. Chamar a
atenção para os graves desvios que algumas teologias da libertação trazem
consigo não deve, de modo algum, ser interpretado como uma aprovação, ainda
que indireta, aos que contribuem para a manutenção da miséria dos povos, aos
que dela se aproveitam, aos que se acomodam ou aos que ficam indiferentes
perante esta miséria. A Igreja, guiada pelo Evangelho da misericórdia e pelo
amor ao homem, escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas as
suas forças.
2. Um imenso
apelo é assim dirigido à Igreja. Com audácia e coragem, com clarividência e
prudência, com zelo e força de ânimo, com um amor aos pobres que vai até ao
sacrifício, os pastores, como muitos já fazem, hão de considerar como tarefa
prioritária responder a este apelo.
3. Todos
aqueles, sacerdotes, religiosos e leigos que, auscultando o clamor pela
justiça, quiserem trabalhar na evangelização e na promoção humana, fá-lo-ão em
comunhão com seu bispo e com a Igreja, cada um na linha de sua vocação
eclesial específica.
4.
Conscientes do caráter eclesial de sua vocação, os teólogos colaborarão
lealmente e em espírito e diálogo com o Magistério da Igreja. Saberão
reconhecer no Magistério um dom de Cristo à sua Igreja e acolherão a sua
palavra e as suas orientações com respeito filial.
5. Somente a
partir da tarefa evangelizadora, tomada em sua integralidade, se compreendem
as exigências de urna promoção humana e de uma libertação autênticas. Esta
libertação tem como pilares indispensáveis a verdade sobre Jesus Cristo, o
Salvador, a verdade sobre a Igreja, a verdade sobre o homem e sobre a sua
dignidade.
É à luz das bem-aventuranças, da bem-aventurança dos pobres de
coração em primeiro lugar, que a Igreja, desejosa de ser, no mundo inteiro, a
Igreja dos pobres, quer servir a nobre causa da verdade e da justiça. Ela se
dirige a cada homem e, por isso mesmo, a todos os homens. Ela é a Igreja
universal. A Igreja do mistério da encarnação. Não é a Igreja de uma classe ou
de uma só casta. Ela fala em nome da própria verdade. Esta verdade é
realista. Ela leva a ter em conta cada realidade humana, cada injustiça,
cada tensão, cada luta.
6. Uma defesa
eficaz da justiça deve apoiar-se na verdade do homem, criado à imagem de Deus
e chamado à graça da filiação divina. O reconhecimento da verdadeira relação
do homem com Deus constitui o fundamento da justiça, enquanto regula as
relações entre os homens. Esta é a razão pela qual o combate pelos direitos do
homem, que a Igreja não cessa de promover, constitui o autêntico combate pela
justiça.
7. A verdade
do homem exige que este combate seja conduzido por meios que estejam de acordo
com a dignidade humana. Por isso, o recurso sistemático e deliberado à
violência cega, venha esta de um lado ou de outro, deve ser condenado. Pôr a
confiança em meios violentos na esperança de instaurar uma maior justiça é ser
vítima de uma ilusão fatal. Violência gera violência e degrada o homem.
Rebaixa a dignidade do homem na pessoa das vítimas e avilta esta mesma
dignidade naqueles que a praticam.
8. A urgência
de reformas radicais que incidam sobre estruturas que segregam a miséria e
constituem, por si mesma, formas de violência, não pode fazer perder de vista
que a fonte da injustiça se encontra no coração dos homens. Não se obterão,
pois, mudanças sociais que estejam realmente a serviço do homem senão fazendo
apelo às capacidades éticas da pessoa e à constante necessidade de conversão
interior. Pois, na medida em que colaborarem livremente, por sua própria
iniciativa e em solidariedade, nestas necessárias mudanças, os homens,
despertados no sentido de sua responsabilidade, crescerão em humanidade. A
inversão entre moralidade e estruturas é própria de urna antropologia
materialista, incompatível com a verdade do homem.
9. É, pois,
igualmente ilusão fatal crer que novas estruturas darão origem por si mesmas a
um homem novo, no sentido da verdade do homem. O cristão não pode
desconhecer que o Espírito Santo que nos foi dado é a fonte de toda verdadeira
novidade e que Deus é o senhor da história.
10. A
derrubada, por meio da violência revolucionária, de estruturas geradoras de
injustiças, não é, pois, ipso facto o começo da instauração de um regime
justo. Um fato marcante de nossa época deve ocupar a reflexão de todos aqueles
que desejam sinceramente a verdadeira libertação dos seus irmãos. Milhões de
nossos contemporâneos aspiram legitimamente a reencontrar as liberdades
fundamentais de que estão privados por regimes totalitários e ateus, que
tomaram o poder por caminhos revolucionários e violentos, exatamente em nome
da libertação do povo.
Não se pode desconhecer esta vergonha de nosso tempo:
pretendendo proporcionar-lhes liberdade, mantêm-se nações inteiras em
condições de escravidão indignas do homem. Aqueles que, talvez por
inconsciência, se tornam cúmplices de semelhantes escravidões, traem os pobres
que eles quereriam servir.
11. A luta de
classes como caminho para uma sociedade sem classes é um mito que impede as
reformas e agrava a miséria e as injustiças. Aqueles que se deixam fascinar
por este mito deveriam refletir sobre as experiências históricas amargas às
quais ele conduziu. Compreenderiam então que não se trata, de modo algum, de
abandonar uma via eficaz de luta em prol dos pobres em troca de um ideal
desprovido de efeito. Trata-se, pelo contrário, de libertar-se de uma miragem
para se apoiar no Evangelho e na sua força de realização.
12. Uma das
condições para uma necessária retificação teológica é a revalorização do
magistério social da Igreja. Este magistério não é, de modo algum, fechado. É,
ao contrário, aberto a todas as novas questões que não deixam de surgir no
decorrer dos tempos. Nesta perspectiva, a contribuição dos teólogos e dos
pensadores de todas as regiões do mundo para a reflexão da Igreja é, hoje,
indispensável.
13. Do mesmo
modo, a experiência daqueles que trabalham diretamente na evangelização e na
promoção dos pobres e dos oprimidos é necessária à reflexão doutrinal e
pastoral da Igreja. Neste sentido, é preciso tomar consciência de certos
aspectos da verdade a partir da práxis, se por práxis se entende a prática
pastoral e uma prática social que conserva sua inspiração evangélica.
14. O ensino
da Igreja em matéria social proporciona as grandes orientações éticas. Mas,
para que possa atingir diretamente a ação, ele precisa de pessoas competentes,
do ponto de vista científico e técnico, bem como no domínio das ciências
humanas e da política. Os pastores estarão atentos à formação destas pessoas
competentes, profundamente impregnadas pelo Evangelho. São aqui visados, em
primeiro lugar, os leigos, cuja missão específica é a de construir a
sociedade.
15. As teses
das teologias da libertação estão sendo largamente difundidas, sob uma forma
ainda simplificada, nos cursos de formação ou nas comunidades de base, que
carecem de preparação catequética e teológica e de capacidade de
discernimento. São assim aceitas por homens e mulheres generosos, sem que seja
possível um juízo crítico.
16. É por
isso que os pastores devem vigiar sobre a qualidade e o conteúdo da catequese
e da formação que devem sempre apresentar a integralidade da mensagem da
salvação e os imperativos da verdadeira libertação humana, no quadro desta
mensagem integral.
17. Nesta
apresentação integral do mistério cristão, será oportuno acentuar os aspectos
essenciais que as teologias da libertação tendem especialmente a desconhecer
ou eliminar: transcendência e gratuidade da libertação em Jesus Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem; soberania de sua graça; verdadeira
natureza dos meios de salvação, e especialmente da Igreja e dos sacramentos.
Tenham-se presentes a verdadeira significação da ética, para a qual a
distinção entre o bem e o mal não pode ser relativizada; o sentido autêntico
do pecado; a necessidade da conversão e a universalidade da lei do amor
fraterno. Chame-se a atenção contra uma politização da existência, que,
desconhecendo ao mesmo tempo a especificidade do Reino de Deus e a
transcendência da pessoa, acaba sacralizando a política e abusando da
religiosidade do povo em proveito de iniciativas revolucionárias.
18. E
freqüente dirigir aos defensores da ortodoxia a acusação de passividade, de
indulgência ou de cumplicidade culpáveis diante de situações intoleráveis de
injustiça e de regimes políticos que mantêm estas situações. A conversão
espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e
pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a todos,
especialmente aos pastores e aos responsáveis.
A preocupação pela pureza da fé
não subsiste sem a preocupação de dar a resposta de um testemunho eficaz de
serviço ao próximo e, em especial, ao pobre e ao oprimido, através de uma vida
teologal integral. Pelo testemunho de sua capacidade de amar, dinâmica e
construtiva, os cristãos lançarão, sem dúvida, as bases desta civilização do
amor de que falou, depois de Paulo VI, a Conferência de Puebla. De resto, são
numerosos os sacerdotes, religiosos ou leigos que se consagram de um modo
verdadeiramente evangélico à criação de uma sociedade justa.
CONCLUSÃO
As palavras
de Paulo VI, na Profissão de fé do povo de Deus, exprimem, com meridiana
clareza, a fé da Igreja, da qual ninguém pode afastar-se sem provocar,
juntamente com a ruína espiritual, novas misérias e novas escravidões.
“Nós
professamos que o Reino de Deus iniciado aqui na Terra, na Igreja de Cristo,
não é deste mundo, cuja figura passa, e que seu crescimento próprio não se
pode confundir com o progresso da civilização, da ciência ou da técnica
humanas, mas consiste em conhecer cada vez mais profundamente as insondáveis
riquezas de Cristo, em esperar cada vez mais corajosamente os bens eternos, em
responder cada vez mais ardentemente ao amor de Deus e em difundir cada vez
mais amplamente a graça e a santidade entre os homens. Mas é este mesmo amor
que leva a Igreja a preocupar-se constantemente com o bem temporal dos homens.
Não cessando de lembrar a seus filhos que eles não têm aqui na Terra uma
morada permanente, anima-os também a contribuir, cada qual segundo a sua
vocação e os meios de que dispõem, para o bem de sua cidade terrestre, a
promover a justiça, a paz e a fraternidade entre os homens, a prodigalizar-se
na ajuda aos irmãos, sobretudo aos mais pobres e mais infelizes. A intensa
solicitude da Igreja, esposa de Cristo, pelas necessidades dos homens, suas
alegrias e esperanças, seus sofrimentos e seus esforços, nada mais é do que
seu grande desejo de lhes estar presente para os iluminar coma luz de Cristo e
reuni-los todos nele, seu único Salvador. Esta solicitude não pode, em
hipótese alguma, comportar que a própria Igreja se conforme às coisas deste
mundo, nem que diminua o ardor da espera pelo seu Senhor e pelo Reino eterno”
O Sumo
Pontífice João Paulo II, no decorrer de uma Audiência concedida ao Cardeal
Prefeito que subscreve este documento, aprovou a presente Instrução, deliberada
em reunião ordinária da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, e ordenou
que a mesma fosse publicada.
Roma, Sede da
Sagrada Congregação Para a Doutrina da Fé, 6 de agosto de 1984, na Festa da
Transfiguração do Senhor.
JOSEPH Card. RATZINGER
Prefeito
†ALBERTO BOVONE
Arcebispo titular de Cesarea de Numidia
Secretário.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).