"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Fides et Ratio
Carta Encíclica
FIDES ET RATIO
do Sumo Pontífice João Paulo II
aos Bispos da Igreja Católica
sobre as relações entre a Fé e a Razão
Venerados Irmãos no Episcopado,
saúde e Bênção Apostólica!
A fé e a razão (fides et ratio)
constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a
contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de
conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que,
conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio
(cf. Ex 33,18; Sl 27/26,8-9; 63/62,2-3; Jo 14,8; 1Jo 3,2).
INTRODUÇÃO
«CONHECE-TE A TI MESMO »
1. Tanto no Oriente como no Ocidente, é
possível entrever um caminho que, ao longo dos séculos, levou a humanidade a
encontrar-se progressivamente com a verdade e a confrontar-se com ela. É um
caminho que se realizou — nem podia ser de outro modo — no âmbito da
autoconsciência pessoal: quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo,
tanto mais se conhece a si mesmo na sua unicidade, ao mesmo tempo que nele se
torna cada vez mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria
existência. O que chega a ser objeto do nosso conhecimento, torna-se por isso
mesmo parte da nossa vida. A recomendação conhece-te a ti mesmo estava
esculpida no dintel do templo de Delfos, para testemunhar uma verdade basilar
que deve ser assumida como regra mínima de todo o homem que deseje
distinguir-se, no meio da criação inteira, pela sua qualificação de « homem »,
ou seja, enquanto «conhecedor de si mesmo ».
Aliás, basta um simples olhar pela história
antiga para ver com toda a clareza como surgiram simultaneamente, em diversas
partes da terra animadas por culturas diferentes, as questões fundamentais que
caracterizam o percurso da existência humana: Quem sou eu? Donde venho e para
onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta vida? Estas
perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos
Vedas e no Avestá; achamo-las tanto nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na
pregação de Tirtankara e de Buda; e assomam ainda quer nos poemas de Homero e
nas tragédias de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados filosóficos de Platão e
Aristóteles. São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido
que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais perguntas
depende efetivamente a orientação que se imprime à existência.
2. A Igreja não é alheia, nem pode sê-lo, a
este caminho de pesquisa. Desde que recebeu, no Mistério Pascal, o dom da
verdade última sobre a vida do homem, ela fez-se peregrina pelas estradas do
mundo, para anunciar que Jesus Cristo é « o caminho, a verdade e a vida » (Jo
14, 6). De entre os vários serviços que ela deve oferecer à humanidade, há
um cuja responsabilidade lhe cabe de modo absolutamente peculiar: é a
diaconia da verdade. (1) Por um lado, esta missão torna a comunidade crente
participante do esforço comum que a humanidade realiza para alcançar a verdade,
(2) e, por outro, obriga-a a empenhar-se no anúncio das certezas adquiridas,
ciente todavia de que cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela
verdade plena que se há--de manifestar na última revelação de Deus: « Hoje vemos
como por um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje
conheço de maneira imperfeita, então conhecerei exatamente » (1 Cor 13,
12).
3. Variados são os recursos que o homem
possui para progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais
humana a sua existência. De entre eles sobressai a filosofia, cujo
contributo específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a
resposta: constitui, pois, uma das tarefas mais nobres da humanidade. O termo
filosofia significa, segundo a etimologia grega, « amor à sabedoria ».
Efetivamente a filosofia nasceu e começou a desenvolver-se quando o homem
principiou a interrogar-se sobre o porquê das coisas e o seu fim. Ela demonstra,
de diferentes modos e formas, que o desejo da verdade pertence à própria
natureza do homem. Interrogar-se sobre o porquê das coisas é uma propriedade
natural da sua razão, embora as respostas, que esta aos poucos vai dando, se
integrem num horizonte que evidencia a complementaridade das diferentes culturas
onde o homem vive.
A grande incidência que a filosofia teve na
formação e desenvolvimento das culturas do Ocidente não deve fazer-nos esquecer
a influência que a mesma exerceu também nos modos de conceber a existência
presentes no Oriente. Na realidade, cada povo possui a sua própria sabedoria
natural, que tende, como autêntica riqueza das culturas, a exprimir-se e a
maturar em formas propriamente filosóficas. Prova da verdade de tudo isto é a
existência duma forma basilar de conhecimento filosófico, que perdura até aos
nossos dias e que se pode constatar nos próprios postulados em que as várias
legislações nacionais e internacionais se inspiram para regular a vida social.
4. Deve-se assinalar, porém, que, por detrás
dum único termo, se escondem significados diferentes. Por isso, é necessária uma
explicitação preliminar. Impelido pelo desejo de descobrir a verdade última da
existência, o homem procura adquirir aqueles conhecimentos universais que lhe
permitam uma melhor compreensão de si mesmo e progredir na sua realização. Os
conhecimentos fundamentais nascem da maravilha que nele suscita a
contemplação da criação: o ser humano enche-se de encanto ao descobrir-se
incluído no mundo e relacionado com outros seres semelhantes, com quem partilha
o destino. Parte daqui o caminho que o levará, depois, à descoberta de
horizontes de conhecimentos sempre novos. Sem tal assombro, o homem tornar-se-ia
repetitivo e, pouco a pouco, incapaz de uma existência verdadeiramente pessoal.
A capacidade reflexiva própria do intelecto
humano permite elaborar, através da atividade filosófica, uma forma de
pensamento rigoroso, e assim construir, com coerência lógica entre as afirmações
e coesão orgânica dos conteúdos, um conhecimento sistemático. Graças a tal
processo, alcançaram-se, em contextos culturais diversos e em diferentes épocas
históricas, resultados que levaram à elaboração de verdadeiros sistemas de
pensamento.
Historicamente isto gerou muitas vezes a tentação de identificar uma
única corrente com o pensamento filosófico inteiro. Mas, nestes casos, é claro
que entra em jogo uma certa «soberba filosófica », que pretende arvorar em
leitura universal a própria perspectiva e visão imperfeita. Na realidade, cada
sistema filosófico, sempre no respeito da sua integridade e livre de
qualquer instrumentalização, deve reconhecer a prioridade do pensar
filosófico de que teve origem e ao qual deve coerentemente servir.
Neste sentido, é possível, não obstante a
mudança dos tempos e os progressos do saber, reconhecer um núcleo de
conhecimentos filosóficos, cuja presença é constante na história do pensamento.
Pense-se, só como exemplo, nos princípios de não-contradição, finalidade,
causalidade, e ainda na concepção da pessoa como sujeito livre e inteligente, e
na sua capacidade de conhecer Deus, a verdade, o bem; pense-se, além disso, em
algumas normas morais fundamentais que geralmente são aceites por todos. Estes e
outros temas indicam que, para além das correntes de pensamento, existe um
conjunto de conhecimentos, nos quais é possível ver uma espécie de patrimônio
espiritual da humanidade.
É como se nos encontrássemos perante uma filosofia
implícita, em virtude da qual cada um sente que possui estes princípios,
embora de forma genérica e não refletida. Estes conhecimentos, precisamente
porque partilhados em certa medida por todos, deveriam constituir uma espécie de
ponto de referência para as diversas escolas filosóficas. Quando a razão
consegue intuir e formular os princípios primeiros e universais do ser, e deles
deduzir correta e coerentemente conclusões de ordem lógica e deontológica, então
pode-se considerar uma razão reta, ou, como era chamada pelos antigos, orthòs
logos, reta ratio.
5. A Igreja, por sua vez, não pode deixar de
apreciar o esforço da razão na consecução de objetivos que tornem cada vez mais
digna a existência pessoal. Na verdade, ela vê, na filosofia, o caminho para
conhecer verdades fundamentais relativas à existência do homem. Ao mesmo tempo,
considera a filosofia uma ajuda indispensável para aprofundar a compreensão da
fé e comunicar a verdade do Evangelho a quantos não a conhecem ainda.
Na seqüência de iniciativas análogas dos
meus Predecessores, desejo também eu debruçar-me sobre esta atividade peculiar
da razão. Faço-o movido pela constatação, sobretudo em nossos dias, de que a
busca da verdade última aparece muitas vezes ofuscada. A filosofia moderna
possui, sem dúvida, o grande mérito de ter concentrado a sua atenção sobre o
homem. Partindo daí, uma razão cheia de interrogativos levou por diante o seu
desejo de conhecer sempre mais ampla e profundamente. Desta forma, foram
construídos sistemas de pensamento complexos, que deram os seus frutos nos
diversos âmbitos do conhecimento, favorecendo o progresso da cultura e da
história.
A antropologia, a lógica, as ciências da natureza, a história, a
lingüística, de algum modo todo o universo do saber foi abarcado. Todavia, os
resultados positivos alcançados não devem levar a transcurar o fato de que essa
mesma razão, porque ocupada a investigar de maneira unilateral o homem como
objeto, parece ter-se esquecido de que este é sempre chamado a voltar-se também
para uma realidade que o transcende. Sem referência a esta, cada um fica ao
sabor do livre arbítrio, e a sua condição de pessoa acaba por ser avaliada com
critérios pragmáticos baseados essencialmente sobre o dado experimental, na
errada convicção de que tudo deve ser dominado pela técnica. Foi assim que a
razão, sob o peso de tanto saber, em vez de exprimir melhor a tensão para a
verdade, curvou-se sobre si mesma, tornando-se incapaz, com o passar do tempo,
de levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a verdade do ser. A filosofia
moderna, esquecendo-se de orientar a sua pesquisa para o ser, concentrou a
própria investigação sobre o conhecimento humano. Em vez de se apoiar sobre a
capacidade que o homem tem de conhecer a verdade, preferiu sublinhar as suas
limitações e condicionalismos.
Daí provieram várias formas de agnosticismo
e relativismo, que levaram a investigação filosófica a perder-se nas areias
movediças dum cepticismo geral. E, mais recentemente, ganharam relevo diversas
doutrinas que tendem a desvalorizar até mesmo aquelas verdades que o homem
estava certo de ter alcançado. A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar
a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são
equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no contexto atual, de
desconfiança na verdade. E esta ressalva vale também para certas concepções de
vida originárias do Oriente: é que negam à verdade o seu caráter exclusivo, ao
partirem do pressuposto de que ela se manifesta de modo igual em doutrinas
diversas ou mesmo contraditórias entre si. Neste horizonte, tudo fica reduzido a
mera opinião. Dá a impressão de um movimento ondulatório: enquanto, por um lado,
a razão filosófica conseguiu avançar pela estrada que a torna cada vez mais
atenta à existência humana e às suas formas de expressão, por outro tende a
desenvolver considerações existenciais, hermenêuticas ou lingüísticas, que
prescindem da questão radical relativa à verdade da vida pessoal, do ser e de
Deus. Como conseqüência, despontaram, não só em alguns filósofos mas no homem
contemporâneo em geral, atitudes de desconfiança generalizada quanto aos grandes
recursos cognoscitivos do ser humano. Com falsa modéstia, contentam-se de
verdades parciais e provisórias, deixando de tentar pôr as perguntas radicais
sobre o sentido e o fundamento último da vida humana, pessoal e social. Em suma,
esmoreceu a esperança de se poder receber da filosofia respostas definitivas a
tais questões.
6. Credenciada pelo fato de ser depositária
da revelação de Jesus Cristo, a Igreja deseja reafirmar a necessidade da
reflexão sobre a verdade. Foi por este motivo que decidi dirigir-me a vós,
venerados Irmãos no Episcopado, com quem partilho a missão de anunciar «
abertamente a verdade » (2 Cor 4, 2), e dirigir-me também aos teólogos e
filósofos a quem compete o dever de investigar os diversos aspectos da verdade,
e ainda a quantos andam à procura duma resposta, para comunicar algumas
reflexões sobre o caminho que conduz à verdadeira sabedoria, a fim de que todo
aquele que tiver no coração o amor por ela possa tomar a estrada certa para a
alcançar, e nela encontrar repouso para a sua fadiga e também satisfação
espiritual.
Tomo esta iniciativa impelido, antes de
mais, pela certeza de que os Bispos, como assinala o Concílio Vaticano II, são «
testemunhas da verdade divina e católica » (3). Por isso, testemunhar a verdade
é um encargo que nos foi confiado a nós, os Bispos; não podemos renunciar a ele,
sem faltar ao ministério que recebemos. Reafirmando a verdade da fé, podemos
restituir ao homem de hoje uma genuína confiança nas suas capacidades
cognoscitivas e oferecer à filosofia um estímulo para poder recuperar e promover
a sua plena dignidade.
Há um segundo motivo que me induz a escrever
estas reflexões Na carta encíclica Veritatis splendor, chamei a atenção
para « algumas verdades fundamentais da doutrina católica que, no contexto
atual, correm o risco de serem deformadas ou negadas ». (4) Com este novo
documento, desejo continuar aquela reflexão, concentrando a atenção precisamente
sobre o tema da verdade e sobre o seu fundamento em relação com a
fé. De fato, não se pode negar que este período, de mudanças rápidas e
complexas, deixa sobretudo os jovens, a quem pertence e de quem depende o
futuro, na sensação de estarem privados de pontos de referência autênticos. A
necessidade de um alicerce sobre o qual construir a existência pessoal e social
faz-se sentir de maneira premente, principalmente quando se é obrigado a
constatar o caráter fragmentário de propostas que elevam o efêmero ao nível de
valor, iludindo assim a possibilidade de se alcançar o verdadeiro sentido da
existência. Deste modo, muitos arrastam a sua vida quase até à borda do
precipício, sem saber o que os espera. Isto depende também do fato de, às vezes,
quem era chamado por vocação a exprimir em formas culturais o fruto da sua
reflexão, ter desviado o olhar da verdade, preferindo o sucesso imediato ao
esforço duma paciente investigação sobre aquilo que merece ser vivido.
A
filosofia, que tem a grande responsabilidade de formar o pensamento e a cultura
através do apelo perene à busca da verdade, deve recuperar vigorosamente a sua
vocação originária. É por isso que senti a necessidade e o dever de intervir
sobre este tema, para que, no limiar do terceiro milênio da era cristã, a
humanidade tome consciência mais clara dos grandes recursos que lhe foram
concedidos, e se empenhe com renovada coragem no cumprimento do plano de
salvação, no qual está inserida a sua história.
CAPÍTULO I
A REVELAÇÃO
DA SABEDORIA DE DEUS
1. Jesus, revelador do Pai
7. Na base de toda a reflexão feita pela
Igreja, está a consciência de ser depositária duma mensagem, que tem a sua
origem no próprio Deus (cf. 2 Cor 4, 1-2). O conhecimento que ela propõe
ao homem, não provém de uma reflexão sua, nem sequer da mais alta, mas de ter
acolhido na fé a palavra de Deus (cf. 1 Ts 2, 13). Na origem do nosso ser
crentes existe um encontro, único no seu gênero, que assinala a abertura de um
mistério escondido durante tantos séculos (cf. 1 Cor 2, 7;
Rm 16,
25-26), mas agora revelado: « Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria,
revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf. Ef
1, 9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso
ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina ». (5)
Trata-se de uma iniciativa completamente gratuita, que parte de Deus e vem ao
encontro da humanidade para a salvar. Enquanto fonte de amor, Deus deseja dar-Se
a conhecer, e o conhecimento que o homem adquire d'Ele leva à plenitude qualquer
outro conhecimento verdadeiro que a sua mente seja capaz de alcançar sobre o
sentido da própria existência.
8. Retomando quase literalmente a doutrina
presente na constituição Dei Filius do Concílio Vaticano I e tendo em
conta os princípios propostos pelo Concílio de Trento, a constituição Dei
Verbum do Vaticano II continuou aquele caminho plurissecular de
compreensão da fé, refletindo sobre a Revelação à luz da doutrina bíblica e
de toda a tradição patrística.
No primeiro Concílio do Vaticano, os Padres
tinham sublinhado o caráter sobrenatural da revelação de Deus. A crítica
racionalista que então se fazia sentir contra a fé, baseada em teses erradas mas
muito difusas, insistia sobre a negação de qualquer conhecimento que não fosse
fruto das capacidades naturais da razão. Isto obrigara o Concílio a reafirmar
vigorosamente que, além do conhecimento da razão humana, por sua natureza, capaz
de chegar ao Criador, existe um conhecimento que é peculiar da fé. Este
conhecimento exprime uma verdade que se funda precisamente no fato de Deus que
Se revela, e é uma verdade certíssima porque Deus não Se engana nem quer
enganar. (6)
9. Por isso, o Concílio Vaticano I ensina
que a verdade alcançada pela via da reflexão filosófica e a verdade da Revelação
não se confundem, nem uma torna a outra supérflua: « Existem duas ordens de
conhecimento, diversas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo objeto.
Pelo seu princípio, porque, se num conhecemos pela razão natural, no outro
fazemo-lo por meio da fé divina; pelo objeto, porque, além das verdades que a
razão natural pode compreender, é-nos proposto ver os mistérios escondidos em
Deus, que só podem ser conhecidos se nos forem revelados do Alto ». (7) A fé,
que se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da
graça, pertence efetivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do
conhecimento filosófico. De fato, este assenta sobre a percepção dos sentidos,
sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto. A filosofia e as
ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada
pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a « plenitude de graça e de
verdade » (cf. Jo 1,14) que Deus quis revelar na história, de maneira
definitiva, por meio do seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo 5, 9; Jo
5, 31-32).
10. No Concílio Vaticano II, os Padres,
fixando a atenção sobre Jesus revelador, ilustraram o caráter salvífico da
revelação de Deus na história e exprimiram a sua natureza do seguinte modo: « Em
virtude desta revelação, Deus invisível (cf. Cl 1, 15; 1Tm 1,17), na riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos (cf. Ex 33,11;
Jo 15,14-15) e convive com eles (cf.
Br 3, 38), para os convidar
e admitir à comunhão com Ele. Esta economia da Revelação realiza-se por meio de
ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras,
realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e
as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram
as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Porém, a verdade profunda tanto
a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens manifesta-se-nos, por
esta Revelação, em Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude de
toda a revelação ». (8)
11. Assim, a revelação de Deus entrou no
tempo e na história. Mais, a encarnação de Jesus Cristo realiza-se na «
plenitude dos tempos » (Gl 4, 4). À distância de dois mil anos deste
acontecimento, sinto o dever de reafirmar intensamente que, « no cristianismo, o
tempo tem uma importância fundamental ». (9) Com efeito, é nele que tem lugar
toda a obra da criação e da salvação, e sobretudo merece destaque o fato de que,
com a encarnação do Filho de Deus, vivemos e antecipamos desde já aquilo que se
seguirá ao fim dos tempos (cf. Hb 1, 2).
A verdade que Deus confiou ao homem a
respeito de Si mesmo e da sua vida insere-se, portanto, no tempo e na história.
Sem dúvida, aquela foi pronunciada uma vez por todas no mistério de Jesus de
Nazaré. Afirma-o, com palavras muito expressivas, a constituição Dei Verbum:
« Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos
Deus nestes nossos dias, que são os últimos, através de seu Filho (Hb 1,
1-2). Com efeito, enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos
os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima de Deus
(cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado como homem
para os homens, fala, portanto, as palavras de Deus (Jo 3, 34) e
consuma a obra de salvação que o Pai Lhe mandou realizar (cf. Jo 5,36;
17, 4). Por isso, Ele — vê-l'O a Ele é ver o Pai (cf. Jo 14, 9) —, com
toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e
milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição, e enfim, com o
envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho
divino a Revelação ». (10)
Assim, a história constitui um caminho que o
Povo de Deus há-de percorrer inteiramente, de tal modo que a verdade revelada
possa exprimir em plenitude os seus conteúdos, graças à ação incessante do
Espírito Santo (cf. Jo 16, 13). Ensina-o também a constituição Dei
Verbum, quando afirma que « a Igreja, no decurso dos séculos, tende
continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as
palavras de Deus ». (11)
12. A história torna-se, assim, o lugar onde
podemos constatar a ação de Deus em favor da humanidade. Ele vem ter conosco,
servindo-Se daquilo que nos é mais familiar e mais fácil de verificar, ou seja,
o nosso contexto quotidiano, fora do qual não conseguiríamos entender-nos.
A encarnação do Filho de Deus permite ver
realizada uma síntese definitiva que a mente humana, por si mesma, nem sequer
poderia imaginar: o Eterno entra no tempo, o Tudo esconde-se no fragmento, Deus
assume o rosto do homem. Deste modo, a verdade expressa na revelação de Cristo
deixou de estar circunscrita a um restrito âmbito territorial e cultural,
abrindo-se a todo o homem e mulher que a queira acolher como palavra
definitivamente válida para dar sentido à existência. Agora todos têm acesso ao
Pai, em Cristo; de fato, com a sua morte e ressurreição, Ele concedeu-nos a vida
divina que o primeiro Adão tinha rejeitado (cf. Rm 5, 12-15). Com esta
Revelação, é oferecida ao homem a verdade última a respeito da própria vida e do
destino da história: « Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo
encarnado se esclarece verdadeiramente », afirma a constituição Gaudium et
spes. (12) Fora desta perspectiva, o mistério da existência pessoal
permanece um enigma insolúvel. Onde poderia o homem procurar resposta para
questões tão dramáticas como a dor, o sofrimento do inocente e a morte, a não
ser na luz que dimana do mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo?
2. A razão perante o mistério
13. Entretanto, não se pode esquecer que a
Revelação permanece envolvida no mistério. Jesus, com toda a sua vida, revela
seguramente o rosto do Pai, porque Ele veio para manifestar os segredos de Deus;
(13) e contudo, o conhecimento que possuímos daquele rosto, está marcado sempre
pelo caráter parcial e limitado da nossa compreensão. Somente a fé permite
entrar dentro do mistério, proporcionando uma sua compreensão coerente.
O Concílio ensina que, « a Deus que revela,
é devida a obediência da fé ». (14) Com esta breve mas densa afirmação, é
indicada uma verdade fundamental do cristianismo. Diz-se, em primeiro lugar, que
a fé é uma resposta de obediência a Deus. Isto implica que Ele seja reconhecido
na sua divindade, transcendência e liberdade suprema. Deus que Se dá a conhecer
na autoridade da sua transcendência absoluta, traz consigo também a
credibilidade dos conteúdos que revela. Pela fé, o homem presta assentimento
a esse testemunho divino. Isto significa que reconhece plena e integralmente a
verdade de tudo o que foi revelado, porque é o próprio Deus que o garante. Esta
verdade, oferecida ao homem sem que ele a possa exigir, insere-se no horizonte
da comunicação interpessoal e impele a razão a abrir-se a esta e a acolher o seu
sentido profundo. É por isso que o ato pelo qual nos entregamos a Deus, sempre
foi considerado pela Igreja como um momento de opção fundamental, que envolve a
pessoa inteira. Inteligência e vontade põem em ação o melhor da sua natureza
espiritual, para consentir que o sujeito realize um ato no pleno exercício da
sua liberdade pessoal. (15) Na fé, portanto, não basta a liberdade estar
presente, exige-se que entre em ação. Mais, é a fé que permite a cada um
exprimir, do melhor modo, a sua própria liberdade. Por outras palavras, a
liberdade não se realiza nas opções contra Deus. Na verdade, como poderia ser
considerado um uso autêntico da liberdade, a recusa de se abrir àquilo que
permite a realização de si mesmo? No acreditar é que a pessoa realiza o ato mais
significativo da sua existência; de fato, nele a liberdade alcança a certeza da
verdade e decide viver nela.
Em auxílio da razão, que procura a
compreensão do mistério, vêm também os sinais presentes na Revelação. Estes
servem para conduzir mais longe a busca da verdade e permitir que a mente possa
autonomamente investigar inclusive dentro do mistério. De qualquer modo, se, por
um lado, esses sinais dão maior força à razão, porque lhe permitem pesquisar
dentro do mistério com os seus próprios meios, de que ela justamente se sente
ciosa, por outro lado, impelem-na a transcender a sua realidade de sinais para
apreender o significado ulterior de que eles são portadores. Portanto, já há
neles uma verdade escondida, para a qual encaminham a mente e da qual esta não
pode prescindir sem destruir o próprio sinal que lhe foi proposto.
Chega-se, assim, ao horizonte sacramental
da Revelação e de forma particular ao sinal eucarístico, onde a união
indivisível entre a realidade e o respectivo significado permite identificar a
profundidade do mistério. Na Eucaristia, Cristo está verdadeiramente presente e
vivo, atua pelo seu Espírito, mas, como justamente diz S. Tomás, « nada vês nem
compreendes, mas t'o afirma a fé mais viva, para além das leis da Terra. Sob
espécies diferentes, que não passam de sinais, é que está o dom de Deus ». (16)
Temos um eco disto mesmo nas seguintes palavras do filósofo Pascal: « Como Jesus
Cristo passou despercebido no meio dos homens, assim a sua verdade permanece,
entre as opiniões comuns, sem diferença exterior. O mesmo se dá com a Eucaristia
relativamente ao pão comum ».(17)
Em resumo, o conhecimento da fé não anula o
mistério; torna-o apenas mais evidente e apresenta-o como um fato essencial para
a vida do homem: Cristo Senhor, « na própria revelação do mistério do Pai e do
seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime », (18)
que é participar no mistério da vida trinitária de Deus. (19)
14. A doutrina do primeiro e segundo
Concílio do Vaticano abre um horizonte verdadeiramente novo também ao saber
filosófico. A Revelação coloca dentro da história um ponto de referência de que
o homem não pode prescindir, se quiser chegar a compreender o mistério da sua
existência; mas, por outro lado, este conhecimento apela constantemente para o
mistério de Deus que a mente não consegue abarcar, mas apenas receber e acolher
na fé. Entre estes dois momentos, a razão possui o seu espaço peculiar que lhe
permite investigar e compreender, sem ser limitada por nada mais que a sua
finitude ante o mistério infinito de Deus.
A Revelação introduz, portanto, na nossa
história uma verdade universal e última que leva a mente do homem a nunca mais
se deter; antes, impele-a a ampliar continuamente os espaços do próprio
conhecimento até sentir que realizou tudo o que estava ao seu alcance, sem nada
descurar. Ajuda-nos, nesta reflexão, uma das inteligências mais fecundas e
significativas da história da humanidade, à qual obrigatoriamente fazem
referência a filosofia e a teologia: Santo Anselmo. Na sua obra, Proslogion,
o Arcebispo de Cantuária exprime-se assim: « Detendo-me com freqüência e atenção
a pensar neste problema, sucedia umas vezes que me parecia estar para agarrar o
que buscava, outras vezes, pelo contrário, furtava-se completamente ao meu
pensamento; até que finalmente, desesperado de o poder achar, decidi deixar de
procurar algo que me era impossível encontrar.
Mas, quando quis afastar de mim
tal pensamento para que a sua ocupação da minha mente não me alheasse de outros
problemas de que podia tirar algum proveito, foi então que começou a
apresentar-se cada vez mais teimoso. (...) Mas, pobre de mim, um dos pobres
filhos de Eva, longe de Deus, o que é que comecei a fazer e o que é que
consegui? O que é que visava e a que ponto cheguei? A que é que aspirava e por
que é que suspiro? (...) Ó Senhor, Vós não sois apenas algo acerca do qual não
se pode pensar nada de maior (non solum es quo maius cogitari nequit),
mas sois maior de tudo o que se possa pensar (quiddam maius quam cogitari
possit) (...). Se não fôsseis o que sois, poder-se-ia pensar algo maior do
que Vós, mas isso é impossível ». (20)
15. A verdade da revelação cristã, que se
encontra em Jesus de Nazaré, permite a quem quer que seja perceber o « mistério
» da própria vida. Enquanto verdade suprema, ao mesmo tempo que respeita a
autonomia da criatura e a sua liberdade, obriga-a a abrir-se à transcendência.
Aqui, a relação entre liberdade e verdade atinge o seu máximo grau, podendo-se
compreender plenamente esta palavra do Senhor: « Conhecereis a verdade e a
verdade libertar-vos-á » (Jo 8, 32).
A revelação cristã é a verdadeira estrela de
orientação para o homem, que avança por entre os condicionalismos da mentalidade
imanentista e os reducionismos duma lógica tecnocrática; é a última
possibilidade oferecida por Deus, para reencontrar em plenitude aquele projeto
primordial de amor que teve início com a criação.
Ao homem ansioso de conhecer a
verdade — se ainda é capaz de ver para além de si mesmo e levantar os olhos
acima dos seus próprios projetos — é-lhe concedida a possibilidade de recuperar
a genuína relação com a sua vida, seguindo a estrada da verdade. Podem-se
aplicar a esta situação as seguintes palavras do Deuteronômio: « A lei que hoje
te imponho não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance. Não está no
céu, para que digas: Quem subirá por nós ao céu e no-la irá buscar? Não está
tão pouco do outro lado do mar, para que digas: Quem atravessará o mar para
no-la buscar e no-la fazer ouvir para que a observemos? Não, ela está muito
perto de ti: está na tua boca e no teu coração; e tu podes cumpri-la » (30,
11-14). Temos um eco deste texto no famoso pensamento do filósofo e teólogo
Santo Agostinho: « Noli foras ire, in te ipsum redi. In interiore homine
habitat veritas ». (21)
À luz destas considerações, impõe-se uma
primeira conclusão: a verdade que a Revelação nos dá a conhecer não é o fruto
maduro ou o ponto culminante dum pensamento elaborado pela razão. Pelo
contrário, aquela apresenta-se com a característica da gratuidade, obriga a
pensá-la, e pede para ser acolhida, como expressão de amor. Esta verdade
revelada é a presença antecipada na nossa história daquela visão última e
definitiva de Deus, que está reservada para quantos acreditam n'Ele ou O
procuram de coração sincero. Assim, o fim último da existência pessoal é objeto
de estudo quer da filosofia, quer da teologia. Embora com meios e conteúdos
diversos, ambas apontam para aquele « caminho da vida » (Sl 16/15, 11)
que, segundo nos diz a fé, tem o seu termo último de chegada na alegria plena e
duradoura da contemplação de Deus Uno e Trino.
CAPÍTULO II
CREDO UT INTELLEGAM
1. « A sabedoria sabe e compreende
todas as coisas» (Sb 9, 11)
16. Quão profunda seja a ligação entre o
conhecimento da fé e o da razão, já a Sagrada Escritura no-lo indica com
elementos de uma clareza surpreendente. Comprovam-no sobretudo os Livros
Sapienciais. O que impressiona na leitura, feita sem preconceitos, dessas
páginas da Sagrada Escritura é o fato de estes textos conterem não apenas a fé
de Israel, mas também o tesouro de civilizações e culturas já desaparecidas.
Como se de um desígnio particular se tratasse, o Egito e a Mesopotâmia fazem
ouvir novamente a sua voz, e alguns traços comuns das culturas do Antigo Oriente
ressurgem nestas páginas ricas de intuições singularmente profundas.
Não é por acaso que o autor sagrado, ao
querer descrever o homem sábio, o apresenta como aquele que ama e busca a
verdade: « Feliz o homem que é constante na sabedoria, e que discorre com a sua
inteligência; que repassa no seu coração os caminhos da sabedoria, e que penetra
no conhecimento dos seus segredos; vai atrás dela como quem lhe segue o rasto, e
permanece nos seus caminhos; olha pelas suas janelas, e escuta às suas portas;
repousa junto da sua morada, e fixa um pilar nas suas paredes; levanta a sua
tenda junto dela, e estabelece ali agradável morada; coloca os seus filhos
debaixo da sua proteção, e ele mesmo morará debaixo dos seus ramos; à sua sombra
estará defendido do calor, e repousará na sua glória » (Sr 14, 20-27).
Para o autor inspirado, como se vê, o desejo
de conhecer é uma característica comum a todos os homens. Graças à inteligência,
é dada a todos, crentes e descrentes, a possibilidade de « saciarem-se nas águas
profundas » do conhecimento (cf. Pv 20, 5). Seguramente, no Antigo
Israel, o conhecimento do mundo e dos seus fenômenos não se realizava pela via
da abstração, como já o fazia o filósofo jônico ou o sábio egípcio. E menos
ainda podia o bom israelita conceber o conhecimento nos parâmetros próprios da
época moderna, mais propensa à subdivisão do saber. Apesar disso, o mundo
bíblico fez confluir, para o grande mar da teoria do conhecimento, o seu
contributo original.
Qual? O caráter peculiar do texto bíblico
reside na convicção de que existe uma unidade profunda e indivisível entre o
conhecimento da razão e o da fé. O mundo e o que nele acontece, assim como a
história e as diversas vicissitudes da nação são realidades observadas,
analisadas e julgadas com os meios próprios da razão, mas sem deixar a fé alheia
a este processo. Esta não intervém para humilhar a autonomia da razão, nem para
reduzir o seu espaço de ação, mas apenas para fazer compreender ao homem que, em
tais acontecimentos, Se torna visível e atua o Deus de Israel. Assim, não é
possível conhecer profundamente o mundo e os fatos da história, sem ao mesmo
tempo professar a fé em Deus que neles atua.
A fé aperfeiçoa o olhar interior,
abrindo a mente para descobrir, no curso dos acontecimentos, a presença operante
da Providência. A tal propósito, é significativa uma expressão do livro dos
Provérbios: « A mente do homem dispõe o seu caminho, mas é o Senhor quem dirige
os seus passos » (16, 9). É como se dissesse que o homem, pela luz da razão,
pode reconhecer a sua estrada, mas percorrê-la de maneira decidida, sem
obstáculos e até ao fim, ele só o consegue se, de ânimo reto, integrar a sua
pesquisa no horizonte da fé. Por isso, a razão e a fé não podem ser separadas,
sem fazer com que o homem perca a possibilidade de conhecer de modo adequado a
si mesmo, o mundo e Deus.
17. Não há motivo para existir concorrência
entre a razão e a fé: uma implica a outra, e cada qual tem o seu espaço próprio
de realização. Aponta nesta direção o livro dos Provérbios, quando exclama: « A
glória de Deus é encobrir as coisas, e a glória dos reis é investigá-las » (25,
2). Deus e o homem estão colocados, em seu respectivo mundo, numa relação única.
Em Deus reside a origem de tudo, n'Ele se encerra a plenitude do mistério, e
isto constitui a sua glória; ao homem, pelo contrário, compete o dever de
investigar a verdade com a razão, e nisto está a sua nobreza. Um novo ladrilho é
colocado neste mosaico pelo Salmista, quando diz: « Quão insondáveis para mim, ó
Deus, vossos pensamentos! Quão imenso o seu número! Quisera contá-los, são mais
que as areias; se pudesse chegar ao fim, estaria ainda convosco » (139/138,
17-18). O desejo de conhecer é tão grande e comporta tal dinamismo que o coração
do homem, ao tocar o limite intransponível, suspira pela riqueza infinita que se
encontra para além deste, por intuir que nela está contida a resposta cabal para
toda a questão ainda sem resposta.
18. Podemos, pois, dizer que Israel, com a
sua reflexão, soube abrir à razão o caminho para o mistério. Na revelação de
Deus, pôde sondar em profundidade aquilo que a razão estava procurando alcançar
sem o conseguir. A partir desta forma mais profunda de conhecimento, o Povo
Eleito compreendeu que a razão deve respeitar algumas regras fundamentais, para
manifestar do melhor modo possível a própria natureza. A primeira regra é ter em
conta que o conhecimento do homem é um caminho que não permite descanso; a
segunda nasce da consciência de que não se pode percorrer tal caminho com o
orgulho de quem pensa que tudo seja fruto de conquista pessoal; a terceira regra
funda-se no « temor de Deus », de quem a razão deve reconhecer tanto a
transcendência soberana como o amor solícito no governo do mundo.
Quando o homem se afasta destas regras,
corre o risco de falimento e acaba por encontrar-se na condição do « insensato
». Segundo a Bíblia, nesta insensatez encerra-se uma ameaça à vida. É que o
insensato ilude-se pensando que conhece muitas coisas, mas, de fato, não é capaz
de fixar o olhar nas realidades essenciais. E isto impede-lhe de pôr ordem na
sua mente (cf. Pv 1,7) e de assumir uma atitude correta para consigo
mesmo e o ambiente circundante. Quando, depois, chega a afirmar que « Deus não
existe » (cf. Sl 14/13, 1), isso revela, com absoluta clareza, quanto
seja deficiente o seu conhecimento e quão distante esteja ele da verdade plena a
respeito das coisas, da sua origem e do seu destino.
19. Encontramos, no livro da Sabedoria,
alguns textos importantes, que iluminam ainda melhor este assunto. Lá, o autor
sagrado fala de Deus que Se dá a conhecer também através da natureza. Para os
antigos, o estudo das ciências naturais coincidia, em grande parte, com o saber
filosófico. Depois de ter afirmado que o homem, com a sua inteligência, é capaz
de « conhecer a constituição do universo e a força dos elementos (...), o ciclo
dos anos e a posição dos astros, a natureza dos animais mansos e os instintos
dos animais ferozes » (Sb 7, 17.19-20), por outras palavras, que o homem
é capaz de filosofar, o texto sagrado dá um passo em frente muito significativo.
Retomando o pensamento da filosofia grega, à qual parece referir-se neste
contexto, o autor afirma que, raciocinando precisamente sobre a natureza,
pode-se chegar ao Criador: « Pela grandeza e beleza das criaturas, pode-se, por
analogia, chegar ao conhecimento do seu Autor » (Sb 13, 5). Reconhece-se,
assim, um primeiro nível da revelação divina, constituído pelo maravilhoso «
livro da natureza »; lendo-o com os meios próprios da razão humana, pode-se
chegar ao conhecimento do Criador. Se o homem, com a sua inteligência, não chega
a reconhecer Deus como criador de tudo, isso fica-se a dever não tanto à falta
de um meio adequado, como sobretudo ao obstáculo interposto pela sua vontade
livre e pelo seu pecado.
20. Nesta perspectiva, a razão é valorizada,
mas não superexaltada. O que ela alcança pode ser verdade, mas só adquire pleno
significado se o seu conteúdo for situado num horizonte mais amplo, o da fé: « O
Senhor é quem dirige os passos do homem; como poderá o homem compreender o seu
próprio destino? » (Pv 20, 24). A fé, segundo o Antigo Testamento,
liberta a razão, na medida em que lhe permite alcançar coerentemente o seu
objeto de conhecimento e situá-lo naquela ordem suprema onde tudo adquire
sentido. Em resumo, pela razão o homem alcança a verdade, porque, iluminado pela
fé, descobre o sentido profundo de tudo e, particularmente, da própria
existência. Justamente, pois, o autor sagrado coloca o início do verdadeiro
conhecimento no temor de Deus: « O temor do Senhor é o princípio da sabedoria »
(Pv 1, 7; cf.
Sr 1, 14).
2. « Adquire a sabedoria, adquire a
inteligência » (Pv 4, 5)
21. Segundo o Antigo Testamento, o
conhecimento não se baseia apenas numa atenta observação do homem, do mundo e da
história, mas supõe como indispensável também uma relação com a fé e os
conteúdos da Revelação. Aqui se concentram os desafios que o Povo Eleito teve de
enfrentar e a que deu resposta. Ao refletir sobre esta sua condição, o homem
bíblico descobriu que não se podia compreender senão como « ser em relação »:
relação consigo mesmo, com o povo, com o mundo e com Deus. Esta abertura ao
mistério, que provinha da Revelação, acabou por ser, para ele, a fonte dum
verdadeiro conhecimento, que permitiu à sua razão aventurar-se em espaços
infinitos, recebendo inesperadas possibilidades de compreensão.
Segundo o autor sagrado, o esforço da
investigação não estava isento da fadiga causada pelo embate nas limitações da
razão. Sente-se isso mesmo, por exemplo, nas palavras com que o livro dos
Provérbios denuncia o cansaço provado ao tentar compreender os misteriosos
desígnios de Deus (cf. 30, 1-6). Todavia, apesar da fadiga, o crente não
desiste. E a força para continuar o seu caminho rumo à verdade provém da certeza
de que Deus o criou como um « explorador » (cf. Cl 1, 13), cuja missão é
não deixar nada sem tentar, não obstante a contínua chantagem da dúvida.
Apoiando-se em Deus, o crente permanece, em todo o lado e sempre, inclinado para
o que é belo, bom e verdadeiro.
22. S. Paulo, no primeiro capítulo da carta
aos Romanos, ajuda-nos a avaliar melhor quanto seja incisiva a reflexão dos
Livros Sapienciais. Desenvolvendo com linguagem popular uma argumentação
filosófica, o Apóstolo exprime uma verdade profunda: através da criação, os «
olhos da mente » podem chegar ao conhecimento de Deus. Efetivamente, através das
criaturas, Ele faz intuir à razão o seu « poder » e a sua « divindade » (cf.
Rm 1, 20). Deste modo, é atribuída à razão humana uma capacidade tal que
parece quase superar os seus próprios limites naturais: não só ultrapassa o
âmbito do conhecimento sensorial, visto que lhe é possível refletir criticamente
sobre o mesmo, mas, raciocinando a partir dos dados dos sentidos, pode chegar
também à causa que está na origem de toda a realidade sensível. Em terminologia
filosófica, podemos dizer que, neste significativo texto paulino, está afirmada
a capacidade metafísica do homem.
Segundo o Apóstolo, no projeto originário da
criação estava prevista a capacidade de a razão ultrapassar comodamente o dado
sensível para alcançar a origem mesma de tudo: o Criador. Como resultado da
desobediência com que o homem escolheu colocar-se em plena e absoluta autonomia
relativamente Àquele que o tinha criado, perdeu tal facilidade de acesso a Deus
criador.
O livro do Gênesis descreve de maneira
figurada esta condição do homem, quando narra que Deus o colocou no jardim do
Éden, tendo no centro « a árvore da ciência do bem e do mal » (2, 17). O símbolo
é claro: o homem não era capaz de discernir e decidir, por si só, aquilo que era
bem e o que era mal, mas devia apelar-se a um princípio superior. A cegueira do
orgulho iludiu os nossos primeiros pais de que eram soberanos e autônomos,
podendo prescindir do conhecimento vindo de Deus. Nesta desobediência original,
eles implicaram todo o homem e mulher, causando à razão traumas sérios que
haveriam de dificultar-lhe, daí em diante, o caminho para a verdade plena. Agora
a capacidade humana de conhecer a verdade aparece ofuscada pela aversão contra
Aquele que é fonte e origem da verdade. O próprio apóstolo S. Paulo nos revela
como, por causa do pecado, os pensamentos dos homens se tornaram « vãos » e os
seus arrazoados tortuosos e falsos (cf. Rm 1, 21-22). Os olhos da mente
deixaram de ser capazes de ver claramente: a razão foi progressivamente ficando
prisioneira de si mesma. A vinda de Cristo foi o acontecimento de salvação que
redimiu a razão da sua fraqueza, libertando-a dos grilhões onde ela mesma se
tinha algemado.
23. Deste modo, a relação do cristão com a
filosofia requer um discernimento radical. No Novo Testamento, especialmente nas
cartas de S. Paulo, aparece claramente este dado: a contraposição entre « a
sabedoria deste mundo » e a sabedoria de Deus revelada em Jesus Cristo. A
profundidade da sabedoria revelada rompe o círculo dos nossos esquemas de
reflexão habituais, que não são minimamente capazes de exprimi-la de forma
adequada.
O início da primeira carta aos Coríntios
apresenta radicalmente este dilema. O Filho de Deus crucificado é o
acontecimento histórico contra o qual se desfaz toda a tentativa da mente para
construir, sobre razões puramente humanas, uma justificação suficiente do
sentido da existência. O verdadeiro ponto nodal, que desafia qualquer filosofia,
é a morte de Jesus Cristo na cruz. Aqui, de fato, qualquer tentativa de reduzir
o plano salvífico do Pai a mera lógica humana está destinada à falência. « Onde
está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o investigador deste século?
Porventura, Deus não considerou louca a sabedoria deste mundo? » (1 Cor
1, 20) — interroga-se enfaticamente o Apóstolo. Para aquilo que Deus quer
realizar, não basta a simples sabedoria do homem sábio, requer-se um passo
decisivo que leve ao acolhimento duma novidade radical: « O que é louco segundo
o mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios (...). O que é vil e
desprezível no mundo, é que Deus escolheu, como também aquelas coisas que nada
são, para destruir as que são » (1 Cor 1, 27-28). A sabedoria do homem
recusa ver na própria fragilidade o pressuposto da sua força; mas S. Paulo não
hesita em afirmar: « Quando me sinto fraco, então é que sou forte » (2 Cor
12, 10). O homem não consegue compreender como possa a morte ser fonte de
vida e de amor, mas Deus, para revelar o mistério do seu desígnio salvador,
escolheu precisamente o que a razão considera « loucura » e « escândalo ».
Usando a linguagem dos filósofos do seu tempo, Paulo chega ao clímax da sua
doutrina e do paradoxo que quer exprimir: « Deus escolheu, no mundo, aquelas
coisas que nada são, para destruir as que são » (cf. 1 Cor 1, 28). Para
exprimir o caráter gratuito do amor revelado na cruz de Cristo, o Apóstolo não
tem medo de usar a linguagem mais radical que os filósofos empregavam nas suas
reflexões a respeito de Deus. A razão não pode esgotar o mistério de amor que a
Cruz representa, mas a Cruz pode dar à razão a resposta última que esta procura.
S. Paulo coloca, não a sabedoria das palavras, mas a Palavra da Sabedoria como
critério, simultaneamente, de verdade e de salvação.
Por conseguinte, a sabedoria da Cruz supera
qualquer limite cultural que se lhe queira impor, obrigando a abrir-se à
universalidade da verdade de que é portadora. Como é grande o desafio lançado à
nossa razão e como são enormes as vantagens que terá, se ela se render! A
filosofia, que por si mesma já é capaz de reconhecer a necessidade do homem se
transcender continuamente na busca da verdade, pode, ajudada pela fé, abrir-se
para, na « loucura » da Cruz, acolher como genuína a crítica a quantos se iludem
de possuir a verdade, encalhando-a nas sirtes dum sistema próprio. A relação
entre a fé e a filosofia encontra, na pregação de Cristo crucificado e
ressuscitado, o escolho contra o qual pode naufragar, mas também para além do
qual pode desembocar no oceano ilimitado da verdade. Aqui é evidente a fronteira
entre a razão e a fé, mas torna-se claro também o espaço onde as duas se podem
encontrar.
CAPÍTULO III
INTELLEGO UT CREDAM
1. Caminhar à procura da verdade
24. Nos Atos dos Apóstolos, o evangelista
Lucas narra a chegada de Paulo a Atenas, numa das suas viagens missionárias. A
cidade dos filósofos estava cheia de estátuas, que representavam vários ídolos;
e chamou-lhe a atenção um altar, que Paulo prontamente aproveitou como motivo e
base comum para iniciar o anúncio do querigma: « Atenienses — disse ele —, vejo
que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens. Percorrendo a vossa cidade e
examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta
inscrição: Ao Deus desconhecido. Pois bem! O que venerais sem conhecer, é que
eu vos anuncio » (At 17, 22-23). Partindo daqui, S. Paulo fala-lhes de
Deus enquanto criador, como Aquele que tudo transcende e a tudo dá vida. Depois
continua o seu discurso, dizendo: « Fez a partir de um só homem, todo o gênero
humano, para habitar em toda a face da Terra; e fixou a seqüência dos tempos e
os limites para a sua habitação, a fim de que os homens procurem a Deus e se
esforcem por encontrá-Lo, mesmo tateando, embora não Se encontre longe de cada
um de nós » (At 17, 26-27).
O Apóstolo põe em destaque uma verdade que a
Igreja sempre guardou no seu tesouro: no mais fundo do coração do homem, foi
semeado o desejo e a nostalgia de Deus. Recorda-o a liturgia de Sexta-feira
Santa, quando, convidando a rezar pelos que não crêem, diz: « Deus eterno e
onipotente, criastes os homens para que Vos procurem, de modo que só em Vós
descansa o seu coração ». (22) Existe, portanto, um caminho que o homem, se
quiser, pode percorrer; o seu ponto de partida está na capacidade de a razão
superar o contingente para se estender até ao infinito.
De vários modos e em tempos diversos, o
homem demonstrou que conseguia dar voz a este seu desejo íntimo. A literatura, a
música, a pintura, a escultura, a arquitetura e outras realizações da sua
inteligência criadora tornaram-se canais de que ele se serviu para exprimir esta
sua ansiosa procura. Mas foi sobretudo a filosofia que, de modo peculiar,
recolheu este movimento, exprimindo, com os meios e segundo as modalidades
científicas que lhe são próprias, este desejo universal do homem.
25. « Todos os homens desejam saber », (23)
e o objeto próprio deste desejo é a verdade. A própria vida quotidiana demonstra
o interesse que tem cada um em descobrir, para além do que ouve, a realidade das
coisas. Em toda a criação visível, o homem é o único ser que é capaz não só de
saber, mas também de saber que sabe, e por isso se interessa pela verdade real
daquilo que vê.
Ninguém pode sinceramente ficar indiferente quanto à verdade do
seu saber. Se descobre que é falso, rejeita-o; se, pelo contrário, consegue
certificar-se da sua verdade, sente-se satisfeito. É a lição que nos dá Santo
Agostinho, quando escreve: « Encontrei muitos com desejos de enganar outros, mas
não encontrei ninguém que quisesse ser enganado ». (24) Considera-se,
justamente, que uma pessoa alcançou a idade adulta, quando consegue discernir,
por seus próprios meios, entre aquilo que é verdadeiro e o que é falso, formando
um juízo pessoal sobre a realidade objetiva das coisas. Está aqui o motivo de
muitas pesquisas, particularmente no campo das ciências, que levaram, nos
últimos séculos, a resultados tão significativos, favorecendo realmente o
progresso da humanidade inteira.
E a pesquisa é tão importante no campo
teórico, como no âmbito prático: ao referir-me a este, desejo aludir à procura
da verdade a respeito do bem que se deve realizar. Com efeito, graças
precisamente ao agir ético, a pessoa, se atuar segundo a sua livre e reta
vontade, entra pela estrada da felicidade e encaminha-se para a perfeição.
Também neste caso, está em questão a verdade. Reafirmei esta convicção na carta
encíclica Veritatis splendor: « Não há moral sem liberdade (...). Se
existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há
ainda antes a obrigação moral grave para cada um de procurar a verdade e de
aderir a ela, uma vez conhecida ». (25)
Por isso, é necessário que os valores
escolhidos e procurados na vida sejam verdadeiros, porque só estes é que podem
aperfeiçoar a pessoa, realizando a sua natureza. Não é fechando-se em si mesmo
que o homem encontra esta verdade dos valores, mas abrindo-se para a receber
mesmo de dimensões que o transcendem. Esta é uma condição necessária para que
cada um se torne ele mesmo e cresça como pessoa adulta e madura.
26. Ao princípio, a verdade apresenta-se ao
homem sob forma interrogativa: A vida tem um sentido? Para onde se dirige?
À primeira vista, a existência pessoal poderia aparecer radicalmente sem
sentido. Não é preciso recorrer aos filósofos do absurdo, nem às perguntas
provocatórias que se encontram no livro de Job para duvidar do sentido da vida.
A experiência quotidiana do sofrimento, pessoal e alheio, e a observação de
muitos fatos, que à luz da razão se revelam inexplicáveis, bastam para tornar
iniludível um problema tão dramático como é a questão do sentido da vida. (26) A
isto se deve acrescentar que a primeira verdade absolutamente certa da nossa
existência, para além do fato de existirmos, é a inevitabilidade da morte.
Perante um dado tão desconcertante como este, impõe-se a busca de uma resposta
exaustiva. Cada um quer, e deve, conhecer a verdade sobre o seu fim. Quer saber
se a morte será o termo definitivo da sua existência, ou se algo permanece para
além da morte; se pode esperar uma vida posterior, ou não. É significativo que o
pensamento filosófico tenha recebido, da morte de Sócrates, uma orientação
decisiva que o marcou durante mais de dois milênios. Certamente não é por acaso
que os filósofos, perante a realidade da morte, sempre voltam a pôr-se este
problema, associado à questão do sentido da vida e da imortalidade.
27. A tais questões, não pode esquivar-se
ninguém — nem o filósofo, nem o homem comum. E, da resposta que se lhes der,
deriva uma orientação decisiva da investigação: a possibilidade, ou não, de
alcançar uma verdade universal. Por si mesma qualquer verdade, mesmo parcial, se
realmente é verdade, apresenta-se como universal e absoluta. Aquilo que é
verdadeiro deve ser verdadeiro sempre e para todos. Contudo, para além desta
universalidade, o homem procura um absoluto que seja capaz de dar resposta e
sentido a toda a sua pesquisa: algo de definitivo, que sirva de fundamento a
tudo o mais. Por outras palavras, procura uma explicação definitiva, um valor
supremo, para além do qual não existam, nem possam existir, ulteriores perguntas
ou apelos. As hipóteses podem seduzir, mas não saciam. Para todos, chega o
momento em que, admitam-no ou não, há necessidade de ancorar a existência a uma
verdade reconhecida como definitiva, que forneça uma certeza livre de qualquer
dúvida.
Os filósofos procuraram, ao longo dos
séculos, descobrir e exprimir tal verdade, criando um sistema ou uma escola de
pensamento. Mas, para além dos sistemas filosóficos, existem outras expressões
nas quais o homem procura formular a sua « filosofia »: trata-se de convicções
ou experiências pessoais, tradições familiares e culturais, ou itinerários
existenciais vividos sob a autoridade de um mestre. A cada uma destas
manifestações, subjaz sempre vivo o desejo de alcançar a certeza da verdade e do
seu valor absoluto.
2. Os diferentes rostos da verdade do
homem
28. Há que reconhecer que a busca da verdade
nem sempre se desenrola com a referida transparência e coerência de raciocínio.
Muitas vezes, as limitações naturais da razão e a inconstância do coração
ofuscam e desviam a pesquisa pessoal. Outros interesses de vária ordem podem
sobrepor-se à verdade. Acontece também que o próprio homem a evite, quando
começa a entrevê-la, porque teme as suas exigências. Apesar disto, mesmo quando
a evita, é sempre a verdade que preside à sua existência. Com efeito, nunca
poderia fundar a sua vida sobre a dúvida, a incerteza ou a mentira; tal
existência estaria constantemente ameaçada pelo medo e a angústia. Assim,
pode-se definir o homem como aquele que procura a verdade.
29. É impensável que uma busca, tão
profundamente radicada na natureza humana, possa ser completamente inútil e vã.
A própria capacidade de procurar a verdade e fazer perguntas implica já uma
primeira resposta. O homem não começaria a procurar uma
coisa que ignorasse totalmente ou considerasse absolutamente inatingível. Só a
previsão de poder chegar a uma resposta é que consegue induzi-lo a dar o
primeiro passo. De fato, assim sucede normalmente na pesquisa científica. Quando
o cientista, depois de ter uma intuição, se lança à procura da explicação lógica
e empírica dum certo fenômeno, fá-lo porque tem a esperança, desde o início, de
encontrar uma resposta, e não se dá por vencido com os insucessos. Nem
considera inútil a intuição inicial, só porque não alcançou o seu objetivo; dirá
antes, e justamente, que não encontrou ainda a resposta adequada.
O mesmo deve valer também para a busca da
verdade no âmbito das questões últimas. A sede de verdade está tão radicada no
coração do homem que, se tivesse de prescindir dela, a sua existência ficaria
comprometida. Basta observar a vida de todos os dias para constatar como dentro
de cada um de nós se sente o tormento de algumas questões essenciais e, ao mesmo
tempo, se guarda na alma, pelo menos, o esboço das respectivas respostas. São
respostas de cuja verdade estamos convencidos, até porque notamos que não
diferem substancialmente das respostas a que muitos outros chegaram. Por certo,
nem toda a verdade adquirida possui o mesmo valor; todavia, o conjunto dos
resultados alcançados confirma a capacidade que o ser humano, em princípio, tem
de chegar à verdade.
30. Convém, agora, fazer uma rápida menção
das diversas formas de verdade. As mais numerosas são as verdades que assentam
em evidências imediatas ou recebem confirmação da experiência: esta é a ordem
própria da vida quotidiana e da pesquisa científica. Nível diverso ocupam as
verdades de caráter filosófico, que o homem alcança através da capacidade
especulativa do seu intelecto. Por último, existem as verdades religiosas, que
de algum modo têm as suas raízes também na filosofia; estão contidas nas
respostas que as diversas religiões oferecem, nas suas tradições, às questões
últimas. (27)
Quanto às verdades filosóficas, é necessário
especificar que não se limitam só às doutrinas, por vezes efêmeras, dos
filósofos profissionais. Como já disse, todo o homem é, de certa forma, um
filósofo e possui as suas próprias concepções filosóficas, pelas quais orienta a
sua vida. De diversos modos, consegue formar uma visão global e uma resposta
sobre o sentido da própria existência: e, à luz disso, interpreta a própria vida
pessoal e regula o seu comportamento. É aqui que deveria colocar-se a questão da
relação entre as verdades filosófico-religiosas e a verdade revelada em Jesus
Cristo. Antes de responder a tal questão, é preciso ter em conta outro dado da
filosofia.
31. O homem não foi criado para viver
sozinho. Nasce e cresce numa família, para depois se inserir, pelo seu trabalho,
na sociedade. Assim a pessoa aparece integrada, desde o seu nascimento, em
várias tradições; delas recebe não apenas a linguagem e a formação cultural, mas
também muitas verdades nas quais acredita quase instintivamente. Entretanto, o
crescimento e a maturação pessoal implicam que tais verdades possam ser postas
em dúvida e avaliadas através da atividade crítica própria do pensamento. Isto
não impede que, uma vez passada esta fase, aquelas mesmas verdades sejam «
recuperadas » com base na experiência feita ou em virtude de sucessiva
ponderação. Apesar disso, na vida duma pessoa, são muito mais numerosas as
verdades simplesmente acreditadas que aquelas adquiridas por verificação
pessoal. Na realidade, quem seria capaz de avaliar criticamente os inumeráveis
resultados das ciências, sobre os quais se fundamenta a vida moderna? Quem
poderia, por conta própria, controlar o fluxo de informações, recebidas
diariamente de todas as partes do mundo e que, por princípio, são aceites como
verdadeiras? Enfim, quem poderia percorrer novamente todos os caminhos de
experiência e pensamento, pelos quais se foram acumulando os tesouros de
sabedoria e religiosidade da humanidade? Portanto, o homem, ser que busca a
verdade, é também aquele que vive de crenças.
32. Cada um, quando crê, confia nos
conhecimentos adquiridos por outras pessoas. Neste ato, pode-se individuar uma
significativa tensão: por um lado, o conhecimento por crença apresenta-se como
uma forma imperfeita de conhecimento, que precisa de se aperfeiçoar
progressivamente por meio da evidência alcançada pela própria pessoa; por outro
lado, a crença é muitas vezes mais rica, humanamente, do que a simples
evidência, porque inclui a relação interpessoal, pondo em jogo não apenas as
capacidades cognoscitivas do próprio sujeito, mas também a sua capacidade mais
radical de confiar noutras pessoas, iniciando com elas um relacionamento mais
estável e íntimo.
Importa sublinhar que as verdades procuradas
nesta relação interpessoal não são primariamente de ordem empírica ou de ordem
filosófica. O que se busca é sobretudo a verdade da própria pessoa: aquilo que
ela é e o que manifesta do seu próprio íntimo. De fato, a perfeição do homem não
se reduz apenas à aquisição do conhecimento abstrato da verdade, mas consiste
também numa relação viva de doação e fidelidade ao outro. Nesta fidelidade que
leva à doação, o homem encontra plena certeza e segurança. Ao mesmo tempo,
porém, o conhecimento por crença, que se fundamenta na confiança interpessoal,
tem a ver também com a verdade: de fato, acreditando, o homem confia na verdade
que o outro lhe manifesta.
Quantos exemplos se poderiam aduzir para
ilustrar este dado! O primeiro que me vem ao pensamento é o testemunho dos
mártires. Com efeito, o mártir é a testemunha mais genuína da verdade da
existência. Ele sabe que, no seu encontro com Jesus Cristo, alcançou a verdade a
respeito da sua vida, e nada nem ninguém poderá jamais arrancar-lhe esta
certeza. Nem o sofrimento, nem a morte violenta poderão fazê-lo retroceder da
adesão à verdade que descobriu no encontro com Cristo. Por isso mesmo é que, até
agora, o testemunho dos mártires atrai, gera consenso, é escutado e seguido.
Esta é a razão pela qual se tem confiança na sua palavra: descobre-se neles a
evidência dum amor que não precisa de longas demonstrações para ser convincente,
porque fala daquilo que cada um, no mais fundo de si mesmo, já sente como
verdadeiro e que há tanto tempo procurava. Em resumo, o mártir provoca em nós
uma profunda confiança, porque diz aquilo que já sentimos e torna evidente
aquilo que nós mesmos queríamos ter a força de dizer.
33. Deste modo, foi possível completar
progressivamente os dados do problema. O homem, por sua natureza, procura a
verdade. Esta busca não se destina apenas à conquista de verdades parciais,
físicas ou científicas; não busca só o verdadeiro bem em cada um das suas
decisões. Mas a sua pesquisa aponta para uma verdade superior, que seja capaz de
explicar o sentido da vida; trata-se, por conseguinte, de algo que não pode
desembocar senão no absoluto. (28) Graças às capacidades de que está dotado o
seu pensamento, o homem pode encontrar e reconhecer uma tal verdade. Sendo esta
vital e essencial para a sua existência, chega-se a ela não só por via racional,
mas também através de um abandono fiducial a outras pessoas que possam garantir
a certeza e autenticidade da verdade. A capacidade e a decisão de confiar o
próprio ser e existência a outra pessoa constituem, sem dúvida, um dos atos
antropologicamente mais significativos e expressivos.
É bom não esquecer que também a razão, na
sua busca, tem necessidade de ser apoiada por um diálogo confiante e uma amizade
sincera. O clima de suspeita e desconfiança, que por vezes envolve a pesquisa
especulativa, ignora o ensinamento dos filósofos antigos, que punham a amizade
como um dos contextos mais adequados para o reto filosofar.
Do que ficou dito conclui-se que o homem se
encontra num caminho de busca, humanamente infindável: busca da verdade e busca
duma pessoa em quem poder confiar. A fé cristã vem em sua ajuda, dando-lhe a
possibilidade concreta de ver realizado o objetivo dessa busca. De fato,
superando o nível da simples crença, ela introduz o homem naquela ordem da graça
que lhe consente participar no mistério de Cristo, onde lhe é oferecido o
conhecimento verdadeiro e coerente de Deus Uno e Trino.
Deste modo, em Jesus Cristo, que é a Verdade, a fé reconhece o apelo último
dirigido à humanidade, para que possa tornar realidade o que experimenta como
desejo e nostalgia.
34. Esta verdade, que Deus nos revela em
Jesus Cristo, não está em contraste com as verdades que se alcançam filosofando.
Pelo contrário, as duas ordens de conhecimento conduzem à verdade na sua
plenitude. A unidade da verdade já é um postulado fundamental da razão humana,
expresso no princípio de não-contradição. A Revelação dá a certeza desta
unidade, ao mostrar que Deus criador é também o Deus da história da salvação.
Deus que fundamenta e garante o caráter inteligível e racional da ordem natural
das coisas, sobre o qual os cientistas se apóiam confiadamente, (29) é o mesmo
que Se revela como Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Esta unidade da verdade,
natural e revelada, encontra a sua identificação viva e pessoal em Cristo, como
recorda o apóstolo Paulo: « A verdade que existe em Jesus » (Ef 4, 21;
cf. Cl 1, 15-20). Ele é a Palavra eterna, na qual tudo foi criado,
e ao mesmo tempo é a Palavra encarnada que, com toda a sua pessoa,30
revela o Pai (cf. Jo 1, 14.18). Aquilo que a razão humana procura « sem o
conhecer » (cf. At 17, 23), só pode ser encontrado por meio de Cristo: de
fato, o que n'Ele se revela é a « verdade plena » (cf. Jo 1, 14-16) de
todo o ser que, n'Ele e por Ele, foi criado e, por isso mesmo, n'Ele encontra a
sua realização (cf. Cl 1, 17).
35. Tendo estas considerações gerais como
pano de fundo, é necessário agora examinar, de maneira mais direta, a relação
entre a verdade revelada e a filosofia. Tal relação requer uma dupla
consideração, visto que a verdade que nos vem da Revelação tem de ser,
simultaneamente, compreendida pela luz da razão. Só nesta dupla acepção é que
será possível especificar a justa relação da verdade revelada com o saber
filosófico. Por isso, vamos considerar, em primeiro lugar, as relações entre a
fé e a filosofia ao longo da história, donde será possível individuar alguns
princípios, que constituem os pontos de referência aos quais recorrer para
estabelecer a correta relação entre as duas ordens de conhecimento.
CAPÍTULO IV
A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E A RAZÃO
1. As etapas significativas do
encontro entre a fé e a razão
36. Os Atos dos Apóstolos testemunham que o
anúncio cristão se encontrou, desde os seus primórdios, com as correntes
filosóficas do tempo. Lá se refere a discussão que S. Paulo teve com « alguns
filósofos epicuristas e estóicos » (17, 18). A análise exegética do discurso no
Areópago evidenciou repetidas alusões a idéias populares, predominantemente de
origem estóica. Certamente isso não se deu por acaso; os primeiros cristãos,
para se fazerem compreender pelos pagãos, não podiam citar apenas « Moisés e os
profetas » nos seus discursos, mas tinham de servir-se também do conhecimento
natural de Deus e da voz da consciência moral de cada homem (cf. Rm 1,19-21;
2,14-15; At 14,16-17). Como, porém, na religião pagã, esse conhecimento
natural tinha degenerado em idolatria (cf. Rm 1,21-32), o Apóstolo
considerou mais prudente ligar o seu discurso ao pensamento dos filósofos, que
desde o início tinham contraposto, aos mitos e cultos mistéricos, conceitos mais
respeitosos da transcendência divina.
De fato, um dos cuidados que mais a peito
tiveram os filósofos do pensamento clássico, foi purificar de formas mitológicas
a concepção que os homens tinham de Deus. Bem sabemos que a religião grega, como
grande parte das religiões cósmicas, era politeísta, chegando a divinizar até
coisas e fenômenos da natureza. As tentativas do homem para compreender a origem
dos deuses e, nestes, a do universo tiveram a sua primeira expressão na poesia.
As teogonias permanecem, até hoje, o primeiro testemunho desta investigação do
homem. Os pais da filosofia tiveram por missão mostrar a ligação entre a razão e
a religião. Estendendo o olhar para os princípios universais, deixaram de
contentar-se com os mitos antigos e procuraram dar fundamento racional à sua
crença na divindade.
Embocou-se assim uma estrada que, saindo das antigas
tradições particulares, levava a um desenvolvimento que correspondia às
exigências da razão universal. O fim que tal desenvolvimento tinha em vista era
a verificação crítica daquilo em que se acreditava. A primeira a ganhar com esse
caminho feito foi a concepção da divindade. As superstições acabaram por ser
reconhecidas como tais, e a religião, pelo menos em parte, foi purificada pela
análise racional. Foi nesta base que os Padres da Igreja instituíram um diálogo
fecundo com os filósofos antigos, abrindo a estrada ao anúncio e à compreensão
do Deus de Jesus Cristo.
37. Quando se menciona este movimento de
aproximação dos cristãos à filosofia, é obrigatório recordar também a cautela
com que eles olhavam outros elementos do mundo cultural pagão, como, por
exemplo, a gnose. A filosofia, enquanto sabedoria prática e escola de vida,
podia facilmente ser confundida com um conhecimento de tipo superior, esotérico,
reservado a poucos iluminados. É, sem dúvida, a especulações esotéricas deste
gênero que pensa S. Paulo, quando adverte os Colossenses: « Vede que ninguém vos
engane com falsas e vãs filosofias, fundadas nas tradições humanas, nos
elementos do mundo, e não em Cristo » (2, 8). Como são atuais estas palavras do
Apóstolo, quando as referimos às diversas formas de esoterismo que hoje se
difundem mesmo entre alguns crentes, privados do necessário sentido crítico!
Seguindo as pegadas de S. Paulo, outros escritores dos primeiros séculos,
particularmente Santo Ireneu e Tertuliano, puseram reservas a uma orientação
cultural que pretendia subordinar a verdade da Revelação à interpretação dos
filósofos.
38. Como vemos, o encontro do cristianismo
com a filosofia não foi fácil nem imediato. A exercitação desta e a freqüência
das respectivas escolas foi vista mais vezes pelos primeiros cristãos como
transtorno, do que como uma oportunidade. Para eles, a primeira e mais urgente
missão era o anúncio de Cristo ressuscitado, que havia de ser proposto num
encontro pessoal, capaz de levar o interlocutor à conversão do coração e ao
pedido do Batismo. De qualquer modo, isso não significa
que ignorassem a obrigação de aprofundar a compreensão da fé e suas motivações;
antes pelo contrário. É injusta e pretextuosa a crítica de Celso, quando acusa
os cristãos de serem gente « iletrada e rude ». (31) A explicação deste seu
desinteresse inicial tem de ser procurada noutro lado. Na realidade, o encontro
com o Evangelho oferecia uma resposta tão satisfatória à questão do sentido da
vida, até então insolúvel, que freqüentar os filósofos parecia-lhes uma coisa
sem interesse e, em certos aspetos, superada.
Isto é, hoje, ainda mais claro, se se pensa
ao contributo dado pelo cristianismo, quando defende o acesso à verdade como um
direito universal. Derrubadas as barreiras raciais, sociais e sexuais, o
cristianismo tinha anunciado, desde as suas origens, a igualdade de todos os
homens diante de Deus. A primeira conseqüência deste conceito registou-se no
tema da verdade, ficando decididamente superado o caráter elitista que a sua
busca tinha no pensamento dos antigos: se o acesso à verdade é um bem que
permite chegar a Deus, todos devem estar em condições de poder percorrer esta
estrada. As vias para chegar à verdade continuam a ser muitas; mas, dado que a
verdade cristã tem valor salvífico, cada uma delas só pode ser percorrida se
conduzir à meta final, ou seja, à revelação de Jesus Cristo.
Como pioneiro dum encontro positivo com o
pensamento filosófico, sempre marcado por um prudente discernimento, há que
recordar S. Justino. Apesar da grande estima que continuava a ter pela filosofia
grega depois da sua conversão, afirmava decidida e claramente que tinha
encontrado, no cristianismo, « a única filosofia segura e vantajosa ». (32)
De
forma semelhante, Clemente de Alexandria chamava ao Evangelho « a verdadeira
filosofia », (33) e, em analogia com a lei mosaica, via a filosofia como uma
instrução propedêutica à fé cristã (34) e uma preparação ao Evangelho. (35) Uma
vez que « a filosofia anela por aquela sabedoria que consiste na retidão da alma
e da palavra e na pureza da vida, está aberta à sabedoria e tudo faz para a
alcançar. No nosso meio, designam-se por filósofos os que amam a sabedoria que é
criadora e mestra de tudo, isto é, o conhecimento do Filho de Deus ».(36)
Segundo este pensador alexandrino, a filosofia grega não tem como primeiro
objetivo completar ou corroborar a verdade cristã; a sua função é, sobretudo, a
defesa da fé: « A doutrina do Salvador é perfeita em si mesma e não precisa de
apoio, porque é a força e a sabedoria de Deus. A filosofia grega não torna mais
forte a verdade com o seu contributo, mas, porque torna impotente o ataque da
sofística e desarma os assaltos traiçoeiros contra a verdade, foi justamente
chamada sebe e muro de vedação da vinha ».(37)
39. Entretanto, na história deste
desenvolvimento, é possível constatar a assunção crítica do pensamento
filosófico por parte dos pensadores cristãos. No meio dos primeiros exemplos
encontrados, sobressai, sem dúvida, Orígenes. Contra os ataques lançados pelo
filósofo Celso, ele recorre à filosofia platônica para argumentar e
responder-lhe. Citando vários elementos do pensamento platônico, começa a
elaborar uma primeira forma de teologia cristã. Naquele tempo, a designação
mesma de teologia e a sua concepção como discurso racional sobre Deus ainda
estavam ligadas à sua origem grega.
Na filosofia aristotélica, por exemplo, o
termo designava a parte mais nobre e o verdadeiro apogeu do discurso filosófico.
Mas, à luz da revelação cristã, o que anteriormente indicava uma doutrina
genérica sobre a divindade, passou a assumir um significado totalmente novo, ou
seja, a reflexão que o crente realiza para exprimir a verdadeira doutrina
acerca de Deus. Este pensamento cristão novo, que estava a desenvolver-se,
servia-se da filosofia, mas ao mesmo tempo tendia a distinguir-se nitidamente
dela. A história revela que o próprio pensamento platônico, quando foi assumido
pela teologia, sofreu profundas transformações, especialmente em conceitos como
a imortalidade da alma, a divinização do homem e a origem do mal.
40. Nesta obra de cristianização do
pensamento platônico e neoplatônico, merecem menção particular os Padres
Capadócios, Dionísio chamado o Areopagita e sobretudo Santo Agostinho. O grande
Doutor ocidental contatara diversas escolas filosóficas, mas todas o tinham
desiludido. Quando se lhe deparou a verdade da fé cristã, então teve a força de
realizar aquela conversão radical a que os filósofos anteriormente contactados
não tinham conseguido induzi-lo. Ele mesmo refere o motivo: « Preferindo a
doutrina católica, já sentia, então, que era mais razoável e menos enganoso
sermos obrigados a crer o que não demonstrava, quer houvesse prova, mesmo que
esta não estivesse ao alcance de qualquer pessoa, quer a não houvesse. Seria
isto mais sensato do que zombarem da crença os maniqueístas, apoiados em
temerária promessa de ciência, para depois nos mandarem acreditar em inúmeras
fábulas tão absurdas que as não podiam provar ». (38) Quanto aos platônicos, que
ocupavam lugar privilegiado nos pontos de referimento de Agostinho, este
censurava-os porque, embora conhecessem o fim para onde se devia tender, tinham,
porém, ignorado o caminho que lá conduzia: o Verbo encarnado. (39)
O Bispo de
Hipona conseguiu elaborar a primeira grande síntese do pensamento filosófico e
teológico, nela confluindo correntes do pensamento grego e latino. Também nele a
grande unidade do saber, que tinha o seu fundamento no pensamento bíblico,
acabou por ser confirmada e sustentada pela profundidade do pensamento
especulativo. A síntese feita por Santo Agostinho permanecerá como a forma mais
elevada de reflexão filosófica e teológica que o Ocidente, durante séculos,
conheceu. Com uma história pessoal intensa e ajudado por uma admirável santidade
de vida, ele foi capaz de introduzir, nas suas obras, muitos dados que,
apelando-se à experiência, antecipavam já futuros desenvolvimentos de algumas
correntes filosóficas.
41. De diversas formas, pois, os Padres do
Oriente e do Ocidente entraram em relação com as escolas filosóficas. Isto não
significa que tenham identificado o conteúdo da sua mensagem com os sistemas a
que faziam referência. A pergunta de Tertuliano: « Que
têm em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja? », (40) é um sintoma
claro da consciência crítica com que os pensadores cristãos encararam, desde as
origens, o problema da relação entre a fé e a filosofia,
vendo-o
globalmente, tanto nos seus aspectos positivos como nas suas limitações. Não
eram pensadores ingênuos. Precisamente porque viviam de forma intensa o conteúdo
da fé, eles conseguiam chegar às formas mais profundas da reflexão. Por isso, é
injusto e redutivo limitar o seu trabalho a mera transposição das verdades de fé
para categorias filosóficas. Eles fizeram muito mais; conseguiram explicitar
plenamente aquilo que resultava ainda implícito e preliminar no pensamento dos
grandes filósofos antigos. (41) Estes, conforme já disse, tiveram a função de
mostrar o modo como a razão, livre dos vínculos externos, podia escapar do beco
sem saída dos mitos, para melhor se abrir à transcendência. Uma razão purificada
e reta era capaz de se elevar aos níveis mais elevados da reflexão, dando
fundamento sólido à percepção do ser, do transcendente e do absoluto.
Aqui mesmo se insere a novidade operada
pelos Padres. Acolheram a razão na sua plena abertura ao absoluto e, nela,
enxertaram a riqueza vinda da Revelação. O encontro não foi apenas questão de
culturas, uma das quais talvez seduzida pelo fascínio da outra; mas verificou-se
no íntimo da alma, e foi um encontro entre a criatura e o seu Criador.
Ultrapassando o fim mesmo para o qual inconscientemente tendia por força da sua
natureza, a razão pôde alcançar o sumo bem e a suma verdade na pessoa do Verbo
encarnado. Ao encararem as filosofias, os Padres não tiveram medo de reconhecer
tanto os elementos comuns como as diferenças que aquelas apresentavam
relativamente à Revelação. A percepção das convergências não ofuscava neles o
reconhecimento das diferenças.
42. Na teologia escolástica, o papel da
razão educada filosoficamente torna-se ainda mais notável sob o impulso da
interpretação anselmiana do intelectus fidei. Segundo o santo Arcebispo
de Cantuária, a prioridade da fé não faz concorrência à investigação própria da
razão. De fato, esta não é chamada a exprimir um juízo sobre os conteúdos da fé;
seria incapaz disso, porque não é idônea. A sua tarefa é, antes, saber encontrar
um sentido, descobrir razões que a todos permitam alcançar algum entendimento
dos conteúdos da fé. Santo Anselmo sublinha o fato de que o intelecto deve
pôr-se à procura daquilo que ama: quanto mais ama, mais deseja conhecer. Quem
vive para a verdade, tende para uma forma de conhecimento que se inflama num
amor sempre maior por aquilo que conhece, embora admita que ainda não fizera
tudo aquilo que estaria no seu desejo: « Ad te videndum fatus sum; et nondum
feci propter quod fatus sum ». (42) Assim, o desejo da verdade impele a
razão a ir sempre mais além; esta fica como que embevecida pela constatação de
que a sua capacidade é sempre maior do que aquilo que alcança. Chegada aqui,
porém, a razão é capaz de descobrir onde está o termo do seu caminho: « Penso
efetivamente que, quem investiga uma coisa incompreensível, se deve contentar de
chegar, pela razão, a reconhecer com a máxima certeza a sua existência real,
embora não seja capaz de penetrar, pela inteligência, o seu modo de ser (...).
Aliás, que há de tão incompreensível e inefável como aquilo que está acima de
tudo? Portanto, se aquilo de cuja essência suprema discutimos até agora, ficou
estabelecido sobre razões necessárias, ainda que a inteligência não o possa
penetrar de forma a conseguir traduzi-lo em palavras claras, nem por isso vacila
minimamente o fundamento da sua certeza. Com efeito, se uma reflexão anterior
compreendeu de maneira racional que é incompreensível (rationabiliter
comprehendit incomprehensibile esse) o modo como a sabedoria suprema sabe
aquilo que fez (...) , quem explicará como ela mesma se conhece e exprime, dado
que sobre ela o homem nada ou quase nada pode saber? ». (43)
Confirma-se assim, uma vez mais, a harmonia
fundamental entre o conhecimento filosófico e o conhecimento da fé: a fé requer
que o seu objeto seja compreendido com a ajuda da razão; por sua vez a razão, no
apogeu da sua indagação, admite como necessário aquilo que a fé apresenta.
2. A novidade perene do pensamento de
S. Tomás de Aquino
43. Neste longo caminho,
ocupa um lugar absolutamente especial S. Tomás, não só pelo conteúdo da
sua doutrina, mas também pelo diálogo que soube instaurar com o pensamento árabe
e hebreu do seu tempo. Numa época em que os pensadores cristãos voltavam a
descobrir os tesouros da filosofia antiga, e mais diretamente da filosofia
aristotélica, ele teve o grande mérito de colocar em
primeiro lugar a harmonia que existe entre a razão e a fé. A luz da razão e a
luz da fé provêm ambas de Deus: argumentava ele; por isso, não se podem
contradizer entre si. (44)
Indo mais longe, S. Tomás reconhece que a
natureza, objeto próprio da filosofia, pode contribuir para a compreensão da
revelação divina. Deste modo, a fé não teme a razão, mas solicita-a e confia
nela. Como a graça supõe a natureza e leva-a à perfeição, (45) assim também a fé
supõe e aperfeiçoa a razão. Esta, iluminada pela fé, fica liberta das fraquezas
e limitações causadas pela desobediência do pecado, e recebe a força necessária
para elevar-se até ao conhecimento do mistério de Deus Uno e Trino. Embora
sublinhando o caráter sobrenatural da fé, o Doutor Angélico não esqueceu o valor
da racionabilidade da mesma; antes, conseguiu penetrar profundamente e
especificar o sentido de tal racionabilidade. Efetivamente, a fé é de algum modo
« exercitação do pensamento »; a razão do homem não é anulada nem humilhada,
quando presta assentimento aos conteúdos de fé; é que estes são alcançados por
decisão livre e consciente. (46)
Precisamente por este motivo é que S. Tomás
foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo quanto ao
reto modo de fazer teologia. Neste contexto, apraz-me recordar o que escreveu o
meu Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, por ocasião do sétimo centenário da
morte do Doutor Angélico: « Sem dúvida, S. Tomás possuiu, no máximo grau, a
coragem da verdade, a liberdade de espírito quando enfrentava os novos
problemas, a honestidade intelectual de quem não admite a contaminação do
cristianismo pela filosofia profana, mas tão pouco defende a rejeição
apriorística desta.
Por isso, passou à história do pensamento cristão como um
pioneiro no novo caminho da filosofia e da cultura universal. O ponto central e
como que a essência da solução que ele deu ao problema novamente posto da
contraposição entre razão e fé, com a genialidade do seu intuito profético, foi
o da conciliação entre a secularidade do mundo e a radicalidade do Evangelho,
evitando, por um lado, aquela tendência anti-natural que nega o mundo e seus
valores, mas, por outro, sem faltar às exigências supremas e inabaláveis da
ordem sobrenatural ». (47)
44.
Entre as
grandes intuições de S. Tomás, conta-se a de atribuir ao Espírito Santo o papel
de fazer amadurecer, como sapiência, a ciência humana. Desde as primeiras
páginas da Summa theologiæ, (48) o Aquinate quis mostrar o primado daquela
sapiência que é dom do Espírito Santo e que introduz no conhecimento das
realidades divinas. A sua teologia permite compreender a peculiaridade da
sapiência na sua ligação íntima com a fé e o conhecimento de Deus: conhece por
conaturalidade, pressupõe a fé e chega a formular retamente o seu juízo a partir
da verdade da própria fé: « A sapiência elencada entre os dons do Espírito Santo
é distinta da mencionada entre as virtudes intelectuais. De fato, esta segunda
adquire-se pelo estudo; aquela, pelo contrário, provém do alto, como diz S.
Tiago. Mas é também distinta da fé, porque esta aceita a verdade divina tal como
é, enquanto é próprio do dom da sapiência julgar segundo a verdade divina ».
(49)
Mas, ao reconhecer a prioridade desta
sapiência, o Doutor Angélico não esquece a existência de mais duas formas
complementares de sabedoria: a filosófica, que se baseia sobre a
capacidade que tem o intelecto, dentro dos próprios limites naturais, de
investigar a realidade; e a sabedoria teológica, que se fundamenta na
Revelação e examina os conteúdos da fé, alcançando o próprio mistério de Deus.
Intimamente convencido de que « omne
verum a quocumque dicatur a Spiritu Sancto est », (50) S. Tomás amou
desinteressadamente a verdade. Procurou-a por todo o lado onde pudesse
manifestar-se, colocando em relevo a sua universalidade. Nele, o Magistério da
Igreja viu e apreciou a paixão pela verdade; o seu pensamento, precisamente
porque se mantém sempre no horizonte da verdade universal, objetiva e
transcendente, atingiu « alturas que a inteligência humana jamais poderia ter
pensado ».(51) É, pois, com razão que S. Tomás pode ser definido « apóstolo da
verdade ».(52) Porque se consagrou sem reservas à verdade, no seu realismo soube
reconhecer a sua objetividade. A sua filosofia é verdadeiramente uma filosofia
do ser, e não do simples aparecer.
3. O drama da separação da fé e da
razão
45. Quando surgiram as primeiras
universidades, a teologia começou a relacionar-se mais diretamente com outras
formas da pesquisa e do saber científico. Santo Alberto Magno e S. Tomás, embora
admitindo uma ligação orgânica entre a filosofia e a teologia, foram os
primeiros a reconhecer à filosofia e às ciências a autonomia de que precisavam
para se debruçar eficazmente sobre os respectivos campos de investigação.
Todavia, a partir da baixa Idade Média, essa distinção legítima entre os dois
conhecimentos transformou-se progressivamente em nefasta separação. Devido ao
espírito excessivamente racionalista de alguns pensadores, radicalizaram-se as
posições, chegando-se, de fato, a uma filosofia separada e absolutamente
autônoma dos conteúdos da fé. Entre as várias conseqüências de tal separação,
sobressai a difidência cada vez mais forte contra a própria razão. Alguns
começaram a professar uma desconfiança geral, céptica ou agnóstica, quer para
reservar mais espaço à fé, quer para desacreditar qualquer possível referência
racional à mesma.
Em resumo, tudo o que o pensamento
patrístico e medieval tinha concebido e atuado como uma unidade profunda,
geradora dum conhecimento capaz de chegar às formas mais altas da especulação,
foi realmente destruído pelos sistemas que abraçaram a causa de um conhecimento
racional, separado e alternativo da fé.
46. As radicalizações mais influentes são
bem conhecidas e visíveis, sobretudo na história do Ocidente. Não é exagerado
afirmar que boa parte do pensamento filosófico moderno se desenvolveu num
progressivo afastamento da revelação cristã até chegar explicitamente à
contraposição. No século passado, este movimento tocou o seu apogeu. Alguns
representantes do idealismo procuraram, de diversos modos, transformar a fé e os
seus conteúdos, inclusive o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo, em
estruturas dialéticas racionalmente compreensíveis. Mas a esta concepção,
opuseram-se diversas formas de humanismo ateu, elaboradas filosoficamente, que
apontaram a fé como prejudicial e alienante para o desenvolvimento pleno do uso
da razão. Não tiveram medo de se apresentar como novas religiões, dando base a
projetos que desembocaram, no plano político e social, em sistemas totalitários
traumáticos para a humanidade.
No âmbito da investigação científica, foi-se
impondo uma mentalidade positivista, que não apenas se afastou de toda a
referência à visão cristã do mundo, mas sobretudo deixou cair qualquer alusão à
visão metafísica e moral. Por causa disso, certos cientistas, privados de
qualquer referimento ético, correm o risco de não manterem, ao centro do seu
interesse, a pessoa e a globalidade da sua vida. Mais, alguns deles, cientes das
potencialidades contidas no progresso tecnológico, parecem ceder à lógica do
mercado e ainda à tentação dum poder demiúrgico sobre a natureza e o próprio ser
humano.
Como conseqüência da crise do
racionalismo, apareceu o niilismo. Enquanto filosofia do nada, consegue exercer
um certo fascínio sobre os nossos contemporâneos.
Os seus seguidores defendem a pesquisa como fim em si mesma, sem esperança nem
possibilidade alguma de alcançar a meta da verdade. Na interpretação niilista, a
existência é somente uma oportunidade para sensações e experiências onde o
efêmero detém o primado. O niilismo está na origem duma mentalidade difusa,
segundo a qual não se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo
é fugaz e provisório.
47. Por outro lado, é preciso não esquecer
que, na cultura moderna, foi alterada a própria função da filosofia. De
sabedoria e saber universal que era, foi-se progressivamente reduzindo a uma das
muitas áreas do saber humano; mais, sob alguns dos seus aspetos, ficou reduzida
a um papel completamente marginal. Entretanto, foram-se consolidando sempre mais
outras formas de racionalidade, pondo assim em evidência o caráter marginal do
saber filosófico. Em vez de apontarem para a contemplação da verdade e a busca
do fim último e do sentido da vida, essas formas de racionalidade são
orientadas, ou pelo menos orientáveis, como « razão instrumental » ao serviço de
fins utilitaristas, de prazer ou de poder.
Quanto seja perigoso absolutizar esta
estrada, fi-lo notar já na minha primeira carta encíclica, ao escrever: « O
homem de hoje parece estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz, ou seja,
pelo resultado do trabalho das suas mãos e, ainda mais, pelo resultado do
trabalho da sua inteligência e das tendências da sua vontade. Os frutos desta
multiforme atividade do homem, com grande rapidez e de modo muitas vezes
imprevisível, passam a ser não tanto objeto de alienação, no sentido de que
são simplesmente tirados àqueles que os produzem, como sobretudo, pelo menos
parcialmente, num círculo conseqüente e indireto dos seus efeitos, tais frutos
voltam-se contra o próprio homem. Eles são de fato dirigidos, ou podem sê-lo,
contra o homem. Nisto parece consistir o ato principal do drama da existência
humana contemporânea, na sua dimensão mais ampla e universal. Assim, o homem
vive mergulhado cada vez mais no medo. Teme que os seus produtos, naturalmente
não todos nem a maior parte, mas alguns e precisamente aqueles que encerram uma
especial porção da sua genialidade e da sua iniciativa, possam ser voltados de
maneira radical contra si mesmo ». (53)
Na seqüência destas transformações
culturais, alguns filósofos, abandonando a busca da verdade por si mesma,
assumiram como único objetivo a obtenção da certeza subjetiva ou da utilidade
prática. Em conseqüência, deu-se o obscurecimento da verdadeira dignidade da
razão, impossibilitada de conhecer a verdade e de procurar o absoluto.
48. Assim, o dado saliente desta última
parte da história da filosofia é a constatação duma progressiva separação entre
a fé e a razão filosófica. É verdade que, observando bem, mesmo na reflexão
filosófica daqueles que contribuíram para ampliar a distância entre fé e razão,
se manifestam às vezes gérmenes preciosos de pensamento que, se aprofundados e
desenvolvidos com mente e coração reto, podem fazer descobrir o caminho da
verdade. Estes gérmenes de pensamento podem-se encontrar, por exemplo, nas
profundas análises sobre a percepção e a experiência, a imaginação e o
inconsciente, sobre a personalidade e a intersubjectividade, a liberdade e os
valores, o tempo e a história. Inclusive o tema da morte pode tornar-se, para
todo o pensador, um severo apelo a procurar dentro de si mesmo o sentido
autêntico da própria existência. Todavia isto não pode fazer esquecer a
necessidade que a atual relação entre fé e razão tem de um cuidadoso esforço de
discernimento, porque tanto a razão como a fé ficaram reciprocamente mais pobres
e débeis. A razão, privada do contributo da Revelação, percorreu sendas
marginais com o risco de perder de vista a sua meta final. A fé, privada da
razão, pôs em maior evidência o sentimento e a experiência, correndo o risco de
deixar de ser uma proposta universal. É ilusório pensar que, tendo pela frente
uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave
perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que
não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a
novidade e radicalidade do ser.
À luz disto, creio justificado o meu apelo
veemente e incisivo para que a fé e a filosofia recuperem aquela unidade
profunda que as torna capazes de serem coerentes com a sua natureza, no respeito
da recíproca autonomia. Ao desassombro (parresia) da fé deve corresponder
a audácia da razão.
CAPÍTULO V
INTERVENÇÕES DO MAGISTÉRIO
EM MATÉRIA FILOSÓFICA
1. O discernimento do Magistério como
diaconia da verdade
49. A Igreja não propõe uma filosofia
própria, nem canoniza uma das correntes filosóficas em detrimento de outras.
(54) A razão profunda desta reserva está no fato de que a filosofia, mesmo
quando entra em relação com a teologia, deve proceder segundo os seus métodos e
regras; caso contrário, não haveria garantia de permanecer orientada para a
verdade, tendendo para a mesma através dum processo racionalmente controlável.
Pouca ajuda daria uma filosofia que não agisse à luz da razão, segundo
princípios próprios e específicas metodologias. Fundamentalmente, a raiz da
autonomia de que goza a filosofia, há que individuá-la no fato de a razão estar
orientada, por sua natureza, para a verdade e dotada em si mesma dos meios
necessários para a alcançar. Uma filosofia, ciente deste seu « estatuto
constitutivo », não pode deixar de respeitar as exigências e evidências próprias
da verdade revelada.
E, todavia, vimos, na história, os extravios
e erros em que várias vezes incorreu o pensamento filosófico, sobretudo moderno.
Não é função nem competência do Magistério intervir para colmar as lacunas dum
discurso filosófico carente. Mas, já é sua obrigação reagir, de forma clara e
vigorosa, quando teses filosóficas discutíveis ameaçam a reta compreensão do
dado revelado e quando se difundem teorias falsas e sectárias que semeiam erros
graves, perturbando a simplicidade e a pureza da fé do povo de Deus.
50. Por conseguinte, o Magistério
eclesiástico pode, e deve, exercer com autoridade, à luz da fé, o discernimento
crítico sobre filosofias e afirmações que contradigam a doutrina cristã. (55)
Ao
Magistério compete, antes de mais, indicar os pressupostos e as conclusões
filosóficas que são incompatíveis com a verdade revelada, formulando assim as
exigências que, do ponto de vista da fé, se impõem à filosofia. Além disso, no
desenvolvimento do saber filosófico, surgiram diversas escolas de pensamento;
ora, este pluralismo impõe ao Magistério a responsabilidade de exprimir o seu
juízo sobre a compatibilidade ou incompatibilidade das concepções de base,
defendidas por essas escolas, com as exigências próprias da palavra de Deus e da
reflexão teológica.
A Igreja tem o dever de indicar aquilo que
pode existir, num sistema filosófico, de incompatível com a sua fé. Na verdade,
muitos conteúdos filosóficos — relativos, por exemplo, a Deus, ao homem, à sua
liberdade e ao seu comportamento ético —, têm a ver diretamente com a Igreja,
porque tocam na verdade revelada que ela guarda. Quando nós, Bispos, realizamos
o referido discernimento, temos a obrigação de ser « testemunhas da verdade »,
no cumprimento dum serviço humilde, mas firme, que todo o filósofo devia prezar,
em benefício da reta ratio, ou seja, da razão que reflete corretamente sobre a
verdade.
51. Em todo o caso, tal discernimento não
deve ser visto primariamente de forma negativa, como se a intenção do Magistério
fosse eliminar ou reduzir qualquer possibilidade de mediação; ao contrário, as
suas intervenções visam em primeiro lugar suscitar, promover e encorajar o
pensamento filosófico. Os filósofos são, aliás, os primeiros a compreender a
exigência de autocrítica, de correção de eventuais erros, e a necessidade de
ultrapassar os limites demasiado estreitos em que a sua reflexão foi concebida.
De modo particular, deve-se considerar que a verdade é uma só, embora as suas
expressões acusem os vestígios da história e sejam, além disso, obra duma razão
humana ferida e enfraquecida pelo pecado. Daqui se conclui que nenhuma forma
histórica da filosofia pode, legitimamente, ter a pretensão de abraçar a
totalidade da verdade ou de possuir a explicação cabal do ser humano, do mundo e
da relação do homem com Deus.
E hoje, com esta multiplicação de sistemas,
métodos, conceitos e argumentos filosóficos, muitas vezes extremamente
fragmentários, impõe-se ainda com maior urgência um discernimento crítico à luz
da fé. Este discernimento não é fácil, porque, se já é custoso reconhecer as
capacidades naturais e inalienáveis da razão com as suas limitações
constitutivas e históricas, mais problemático ainda se pode tornar às vezes o
discernimento de cada uma das propostas filosóficas para verificar, do ponto de
vista da fé, o que apresentam de válido e fecundo e o que existe nelas de errado
ou perigoso. De qualquer modo, a Igreja sabe que os « tesouros da sabedoria e da
ciência » estão escondidos em Cristo (Cl 2, 3); por isso, ela intervém,
estimulando a reflexão filosófica, para que não se obstrua a estrada que leva ao
conhecimento do mistério.
52. Não foi só recentemente que o Magistério
da Igreja interveio para manifestar o seu pensamento a respeito de determinadas
doutrinas filosóficas. A título de exemplo, basta recordar, no decurso dos
séculos, as tomadas de posição acerca das teorias que defendiam a preexistência
das almas, (56) e ainda sobre as diversas formas de idolatria e esoterismo
supersticioso, contidas em teses astrológicas; (57) sem esquecer os textos mais
sistemáticos contra algumas teses do averroísmo latino, incompatíveis com a fé
cristã. (58)
Se a palavra do Magistério se fez ouvir mais
freqüentemente a partir da segunda metade do século passado, foi porque, naquele
período, numerosos católicos sentiram o dever de contrapor uma filosofia própria
às várias correntes do pensamento moderno. Daqui resultou, para o Magistério da
Igreja, a obrigação de vigiar a fim de que tais filosofias não degenerassem, por
sua vez, em formas errôneas e negativas. Acabaram assim censurados os dois
extremos: dum lado, o fideísmo (59) e o tradicionalismo radical,(60)
pela sua falta de confiança nas capacidades naturais da razão; e, do outro, o
racionalismo (61) e o ontologismo, (62) porque atribuíam à razão
natural aquilo que apenas se pode conhecer pela luz da fé. Os conteúdos
positivos deste debate foram formalizados na constituição dogmática Dei
Filius, por meio da qual um concílio ecumênico — o Vaticano I — intervinha,
pela primeira vez e de forma solene, sobre as relações entre razão e fé. A
doutrina contida neste texto marcou, intensa e positivamente, a investigação
filosófica de muitos crentes e constitui ainda hoje um ponto normativo de
referência para uma correta e coerente reflexão cristã neste âmbito particular.
53. Mais do que teses filosóficas isoladas,
as tomadas de posição do Magistério ocuparam-se da necessidade do conhecimento
racional — e por conseguinte, em última análise, do conhecimento filosófico —
para a compreensão da fé. O Concílio Vaticano I, sintetizando e confirmando
solenemente os ensinamentos que o Magistério pontifício tinha proposto aos fiéis
de maneira ordinária e constante, pôs em evidência como são inseparáveis e ao
mesmo tempo irredutíveis entre si o conhecimento natural de Deus e a Revelação,
a razão e a fé. O Concílio partia da exigência fundamental — pressuposta também
pela Revelação — da cognoscibilidade natural da existência de Deus, princípio e
fim de todas as coisas, (63) para concluir com a solene afirmação já citada: «
Existem duas ordens de conhecimento, distintas não apenas pelo seu princípio,
mas também pelo seu objeto ». (64) É que era preciso afirmar, contra qualquer
forma de racionalismo, a distinção entre os mistérios da fé e as conclusões
filosóficas, e ainda a transcendência e precedência daqueles sobre estas; por
outro lado, contra as tentações fideístas, tornava-se necessário corroborar a
unidade da verdade e também o contributo positivo que o conhecimento racional
pode, e deve, dar para o conhecimento da fé: « Mas, embora a fé esteja acima da
razão, não poderá existir nunca uma verdadeira divergência entre fé e razão,
porque o mesmo Deus que revela os mistérios e comunica a fé, foi quem colocou
também, no espírito humano, a luz da razão. E Deus não poderia negar-Se a Si
mesmo, pondo a verdade em contradição com a verdade ».(65)
54. Neste século, o
Magistério voltou várias vezes ao mesmo assunto, alertando contra a tentação
racionalista. É neste horizonte que se devem colocar as intervenções do Papa S.
Pio X, pondo em relevo como, na base do modernismo, havia posições filosóficas
de linha fenomenista, agnóstica e imanentista.(66) E não se pode esquecer
a importância que teve a rejeição católica da filosofia marxista e do comunismo
ateu.(67)
Sucessivamente, o Papa Pio XII
fez ouvir a sua voz quando, na carta encíclica Humani generis, preveniu
contra interpretações errôneas que andavam ligadas com as teses do
evolucionismo, do existencialismo e do historicismo.
Explicava ele que estas teses não foram elaboradas nem eram propostas por
teólogos, mas tinham a sua origem « fora do redil de Cristo »; (68)
acrescentava, porém, que tais extravios não deviam ser liminarmente rejeitados,
mas examinados criticamente: « Ora, estas tendências, que se afastam em medida
desigual da reta via, não podem ser ignoradas ou transcuradas pelos filósofos e
teólogos católicos, que têm o grave dever de defender a verdade divina e humana,
e de fazê-la penetrar na mente dos homens. Pelo contrário, devem conhecer bem
estas opiniões, quer porque as doenças não podem ser curadas, se primeiro não
são bem conhecidas, quer porque algumas vezes mesmo nas afirmações falsas se
esconde um pouco de verdade, quer finalmente porque os próprios erros forçam a
nossa mente a investigar e a perscrutar, com maior diligência, certas verdades
filosóficas e teológicas ».(69)
Por último, também
a Congregação da Doutrina da Fé, no cumprimento do seu múnus específico ao
serviço do magistério universal do Romano Pontífice, (70) teve de intervir para
sublinhar o perigo que comportava a assunção acrítica, feita por alguns teólogos
da libertação, de teses e metodologias provenientes do marxismo. (71)
Vemos assim que, no passado, o Magistério
exerceu reiteradamente e sob diversas modalidades o discernimento em matéria
filosófica. Aquilo que os meus Venerados Predecessores enunciaram, constitui um
contributo precioso que não pode ser esquecido.
55. Se observarmos a situação atual,
constatamos que os problemas retornam, mas com peculiaridades novas. Já não se
trata de questões que interessam apenas a indivíduos ou grupos, mas de
convicções tão generalizadas no ambiente que se tornam, em certa medida,
mentalidade comum. Tal é, por exemplo, a desconfiança radical na razão, que
evidenciam as conclusões mais recentes de muitos estudos filosóficos. De várias
partes ouviu-se falar, a este respeito, de « fim da metafísica »: querem que a
filosofia se contente com tarefas mais modestas, tais como a mera interpretação
dos fatos ou apenas a investigação sobre determinados campos do saber humano ou
das suas estruturas.
Também, na teologia, voltam a assomar as
tentações de outrora. Por exemplo, em algumas teologias contemporâneas comparece
novamente um certo racionalismo, principalmente quando asserções,
consideradas filosoficamente fundadas, são tomadas como normativas para a
investigação teológica. Isto sucede sobretudo quando o teólogo, por falta de
competência filosófica, se deixa condicionar de modo acrítico por afirmações que
já entraram na linguagem e cultura corrente, mas carecem de
suficiente base racional. (72)
Não faltam também perigosas recaídas no
fideísmo, que não reconhece a importância do conhecimento racional e do
discurso filosófico para a compreensão da fé, melhor, para a própria
possibilidade de acreditar em Deus. Uma expressão, hoje generalizada, desta
tendência fideísta é o « biblicismo », que tende a fazer da leitura da Sagrada
Escritura, ou da sua exegese, o único referencial da verdade. Assim, acaba-se
por identificar a palavra de Deus só com a Sagrada Escritura, anulando deste
modo a doutrina da Igreja que o Concílio Ecumênico Vaticano II expressamente
reafirmou. Com efeito, a constituição Dei Verbum, depois de recordar que
a palavra de Deus está presente tanto nos textos sagrados como na Tradição, (73)
afirma sem rodeios: « A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só
depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o
Povo santo persevera unido aos seus Pastores na doutrina dos Apóstolos ».(74)
Portanto, a Sagrada Escritura não constitui, para a Igreja, a sua única
referência; a « regra suprema da sua fé » (75)
provém
efetivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição, a
Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, numa reciprocidade tal que os três
não podem subsistir de maneira independente.(76)
Além disso, não se deve subestimar o perigo
que existe quando se quer individuar a verdade da Sagrada Escritura com a
aplicação de uma única metodologia, esquecendo a necessidade de uma exegese mais
ampla que permita o acesso, em união com toda a Igreja, ao sentido pleno dos
textos. Os que se dedicam ao estudo da Sagrada Escritura nunca devem esquecer
que as diversas metodologias hermenêuticas têm também na sua base uma concepção
filosófica: é preciso examiná-las com grande discernimento, antes de as aplicar
aos textos sagrados.
Outras formas de fideísmo latente podem-se
identificar na pouca consideração que é reservada à teologia especulativa, e
ainda no desprezo pela filosofia clássica, de cujas noções provieram os termos
para exprimir tanto a compreensão da fé como as próprias formulações dogmáticas.
O Papa Pio XII, de veneranda memória, alertou contra este esquecimento da
tradição filosófica e abandono das terminologias tradicionais. (77)
56. Constata-se, enfim, uma generalizada
desconfiança relativamente a asserções globais e absolutas sobretudo da parte de
quem pensa que a verdade resulte do consenso, e não da conformidade do intelecto
com a realidade objetiva. Compreende-se que, num mundo subdividido em tantos
campos de especializações, se torne difícil reconhecer aquele sentido total e
último da vida que tradicionalmente a filosofia procurava.
Mas nem por isso
posso, à luz da fé que reconhece em Jesus Cristo tal sentido último, deixar de
encorajar os filósofos, cristãos ou não, a terem confiança nas capacidades da
razão humana e a não prefixarem metas demasiado modestas à sua investigação
filosófica. A lição da história deste milênio, quase a terminar, testemunha que
a estrada a seguir é esta: não perder a paixão pela verdade última, nem o anseio
de pesquisa, unidos à audácia de descobrir novos percursos. É a fé que incita a
razão a sair de qualquer isolamento e a abraçar de bom grado qualquer risco por
tudo o que é belo, bom e verdadeiro. Deste modo, a fé torna-se advogada convicta
e convincente da razão.
2. Solicitude da Igreja pela filosofia
57. O Magistério, porém, não se limitou a
pôr em destaque os erros e desvios das doutrinas filosóficas. Mas, com igual
cuidado, quis confirmar os princípios fundamentais para uma genuína renovação do
pensamento filosófico, indicando mesmo percursos concretos a seguir. Nesta
linha, o Papa Leão XIII, com a carta encíclica Æterni Patris, realizou um
passo de alcance verdadeiramente histórico na vida da Igreja. Efetivamente
aquela constitui, até ao dia de hoje, o único documento pontifício dedicado, a
esse nível, inteiramente à filosofia. O grande Pontífice retomou e desenvolveu a
doutrina do Concílio Vaticano I sobre a relação entre fé e razão, mostrando como
o pensamento filosófico é um contributo fundamental para a fé e para a ciência
teológica. (78) Passado mais de um século, muitas indicações, lá contidas, nada
perderam do seu interesse tanto do ponto de vista prático como pedagógico; a
primeira de todas é a que diz respeito ao valor incomparável da filosofia de S.
Tomás. A reposição do pensamento do Doutor Angélico era vista pelo Papa Leão
XIII como a melhor estrada para se recuperar um uso da filosofia conforme às
exigências da fé. S. Tomás, escrevia ele, « ao mesmo
tempo que, como é devido, distingue perfeitamente a fé da razão, une-as a ambas
com laços de amizade recíproca: conserva os direitos próprios de cada uma e
salvaguarda a sua dignidade ».(79)
58. São conhecidas as felizes conseqüências
que teve este convite pontifício. Os estudos sobre o pensamento de S. Tomás e
doutros autores escolásticos receberam novo incentivo. Foi dado um forte impulso
aos estudos históricos, de que resultou uma nova descoberta das riquezas do
pensamento medieval, até então amplamente desconhecidas, e constituíram-se novas
escolas tomistas. Com a aplicação da metodologia histórica, fizeram-se grandes
progressos no conhecimento da obra de S. Tomás, e muitos foram os estudiosos que
corajosamente introduziram a tradição tomista nas discussões dos problemas
filosóficos e teológicos daquele tempo. Os teólogos católicos mais influentes
deste século, a cuja reflexão e pesquisa muito deve o Concílio Vaticano II, são
filhos de tal renovação da filosofia tomista. E assim a Igreja pôde, no decurso
do século XX, dispor dum vigoroso grupo de pensadores, formados na escola do
Doutor Angélico.
59. Contudo, a renovação tomista e
neotomista não foi o único sinal de retoma do pensamento filosófico na cultura
de inspiração cristã. Já antes, e contemporâneamente ao convite do Papa Leão
XIII, tinham surgido vários filósofos católicos que, valendo-se de correntes de
pensamento mais recentes e com uma metodologia própria, geraram obras
filosóficas de grande influência e valor duradouro. Houve quem tivesse
organizado sínteses de nível tão alto que nada tinham a invejar aos grandes
sistemas do idealismo, e quem pusesse as bases epistemológicas para uma nova
exposição da fé, à luz de uma renovada compreensão da consciência moral; houve
quem tivesse elaborado uma filosofia que, partindo da análise da imanência,
abria o caminho para o transcendente, e quem tentasse traduzir as exigências da
fé no horizonte da metodologia fenomenológica. Em suma, partindo de diversas
perspectivas, continuou-se a elaborar formas de reflexão filosófica, que visavam
manter viva a grande tradição do pensamento cristão na unidade de fé e razão.
60. O Concílio Ecumênico Vaticano II, por
sua vez, apresenta uma doutrina muito rica e fecunda a propósito da filosofia.
Não posso esquecer, sobretudo no contexto desta carta encíclica, que um capítulo
inteiro da constituição Gaudium et spes constitui uma espécie de
compêndio de antropologia bíblica, fonte de inspiração também para a filosofia.
Naquelas páginas, trata-se do valor da pessoa humana criada à imagem de Deus,
indicam-se os motivos da sua dignidade e superioridade relativamente ao resto da
criação, e mostra-se a capacidade transcendente da sua razão. (80) Na referida
Constituição conciliar, considera-se também o problema do ateísmo e
denunciam-se, juntamente com suas causas, os erros desta visão filosófica,
sobretudo no que diz respeito à dignidade inalienável da pessoa e da sua
liberdade. (81 ) E um profundo significado filosófico reveste também o ponto
culminante daquelas páginas, que transcrevia já na minha primeira carta
encíclica, a
, e mantive como um dos pontos de
referência constante no meu magistério: « Na realidade, o mistério do homem só
no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro
homem, era efetivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo
Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si
mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime ». (82)
O Concílio ocupou-se também do estudo da
filosofia, ao qual se devem dedicar os candidatos ao sacerdócio; são
recomendações que se podem generalizar a todo o ensino cristão. Afirma-se num
dos documentos conciliares: « As disciplinas filosóficas sejam ensinadas de
forma que os alunos possam adquirir, antes de mais, um conhecimento sólido e
coerente do homem, do mundo e de Deus, apoiados num patrimônio filosófico
perenemente válido, tendo em conta as investigações filosóficas dos tempos
atuais »(83)
Estas diretrizes foram depois retomadas e
especificadas noutros documentos do Magistério, com o intuito de garantir uma
sólida formação filosófica sobretudo àqueles que se preparam para os estudos
teológicos. Também eu sublinhei, em várias ocasiões, a importância desta
formação filosófica para todos os que, um dia, terão de enfrentar, na vida
pastoral, as questões do mundo atual e individuar as causas de determinados
comportamentos, a fim de lhes dar pronta resposta. (84)
61. Se foi necessário intervir, em diversas
circunstâncias, sobre este tema, reiterando o valor das intuições do Doutor
Angélico e insistindo a favor da aquisição do seu pensamento, isso ficou a
dever-se também ao fato de não terem sido sempre observadas as diretrizes do
Magistério, com a solicitude desejada. De fato, nos anos posteriores ao Concílio
Vaticano II, pôde observar-se, em muitas escolas católicas, um certo declínio
nesta matéria, devido à menor estima sentida não apenas pela filosofia
escolástica, mas pelo estudo da filosofia em geral. Com surpresa e mágoa, tenho
de constatar que vários teólogos compartilham este desinteresse pelo estudo da
filosofia.
Na base desta indiferença, há diversas
razões. Em primeiro lugar, aquela falta de confiança na razão que se manifesta
em grande parte da filosofia contemporânea, abandonando em larga escala a
investigação metafísica das questões últimas do homem para concentrar a sua
atenção sobre problemas particulares e regionais, às vezes puramente formais.
Depois, há que acrescentar o equívoco que se gerou sobretudo a respeito das «
ciências humanas ». O Concílio Vaticano II afirmou, várias vezes, o valor
positivo da pesquisa científica para um conhecimento mais profundo do mistério
do homem. (85)
Mas, o convite dirigido aos teólogos para conhecerem estas
ciências e, se vier a propósito, aplicá-las corretamente nos seus estudos, não
deve ser interpretado como uma implícita autorização para marginalizar a
filosofia, pondo-a de parte na formação pastoral e na præparatio fidei.
E, finalmente, não se pode esquecer o interesse novamente sentido pela
inculturação da fé. Em particular, a vida das jovens Igrejas permitiu descobrir,
ao lado de formas elevadas de pensamento, a presença de múltiplas expressões de
sabedoria popular. Isto constitui um autêntico patrimônio de cultura e de
tradições. Todavia, o estudo dos costumes tradicionais deve ser acompanhado
simultaneamente pela pesquisa filosófica. Será esta que possibilitará fazer
sobressair os traços positivos da sabedoria popular, criando a necessária
ligação com o anúncio do Evangelho.(86)
62. Desejo insistir novamente que o estudo
da filosofia reveste um caráter fundamental e indispensável na estrutura dos
estudos teológicos e na formação dos candidatos ao sacerdócio. Não é por acaso
que o currículo dos estudos teológicos é antecedido por um período de tempo
especialmente consagrado ao estudo da filosofia. Esta decisão, confirmada pelo
Concílio Ecumênico Lateranense V, (87) tem as suas raízes na experiência
maturada durante a Idade Média, quando foi posta em relevo a importância de uma
harmonia construtiva entre o saber filosófico e o teológico.
Esta organização
dos estudos influenciou, facilitou e promoveu, embora de forma indireta, uma boa
parte do progresso da filosofia moderna. Temos um exemplo significativo na
influência exercida pelas Disputationes metaphysicæ de Francisco Suárez,
que eram seguidas até mesmo nas universidades luteranas da Alemanha. Pelo
contrário, o abandono desta metodologia foi causa de graves carências, tanto na
formação sacerdotal como na investigação teológica. Basta considerar, por
exemplo, como a sua negligência no âmbito do pensamento e da cultura moderna
levou ao encerramento de toda a forma de diálogo ou à recepção indiscriminada de
qualquer filosofia.
Nutro profunda esperança de que estas
dificuldades serão superadas mercê de uma sábia formação filosófica e teológica,
que nunca deve faltar na Igreja.
63. Em virtude das razões aduzidas, senti a
urgência de confirmar, por meio desta carta encíclica, o grande interesse que a
Igreja tem pela filosofia; ou melhor, a ligação íntima do trabalho teológico com
a investigação filosófica da verdade. Daqui nasce o dever que o Magistério tem
de discernir e estimular um pensamento filosófico que não esteja em dissonância
com a fé. A minha missão é propor alguns princípios e pontos de referência, que
considero necessários para se poder instaurar uma relação harmoniosa e eficaz
entre a teologia e a filosofia. À luz deles, será possível discernir com maior
clareza se e como deve a teologia relacionar-se com os diversos sistemas ou
asserções filosóficas que o mundo atual apresenta.
CAPÍTULO VI
INTERAÇÃO DA TEOLOGIA
COM A FILOSOFIA
1. A ciência da fé e as exigências da
razão filosófica
64. A palavra de Deus destina-se a todo o
homem, de qualquer época e lugar da terra; e o homem, por natureza, é filósofo.
Por sua vez, a teologia, enquanto elaboração reflexiva e científica da
compreensão da palavra divina à luz da fé, não pode deixar de recorrer às
filosofias que vão surgindo ao longo da história, tanto para algumas das suas
formas de proceder como para realizar funções mais específicas. Sem pretender
indicar aos teólogos metodologias particulares — porque tal não compete ao
Magistério —, desejo, porém, lembrar algumas funções próprias da teologia, onde,
por causa da própria natureza da Palavra revelada, se exige o recurso ao
pensamento filosófico.
65. A teologia está organizada, enquanto
ciência da fé, à luz dum duplo princípio metodológico: auditus fidei e
intellectus fidei. Com o primeiro, recolhe os conteúdos da Revelação tal
como se foram explicitando progressivamente na Sagrada Tradição, na Sagrada
Escritura e no Magistério vivo da Igreja. (88) Pelo segundo, a teologia quer
responder às exigências próprias do pensamento, através da reflexão
especulativa.
Quanto à preparação para um correto
auditus fidei, a filosofia proporciona à teologia a sua ajuda peculiar,
quando examina a estrutura do conhecimento e da comunicação pessoal, e sobretudo
as várias formas e funções da linguagem. Igualmente importante é a contribuição
da filosofia para uma compreensão mais coerente da Tradição eclesial, das
intervenções do Magistério e das sentenças dos grandes mestres da teologia:
estes, de fato, exprimem-se freqüentemente por conceitos e formas de pensamento
conotados com determinada tradição filosófica. Neste caso, pede-se ao teólogo
não só que exponha conceitos e termos através dos quais a Igreja possa refletir
e elaborar a sua doutrina, mas que conheça profundamente também os sistemas
filosóficos que tenham, porventura, influenciado as noções e a terminologia, a
fim de se chegar a interpretações corretas e coerentes.
66. Relativamente ao intellectus fidei,
importa considerar, antes de mais, que a Verdade divina, « que nos é proposta
nas Sagradas Escrituras, interpretadas corretamente pela doutrina da Igreja »,
(89) goza de uma inteligibilidade própria, logicamente tão coerente que se deve
propor como um autêntico saber. O intellectus fidei explicita esta
verdade, não só quando investiga as estruturas lógicas e conceptuais das
proposições em que se articula a doutrina da Igreja, mas também e sobretudo
quando põe em realce o significado salvífico de tais proposições para o
indivíduo e para a humanidade. É pelo conjunto destas proposições que o crente
chega a conhecer a história da salvação, que culmina na pessoa de Jesus Cristo e
no seu mistério pascal; ele participa deste mistério, com a sua adesão de fé.
A teologia dogmática deve ser capaz
de articular o sentido universal do mistério de Deus, Uno e Trino, e da economia
da salvação, quer de modo narrativo, quer sobretudo de forma argumentativa. Por
outras palavras, deve fazê-lo mediante expressões conceptuais, formuladas de
modo crítico e universalmente acessível. De fato, sem o contributo da filosofia
não seria possível ilustrar certos conteúdos teológicos como, por exemplo, a
linguagem sobre Deus, as relações pessoais no seio da Santíssima Trindade, a
ação criadora de Deus no mundo, a relação entre Deus e o homem, a identidade de
Cristo que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. E o mesmo se diga de diversos
temas da teologia moral, onde é preciso recorrer, de imediato, a conceitos como
lei moral, consciência, liberdade, responsabilidade pessoal, culpa, etc., cuja
definição provém da ética filosófica.
Por isso, é necessário que a razão do crente
tenha um conhecimento natural, verdadeiro e coerente das coisas criadas, do
mundo e do homem, que são também objeto da revelação divina; mais ainda, ela
deve ser capaz de articular este conhecimento de maneira conceptual e
argumentativa. Assim, a teologia dogmática especulativa pressupõe e implica uma
filosofia do homem, do mundo e, mais radicalmente, do próprio ser, fundada sobre
a verdade objetiva.
67. A teologia fundamental, pelo seu
próprio caráter de disciplina que tem por função dar razão da fé (cf. 1 Pd
3, 15), deverá procurar justificar e explicitar a relação entre a fé e a
reflexão filosófica. Já o Concílio Vaticano I, reafirmando o ensinamento paulino
(cf. Rm 1, 19-20), chamara a atenção para o fato de existirem verdades
que se podem conhecer de modo natural e, conseqüentemente, filosófico. O seu
conhecimento constitui um pressuposto necessário para acolher a revelação de
Deus. Quando a teologia fundamental estuda a Revelação e a sua credibilidade com
o relativo ato de fé, deverá mostrar como emergem, à luz do conhecimento pela
fé, algumas verdades que a razão, autonomamente, já encontra ao longo do seu
caminho de pesquisa. A essas verdades, a Revelação confere-lhes plenitude de
sentido, orientando-as para a riqueza do mistério revelado, onde encontram o seu
fim último. Basta pensar, por exemplo, ao conhecimento natural de Deus, à
possibilidade de distinguir a revelação divina de outros fenômenos, ou ao
conhecimento da sua credibilidade, à capacidade que tem a linguagem humana de
falar, de modo significativo e verdadeiro, mesmo do que ultrapassa a experiência
humana. Por todas estas verdades, a mente é levada a reconhecer a existência
duma via realmente propedêutica à fé, que pode desembocar no acolhimento da
Revelação, sem faltar minimamente aos seus próprios princípios e autonomia. (90)
Da mesma forma, a teologia fundamental
deverá manifestar a compatibilidade intrínseca entre a fé e a sua exigência
essencial de se explicitar através de uma razão capaz de dar com plena liberdade
o seu consentimento. Assim, a fé saberá « mostrar plenamente o caminho a uma
razão em busca sincera da verdade. Deste modo a fé, dom de Deus, apesar de não
se basear na razão, decerto não pode existir sem ela; ao mesmo tempo, surge a
necessidade de que a razão se fortifique na fé, para descobrir os horizontes aos
quais, sozinha, não poderia chegar ». (91)
68. A teologia moral tem,
possivelmente, uma necessidade ainda maior do contributo filosófico. Na Nova
Aliança, a vida humana está efetivamente muito menos regulada por prescrições do
que na Antiga. A vida no Espírito conduz os crentes a uma liberdade e
responsabilidade que ultrapassam a própria Lei. No entanto, o Evangelho e os
escritos apostólicos não deixam de propor ora princípios gerais de conduta
cristã, ora ensinamentos e preceitos específicos; para aplicá-los às
circunstâncias concretas da vida individual e social, o cristão tem necessidade
de valer-se plenamente da sua consciência e da força do seu raciocínio. Por
outras palavras, a teologia moral deve recorrer a uma visão filosófica correta
tanto da natureza humana e da sociedade, como dos princípios gerais duma decisão
ética.
69. Talvez se possa objetar que, na situação
atual, o teólogo, mais do que à filosofia, deveria recorrer à ajuda de outras
formas do saber humano, concretamente à história e sobretudo às ciências, de que
todos admiram os progressos extraordinários recentemente alcançados. Outros,
impelidos por uma maior sensibilidade à relação entre fé e culturas, defendem
que a teologia deveria dar preferência às sabedorias tradicionais, em vez de uma
filosofia de origem grega e eurocêntrica. Outros ainda, partindo duma concepção
errada do pluralismo de culturas, negam simplesmente o valor universal do
patrimônio filosófico abraçado pela Igreja.
Os aspectos sublinhados, já presentes aliás
na doutrina conciliar, (92) contêm uma parte de verdade. O referimento às
ciências, útil em muitos casos porque permite um conhecimento mais completo do
objeto de estudo, não deve, porém, fazer esquecer a necessidade que há da
mediação duma reflexão tipicamente filosófica, crítica e aberta ao universal,
solicitada também por um fecundo intercâmbio entre as culturas. A minha
preocupação é pôr em destaque o dever de não se ficar pelo caso isolado e
concreto, descuidando assim a tarefa primária que é manifestar o caráter
universal do conteúdo de fé. Além disso, não se deve esquecer que a peculiar
contribuição do pensamento filosófico permite discernir, tanto nas diversas
concepções da vida como nas culturas, « não o que os homens pensam, mas qual é a
verdade objetiva ». (93) Não as diversas opiniões humanas, mas somente a verdade
pode servir de ajuda à filosofia.
70. Além do mais, o tema da relação com as
culturas merece uma reflexão específica, apesar de necessariamente não
exaustiva, pelas implicações que daí derivam para as vertentes filosófica e
teológica. O processo de encontro e comparação com as culturas é uma experiência
que a Igreja viveu desde os começos da pregação do Evangelho. O mandato de
Cristo aos discípulos para irem, a toda a parte « até aos confins do mundo » (At
1, 8), transmitir a verdade revelada por Ele, fez com que a comunidade
cristã pudesse bem cedo dar-se conta da universalidade do anúncio e dos
obstáculos resultantes da diversidade das culturas. Um trecho da carta de S.
Paulo aos cristãos de Éfeso oferece uma válida ajuda para compreender como a
Comunidade Primitiva enfrentou este problema. Escreve o Apóstolo: « Agora porém,
vós, que outrora estáveis longe, pelo Sangue de Cristo vos aproximastes. Ele é a
nossa paz, Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que
os separava » (2, 13-14).
Iluminada por este texto, a nossa reflexão
pode debruçar-se sobre a transformação que se operou nos gentios quando
abraçaram a fé. As barreiras que separam as diversas culturas caem diante da
riqueza da salvação, realizada por Cristo. Agora, em Cristo, a promessa de Deus
torna-se uma oferta universal: não limitada já à dimensão particular de um povo,
da sua língua ou dos seus costumes, mas alargada a todos, como um patrimônio ao
qual cada um pode livremente ter acesso. Dos mais diversos lugares e tradições,
todos são chamados, em Cristo, a participar na unidade da família dos filhos de
Deus. Cristo faz com que dois povos se tornem « um só ». Os que « estavam longe
» ficaram « próximo », graças à novidade gerada pelo mistério pascal. Jesus
abate os muros de divisão e realiza a unificação, de um modo original e supremo,
por meio da participação no seu mistério. Esta unidade é tão profunda que a
Igreja pode dizer com S. Paulo: « Já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois
concidadãos dos santos e membros da família de Deus » (Ef 2, 19).
Nesta asserção tão simples, está contida uma
grande verdade: o encontro da fé com as diversas culturas deu vida a uma nova
realidade. Na verdade, quando as culturas estão profundamente radicadas na
natureza humana, contêm em si mesmas o testemunho da abertura, própria do homem,
ao universal e à transcendência. É por isso que elas apresentam perspectivas
distintas da verdade, que são de evidente utilidade para o homem, porque lhe
fazem vislumbrar valores capazes de tornar a sua existência sempre mais humana.
(94) Por outro lado, na medida em que evocam os valores das tradições antigas,
as culturas trazem consigo — embora de modo implícito, mas nem por isso menos
real — a referência à manifestação de Deus na natureza, como se viu antes nos
textos sapienciais e no ensinamento de S. Paulo.
71. Uma vez que as culturas estão
intimamente relacionadas com os homens e a sua história, partilham das mesmas
dinâmicas do tempo humano. E, conseqüentemente, registam transformações e
progressos com os encontros que os homens promovem e com as recíprocas
transmissões dos seus modelos de vida. As culturas alimentam-se com a
comunicação de valores, e a sua vitalidade e subsistência dependem da sua
capacidade de permanecerem abertas para acolher a novidade. Como se explicam
tais dinâmicas? Todo o homem está integrado numa cultura; depende dela, e sobre
ela influi. É simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido. Em cada
manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o caracteriza no meio da
criação: a sua constante abertura ao mistério e o seu desejo inexaurível de
conhecimento. Em conseqüência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa
transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer que a cultura
contém em si própria a possibilidade de acolher a revelação divina.
Também o modo como os cristãos vivem a fé,
está imbuído da cultura do ambiente circundante, e vai progressivamente
contribuindo, por sua vez, para modelar as características do mesmo.
Os cristãos transmitem, a cada cultura, a verdade
imutável que Deus revelou na história e na cultura dum povo. Ao longo dos
séculos, continua a reproduzir-se o mesmo fenômeno testemunhado pelos peregrinos
presentes em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Ao escutarem os Apóstolos,
perguntavam-se: « Mas quê! Essa gente que está a falar não é da Galiléia?
Que se passa, então, para que cada um de nós os oiça falar na nossa língua
materna? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da
Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões
da Líbia, vizinha de Cirene, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses e
árabes, ouvimo-los anunciar nas nossas línguas as maravilhas de Deus! » (At
2, 7-11 ). O anúncio do Evangelho nas diversas culturas, ao exigir de cada um
dos destinatários a adesão da fé, não os impede de conservar a própria
identidade cultural. Isto não provoca qualquer divisão, pois o povo dos
batizados distingue-se por uma universalidade que é capaz de acolher todas as
culturas, fazendo com que aquilo que nelas está implícito se desenvolva até à
sua explanação plena na verdade.
Em conseqüência disto, uma cultura nunca
pode servir de critério de juízo e, menos ainda, de critério último de verdade a
respeito da revelação de Deus. O Evangelho não é contrário a esta ou àquela
cultura, como se quisesse, ao encontrar-se com ela, privá-la daquilo que lhe
pertence, e a obrigasse a assumir formas extrínsecas que lhe são estranhas. Pelo
contrário, o anúncio que o crente leva ao mundo e às culturas é uma forma real
de libertação de toda a desordem introduzida pelo pecado e, simultaneamente, uma
chamada à verdade plena. Neste encontro, as culturas não são privadas de nada,
antes são estimuladas a abrirem-se à novidade da verdade evangélica, de que
recebem impulso para novos progressos.
72. O fato da missão evangelizadora ter
encontrado em primeiro lugar no seu caminho a filosofia grega, não constitui de
forma alguma impedimento para outros relacionamentos. Hoje, à medida que o
Evangelho entra em contato com áreas culturais que estiveram até agora fora do
âmbito de irradiação do cristianismo, novas tarefas se abrem à inculturação.
Colocam-se à nossa geração problemas análogos aos que a Igreja teve de enfrentar
nos primeiros séculos.
O meu pensamento vai espontaneamente até às
terras do Oriente, tão ricas de tradições religiosas e filosóficas muito
antigas. Entre elas, ocupa um lugar especial a Índia. Um grande ímpeto
espiritual leva o pensamento indiano a procurar uma experiência que, libertando
o espírito dos condicionamentos de tempo e espaço, tenha valor de absoluto. No
dinamismo desta busca de libertação, situam-se grandes sistemas metafísicos.
Compete aos cristãos de hoje, sobretudo aos
da Índia, a tarefa de extrair deste rico patrimônio os elementos compatíveis com
a sua fé, para se obter um enriquecimento do pensamento cristão. Nesta obra de
discernimento, que tem a sua fonte de inspiração na declaração conciliar
Nostra aetate, deverão ter em consideração um certo número de critérios. O
primeiro é a universalidade do espírito humano, cujas exigências fundamentais
são idênticas nas mais distintas culturas. O segundo, derivado do anterior,
consiste no seguinte: quando a Igreja entra em contato com grandes culturas que
nunca tinha encontrado antes, não pode pôr de parte o que adquiriu pela
inculturação no pensamento greco-latino.
Rejeitar uma tal herança seria
contrariar o desígnio providencial de Deus, que conduz a sua Igreja pelos
caminhos do tempo e da história. Aliás, este critério é válido para a Igreja de
todos os tempos — também para a Igreja de amanhã, que se sentirá enriquecida com
as aquisições resultantes do encontro em nossos dias com as culturas orientais,
e desta herança há-de tirar, por sua vez, indicações novas para entrar
frutuosamente em diálogo com as culturas que a humanidade fizer florir no seu
caminho rumo ao futuro. Em terceiro lugar, há-de precaver-se por não confundir a
legítima reivindicação de especificidade e originalidade do pensamento indiano,
com a idéia de que uma tradição cultural deve enclausurar-se na sua diferença e
afirmar-se pela sua oposição às outras tradições — idéia essa que seria
contrária precisamente à natureza do espírito humano.
O que fica dito para a Índia, vale também
para a herança das grandes culturas da China, do Japão e demais países da Ásia,
bem como das riquezas das culturas tradicionais da África, transmitidas
sobretudo por via oral.
73. À luz destas considerações, a justa
relação que se deve instaurar entre a teologia e a filosofia há-de ser pautada
por uma reciprocidade circular. Quanto à teologia, o seu ponto de partida e
fonte primeira terá de ser sempre a palavra de Deus revelada na história, ao
passo que o objetivo final só poderá ser uma compreensão cada vez mais profunda
dessa mesma palavra por parte das sucessivas gerações. Visto que a palavra de
Deus é Verdade (cf. Jo 17, 17), uma melhor compreensão dela só tem a
beneficiar com a busca humana da verdade, ou seja, o filosofar, no respeito das
leis que lhe são próprias. Não se trata simplesmente de utilizar, no raciocínio
teológico, qualquer conceito ou parcela dum sistema filosófico; o fato decisivo
é que a razão do crente exerce as suas capacidades de reflexão na busca da
verdade, dentro dum movimento que, partindo da palavra de Deus, procura alcançar
uma melhor compreensão da mesma. É claro, de resto, que a razão, movendo-se
dentro destes dois pólos — palavra de Deus e melhor conhecimento desta —,
encontra-se prevenida, e de algum modo guiada, para evitar percursos que
poderiam conduzi-la fora da Verdade revelada e, em última análise, fora pura e
simplesmente da verdade; mais ainda, ela sente-se estimulada a explorar caminhos
que, sozinha, nem sequer suspeitaria de poder percorrer. Esta relação de
reciprocidade circular com a Palavra de Deus enriquece a filosofia, porque a
razão descobre horizontes novos e inesperados.
74. A prova da fecundidade de tal relação é
oferecida pela própria vida de grandes teólogos cristãos que se distinguiram
também como grandes filósofos, deixando escritos de tamanho valor especulativo
que justificam ser colocados ao lado dos grandes mestres da filosofia antiga.
Isto é válido tanto para os Padres da Igreja, de entre os quais há que citar
pelo menos os nomes de S. Gregório Nazianzeno e S. Agostinho, como para os
Doutores medievais entre os quais sobressai a grande tríade formada por S.
Anselmo, S. Boaventura e S. Tomás de Aquino.
A relação entre a filosofia e a
palavra de Deus manifesta-se fecunda também na investigação corajosa realizada
por pensadores mais recentes, de entre os quais me apraz mencionar, no âmbito
ocidental, personagens como John Henry Newman, Antônio Rosmini, Jacques
Maritain, Étienne Gilson, Edith Stein, e, no âmbito oriental, estudiosos com a
estatura de Vladimir S. Solov'ev, Pavel A. Florenskij, Petr J. Caadaev, Vladimir
N. Losskij. Ao referir estes autores, ao lado dos quais outros nomes poderiam
ser citados, não tenciono obviamente dar aval a todos os aspectos do seu
pensamento, mas apenas propô-los como exemplos significativos dum caminho de
pesquisa filosófica que tirou notáveis vantagens da sua confrontação com os
dados da fé. Uma coisa é certa: a consideração do itinerário espiritual destes
mestres não poderá deixar de contribuir para o avanço na busca da verdade e na
utilização dos resultados conseguidos para o serviço do homem. Espera-se que
esta grande tradição filosófico-teológica encontre, hoje e no futuro, os seus
continuadores e estudiosos para bem da Igreja e da humanidade.
2. Diferentes estádios da filosofia
75. Como consta da história das relações
entre a fé e a filosofia, apontada acima brevemente, podem distinguir-se
diversos estádios da filosofia relativamente à fé cristã. O primeiro é a
filosofia totalmente independente da revelação evangélica: é o estádio da
filosofia, existente historicamente nas épocas que precederam o nascimento do
Redentor, e, mesmo depois dele, nas regiões onde o Evangelho ainda não chegou.
Nesta situação, a filosofia apresenta a legítima aspiração de ser um
empreendimento autônomo, ou seja, que procede segundo as suas próprias
leis, valendo-se simplesmente das forças da razão. Embora cientes dos graves
limites devidos à debilidade congênita da razão humana, uma tal aspiração deve
ser apoiada e fortalecida. De fato, o trabalho filosófico, como busca da verdade
no âmbito natural, pelo menos implicitamente permanece aberto ao sobrenatural.
E, mesmo quando é o próprio discurso
teológico que se serve de conceitos e argumentações filosóficas, a exigência de
correta autonomia do pensamento há-de ser respeitada. Com efeito, a argumentação
conduzida segundo rigorosos critérios racionais é garantia para a obtenção de
resultados universalmente válidos. Também aqui se verifica o princípio segundo o
qual a graça não destrói, mas aperfeiçoa a natureza: a anuência de fé, que
envolve a inteligência e a vontade, não destrói mas aperfeiçoa o livre arbítrio
do crente, que acolhe em si próprio o dado revelado.
Desta exigência em si mesma correta,
afasta-se nitidamente a teoria da chamada filosofia « separada », sustentada por
vários filósofos modernos. Mais do que afirmação da justa autonomia do
filosofar, ela constitui a reivindicação duma auto-suficiência do pensamento que
é claramente ilegítima: rejeitar as contribuições de verdade vindas da revelação
divina significa efetivamente impedir o acesso a um conhecimento mais profundo
da verdade, danificando precisamente a filosofia.
76. Um segundo estádio da filosofia é aquilo
que muitos designam com a expressão filosofia cristã. A denominação, em
si mesma, é legítima, mas não deve dar margem a equívocos: com ela, não se
pretende aludir a uma filosofia oficial da Igreja, já que a fé enquanto tal não
é uma filosofia. Com aquela designação, deseja-se sobretudo indicar um modo
cristão de filosofar, uma reflexão filosófica concebida em união vital com a fé.
Por conseguinte, não se refere simplesmente a uma filosofia elaborada por
filósofos cristãos que, na sua pesquisa, quiseram não contradizer a fé. Quando
se fala de filosofia cristã, pretende-se abraçar todos aqueles importantes
avanços do pensamento filosófico que não seriam alcançados sem a contribuição,
direta ou indireta, da fé cristã.
Assim, a filosofia cristã contém dois
aspectos: um subjetivo, que consiste na purificação da razão por parte da fé.
Esta, enquanto virtude teologal, liberta a razão da presunção — uma típica
tentação a que os filósofos facilmente estão sujeitos. Já S. Paulo e os Padres
da Igreja, e mais recentemente filósofos, como Pascal e Kierkegaard, a
estigmatizaram. Com a humildade, o filósofo adquire também a coragem para
enfrentar algumas questões que dificilmente poderia resolver sem ter em
consideração os dados recebidos da Revelação. Basta pensar, por exemplo, aos
problemas do mal e do sofrimento, à identidade pessoal de Deus e à questão
acerca do sentido da vida, ou, mais diretamente, à pergunta metafísica radical:
« Porque existe o ser? ».
Temos, depois, o aspecto objetivo, que diz
respeito aos conteúdos: a Revelação propõe claramente algumas verdades que,
embora sejam acessíveis à razão por via natural, possivelmente nunca seriam
descobertas por ela, se tivesse sido abandonada a si própria. Colocam-se, neste
horizonte, questões como o conceito de um Deus pessoal, livre e criador, que
tanta importância teve para o progresso do pensamento filosófico e, de modo
particular, para a filosofia do ser. Pertence ao mesmo âmbito a realidade do
pecado, tal como é vista pela luz da fé, e que ajuda a filosofia a enquadrar
adequadamente o problema do mal. Também a concepção da pessoa como ser
espiritual é uma originalidade peculiar da fé: o anúncio cristão da dignidade,
igualdade e liberdade dos homens influiu seguramente sobre a reflexão
filosófica, realizada pelos filósofos modernos. Nos tempos mais recentes,
pode-se mencionar a descoberta da importância que tem, também para a filosofia,
o acontecimento histórico, centro da revelação cristã. Não foi por acaso que
aquele se tornou perene de uma filosofia da história, que se apresenta como um
novo capítulo da busca humana da verdade.
Entre os elementos objetivos da filosofia
cristã, inclui-se também a necessidade de explorar a racionalidade de algumas
verdades expressas pela Sagrada Escritura, tais como a possibilidade de uma
vocação sobrenatural do homem, e também o próprio pecado original. São tarefas
que induzem a razão a reconhecer que existe a verdade e o racional, muito para
além dos limites estreitos onde ela seria tentada a encerrar-se. Estas temáticas
ampliam, de fato, o âmbito do racional.
Ao refletirem sobre estes conteúdos, os
filósofos não se tornaram teólogos, já que não procuraram compreender e ilustrar
as verdades da fé a partir da Revelação; continuaram a trabalhar no seu próprio
terreno e com a sua metodologia puramente racional, mas alargando a sua
investigação a novos âmbitos da verdade. Pode-se dizer que, sem este influxo
estimulante da palavra de Deus, boa parte da filosofia moderna e contemporânea
não existiria. O dado mantém toda a sua relevância, mesmo diante da constatação
decepcionante de não poucos pensadores destes últimos séculos que abandonaram a
ortodoxia cristã.
77. Outro estádio significativo da filosofia
verifica-se quando é a própria teologia que chama em causa a filosofia.
Na verdade, a teologia sempre teve, e continua a ter, necessidade da
contribuição filosófica. Realizado pela razão crítica à luz da fé, o trabalho
teológico pressupõe e exige, ao longo de toda a sua pesquisa, uma razão
conceptual e argumentativamente educada e formada. Além disso, a teologia
precisa da filosofia como interlocutora, para verificar a inteligibilidade e a
verdade universal das suas afirmações. Não foi por acaso que os Padres da Igreja
e os teólogos medievais assumiram, para tal função explicativa, filosofias não
cristãs. Este fato histórico indica o valor da autonomia que a filosofia
conserva mesmo neste terceiro estádio, mas mostra igualmente as transformações
necessárias e profundas que ela deve sofrer.
É precisamente no sentido de uma
contribuição indispensável e nobre que a filosofia foi chamada, desde a Idade
Patrística, ancilla theologiæ. De fato, o título não foi atribuído para
indicar uma submissão servil ou um papel puramente funcional da filosofia
relativamente à teologia; mas no mesmo sentido em que Aristóteles falava das
ciências experimentais como « servas » da « filosofia primeira ». A expressão,
hoje dificilmente utilizável devido aos princípios de autonomia antes
mencionados, foi usada ao longo da história para indicar a necessidade da
relação entre as duas ciências e a impossibilidade de uma sua separação.
Se o teólogo se recusasse a utilizar a
filosofia, arriscar-se-ia a fazer filosofia sem o saber e a fechar-se em
estruturas de pensamento pouco idôneas à compreensão da fé. Se o filósofo, por
sua vez, excluísse todo o contato com a teologia, ver-se-ia na obrigação de
apoderar-se por conta própria dos conteúdos da fé cristã, como aconteceu com
alguns filósofos modernos. Tanto num caso como noutro, surgiria o perigo da
destruição dos princípios básicos de autonomia que cada ciência justamente quer
ver garantidos.
O estádio da filosofia agora considerado,
devido às implicações que comporta na compreensão da Revelação, está, como
acontece com a teologia, mais diretamente colocado sob a autoridade do
Magistério e do seu discernimento, como expus mais acima. Das verdades de fé
derivam, efetivamente, determinadas exigências que a filosofia deve respeitar,
quando entra em relação com a teologia.
78. À luz destas reflexões, é fácil
compreender porque tenha o Magistério louvado reiteradamente os méritos do
pensamento de S. Tomás, e o tenha proposto como guia e modelo dos estudos
teológicos. O que interessava não era tomar posição sobre questões propriamente
filosóficas, nem impor a adesão a teses particulares; o objetivo do Magistério
era, e continua a ser, mostrar como S. Tomás é um autêntico modelo para quantos
buscam a verdade. De fato, na sua reflexão, a exigência da razão e a força da fé
encontraram a síntese mais elevada que o pensamento jamais alcançou, enquanto
soube defender a novidade radical trazida pela Revelação, sem nunca humilhar o
caminho próprio da razão.
79. Ao explicitar melhor os conteúdos do
Magistério precedente, é minha intenção, nesta última parte, indicar algumas
exigências que a teologia — e, ainda antes, a palavra de Deus — coloca, hoje, ao
pensamento filosófico e às filosofias atuais. Como já assinalei, o filósofo deve
proceder segundo as próprias regras e basear-se sobre os próprios princípios;
todavia, a verdade é uma só. A Revelação, com os seus conteúdos, não poderá
nunca humilhar a razão nas suas descobertas e na sua legítima autonomia; a
razão, por sua vez, não deverá perder nunca a sua capacidade de interrogar-se e
de interrogar, consciente de não poder arvorar-se em valor absoluto e exclusivo.
A verdade revelada, projetando plena luz sobre o ser a partir do esplendor que
lhe vem do próprio Ser subsistente, iluminará o caminho da reflexão filosófica.
Em resumo, a revelação cristã torna-se o verdadeiro ponto de enlace e confronto
entre o pensar filosófico e o teológico, no seu recíproco intercâmbio.
Espera-se, pois, que teólogos e filósofos se deixem guiar unicamente pela
autoridade da verdade, para que seja elaborada uma filosofia de harmonia com a
palavra de Deus. Esta filosofia será o terreno de encontro entre as culturas e a
fé cristã, o espaço de entendimento entre crentes e não crentes. Ajudará os
crentes a convencerem-se mais intimamente de que a profundidade e a
autenticidade da fé saem favorecidas quando esta se une ao pensamento e não
renuncia a ele. Mais uma vez, encontramos nos Padres a lição que nos guia nesta
convicção: « Crer, nada mais é senão pensar consentindo [...]. Todo o que crê,
pensa; crendo pensa, e pensando crê [...]. A fé, se não for pensada, nada é ».
(95) Mais: « Se se tira o assentimento, tira-se a fé, pois, sem o assentimento,
realmente não se crê ». (96)
CAPÍTULO VII
EXIGÊNCIAS E TAREFAS ACTUAIS
1. As exigências irrenunciáveis da
palavra de Deus
80. A Sagrada Escritura contém, de forma
explícita ou implícita, toda uma série de elementos que permite alcançar uma
perspectiva de notável densidade filosófica acerca do homem e do mundo. Os
cristãos foram gradualmente tomando consciência da riqueza contida naquelas
páginas sagradas. Delas se conclui que a realidade que experimentamos, não é o
absoluto: não é incriada, nem se autogerou. Só Deus é o Absoluto. Nas páginas da
Bíblia, o homem é visto como imago Dei, que contém indicações precisas
sobre o seu ser, a sua liberdade e a imortalidade do seu espírito. Uma vez que o
mundo criado não é autosuficiente, qualquer ilusão de autonomia que ignore a
essencial dependência de Deus de toda criatura — incluindo o homem — leva a
dramas que destroem a busca racional da harmonia e do sentido da existência
humana.
Também o problema do mal moral — a forma
mais trágica do mal — é considerado na Bíblia, dizendo-nos que este não pode ser
reduzido a uma mera deficiência devida à matéria, mas é uma ferida que provém de
uma manifestação desordenada da liberdade humana. Finalmente, a palavra de Deus
apresenta o problema do sentido da existência e revela a resposta para o mesmo,
encaminhando o homem para Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado, que realiza
em plenitude a existência humana. Poder-se-iam ainda explicitar outros aspectos
da leitura do texto sagrado; de qualquer modo, o que sobressai é a rejeição de
toda a forma de relativismo, materialismo, panteísmo.
A convicção fundamental desta « filosofia »
presente na Bíblia é que a vida humana e o mundo têm um sentido e caminham para
a sua plenitude, que se verifica em Jesus Cristo. O mistério da Encarnação
permanecerá sempre o centro de referência para se poder compreender o enigma da
existência humana, do mundo criado, e mesmo de Deus. A filosofia encontra, neste
mistério, os desafios extremos, porque a razão é chamada a assumir uma lógica
que destrói as barreiras onde ela mesma corre o risco de se fechar. Somente
aqui, porém, o sentido da existência alcança o seu ponto culminante. Com efeito,
torna-se inteligível a essência íntima de Deus e do homem: no mistério do Verbo
encarnado, são salvaguardadas a natureza divina e a natureza humana, com sua
respectiva autonomia, e simultaneamente manifesta-se aquele vínculo único que as
coloca em mútuo relacionamento, sem confusão. (97)
81. Deve ter-se em conta que um dos dados
mais salientes da nossa situação atual consiste na « crise de sentido ». Os
pontos de vista, muitas vezes de caráter científico, sobre a vida e o mundo
multiplicaram-se tanto que estamos efetivamente assistindo à afirmação crescente
do fenômeno da fragmentação do saber. É precisamente isto que torna difícil e
freqüentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático ainda, neste
emaranhado de dados e de fatos, em que se vive e que parece constituir a própria
trama da existência, tantos se interrogam se ainda tem sentido pôr-se a questão
do sentido. A pluralidade das teorias que se disputam a resposta, ou os diversos
modos de ver e interpretar o mundo e a vida do homem não fazem senão agravar
esta dúvida radical, que facilmente desemboca num estado de cepticismo e
indiferença ou nas diversas expressões do niilismo.
Em conseqüência disto, o espírito humano
fica muitas vezes ocupado por uma forma de pensamento ambíguo, que o leva a
encerrar-se ainda mais em si próprio, dentro dos limites da própria imanência,
sem qualquer referência ao transcendente. Privada da questão do sentido da
existência, uma filosofia incorreria no grave perigo de relegar a razão para
funções meramente instrumentais, sem uma autêntica paixão pela busca da verdade.
Para estar em consonância com a palavra de
Deus ocorre, antes de mais, que a filosofia volte a encontrar a sua dimensão
sapiencial de procura do sentido último e global da vida. Esta primeira
exigência, por sinal, constitui um estímulo utilíssimo para a filosofia se
conformar com a sua própria natureza. Deste modo, ela não será apenas aquela
instância crítica decisiva que indica, às várias partes do saber científico, o
seu fundamento e os seus limites, mas representará também a instância última de
unificação do saber e do agir humano, levando-os a convergirem para um fim e um
sentido definitivos. Esta dimensão sapiencial é ainda mais indispensável hoje,
uma vez que o imenso crescimento do poder técnico da humanidade requer uma
renovada e viva consciência dos valores últimos. Se viesse a faltar a estes
meios técnicos a sua orientação para um fim não meramente utilitarista, poderiam
rapidamente revelar-se desumanos e transformar-se mesmo em potenciais
destrutores do gênero humano. (98)
A palavra de Deus revela o fim último do
homem, e dá um sentido global à sua ação no mundo. Por isso, ela convida a
filosofia a empenhar-se na busca do fundamento natural desse sentido, que é a
religiosidade constitutiva de cada pessoa. Uma filosofia que quisesse negar a
possibilidade de um sentido último e global, seria não apenas imprópria, mas
errônea.
82. De resto, este papel sapiencial não
poderia ser desempenhado por uma filosofia que não fosse, ela própria, um
autêntico e verdadeiro saber, isto é, debruçado não só sobre os aspectos
particulares e relativos — sejam eles funcionais, formais ou úteis — da
realidade, mas sobre a verdade total e definitiva desta, ou seja, sobre o
próprio ser do objeto de conhecimento. Daqui, uma segunda exigência: verificar a
capacidade do homem chegar ao conhecimento da verdade; mais, um
conhecimento que alcance a verdade objetiva por meio daquela adæquatio rei et
intellectus, a que se referem os Doutores da Escolástica. (99) Esta
exigência, própria da fé, foi explicitamente reafirmada pelo Concílio Vaticano
II: « A inteligência, de fato, não se limita ao domínio dos fenômenos; embora,
em conseqüência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e debilitada, ela é
capaz de atingir com certeza a realidade inteligível ». (100)
Uma filosofia, radicalmente fenomenista ou
relativista, revelar-se-ia inadequada para ajudar no aprofundamento da riqueza
contida na palavra de Deus. De fato, a Sagrada Escritura sempre pressupõe que o
homem, mesmo quando culpável de duplicidade e mentira, é capaz de conhecer e
captar a verdade clara e simples. Nos Livros Sagrados, e de modo particular no
Novo Testamento, encontram-se textos e afirmações de alcance propriamente
ontológico. Os autores inspirados, com efeito, quiseram formular afirmações
verdadeiras, isto é, capazes de exprimir a realidade objetiva. Não se pode dizer
que a tradição católica tenha cometido um erro, quando entendeu alguns textos de
S. João e de S. Paulo como afirmações sobre o ser mesmo de Cristo. Ora, quando a
teologia procura compreender e explicar estas afirmações, tem necessidade do
auxílio duma filosofia que não renegue a possibilidade de um conhecimento
objetivamente verdadeiro, embora sempre passível de aperfeiçoamento. Isto vale
também para os juízos da consciência moral, que a Sagrada Escritura supõe ser
objetivamente verdadeiros. (101)
83. As duas exigências, já referidas,
implicam uma terceira: ocorre uma filosofia de alcance autenticamente
metafísico, isto é, capaz de transcender os dados empíricos para chegar, na
sua busca da verdade, a algo de absoluto, definitivo, básico. Trata-se duma
exigência implícita tanto no conhecimento de tipo sapiencial, como de caráter
analítico; de modo particular, é uma exigência própria do conhecimento do bem
moral, cujo fundamento último é o sumo Bem, o próprio Deus. Não é minha intenção
falar aqui da metafísica enquanto escola específica ou particular corrente
histórica; desejo somente afirmar que a realidade e a verdade transcendem o
elemento fatível e empírico, e quero reivindicar a capacidade que o homem possui
de conhecer esta dimensão transcendente e metafísica de forma verdadeira e
certa, mesmo se imperfeita e analógica. Neste sentido, a metafísica não deve ser
vista como alternativa à antropologia, pois é precisamente ela que permite dar
fundamento ao conceito da dignidade da pessoa, assente na sua condição
espiritual. De modo particular, a pessoa constitui um âmbito privilegiado para o
encontro com o ser e, conseqüentemente, com a reflexão metafísica.
Em toda a parte onde o homem descobre a
presença dum apelo ao absoluto e ao transcendente, lá se abre uma fresta para a
dimensão metafísica do real: na verdade, na beleza, nos valores morais, na
pessoa do outro, no ser, em Deus. Um grande desafio, que nos espera no final
deste milênio, é saber realizar a passagem, tão necessária como urgente, do
fenômeno ao fundamento. Não é possível deter-se simplesmente na
experiência; mesmo quando esta exprime e manifesta a interioridade do homem e a
sua espiritualidade, é necessário que a reflexão especulativa alcance a
substância espiritual e o fundamento que a sustenta. Portanto, um pensamento
filosófico que rejeitasse qualquer abertura metafísica, seria radicalmente
inadequado para desempenhar um papel de mediação na compreensão da Revelação.
A palavra de Deus alude continuamente a
realidades que ultrapassam a experiência e até mesmo o pensamento do homem; mas,
este « mistério » não poderia ser revelado, nem a teologia poderia de modo algum
torná-lo inteligível, (102) se o conhecimento humano se limitasse exclusivamente
ao mundo da experiência sensível. Por isso, a metafísica constitui uma
intermediária privilegiada na pesquisa teológica. Uma teologia, privada do
horizonte metafísico, não conseguiria chegar além da análise da experiência
religiosa, não permitindo ao intellectus fidei exprimir coerentemente o
valor universal e transcendente da verdade revelada.
Se insisto tanto na componente metafísica, é
porque estou convencido de que este é o caminho obrigatório para superar a
situação de crise que aflige atualmente grandes sectores da filosofia e, desta
forma, corrigir alguns comportamentos errados, difusos na nossa sociedade.
84. A importância da instância metafísica
torna-se ainda mais evidente, quando se considera o progresso atual das ciências
hermenêuticas e das diferentes análises da linguagem. Os resultados alcançados
por estes estudos podem ser muito úteis para a compreensão da fé, enquanto
manifestam a estrutura do nosso pensar e falar, e o sentido presente na
linguagem. Existem, porém, especialistas destas ciências que tendem, nas suas
pesquisas, a deter-se no modo como se compreende e exprime a realidade,
prescindindo de verificar a possibilidade de a razão descobrir a essência da
mesma. Como não individuar neste comportamento uma confirmação da crise de
confiança, que a nossa época está a atravessar, acerca das capacidades da razão?
Além disso, quando estas teses, baseando-se em convicções apriorísticas, tendem
a ofuscar os conteúdos da fé ou a negar a sua validade universal, então não só
humilham a razão, mas colocam-se por si mesmas fora de jogo.
De fato, a fé
pressupõe claramente que a linguagem humana seja capaz de exprimir de modo
universal — embora em termos analógicos, mas nem por isso menos significativos —
a realidade divina e transcendente. (103) Se assim não fosse, a palavra de Deus,
que é sempre palavra divina em linguagem humana, não seria capaz de exprimir
nada sobre Deus. A interpretação desta Palavra não pode remeter-nos apenas de
uma interpretação para outra, sem nunca nos fazer chegar a uma afirmação
absolutamente verdadeira; caso contrário, não haveria revelação de Deus, mas só
a expressão de noções humanas sobre Ele e sobre aquilo que presumivelmente Ele
pensa de nós.
85. Bem sei que, aos olhos de muitos dos que
atualmente se entregam à pesquisa filosófica, podem parecer árduas estas
exigências postas pela palavra de Deus à filosofia. Por isso mesmo, retomando
aquilo que, já há algumas gerações, os Sumos Pontífices não cessam de ensinar e
que o próprio Concílio Vaticano II confirmou, quero exprimir vigorosamente a
convicção de que o homem é capaz de alcançar uma visão unitária e orgânica do
saber. Esta é uma das tarefas que o pensamento cristão deverá assumir durante o
próximo milênio da era cristã. A subdivisão do saber, enquanto comporta uma
visão parcial da verdade com a conseqüente fragmentação do seu sentido, impede a
unidade interior do homem de hoje. Como poderia a Igreja deixar de preocupar-se?
Os Pastores recebem esta função sapiencial diretamente do Evangelho, e não podem
eximir-se do dever de concretizá-la.
Considero que todos os que atualmente
desejam responder, como filósofos, às exigências que a palavra de Deus põe ao
pensamento humano, deveriam elaborar o seu raciocínio sobre a base destes
postulados, numa coerente continuidade com aquela grande tradição que, partindo
dos antigos, passa pelos Padres da Igreja e os mestres da escolástica até chegar
a englobar as conquistas fundamentais do pensamento moderno e contemporâneo. Se
conseguir recorrer a esta tradição e inspirar-se nela, o filósofo não deixará de
se mostrar fiel à exigência de autonomia do pensamento filosófico.
Neste sentido, é muito importante que, no
contexto atual, alguns filósofos se façam promotores da descoberta do papel
determinante que tem a tradição para uma forma correta de conhecimento. De fato,
o recurso à tradição não é uma mera lembrança do passado; mas constitui
sobretudo o reconhecimento dum patrimônio cultural que pertence a toda a
humanidade. Poder-se-ia mesmo dizer que somos nós que pertencemos à tradição, e
por isso não podemos dispor dela a nosso bel-prazer. É precisamente este
enraizamento na tradição que hoje nos permite poder exprimir um pensamento
original, novo e aberto para o futuro. Esta observação é ainda mais pertinente
para a teologia, não só porque ela possui a Tradição viva da Igreja como fonte
originária, (104) mas também porque ela, em virtude disso mesmo, deve ser capaz
de recuperar quer a profunda tradição teológica que marcou as épocas
precedentes, quer a tradição perene daquela filosofia que, pela sua real
sabedoria, conseguiu superar as fronteiras do espaço e do tempo.
86. A insistência sobre a necessidade duma
estreita relação de continuidade entre a reflexão filosófica atual e a reflexão
elaborada na tradição cristã visa prevenir do perigo que se esconde em algumas
correntes de pensamento, hoje particularmente difusas. Embora brevemente,
considero oportuno deter-me sobre elas, para pôr em relevo os seus erros e
conseqüentes riscos para a atividade filosófica.
A primeira aparece sob o nome de
ecletismo, termo com o qual se designa o comportamento de quem, na pesquisa,
na doutrina e na argumentação, mesmo teológica, costuma assumir idéias tomadas
isoladamente de distintas filosofias, sem se preocupar com a sua coerência e
conexão sistemática, nem com o seu contexto histórico. Deste modo, a pessoa fica
impossibilitada de discernir entre a parte de verdade dum pensamento e aquilo
que nele pode ser errado ou inadequado. Também é possível individuar uma forma
extrema de ecletismo no abuso retórico dos termos filosóficos, às vezes
praticado por alguns teólogos. Este gênero de instrumentalização não favorece a
busca da verdade, nem educa a razão — tanto teológica, como filosófica — a
argumentar de forma séria e científica. O estudo rigoroso e profundo das
doutrinas filosóficas, da linguagem que lhes é peculiar, e do contexto onde
surgiram, ajuda a superar os riscos do ecletismo e permite uma adequada
integração daquelas na argumentação teológica.
87. O ecletismo é um erro de método, mas
poderia também ocultar em si as teses próprias do historicismo. Para
compreender corretamente uma doutrina do passado, é necessário que esteja
inserida no seu contexto histórico e cultural. Diversamente, o historicismo toma
como sua tese fundamental estabelecer a verdade duma filosofia com base na sua
adequação a um determinado período e função histórica. Deste modo nega-se, pelo
menos implicitamente, a validade perene da verdade. O que era verdade numa
época, afirma o historicista, pode já não sê-lo noutra. Em resumo, a história do
pensamento, para ele, reduz-se a uma espécie de achado arqueológico, a que
recorre a fim de pôr em evidência posições do passado, em grande parte já
superadas e sem significado para o tempo presente. Ora, apesar de a formulação
estar de certo modo ligada ao tempo e à cultura, deve-se considerar que a
verdade ou o erro nela expressos podem ser, não obstante a distância
espácio-temporal, reconhecidos e avaliados como tais.
Na reflexão teológica, o historicismo tende
a maior parte das vezes a apresentar-se sob uma forma de « modernismo ». Com a
justa preocupação de tornar o discurso teológico atual e assimilável para o
homem contemporâneo, faz-se apenas uso das asserções e termos filosóficos mais
recentes, descuidando exigências críticas que, à luz da tradição, dever-se-iam
eventualmente colocar. Esta forma de modernismo, pelo simples fato de trocar a
atualidade pela verdade, revela-se incapaz de satisfazer as exigências de
verdade a que a teologia é chamada a dar resposta.
88. Outro perigo a ser considerado é o
cientificismo. Esta concepção filosófica recusa-se a admitir, como válidas,
formas de conhecimento distintas daquelas que são próprias das ciências
positivas, relegando para o âmbito da pura imaginação tanto o conhecimento
religioso e teológico, como o saber ético e estético. No passado, a mesma idéia
aparecia expressa no positivismo e no neopositivismo, que consideravam
destituídas de sentido as afirmações de caráter metafísico.
A crítica
epistemológica desacreditou esta posição; mas, vemo-las agora renascer sob as
novas vestes do cientificismo. Na sua perspectiva, os valores são reduzidos a
simples produtos da emotividade, e a noção de ser é posta de lado para dar lugar
ao fato puro e simples. A ciência, prepara-se assim para dominar todos os
aspectos da existência humana, através do progresso tecnológico. Os sucessos
inegáveis no âmbito da pesquisa científica e da tecnologia contemporânea
contribuíram para a difusão da mentalidade cientificista, que parece não
conhecer fronteiras, quando vemos como penetrou nas diversas culturas e as
mudanças radicais que aí provocou.
Infelizmente, deve-se constatar que o
cientificismo considera tudo o que se refere à questão do sentido da vida como
fazendo parte do domínio do irracional ou da fantasia. Ainda mais decepcionante
é a perspectiva apresentada por esta corrente de pensamento a respeito dos
outros grandes problemas da filosofia que, quando não passam simplesmente
ignorados, são analisados com base em analogias superficiais, destituídas de
fundamentação racional. Isto leva ao empobrecimento da reflexão humana,
subtraindo-lhe aqueles problemas fundamentais que o animal rationale se
tem colocado constantemente, desde o início da sua existência sobre a terra. Na
mesma linha, ao pôr de lado a crítica que nasce da avaliação ética, a
mentalidade cientificista conseguiu fazer com que muitos aceitassem a idéia de
que aquilo que se pode realizar tecnicamente, torna-se por isso mesmo também
moralmente admissível.
89.
Portador de
perigos não menores é o pragmatismo, atitude mental própria de quem, ao
fazer as suas opções, exclui o recurso a reflexões abstratas ou a avaliações
fundadas sobre princípios éticos. As conseqüências práticas, que derivam
desta linha de pensamento, são notáveis. De modo particular, tem vindo a ganhar
terreno uma concepção da democracia que não contempla o referimento a
fundamentos de ordem axiológica e, por isso mesmo, imutáveis: a admissibilidade,
ou não, de determinado comportamento é decidida com base no voto da maioria
parlamentar. (105) A conseqüência de semelhante posição é clara: as grandes
decisões morais do homem ficam efetivamente subordinadas às deliberações que os
órgãos institucionais vão assumindo pouco a pouco. Mais, a própria antropologia
fica fortemente condicionada com a proposta duma visão unidimensional do ser
humano, da qual se excluem os grandes dilemas éticos e as análises existenciais
sobre o sentido do sofrimento e do sacrifício, da vida e da morte.
90. As teses examinadas até aqui conduzem,
por sua vez, a uma concepção mais geral, que parece constituir, hoje, o
horizonte comum de muitas filosofias que não querem saber do sentido do ser.
Estou a referir-me à leitura niilista, que é a rejeição de qualquer fundamento e
simultaneamente a negação de toda a verdade objetiva. O niilismo, antes
mesmo de estar em contraste com as exigências e os conteúdos próprios da palavra
de Deus, é negação da humanidade do homem e também da sua identidade. De fato, é
preciso ter em conta que o olvido do ser implica inevitavelmente a perda de
contato com a verdade objetiva e, conseqüentemente, com o fundamento sobre o
qual se apóia a dignidade do homem. Deste modo, abre-se espaço à possibilidade
de apagar, da face do homem, os traços que revelam a sua semelhança com Deus,
conduzindo-o progressivamente a uma destrutiva ambição de poder ou ao desespero
da solidão. Uma vez que se privou o homem da verdade, é pura ilusão pretender
torná-lo livre. Verdade e liberdade, com efeito, ou caminham juntas, ou juntas
miseravelmente perecem. (106)
91. Ao comentar as correntes de pensamento
acima lembradas, não foi minha intenção apresentar um quadro completo da
situação atual da filosofia: aliás, esta dificilmente poderia ser integrada numa
visão unitária. Faço questão de assinalar que a herança do saber e da sabedoria
se enriqueceu efetivamente em diversos campos. Basta citar a lógica, a filosofia
da linguagem, a epistemologia, a filosofia da natureza, a antropologia, a
análise profunda das vias afetivas do conhecimento, a perspectiva existencial
aplicada à análise da liberdade.
Por outro lado, a afirmação do princípio de
imanência, que está no âmago da pretensão racionalista, suscitou, a partir do
século passado, reações que levaram a pôr radicalmente em questão postulados
considerados indiscutíveis. Nasceram assim correntes irracionalistas, ao mesmo
tempo que a crítica punha em evidência a inutilidade da exigência de
auto-fundamentação absoluta da razão.
A nossa época foi definida por
certos pensadores como a época da « pós-modernidade ».
Este termo, não raramente usado em contextos muito distanciados entre si,
designa a aparição de um conjunto de fatores novos, que, pela sua extensão e
eficácia, se revelaram capazes de determinar mudanças significativas e
duradouras. Assim, o termo foi primeiramente usado no campo de fenômenos de
ordem estética, social, tecnológica. Depois, estendeu-se ao âmbito filosófico,
permanecendo, porém, marcado por certa ambigüidade, quer porque a avaliação do
que se define como « pós-moderno » é umas vezes positivo e outras negativo, quer
porque não existe consenso sobre o delicado problema da delimitação das várias
épocas históricas. Uma coisa, todavia, é certa: as correntes de pensamento que
fazem referência à pós-modernidade merecem adequada atenção. Segundo algumas
delas, de fato, o tempo das certezas teria
irremediavelmente passado, o homem deveria finalmente aprender a viver num
horizonte de ausência total de sentido, sob o signo do provisório e do efêmero.
Muitos autores, na sua crítica demolidora de toda a certeza e ignorando as
devidas distinções, contestam inclusivamente as certezas da fé.
De algum modo, este niilismo
encontra confirmação na terrível experiência do mal que caracterizou a nossa
época. O otimismo racionalista que via na história o avanço vitorioso da razão,
fonte de felicidade e de liberdade, não pôde resistir face à dramaticidade de
tal experiência, a ponto de uma das maiores ameaças, neste final de século, ser
a tentação do desespero.
Verdade é que uma certa mentalidade
positivista continua a defender a ilusão de que, graças às conquistas
científicas e técnicas, o homem, como se fosse um demiurgo, poderá chegar por si
mesmo a garantir o domínio total do seu destino.
2. Tarefas atuais da teologia
92. Enquanto compreensão da Revelação, a
teologia, nas sucessivas épocas históricas, sempre sentiu como próprio dever
escutar as solicitações das várias culturas, para permeá-las depois, através
duma coerente conceptualização, com o conteúdo da fé. Também hoje lhe compete
uma dupla tarefa. Por um lado, deve cumprir a missão que o Concílio Vaticano II
lhe confiou: renovar as suas metodologias, tendo em vista um serviço mais eficaz
à evangelização. Nesta perspectiva, como não pensar às palavras pronunciadas
pelo Sumo Pontífice João XXIII, na abertura do Concílio? Dizia ele: «
Correspondendo à viva expectativa de quantos amam sinceramente a religião
cristã, católica e apostólica, é necessário que esta doutrina seja conhecida
mais ampla e profundamente e que nela sejam instruídas e formadas mais
plenamente as consciências; é preciso que esta doutrina certa e imutável, que
deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada segundo as
exigências do nosso tempo ». (107)
Mas, por outro lado, a teologia deve manter
o olhar fixo sobre a verdade última que lhe foi confiada por meio da Revelação,
não se contentando nem se detendo em etapas intermédias. O teólogo recorde-se de
que o seu trabalho corresponde « ao dinamismo interior próprio da fé » e que o
objeto específico da sua indagação é « a Verdade, o Deus vivo e o seu desígnio
de salvação revelado em Jesus Cristo ». (108) Esta tarefa, que diz respeito em
primeiro lugar à teologia, interpela também a filosofia. De fato, a quantidade
imensa de problemas, que hoje aparece, requer um trabalho comum, embora
desenvolvido com metodologias diversas, para que a verdade possa novamente ser
conhecida e anunciada. A Verdade, que é Cristo, impõe-se como autoridade
universal que rege, estimula e faz crescer (cf. Ef 4, 15) tanto a
teologia como a filosofia.
O fato de acreditar na possibilidade de se
conhecer uma verdade universalmente válida não é de forma alguma fonte de
intolerância; pelo contrário, é condição necessária para um diálogo sincero e
autêntico entre as pessoas. Só com esta condição será possível superar as
divisões e percorrer juntos o caminho que conduz à verdade total, seguindo por
sendas que só Espírito do Senhor ressuscitado conhece. (109) O modo como se
configura hoje concretamente a exigência de unidade, tendo em vista as tarefas
atuais da teologia, é o que desejo agora indicar.
93. O objetivo fundamental, que a teologia
persegue, é apresentar a compreensão da Revelação e o conteúdo da fé.
Assim, o verdadeiro centro da sua reflexão há-de ser a contemplação do próprio
mistério de Deus Uno e Trino. E a este chega-se refletindo sobre o mistério da
encarnação do Filho de Deus: sobre o fato de Ele Se fazer homem e, depois,
caminhar até à paixão e à morte, mistério este que desembocará na sua gloriosa
ressurreição e ascensão à direita do Pai, donde enviará o Espírito de verdade
para constituir e animar a sua Igreja. Neste horizonte, a obrigação primeira da
teologia é a compreensão da kenosi de Deus, mistério verdadeiramente
grande para a mente humana, porque lhe parece insustentável que o sofrimento e a
morte possam exprimir o amor que se dá sem pedir nada em troca. Nesta
perspectiva, impõe-se como exigência fundamental e urgente uma análise atenta
dos textos: os textos bíblicos primeiro, e depois os que exprimem a Tradição
viva da Igreja. A este respeito, surgem hoje alguns problemas, novos só em
parte, cuja solução coerente não poderá ser encontrada sem o contributo da
filosofia.
94. Um primeiro aspecto problemático
refere-se à relação entre o significado e a verdade. Como qualquer outro texto,
também as fontes que o teólogo interpreta transmitem, antes de mais, um
significado, que tem de ser individuado e exposto. Ora, este significado
apresenta-se como a verdade acerca de Deus, que é comunicada pelo próprio Deus
por meio do texto sagrado. Assim, a linguagem de Deus toma corpo na linguagem
humana, comunicando a verdade sobre Ele mesmo com aquela « condescendência »
admirável que reflete a lógica da Encarnação. (110) Por isso, ao interpretar as
fontes da Revelação, é necessário que o teólogo se interrogue sobre qual seja a
verdade profunda e genuína que os textos querem comunicar, embora dentro dos
limites da linguagem.
Quanto aos textos bíblicos, e em particular
os Evangelhos, a sua verdade não se reduz seguramente à narração de simples
acontecimentos históricos ou à revelação de fatos neutros, como pretendia o
positivismo historicista. (111) Pelo contrário, esses textos expõem
acontecimentos, cuja verdade está para além da mera ocorrência histórica: está
no seu significado para e dentro da história da salvação. Esta
verdade adquire a sua plena explicitação na leitura perene que a Igreja faz dos
referidos textos ao longo dos séculos, mantendo inalterado o seu significado
originário. Portanto, é urgente que se interroguem, filosoficamente também,
sobre a relação que há entre o fato e o seu significado; relação essa que
constitui o sentido específico da história.
95. A palavra de Deus não se destina apenas
a um povo ou só a uma época. De igual modo, também os enunciados dogmáticos
formulam uma verdade permanente e definitiva, ainda que às vezes se possa notar
neles a cultura do período em que foram definidos. Surge, assim, a pergunta
sobre como seja possível conciliar o caráter absoluto e universal da verdade com
o inevitável condicionamento histórico e cultural das fórmulas que a exprimem.
Como disse anteriormente, as teses do historicismo não são defendíveis. Pelo
contrário, a aplicação duma hermenêutica aberta à questão metafísica é capaz de
mostrar como se passa das circunstâncias históricas e contingentes, onde
maturaram os textos, à verdade por eles expressa que está para além desses
condicionalismos.
Com a sua linguagem histórica e limitada, o
homem pode exprimir verdades que transcendem o fenômeno lingüístico. De fato, a
verdade nunca pode estar limitada a um tempo, nem a uma cultura; é conhecida na
história, mas supera a própria história.
96. Esta consideração permite vislumbrar a
solução de outro problema: o da perene validade dos conceitos usados nas
definições conciliares. Já o meu venerado Predecessor Pio XII enfrentara a
questão, na carta encíclica Humani generis. (112)
A reflexão sobre este assunto não é fácil,
porque tem-se de atender cuidadosamente ao sentido que as palavras adquirem nas
diversas culturas e nas diferentes épocas. Entretanto, a história do pensamento
mostra que certos conceitos básicos mantêm, através da evolução e da variedade
das culturas, o seu valor cognoscitivo universal e, conseqüentemente, a verdade
das proposições que os exprimem. (113) Se assim não fosse, a filosofia e as
ciências não poderiam comunicar entre si, nem ser recebidas por culturas
diferentes daquelas onde foram pensadas e elaboradas. O problema hermenêutico é
real, mas tem solução. O valor objetivo de muitos conceitos não exclui, aliás,
que o seu significado freqüentemente seja imperfeito. A reflexão filosófica
poderia ser de grande ajuda neste campo. Possa ela prestar o seu contributo
particular no aprofundamento da relação entre linguagem conceptual e verdade, e
na proposta de caminhos adequados para uma sua correta compreensão.
97. Se uma tarefa importante da teologia é a
interpretação das fontes, mais delicado e exigente ainda é o trabalho seguinte:
a compreensão da verdade revelada, ou seja, a elaboração do
intellectus fidei. Como já aludi, o intellectus fidei requer o
contributo duma filosofia do ser que, antes de mais, permita à teologia
dogmática realizar adequadamente as suas funções. O pragmatismo dogmático
dos inícios deste século, segundo o qual as verdades da fé nada mais seriam do
que regras de comportamento, foi já refutado e rejeitado; (114) apesar disso,
persiste sempre a tentação de compreender estas verdades de forma puramente
funcional. Neste caso, cair-se-ia num esquema inadequado, redutivo e desprovido
da necessária incisividade especulativa. Por exemplo, uma cristologia que
partisse unilateralmente « de baixo », como hoje se costuma dizer, ou uma
eclesiologia elaborada unicamente a partir do modelo das sociedades civis
dificilmente poderiam evitar o perigo de tal reducionismo.
Se o intellectus fidei quer integrar
toda a riqueza da tradição teológica, tem de recorrer à filosofia do ser. Esta
deverá ser capaz de propor o problema do ser segundo as exigências e as
contribuições de toda a tradição filosófica, incluindo a mais recente, evitando
cair em estéreis repetições de esquemas antiquados. No quadro da tradição
metafísica cristã, a filosofia do ser é uma filosofia dinâmica que vê a
realidade nas suas estruturas ontológicas, causais e inter-relacionais. A sua
força e perenidade derivam do fato de se basear precisamente sobre o ato do ser,
o que lhe permite uma abertura plena e global a toda a realidade, superando todo
e qualquer limite até alcançar Aquele que tudo leva à perfeição. (115) Na
teologia, que recebe os seus princípios da Revelação como nova fonte de
conhecimento, esta perspectiva é confirmada através da relação íntima entre fé e
racionalidade metafísica.
98. Idênticas considerações podem ser feitas
a propósito da teologia moral. A recuperação da filosofia é urgente
também para a compreensão da fé que diz respeito ao agir dos crentes. Diante dos
desafios que se levantam atualmente no campo social, econômico, político e
científico, a consciência ética do homem desorientou-se. Na carta encíclica
Veritatis splendor, pus em evidência que muitos problemas do mundo
contemporâneo derivam de uma « crise em torno da verdade. Perdida a idéia duma
verdade universal sobre o bem, cognoscível pela razão humana, mudou também
inevitavelmente a concepção de consciência: esta deixa de ser considerada na sua
realidade original, ou seja, como um ato da inteligência da pessoa, a quem cabe
aplicar o conhecimento universal do bem a uma determinada situação e exprimir
assim um juízo sobre a conduta justa a ter aqui e agora; tende-se a conceder à
consciência do indivíduo o privilégio de estabelecer autonomamente os critérios
do bem e do mal, e de agir em conseqüência. Esta visão identifica-se com uma
ética individualista, na qual cada um se vê confrontado com a sua verdade,
diferente da verdade dos outros ». (116)
Ao longo de toda a encíclica agora citada,
sublinhei claramente o papel fundamental que compete à verdade no campo da
moral. Ora esta verdade, na maior parte dos problemas éticos mais urgentes,
requer, da teologia moral, uma cuidadosa reflexão que saiba pôr em evidência as
suas raízes na palavra de Deus. Para poder desempenhar esta sua missão, a
teologia moral deve recorrer a uma ética filosófica que tenha em vista a verdade
do bem, isto é, uma ética que não seja subjectivista nem utilitarista. Tal ética
implica e pressupõe uma antropologia filosófica e uma metafísica do bem. A
teologia moral, valendo-se desta visão unitária que está necessariamente ligada
à santidade cristã e à prática das virtudes humanas e sobrenaturais, será capaz
de enfrentar os vários problemas que lhe dizem respeito — tais como a paz, a
justiça social, a família, a defesa da vida e do ambiente natural — de forma
mais adequada e eficaz.
99.
Na Igreja, o
trabalho teológico está, primariamente, ao serviço do anúncio da fé e da
catequese. (117) O anúncio, ou querigma, chama à conversão, propondo a verdade
de Cristo que tem o seu ponto culminante no Mistério Pascal: na verdade, só em
Cristo é possível conhecer a plenitude da verdade que salva (cf. At
4,12;
1Tm 2,4-6).
Neste contexto, é fácil compreender a razão
por que, além da teologia, assuma também grande relevo a referência à
catequese: é que esta possui implicações filosóficas que têm de ser
aprofundadas à luz da fé. A doutrina ensinada na catequese pretende formar a
pessoa. Por isso a catequese, que é também comunicação lingüística, deve
apresentar a doutrina da Igreja na sua integridade, (118) mostrando a ligação
que ela tem com a vida dos crentes. (119) Realiza-se, assim, uma singular união
entre doutrina e vida, que é impossível conseguir de outro modo. De fato, aquilo
que se comunica na catequese não é um corpo de verdades conceptuais, mas o
mistério do Deus vivo. (120)
A reflexão filosófica muito pode contribuir
para esclarecer a relação entre verdade e vida, entre acontecimento e verdade
doutrinal, e sobretudo a relação entre verdade transcendente e linguagem
humanamente inteligível. (121) A reciprocidade que se cria entre as disciplinas
teológicas e os resultados alcançados pelas diversas correntes filosóficas, pode
traduzir-se numa real fecundidade para a comunicação da fé e para uma sua
compreensão mais profunda.
CONCLUSÃO
100. Passados mais
de cem anos da publicação da encíclica Æterni Patris de Leão XIII, à qual
me referi várias vezes nestas páginas, pareceu-me necessário abordar novamente e
de forma mais sistemática o discurso sobre o tema da relação entre a fé e a
filosofia. É óbvia a importância que o pensamento filosófico tem no
progresso das culturas e na orientação dos comportamentos pessoais e sociais.
Embora isso nem sempre se note de forma explícita, ele exerce também uma grande
influência sobre a teologia e suas diversas disciplinas. Por estes motivos,
considerei justo e necessário sublinhar o valor que a filosofia tem para a
compreensão da fé, e as limitações em que aquela se vê, quando esquece ou
rejeita as verdades da Revelação. De fato, a Igreja continua profundamente
convencida de que fé e razão « se ajudam mutuamente », (122) exercendo, uma em
prol da outra, a função tanto de discernimento crítico e purificador, como de
estímulo para progredir na investigação e no aprofundamento.
101. Se detivermos o nosso olhar sobre a
história do pensamento, sobretudo no Ocidente, é fácil constatar a riqueza que
sobreveio, para o progresso da humanidade, do encontro da filosofia com a
teologia e do intercâmbio das suas respectivas conquistas. A teologia, que
recebeu o dom duma abertura e originalidade que lhe permite existir como ciência
da fé, fez seguramente com que a razão permanecesse aberta diante da novidade
radical que a revelação de Deus traz consigo. E isto foi, sem dúvida alguma, uma
vantagem para a filosofia, que, assim, viu abrirem-se novos horizontes apontando
para sucessivos significados que a razão está chamada a aprofundar.
Precisamente à luz desta constatação, tal
como reafirmei o dever que tem a teologia de recuperar a sua genuína relação com
a filosofia, da mesma forma sinto a obrigação de sublinhar que é conveniente
para o bem e o progresso do pensamento que também a filosofia recupere a sua
relação com a teologia. Nesta, encontrará não a reflexão dum mero indivíduo,
que, embora profunda e rica, sempre traz consigo as limitações de perspectiva
próprias do pensamento de um só, mas a riqueza duma reflexão comum. De fato,
quando indaga sobre a verdade, a teologia, por sua natureza, é sustentada pela
nota da eclesialidade (123) e pela tradição do Povo de Deus, com sua
riqueza multiforme de conhecimentos e de culturas na unidade da fé.
102. Com tal insistência sobre a importância
e as autênticas dimensões do pensamento filosófico, a Igreja promove a defesa da
dignidade humana e, simultaneamente, o anúncio da mensagem evangélica. Ora, para
estas tarefas, não existe, hoje, preparação mais urgente do que esta: levar os
homens à descoberta da sua capacidade de conhecer a verdade (124) e do seu
anseio pelo sentido último e definitivo da existência. À luz destas exigências
profundas, inscritas por Deus na natureza humana, aparece mais claro também o
significado humano e humanizante da palavra de Deus. Graças à mediação de uma
filosofia que se tornou também verdadeira sabedoria, o homem contemporâneo
chegará a reconhecer que será tanto mais homem quanto mais se abrir a Cristo,
acreditando no Evangelho.
103. Além disso, a filosofia é como que o
espelho onde se reflete a cultura dos povos. Uma filosofia que se desenvolve de
harmonia com a fé aceitando o estímulo das exigências teológicas, faz parte
daquela « evangelização da cultura » que Paulo VI propôs como um dos objetivos
fundamentais da evangelização. (125) Pensando na nova evangelização, cuja
urgência não me canso de recordar, faço apelo aos filósofos para que saibam
aprofundar aquelas dimensões de verdade, bem e beleza, a que dá acesso a palavra
de Deus. Isto torna-se ainda mais urgente, ao considerar os desafios que o novo
milênio parece trazer consigo: eles tocam de modo particular as regiões e as
culturas de antiga tradição cristã. Este cuidado deve considerar-se também um
contributo fundamental e original para o avanço da nova evangelização.
104. O pensamento filosófico é
freqüentemente o único terreno comum de entendimento e diálogo com quem não
partilha a nossa fé. O movimento filosófico contemporâneo exige o empenhamento
solícito e competente de filósofos crentes que sejam capazes de individuar as
expectativas, possibilidades e problemáticas deste momento histórico.
Discorrendo à luz da razão e segundo as suas regras, o filósofo cristão, sempre
guiado naturalmente pela leitura superior que lhe vem da palavra de Deus, pode
criar uma reflexão que seja compreensível e sensata mesmo para quem ainda não
possua a verdade plena que a revelação divina manifesta. Este terreno comum de
entendimento e diálogo é ainda mais importante hoje, se se pensa que os
problemas mais urgentes da humanidade — como, por exemplo, o problema ecológico,
o problema da paz ou da convivência das raças e das culturas — podem ter solução
à luz duma colaboração clara e honesta dos cristãos com os fiéis doutras
religiões e com todos os que, mesmo não aderindo a qualquer crença religiosa,
têm a peito a renovação da humanidade. Afirmou-o o Concílio Vaticano II: « Por
nossa parte, o desejo de um tal diálogo, guiado apenas pelo amor pela verdade e
com a necessária prudência, não exclui ninguém: nem aqueles que cultivam os
altos valores do espírito humano, sem ainda conhecerem o seu Autor, nem aqueles
que se opõem à Igreja e, de várias maneiras, a perseguem ». (126) Uma filosofia,
na qual já resplandeça algo da verdade de Cristo, única resposta definitiva aos
problemas do homem, (127) será um apoio eficaz para aquela ética verdadeira e
simultaneamente universal de que, hoje, a humanidade tem necessidade.
105. Não posso concluir esta carta encíclica
sem dirigir um último apelo, em primeiro lugar aos teólogos, para que
prestem particular atenção às implicações filosóficas da palavra de Deus e
realizem uma reflexão onde sobressaia a densidade especulativa e prática da
ciência teológica. Desejo agradecer-lhes o seu serviço eclesial. A estrita
conexão entre a sabedoria teológica e o saber filosófico é uma das riquezas mais
originais da tradição cristã no aprofundamento da verdade revelada. Por isso,
exorto-os a recuperarem e a porem em evidência o melhor possível a dimensão
metafísica da verdade, para desse modo entrarem num diálogo crítico e exigente
quer com o pensamento filosófico contemporâneo, quer com toda a tradição
filosófica, esteja esta em sintonia ou contradição com a palavra de Deus.
Tenham
sempre presente a indicação dum grande mestre do pensamento e da
espiritualidade, S. Boaventura, que, ao introduzir o
leitor na sua obra Itinerarium mentis in Deum, convidava-o a ter
consciência de que « a leitura não é suficiente sem a compunção, o conhecimento
sem a devoção, a investigação sem o arrebatamento do enlevo, a prudência sem a
capacidade de abandonar-se à alegria, a atividade separada da religiosidade, o
saber separado da caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem o
suporte da graça divina, a reflexão sem a sabedoria inspirada por Deus ». (128)
Dirijo o meu
apelo
também a quantos têm a responsabilidade da formação sacerdotal, tanto
acadêmica como pastoral, para que cuidem, com particular atenção, da
preparação filosófica daquele que deverá anunciar o Evangelho ao homem de hoje,
e mais ainda se se vai dedicar à investigação e ao ensino da teologia. Procurem
organizar o seu trabalho à luz das prescrições do Concílio Vaticano II (129) e
sucessivas determinações, que mostram a tarefa indeclinável e urgente, que cabe
a todos nós, de contribuir para uma genuína e profunda comunicação das verdades
da fé.
Não se esqueça a grave responsabilidade de uma preparação prévia e
condigna do corpo docente, destinado ao ensino da filosofia nos Seminários e nas
Faculdades Eclesiásticas. (130) É necessário que uma tal docência possua a
conveniente preparação científica, proponha de maneira sistemática o grande
patrimônio da tradição cristã, e seja efetuada com o devido discernimento face
às exigências atuais da Igreja e do mundo.
106. O meu apelo dirige-se
ainda aos filósofos e a quantos ensinam a
filosofia, para que, na esteira duma tradição filosófica perenemente válida,
tenham a coragem de recuperar as dimensões de autêntica sabedoria e de verdade,
inclusive metafísica, do pensamento filosófico. Deixem-se interpelar pelas
exigências que nascem da palavra de Deus, e tenham a força de elaborar o seu
discurso racional e argumentativo de resposta a tal interpelação. Vivam em
permanente tensão para a verdade e atentos ao bem que existe em tudo o que é
verdadeiro. Poderão, assim, formular aquela ética genuína de que a humanidade
tem urgente necessidade, sobretudo nestes anos. A Igreja acompanha com atenção e
simpatia as suas investigações; podem, pois, estar seguros do respeito que ela
nutre pela justa autonomia da sua ciência. De modo particular, quero encorajar
os crentes empenhados no campo da filosofia para que iluminem os diversos
âmbitos da atividade humana, graças ao exercício de uma razão que se torna mais
segura e perspicaz com o apoio que recebe da fé.
Não posso, enfim, deixar de
dirigir uma palavra também aos cientistas, que
nos proporcionam, com as suas pesquisas, um conhecimento sempre maior do
universo inteiro e da variedade extraordinariamente rica dos seus
componentes, animados e inanimados, com suas complexas estruturas de átomos e
moléculas. O caminho por eles realizado atingiu, especialmente neste século,
metas que não cessam de nos maravilhar.
Ao exprimir a minha admiração e o meu
encorajamento a estes valorosos pioneiros da pesquisa científica, a quem a
humanidade muito deve do seu progresso atual, sinto o dever de exortá-los a
prosseguir nos seus esforços, permanecendo sempre naquele horizonte
sapiencial onde aos resultados científicos e tecnológicos se unem os valores
filosóficos e éticos, que são manifestação característica e imprescindível da
pessoa humana. O cientista está bem cônscio de que « a busca da verdade, mesmo
quando se refere a uma realidade limitada do mundo ou do homem, jamais termina;
remete sempre para alguma coisa que está acima do objeto imediato dos estudos,
para os interrogativos que abrem o acesso ao Mistério ». (131)
107. A todos peço para se debruçarem
profundamente sobre o homem, que Cristo salvou no mistério do seu amor, e sobre
a sua busca constante de verdade e de sentido. Iludindo-o, vários sistemas
filosóficos convenceram-no de que ele é senhor absoluto de si mesmo, que pode
decidir autonomamente sobre o seu destino e o seu futuro, confiando apenas em si
próprio e nas suas forças. Ora, esta nunca poderá ser a grandeza do homem. Para
a sua realização, será determinante apenas a opção de viver na verdade,
construindo a própria casa à sombra da Sabedoria e nela habitando. Só neste
horizonte da verdade poderá compreender, com toda a clareza, a sua liberdade e o
seu chamamento ao amor e ao conhecimento de Deus como suprema realização de si
mesmo.
108.
Por último, o
meu pensamento dirige-se para Aquela que a oração da Igreja invoca como Sede
da Sabedoria. A sua vida é uma verdadeira parábola, capaz de iluminar
a reflexão que desenvolvi. De fato, pode-se entrever uma profunda analogia entre
a vocação da bem-aventurada Virgem Maria e a vocação da filosofia genuína.
Como a Virgem foi chamada a oferecer toda a sua humanidade e feminilidade para
que o Verbo de Deus pudesse encarnar e fazer-Se um de nós, também a filosofia é
chamada a dar o seu contributo racional e crítico para que a teologia,
enquanto compreensão da fé, seja fecunda e eficaz. E como Maria, ao prestar o
seu consentimento ao anúncio de Gabriel, nada perdeu da sua verdadeira
humanidade e liberdade, assim também o pensamento filosófico, quando acolhe a
interpelação que recebe da verdade do Evangelho, nada perde da sua autonomia,
antes vê toda a sua indagação elevada à mais alta realização.
Os santos monges
da antiguidade cristã tinham compreendido bem esta verdade, quando designavam
Maria como « a mesa intelectual da fé ». (132) N'Ela, viam a imagem coerente da
verdadeira filosofia, e estavam convencidos de que deviam philosophari in
Maria.
Que a Sede da Sabedoria seja o porto seguro
para quantos consagram a sua vida à procura da sabedoria! O caminho para a
sabedoria, fim último e autêntico de todo o verdadeiro saber, possa ver-se livre
de qualquer obstáculo por intercessão d'Aquela que, depois de gerar a Verdade e
tê-La conservado no seu coração, comunicou-A para sempre à humanidade inteira.
Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia
14 de Setembro Festa da Exaltação da Santa Cruz — de 1998, Vigésimo ano de
Pontificado.
(1) Na minha primeira encíclica, a
Redemptor hominis, já tinha escrito: « Tornamo-nos participantes de tal
missão de Cristo profeta, e, em virtude desta mesma missão e juntamente com Ele,
servimos a verdade divina na Igreja. A responsabilidade por esta verdade implica
também amá-la e procurar obter a sua mais exata compreensão, a fim de a
tornarmos mais próxima de nós mesmos e dos outros, com toda a sua força
salvífica, com o seu esplendor, com a sua profundidade e simultaneamente a sua
simplicidade » [N. 19: AAS 71 (1979), 306].
(2) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 16.
(3) Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 25.
(4) N. 4: AAS 85 (1993), 1136.
(5) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre
a revelação divina Dei Verbum, 2.
(6) Cf. Const. dogm. sobre a fé católica
Dei Filius, III: DS 3008.
(7) Ibid., IV: DS 3015; citado
também em Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 59.
(8) Const. dogm. sobre a revelação divina
Dei Verbum, 2.
(9) João Paulo II, Carta ap. Tertio
millennio adveniente (10 de Novembro de 1994), 10: AAS 87 (1995), 11.
(10) N. 4.
(11) N. 8.
(12) N. 22.
(13) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 4.
(14) Ibid., 5.
(15) O Concílio Vaticano I, ao qual se
refere a sentença anteriormente citada, ensina que a obediência da fé exige o
empenhamento da inteligência e da vontade: « Dado que o homem depende totalmente
de Deus, enquanto seu Criador e Senhor, e a razão criada está submetida
completamente à verdade incriada, somos obrigados, quando Deus Se revela, a
prestar-Lhe, mediante a fé, a plena submissão da nossa inteligência e da nossa
vontade » [Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, III: DS
3008].
(16) Sequência, na Solenidade do
Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo.
(17) Pensées (ed. L. Brunschvicg),
789.
(18) Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre
a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
(19) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 2.
(20) Proémio e nn. 1 e 15: PL 158,
223-224.226.235.
(21 De vera religione, XXXIX, 72:
CCL 32, 234.
(22) « Ut te semper desiderando quærerent et
inveniendo quiescerent »: Missale Romanum.
(23) Aristóteles, Metafísica, I, 1.
(24) Confessiones, X, 23, 33: CCL
27,173.
(25) N. 34: AAS 85 (1993), 1161.
(26) Cf. João Paulo II, Carta ap.
Salvifici doloris (11 de Fevereiro de 1984), 9: AAS 76 (1984),
209-210.
(27) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a
relação da Igreja com as religiões não-cristãs Nostra ætate, 2.
(28) Desenvolvo, há muito tempo, esta
argumentação, tendo-a expresso em diversas ocasiões: « Quem é o homem, e para
que serve? E que bem ou que mal pode ele fazer? (Sr 18, 8) (...) Estas
perguntas estão no coração de cada homem, como bem demonstra o génio poético de
todos os tempos e de todos os povos, que, quase como profecia da humanidade,
repropõe continuamente a séria pergunta que torna o homem verdadeiramente
tal. Exprimem a urgência de encontrar um porquê da existência, de todos os seus
instantes, tanto das suas etapas salientes e decisivas como dos seus momentos
mais comuns. Em tais perguntas, é testemunhada a razão profunda da existência
humana, pois nelas a inteligência e a vontade do homem são solicitadas a
procurar livremente a solução capaz de oferecer um sentido pleno à vida. Estes
interrogativos, portanto, constituem a expressão mais elevada da natureza do
homem; por conseguinte, a resposta a eles mede a profundidade do seu empenho na
própria existência. Em particular, quando o porquê das coisas é procurado
a fundo em busca da resposta última e mais exauriente, então a razão humana
atinge o seu vértice e abre-se à religiosidade. De fato, a religiosidade
representa a expressão mais elevada da pessoa humana, porque é o ápice da sua
natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à verdade, e está na
base da busca livre e pessoal que ele faz do divino » [Alocução da Audiência
Geral de quarta-feira, 19 de Outubro de 1983, 1-2: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa, de 23 de Outubro de 1983), 12].
(29) « [Galileu] declarou explicitamente que
as duas verdades, de fé e de ciência, não podem nunca contradizer-se,
procedendo igualmente do Verbo divino a Escritura santa e a natureza, a
primeira como ditada pelo Espírito Santo, a segunda como executora fidelíssima
das ordens de Deus, segundo ele escreveu na sua carta ao Padre Benedetto
Castelli, a 21 de Dezembro de 1613. O Concílio Vaticano II não se exprime
diferentemente; retoma mesmo expressões semelhantes, quando ensina: A
investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a cabo (...)
segundo as normas morais, nunca será realmente
oposta à fé, já que as realidades profanas e
as da fé têm origem no mesmo Deus (Gaudium et spes, 36). Galileu
manifesta, na sua investigação científica, a presença do Criador que o estimula,
que Se antecipa às suas intuições e as ajuda, operando no mais profundo do seu
espírito » [João Paulo II, Discurso à Pontifícia Academia das Ciências, a 10 de
Novembro de 1979: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa, de 25 de Novembro
de 1979), 6].
(30) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 4.
(31) Orígenes, Contra Celso 3, 55:
SC 136, 130.
(32) Diálogo com Trifão, 8, 1: PG
6, 492.
(33) Stromata I, 18, 90,
1: SC 30, 115.
(34) Cf. ibid. I, 16,
80, 5: SC 30, 108.
(35) Cf. ibid. I, 5, 28,
1: SC 30, 65.
(36) Ibid., VI, 7, 55,
1-2: PG 9, 277.
(37) Ibid., I, 20, 100,
1: SC 30, 124.
(38) Santo Agostinho, Confessiones
VI, 5, 7: CCL 27, 77-78.
(39) Cf. ibid. VII, 9, 13-14: CCL
27, 101-102.
(40) « Quid ergo Athenis et Hierosolymis?
Quid academiæ et ecclesiæ? » [De præscriptione hereticorum, VII, 9: SC
46, 98].
(41) Cf. Congr. da Educação Católica, Instr.
sobre o estudo dos Padres da Igreja na formação sacerdotal (10 de Novembro de
1989), 25: AAS 82 (1990), 617-618.
(42) Santo Anselmo, Proslogion, 1:
PL 158, 226.
(43) Idem, Monologion, 64: PL
158, 210.
(44) Cf. S. Tomás de Aquino, Summa contra
gentiles, I, VII.
(45) « Cum enim gratia non tollat naturam,
sed perficiat » [Idem, Summa theologiæ, I, 1, 8 ad 2].
(46) Cf. João Paulo II, Discurso aos
participantes no IX Congresso Tomista Internacional (29 de Setembro de 1990):
L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 28 de Outubro de 1990), 9.
(47) Carta ap. Lumen Ecclesiæ (20 de
Novembro de 1974), 8: AAS 66 (1974), 680.
(48) « Præterea, hæc doctrina per studium
acquiritur. Sapientia autem per infusionem habetur, unde inter septem dona
Spiritus Sancti connumeratur » [Summa theologiæ, I, 1, 6].
(49) Ibid., II, II, 45,
1 ad 2; cf. também II, II, 45, 2.
(50) Ibid., I, II, 109, 1 ad 1, que
cita a conhecida frase do Ambrosiaster, In prima Cor 12,3: PL 17,
258.
(51) Leão XIII, Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4 de Agosto de 1879): ASS 11 (1878-1879), 109.
(52) Paulo VI, Carta ap. Lumen Ecclesiæ (20 de Novembro de 1974), 8: AAS 66 (1974), 683.
(53) Carta enc. Redemptor hominis (4
de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286.
(54) Cf. Pio XII, Carta enc. Humani
generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 566.
(55) Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Primeira const.
dogm. sobre a Igreja de Cristo Pastor TERNUS: DS 3070; Conc. Ecum.
Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 25c.
(56) Cf. Sínodo de Constantinopla, DS
403.
(57) Cf. Concílio de Toledo I, DS
205; Concílio de Braga I, DS 459-460; Sisto V, Bula Cœli et terræ
Creator (5 de Janeiro de 1586): Bullarium Romanum 44 (Roma, 1747),
176-179; Urbano VIII, Inscrutabilis iudiciorum (1 de Abril de 1631):
Bullarium Romanum 61 (Roma, 1758), 268-270.
(58) Cf. Conc. Ecum. de Viena, Decr.
Fidei catholicæ: DS 902; Conc. Ecum. Lateranense V, Bula Apostolici
regiminis: DS 1440.
(59) Cf. Theses a Ludovico Eugenio
Bautain iussu sui Episcopi subscriptæ (8 de Setembro de 1840): DS
2751-2756; Theses a Ludovico Eugenio Bautain ex mandato S. Congr. Episcoporum
et Religiosorum subscriptæ (26 de Abril de 1844): DS 2765-2769.
(60) Cf. S. Congr. Indicis, Decr. Theses
contra traditionalismum Augustini Bonnety (11 de Junho de 1855): DS
2811-2814.
(61) Cf. Pio IX, Breve Eximiam tuam (15 de Junho de 1857): DS 2828-2831; Breve Gravissimas inter (11
de Dezembro de 1862): DS 2850-2861.
(62) Cf. S. Congr. do Santo Ofício, Decr.
Errores ontologistarum (18 de Setembro de 1861): DS 2841-2847.
(63) Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm.
sobre a fé católica Dei Filius, II: DS 3004; e cân. 2-§1: DS
3026.
(64) Ibid., IV: DS 3015,
citado em Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 59.
(65) Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre
a fé católica Dei Filius, IV: DS 3017.
(66) Cf. Carta enc. Pascendi dominici
gregis (8 de Setembro de 1907): ASS 40 (1907), 596-597.
(67) Cf. Pio XI, Carta enc. Divini
Redemptoris (19 de Março de 1937): AAS 29 (1937), 65-106.
(68) Carta enc. Humani generis (12 de
Agosto de 1950): AAS 42 (1950), 562-563.
(69) Ibid.: o.c., 563-564.
(70) Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor
Bonus (28 de Junho de 1988) arts. 48-49: AAS 80 (1988), 873; Congr.
da Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 18: AAS 82 (1990), 1558.
(71) Cf. Instr. sobre alguns aspectos da «
teologia da libertação » Libertatis nuntius (6 de Agosto de 1984), VII-X:
AAS 76 (1984), 890-903.
(72) Com sua palavra clara e de grande
autoridade, o Concílio Vaticano I tinha já condenado este erro, ao afirmar, por
um lado, que, « relativamente à fé (...), a Igreja Católica preconiza que é uma
virtude sobrenatural pela qual, sob a inspiração divina e com a ajuda da graça,
acreditamos que são verdadeiras as coisas por Ele reveladas, não por causa da
verdade intrínseca das coisas percebida pela luz natural da razão, mas por causa
da autoridade do próprio Deus que as revela, o qual não pode enganar-Se nem
enganar » [Const. dogm. sobre a doutrina católica Dei Filius, III: DS
3008; e cân. 3-§ 2: DS 3032]. E, por outro lado, o Concílio declarava
que a razão nunca « chega a ser capaz de penetrar [tais mistérios], nem as
verdades que formam o seu objeto específico » [ibid., IV: DS
3016]. Daqui tirava a seguinte conclusão prática: « Os fiéis cristãos não só não
têm o direito de defender, como legítimas conclusões da ciência, as opiniões
reconhecidas contrárias à doutrina da fé, especialmente quando estão condenadas
pela Igreja, mas são estritamente obrigados a considerá-las como erros, que
apenas têm uma ilusória aparência de verdade » [ibid., IV: DS
3018].
(73) Cf. nn. 9-10.
(74) Const. dogm. sobre a revelação divina
Dei Verbum, 10.
(75) Ibid., 21.
(76) Cf. ibid., 10. (77) Cf. Carta enc.
Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS 42 (1950),
565-567.571-573.
(78) Cf. Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4
de Agosto de 1879): ASS 11 (1878-1879), 97-115.
(79) Ibid.: o.c.,
109.
(80) Cf. nn. 14-15.
(81) Cf. ibid., 20-21.
(82) Ibid., 22; cf. João Paulo II,
Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 8: AAS 71 (1979), 271-272.
(83) Decr. sobre a formação sacerdotal
Optatam totius, 15.
(84) Cf. João Paulo II, Const. ap.
Sapientia christiana (15 de Abril de 1979), arts. 79-80: AAS 71 (1979), 495-496; Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março
de 1992), 52: AAS 84 (1992), 750-751. Vejam-se também algumas reflexões
sobre a filosofia de S. Tomás: Discurso na Pontifícia Universidade de S. Tomás (17 de Novembro de 1979): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25 de
Novembro de 1979), 1; Discurso aos participantes no VIII Congresso Tomista
Internacional (13 de Setembro de 1980): L'Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 28 de Setembro de 1980), 4; Discurso aos participantes no
Congresso Internacional da Sociedade S. Tomás de Aquino sobre « A doutrina
tomista da alma » (4 de Janeiro de 1986): L'Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 12 de Janeiro de 1986), 9. E ainda: S. Congr. da Educação
Católica, Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis (6 de Janeiro de
1970), 70-75: AAS 62 (1970), 366-368; Decr. Sacra theologia (20 de
Janeiro de 1972): AAS 64 (1972), 583-586.
(85) Cf. Const. past. sobre a Igreja no
mundo contemporâneo Gaudium et spes, 57.62.
(86) Cf. ibid., 44.
(87) Cf. Bula Apostolici regimini
sollicitudo, Sessão VIII: Conc. Rcum. Decreta (1991), 605-606.
(88) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 10.
(89) S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ,
II-II, 5, 3 ad 2.
(90) « A busca das condições, nas quais o
homem faz por si próprio as primeiras perguntas fundamentais acerca do sentido
da vida, do fim que lhe deseja dar e daquilo que o espera depois da morte,
constitui para a Teologia Fundamental o preâmbulo necessário, para que, também
hoje, a fé possa mostrar plenamente o caminho a uma razão em busca sincera da
verdade » [João Paulo II, Carta aos participantes no Congresso Internacional de
Teologia Fundamental por ocasião do 125o aniversário da promulgação da Const.
dogm. « Dei Filius » (30 de Setembro de 1995), 4: L'Osservatore Romano, (ed. portuguesa de 7 de Outubro de 1995), 10].
(91) Ibid., 4: o.c.,
10. (92) Cf. Conc.
Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no
mundo contemporâneo Gaudium et spes, 15; Decr. sobre a actividade
missionária da Igreja Ad gentes, 22.
(93) S. Tomás de Aquino, De Cœlo 1,
22.
(94) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 53-59.
(95) S. Agostinho, De prædestinatione
Sanctorum 2, 5: PL 44, 963.
(96) Idem, De fide, spe et caritate,
7: CCL 64, 61.
(97) Cf. Conc. Ecum. de Calcedônia,
Symbolum, definitio: DS 302.
(98) Cf. João Paulo II, Carta enc.
Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 286-289.
(99) Veja-se, por exemplo, S. Tomás de
Aquino, Summa theologiæ, I, 16, 1; S. Boaventura, Coll. in Hex.,
3, 8, 1.
(100) Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 15.
(101) Cf. João Paulo II, Carta enc.
Veritatis splendor (6 de Agosto de 1993), 57-61: AAS 85 (1993),
1179-1182.
(102) Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm.
sobre a fé católica Dei Filius, IV: DS 3016.
(103) Cf. Conc. Ecum. Lateranense IV, De
errore abbatis Ioachim, II: DS 806.
(104) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 24; Decr. sobre a formação
sacerdotal Optatam totius, 16.
(105) Cf. João Paulo II, Carta enc.
Evangelium vitæ (25 de Março de 1995), 69: AAS 87 (1995), 481.
(106) Neste mesmo sentido, escrevi na minha
primeira encíclica, comentando a frase « conhecereis a verdade, e a verdade
tornar-vos-á livres » do Evangelho de S. João (8, 32): « Estas palavras encerram
em si uma exigência fundamental e, ao mesmo tempo, uma advertência: a exigência
de uma relação honesta para com a verdade, como condição de uma autêntica
liberdade; e a advertência, ademais, para que seja evitada qualquer verdade
aparente, toda a liberdade superficial e unilateral, toda a liberdade que não
compreenda cabalmente a verdade sobre o homem e sobre o mundo. Ainda hoje,
depois de dois mil anos, Cristo continua a aparecer-nos como Aquele que traz ao
homem a liberdade baseada na verdade, como Aquele que liberta o homem daquilo
que limita, diminui e como que despedaça pelas próprias raízes essa liberdade,
na alma do homem, no seu coração e na sua consciência » [Carta enc. Redemptor
hominis (4 de Março de 1979), 12: AAS 71 (1979), 280-281].
(107) Discurso de abertura do Concílio (11
de Outubro de 1962): AAS 54 (1962), 792.
(108) Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre
a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 7-8:
AAS 82 (1990), 1552-1553.
(109) Escrevi na encíclica Dominum et
vivificantem, comentando Jo 16, 12-13: « Jesus apresenta o
Consolador, o Espírito da Verdade, como Aquele que ensinará e recordará, como
Aquele que dará testemunho d'Ele; agora diz: Ele vos guiará para a verdade
total. Este guiar para a verdade total, em relação com aquilo que os
Apóstolos por agora não estão em condições de compreender, está necessariamente
em ligação com o despojamento de Cristo, por meio da sua paixão e morte de cruz,
que então, quando Ele pronunciava estas palavras, já estava iminente. Mas, em
seguida, torna-se bem claro que aquele guiar para a verdade total tem a ver
não apenas com o scandalum crucis, mas também com tudo o que Cristo fez
e ensinou (Act 1, 1). Com efeito, o mysterium Christi na sua
globalidade exige a fé, porquanto é ela que introduz o homem oportunamente na
realidade do mistério revelado. O guiar para a verdade total realiza-se, pois,
na fé e mediante a fé: é obra do Espírito da verdade e é fruto da sua ação no
homem. O Espírito Santo deve ser em tudo isso o guia supremo do homem, a luz do
espírito humano » [n. 6: AAS 78 (1986), 815-816].
(110) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 13.
(111) Cf. Pontifícia Comissão Bíblica,
Instr. sobre a verdade histórica dos Evangelhos (21 de Abril de 1964): AAS
56 (1964), 713.
(112) « É claro que a Igreja não pode estar
ligada a qualquer sistema filosófico efémero; aquelas noções e termos que,
segundo o consenso geral, foram compostos ao longo de vários séculos pelos
doutores católicos para se chegar a um certo conhecimento e compreensão do
dogma, sem dúvida que não se apoiam sobre fundamento tão caduco. Apoiam-se, ao
contrário, em princípios e noções ditadas por um verdadeiro conhecimento da
criação; e, para deduzirem estes conhecimentos, a verdade revelada, como se
fosse uma estrela, iluminou a mente humana por meio da Igreja. Por isso, não há
de que maravilhar-se se alguma destas noções acabou não apenas por ser usada em
Concílios Ecuménicos, mas foi aí de tal modo ratificada que não é lícito
abandoná-la » [Carta enc. Humani generis (12 de Agosto de 1950): AAS
42 (1950), 566-567; cf. Comissão Teológica Internacional, Doc.
Interpretationis problema (Outubro de 1989): Enchiridion Vaticanum,
XI, nn. 2717-2811].
(113) « Quanto ao próprio significado das
fórmulas dogmáticas, este permanece, na Igreja, sempre verdadeiro e coerente,
mesmo quando se torna mais claro e melhor compreendido. Por isso, os fiéis devem
rejeitar a opinião segundo a qual as fórmulas dogmáticas (ou uma parte delas)
não podem manifestar exactamente a verdade, mas apenas aproximações variáveis
que, de certa forma, não passam de deformações e alterações da mesma » [S.
Congr. da Doutrina da Fé, Decl. sobre a defesa da doutrina católica acerca da
Igreja Mysterium Ecclesiæ (24 de Junho de 1973), 5: AAS 65 (1973),
403]. (114) Cf. Congr. S. Officii,
Decr. Lamentabili
(3 de Julho de 1907), 26: ASS 40 (1907),
473.
(115) Cf. João Paulo II, Discurso na
Pontifícia Universidade de S. Tomás (17 de Novembro de 1979), 6:
L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25 de Novembro de 1979), 8.
(116) N. 32: AAS 85 (1993),
1159-1160.
(117) Cf. João Paulo II, Exort. ap.
Catechesi tradendæ (16 de Outubro de 1979), 30: AAS 71 (1979,
1302-1303; Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a vocação eclesial do teólogo
Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 7: AAS 82 (1990), 1552-1553.
(118) Cf. João Paulo II, Exort. ap.
Catechesi tradendæ (16 de Outubro de 1979), 30: AAS 71 (1979),
1302-1303.
(119) Cf. ibid., 22:
o.c., 1295-1296.
(120) Cf. ibid., 7:
o.c., 1282.
(121) Cf. ibid., 59:
o.c., 1325. (122) Conc.
Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica
Dei Filius, IV: DS 3019.
(123) « Ninguém pode tratar a teologia como
se fosse uma simples colectânea dos próprios conceitos pessoais; mas cada um
deve ter a consciência de permanecer em íntima união com aquela missão de
ensinar a verdade, de que é responsável a Igreja » [João Paulo II, Carta enc.
Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 19: AAS 71 (1979), 308].
(124) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a
liberdade religiosa Dignitatis humanæ, 1-3.
(125) Cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi
(8 de Dezembro de 1975), 20: AAS 68 (1976), 18-19.
(126) Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 92.
(127) Cf. ibid., 10.
(128) Prólogo, 4: Opera omnia, t. V
(Florença 1891), 296.
(129) Cf. Decr. sobre a formação sacerdotal
Optatam totius, 15.
(130) Cf. João Paulo II, Const. ap.
Sapientia christiana (15 de Abril de 1979), arts. 67-68: AAS 71
(1979), 491-492.
(131) João Paulo II, Discurso na
Universidade de Cracóvia, por ocasião dos 600 anos da Alma Mater Jaghelônica (8
de Junho de 1997), 4: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 21 de Junho
de 1997), 6.
(132) « 'e noerà tes pìsteos tràpeza »
[Pseudo-Epifânio, Homilia em louvor de Santa Maria Mãe de Deus: PG
43, 493] .
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).