"Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor!"(Jr 48,10).
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Exsurge Domine
Bula
EXSURGE DOMINE
do Sumo Pontífice Leão X,
sobre os erros de Martinho Lutero
15.06.1520
(Tradução: José Fernandes Vidal)
Erguei-vos, Senhor, e julgai vossa própria causa. Lembrai-vos de
vossas censuras àqueles que estão o dia todo cheios de insensatez. Ouvi nossas
preces, pois raposas avançam procurando destruir a vinha em cujo lagar só Vós
tendes pisado. Quando estáveis perto de subir a vosso Pai, entregastes o
cuidado, norma e administração da vinha, uma imagem da igreja triunfante, a
Pedro, como cabeça e vosso vigário e a seus sucessores.
O javali da floresta procura destruí-la e toda fera selvagem vem
devastá-la.
Erguei-vos, Pedro, e realizai o serviço pastoral divinamente
confiado a Vós, como já dito. Prestai atenção à causa da santa Igreja Romana,
mãe de todas as igrejas e mestra da fé, que Vós por ordem de Deus santificastes
com vosso sangue. Bem que avisastes que viriam falsos mestres contra a Igreja
Romana, para introduzir seitas ruinosas, atraindo sobre eles rápidas
condenações. Suas línguas são de fogo, mal incansável, cheias de mortal veneno.
Eles possuem zelo amargo, discórdia em seus corações,
vangloriam-se e mentem contra a verdade.
Suplicamos a vós também, Paulo, para erguer-vos. Fostes vós que
esclarecestes e iluminastes a Igreja com vossa doutrina e com vosso martírio,
como o de Pedro, Agora, um novo Porfírio se levanta que, como o outro do
passado, cheio de erros assediou os santos apóstolos, e agora ataca os santos
pontífices, nossos predecessores. Ele os reprova por violação a vosso
ensinamento, em vez de implorá-los, e não tem pudor de atacá-los, de
lamentá-los, e quando se desespera de sua causa, de rebaixar-se aos insultos.
Ele é como os hereges cuja última defesa ,como disse Jerônimo,é pôr-se a
vomitar veneno de serpente com sua língua, quando vêem que suas causas estão
para ser condenadas, e explodem em insultos quando se vêem vencidos. Embora
tenhais dito que deveria haver heresias para testar a fé, ainda assim eles devem
ser destruídos no próprio berço por vossa intercessão e ajuda, e, assim, não
crescerão nem se tornarão fortes como vossos lobos.
Finalmente, que se levante toda a Igreja dos santos e a Igreja
universal. Alguns, pondo de lado a verdadeira interpretação da Sagrada
Escritura, estão ensandecidos pelo pai das mentiras. Sábios a seus próprios
olhos, de conformidade com a antiga prática dos heréticos, interpretam essas
mesmas Escrituras de modo diferente do inspirado pelo Espírito Santo, mas antes
inspirados somente por seu próprio sentido de ambição, em consideração ao
aplauso popular, como diz o Apóstolo. Realmente, torcem e adulteram as
Escrituras. Conseqüentemente, de acordo com Jerônimo, Não persiste mais o
Evangelho de Cristo , mas um do homem, ou o que é pior, do demônio.
Que toda a santa Igreja de Deus, eu clamo, se levante, e com os
santos apóstolos interceda perante o Deus Todo-Poderoso para extirpar os erros
de sua ovelha, para banir todas as heresias dos campos da fé, e para que seja de
seu agrado manter a paz e a unidade de sua santa Igreja.
Custa-nos expressar, em nossa tristeza e aflição, o que chegou
aos nossos ouvidos, desde há algum tempo, através de notícias de homens de
confiança e do rumor geral. Ai de nós, vimos ainda com nossos olhos e lemos os
muitos e diversos erros. Alguns deles já foram condenados por concílios e
constituições de nossos predecessores, e formalmente contêm até a heresia dos
Gregos e Boêmios. Outros erros são ou heréticos, falsos, escandalosos, ou
ofensivos ao ouvidos piedosos, assim como sedutores das mentes simples,
originando-se de falsos intérpretes da fé que em sua orgulhosa curiosidade
almejam a glória do mundo, e contrários ao ensinamento dos Apóstolos, desejam
ser mais sábios do que poderiam ser. A loquacidade deles, não amparada pela
autoridade das Escrituras, como disse Jerônimo, não ganharia confiança se não
fizessem sua perversa doutrina parecer baseada até mesmo em testemunhos divinos,
embora mal interpretados. No ponto de vista deles, o temor de Deus é coisa do
passado.
Esses erros, por inspiração humana, tinham sido revividos e
recentemente propagados entre os mais frívolos e ilustres da nação Germânica.
Nós nos afligimos mais ainda que isso tenha acontecido ali porque nós e nossos
predecessores sempre colocamos essa nação no mais alto de nossa afeição.
Depois que o império foi transferido pela Igreja Romana dos
Gregos para esses germânicos , nossos predecessores e nós sempre escolhemos
dentre eles advogados e defensores da Igreja. Realmente, é certo que esses
germânicos , verdadeiros irmãos na fé católica , foram sempre encarniçados
adversários das heresias, como testemunham aquelas louváveis constituições dos
imperadores germânicos, em defesa da independência da Igreja, da liberdade, da
expulsão e extinção de todos os hereges da Alemanha. Aquelas constituições
formalmente emitidas e depois confirmadas por nossos predecessores, foram
escritas sob as maiores penalidades, até mesmo perda de terras e soberania dos
que os abrigasse ou não os expulsasse. Se elas fossem observadas hoje, nós e
eles estaríamos obviamente livres deste distúrbio. Prova disto é a condenação e
punição no Concílio de Constança da infidelidade dos Hussitas e Wyclifistas,
assim como de Jerônimo de Praga.
Prova disto é o sangue dos Germânicos derramado tantas vezes em
guerras contra os Boêmios. Uma prova final é a refutação, rejeição e condenação
não menos instrutivas do que verdadeiras e santas, dos erros acima, ou de muitos
deles, pelas universidades de Colônia e Louvaina, as cultivadoras mais devotadas
e religiosas dos campos do Senhor. Poderíamos citar muitos outros fatos que
decidimos omitir a fim de que não pareça estarmos compondo uma História.
Em virtude de nosso trabalho pastoral a nós comunicado por divino
favor , não podemos sob nenhuma circunstância tolerar ou subestimar por mais
tempo o veneno pernicioso dos erros acima sem prejuízo à religião cristã e dano
à fé ortodoxa. Decidimos incluir no presente documento alguns desses erros. A
substância deles é como se segue:
1.
É uma opinião herética, embora comum, que os
sacramentos da nova Lei dão a graça do perdão àqueles que não lhes põem um
obstáculo.
2.
É tratar com desprezo tanto Paulo como Cristo
dizer que não permanece o pecado numa criança após o batismo.
3.
As inflamáveis fontes do pecado, mesmo que seja
pecado não atual, retarda a partida da alma do corpo para o céu.
4.
Para alguém à hora da morte, a contrição
imperfeita necessariamente lhe traz grande medo, o qual por si só é bastante
para causar a punição do purgatório, e impedir a entrada no Reino.
5.
Não está fundamentado na Sagrada Escritura nem
nos antigos e sagrados doutores cristãos que haja três partes na penitência:
contrição, confissão e satisfação.
6.
Contrição que se adquire através de discussão,
coleta e abominação dos pecados, pelos quais alguém reflete sobre seus anos na
amargura de sua alma, ponderando na gravidade dos pecados, seu número, sua
baixeza, a perda da felicidade eterna e a pena da condenação eterna, essa
contrição torna-o um hipócrita, ou mais, de fato, um pecador.
7.
Há um dito altamente verdadeiro, e a doutrina
concernente às contrições desse modo são muito mais dignas de atenção:Não agir
assim no futuro é a maior penitência ; a melhor penitência, uma nova vida.
8.
De modo algum alguém presuma de confessar
pecados veniais, ou mesmo todos os pecados mortais, porque é impossível que
saiba todos os pecados mortais. Daí, na Igreja primitiva somente os pecados
mortais óbvios eram confessados.
9.
Enquanto quisermos confessar todos os pecados
sem exceção, estaremos fazendo nada mais do que desejar nada deixar para perdão
pela misericórdia de Deus.
10.
Os pecados não serão perdoados a ninguém a não
ser que o padre os perdoe e a pessoa acredite que estão perdoados; do contrário
o pecado permanecerá, salvo se a pessoa acredita que eles foram perdoados; na
verdade a remissão do pecado e a concessão da graça não é suficiente, mas é
necessário também acreditar que eles foram perdoados.
11.
De modo algum pode alguém ter segurança de ter
sido absolvido por causa de sua contrição, mas por causa da palavra de
Cristo:Tudo o que desatardes, etc. Daí eu digo, acredite confiantemente, se
você obteve a absolvição do padre, acredite firmemente de ter sido absolvido e
você será verdadeiramente absolvido, seja qual tenha sido a contrição.
12.
Se numa impossibilidade aquele que confessa não
esteve contrito ou o padre não absolveu seriamente, mas como de brincadeira, se
não obstante a pessoa acredita que foi absolvida, ela verdadeiramente foi
absolvida.
13.
No sacramento da penitência e da remissão do
pecado o papa ou o bispo não faz mais do que o mais humilde padre; de fato, onde
não há padre, qualquer cristão, mesmo uma mulher ou criança, pode igualmente
fazê-lo.
14.
Ninguém deve responder ao padre que está
contrito, nem o padre poderia perguntá-lo.
15.
Grande é o erro daqueles que se aproximam do
sacramento da Eucaristia confiados em que se confessou, que não estão cônscios
de nenhum pecado mortal, que antecipadamente fizeram suas preces e sua
preparação; todos eles comem e bebem seu próprio julgamento. Mas se acreditam e
confiam que obterão a graça , então esta fé sozinha torna-os puros e dignos.
16.
Parece que a Igreja num Concílio comum
estabeleceu que o leigo pode comungar sob ambas as espécies; os Boêmios que
comungam sob ambas as espécies não são hereges, mas são cismáticos.
17.
Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede
indulgências não são os méritos de Cristo e dos santos.
18.
Indulgências são fraudes piedosas dos fiéis, e
indultos de boas obras; e elas estão no número daquelas coisas que devem ser
evitadas, e não no número daquelas que são vantajosas.
19.
Indulgências não são proveitosas para aqueles
que realmente as ganham, para a remissão da pena devida ao pecado atual, sob o
ponto de vista da justiça divina.
20.
São seduzidos aqueles que acreditam que
indulgências são salutares e úteis aos frutos do espírito.
21.
As indulgências são necessárias somente para
crimes públicos, e são concedidas apropriadamente somente para os rigorosos e
impacientes.
22.
As indulgências não são necessárias nem úteis
para seis espécies de homens, a saber: para os mortos e aqueles à morte, para os
enfermos, para aqueles legitimamente impedidos, para aqueles que não cometeram
crimes, para aqueles que cometeram crimes, mas não públicos, e para aqueles que
se devotam a coisas melhores.
23.
Excomunhões são apenas penas externas e não
privam o homem das orações espirituais comuns da Igreja.
24.
Os cristãos devem ser ensinados a apreciar as
excomunhões preferentemente a temê-las.
25.
O Pontífice Romano, o sucessor de Pedro, não é o
vigário de Cristo para todas as igrejas de todo o mundo, instituído pelo próprio
Cristo na pessoa do abençoado Pedro.
26.
A palavra de Cristo a Pedro: Tudo o que
desatardes na terra, etc, se estende somente àquelas coisas atadas pelo próprio
Pedro.
27.
É certo que não está sob o poder da Igreja ou do
papa decidir sobre os artigos de fé, e muito menos sobre o que concerne às leis
da moral e das boas obras.
28.
Se o papa com uma grande parte da Igreja pensou
de tal ou tal modo, ele não poderia errar; ainda assim não é pecado ou heresia
pensar o contrário, especialmente sobre matéria não necessária à salvação, até
que uma alternativa seja condenada e a outra aprovada por um Concílio geral.
29.
Um meio foi dado a nós para enfraquecer a
autoridade de concílios, para contradizer seus atos livremente, julgar seus
decretos e corajosamente confessar tudo o que pareça verdade, seja o que for que
tenha sido aprovado ou desaprovado por qualquer concílio.
30.
Algumas proposições de John Hus, condenadas pelo
Concílio de Constança, são perfeitamente cristãs, totalmente verdadeiras e
evangélicas; essas, a Igreja Universal não poderia condená-las.
31.
Em toda boa obra o justo peca.
32.
Uma boa obra muito bem feita é um pecado venial.
33.
É contra o desejo do Espírito Santo que
heréticos sejam queimados.
34.
Ir guerrear contra os Turcos é resistir a Deus
que pune nossas iniquidade através deles.
35. Ninguém está certo de que não esteja sempre
pecando mortalmente, por causa do vício profundamente oculto do orgulho.
36.
Livre arbítrio após o pecado é uma questão
somente de palavra; e no que alguém faz enquanto está nele, peca mortalmente.
37.
O purgatório não pode ser provado pela Sagrada
Escritura que está no Cânon.
38.
As almas do purgatório não estão certas de sua
salvação, ao menos não totalmente. Nem está provado por nenhum argumento nem
pelas Escrituras que elas estejam além do estado de obter méritos ou crescer no
amor.
39.
As almas do purgatório pecam sem cessar, na
medida que procuram descansar e detestam a punição.
40.
As almas libertas do purgatório pelos sufrágios
dos vivos são menos felizes do que se elas prestassem satisfação por elas mesmo.
41.
Prelados eclesiásticos e príncipes seculares não
agiriam mal se destruíssem todas as bolsas de dinheiro da mendicância.
Ninguém de mente sã é ignorante ou destruidor, pernicioso,
escandaloso e sedutor das mentes fiéis e simples, como são esses vários erros,
contrários como são eles a toda caridade e reverência para com a santa Igreja
Romana que é a mãe de todos os fiéis e mestra da fé, destruidores como são eles
do vigor da disciplina eclesiástica, particularmente da obediência. Essa virtude
é a fonte e origem de todas as virtudes e sem ela qualquer um é prontamente
levado a ser infiel.
Eis porque nós, na enumeração supra, importante como é, desejamos
proceder com grande cuidado como é adequado, e cortar o avanço dessa praga e
doença cancerosa, de modo que não se espalhe mais além no campo do Senhor como
um nocivo espinheiro. Levantamos, portanto, uma inquirição cuidadosa,
escrutínios, discussão, exame severo, e deliberação amadurecida com cada um dos
irmãos, os eminentes cardeais da santa Igreja Romana, bem como com os priores e
mestres gerais das ordens religiosas, ao lado de outros profissionais e mestres
peritos na sagrada teologia, no direito civil e canônico. Concluímos que esses
erros ou essas pessoas não são católicas, como dito acima, e não devem ser
considerados como tais.
Mas, antes, são contra à doutrina e à tradição da Igreja
Católica, e contra a verdadeira interpretação das sagradas Escrituras recebida
da Igreja. Agostinho afirmava que a autoridade desta tinha de ser aceita tão
fielmente que confirmou não teria acreditado no Evangelho sem a autoridade da
Igreja Católica que tinha se responsabilizado por ela. Por conseguinte, de
acordo com esses erros, ou algum deles ou vários deles, claramente se segue que
a Igreja que é guiada pelo Espírito Santo estaria em erro e sempre esteve
errada. Isso é contra o que Cristo por ocasião de sua Ascensão prometeu a seus
discípulos (como se lê no santo Evangelho de Mateus): Estarei convosco até a
consumação do mundo ; está contra as determinações dos santos Padres, ou
determinações e leis dos concílios e do supremo Pontífice. O mal de não
concordar com essas leis, conforme o testemunho de Cipriano, poderá ser
combustível e causa de toda heresia e cisma.
Com o conselho e consenso desses nosso veneráveis irmãos, com
deliberação amadurecida sobre cada uma das proposições supra, e pela autoridade
do Deus Todo-Poderoso, dos santos apóstolos Pedro e Paulo, e de nossa própria
autoridade, nós condenamos, reprovamos, e rejeitamos completamente cada uma
dessas teses ou erros como heréticos, escandalosos, falsos, ofensivos aos
ouvidos piedosos ou sedutores das mentes simples, e contra a verdade católica.
Listando-os, nós decretamos e declaramos que todos os fiéis de ambos os sexos
devem considerá-los como condenados, reprovados e rejeitados... Nós os proibimos
a todos em nome da santa obediência e sob as penas de uma automática
excomunhão...
Ainda mais, por causa dos precedentes erros e de muitos outros
contidos nos livros ou escritos e sermões de Martinho Lutero, nós do mesmo modo
condenamos, reprovamos e rejeitamos completamente os livros e todos os escritos
e sermões do citado Martinho, seja em Latim seja em qualquer outra língua , que
contenham os referidos erros ou qualquer um deles ; e desejamos que sejam
considerados totalmente condenados, reprovados e rejeitados.
Proibimos a todos e a qualquer um dos fiéis de ambos os sexos, em
nome da santa obediência e sob as penas acima em que incorrerão automaticamente,
de ler, sustentar, pregar, louvar, imprimir, publicar ou defendê-los. Incorrerão
nessas penas se ousarem apoiá-las de qualquer maneira, pessoalmente ou através
de quem quer que seja, direta ou indiretamente, tácita ou explicitamente,
pública ou ocultamente, seja em suas casas ou em outros lugares públicos ou
privados. Na verdade, imediatamente após a publicação desta carta, essas obras
devem ser procuradas aonde possam se encontrar, cuidadosamente, pelos ordinários
e outros (eclesiásticos e regulares), e sob todas e cada uma das penas acima
deverão ser queimadas publica e solenemente na presença dos clérigos e do povo.
No quanto se refere ao próprio Martinho, ó bom Deus, de que nos
descuidamos ou o que deixamos de fazer? Que caridade paternal omitimos para que
pudéssemos fazê-lo retroceder de tais erros? Nós até lhe oferecemos salvo
conduto e o dinheiro necessário para sua viagem, apressando-o a vir sem medo ou
desconfiança de qualquer espécie, que seria refutado com total caridade, e
falaria não secretamente mas abertamente e face à face, segundo o exemplo de
nosso Salvador e do apóstolo Paulo. Se ele tivesse feito isso, estamos certos de
que ele poderia ter mudado seu coração e poderia ter reconhecido seus erros. Ele
reconsideraria ter encontrado todos esses erros na Cúria Romana que atacou tão
erradamente, atribuindo-lhes mais do que poderia, porque derivados de boatos
vazios de homens perversos . Poderíamos ter-lhe mostrado mais claramente do que
à luz do dia que os pontífices Romanos , nossos predecessores, aos quais
injuriosamente atacou passando além de toda decência, nunca erraram em suas leis
ou constituições, as quais ele tentou censurar. Porque, de acordo com o profeta,
nem falta óleo salutar nem o médico em Galaad.
Mas ele sempre recusou a ouvir-nos e, desprezando a citação
prévia e cada uma e todas as aberturas, não se dignou a vir a nós. Até agora ele
tem sido contumaz. Com um espírito difícil, continuou sob censura mais de um
ano. O que é pior, acrescentando mal a mal, e tomando conhecimento da citação,
rompeu em insensato apelo a um concílio futuro. Isso seguramente seria contrário
à constituição de Pio II e Júlio II, nossos predecessores, na qual todos os que
apelassem nesse sentido deveriam ser punidos com as penas de heréticos. Em vão
implorou pela ajuda de um concílio, já que abertamente admite que não acredita
em concílio.
Portanto, sem nenhuma nova citação ou demora, nós procedemos
contra ele com sua condenação e execração, como contra alguém cuja fé é
notoriamente suspeita e de fato seguramente herética, com toda a severidade de
cada uma e todas as penas e censuras antes mencionadas. Contudo, com o conselho
de nossos irmãos, imitando a misericórdia do Deus Todo-Poderoso que não quer a
morte do pecador mas antes que ele se converta e viva, e esquecendo todas as
injúrias feitas a nós e à Sé Apostólica, decidimos usar de toda a compaixão de
que somos capazes. Ë nossa esperança, tanta quanto podemos ter, que ele passe
por uma mudança interior tomando o caminho da brandura que lhe propusemos, volte
e se afaste de seus erros. Nós o receberemos bondosamente como ao filho pródigo
retornando ao abraço da Igreja.
Portanto, o próprio Martinho e todos aqueles que aderiram a ele,
e aqueles que o abrigam e o apóiam, pelo coração cheio de misericórdia de nosso
Deus e a aspersão do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo pela qual e através de
quem foi realizada a redenção do gênero humano e a edificação da santa madre
Igreja, fique sabendo que de coração exortamos e suplicamos que pare de
conturbar a paz, unidade e verdade da Igreja pela qual o Salvador rezou tão
insistentemente ao Pai. Que ele se afaste de seus erros perniciosos, que possa
voltar para nós. Se eles querem realmente obedecer, e nos pôr cientes por
documentos legais que obedeceram, encontrarão em nós a afeição do amor de um
pai, o acesso à fonte dos efeitos da caridade paternal e acesso à fonte da
misericórdia e da clemência.
Nós ordenamos, contudo, a Martinho que enquanto isso não ocorrer,
pare com toda pregação ou com o oficio de pregador...
Observações do
Tradutor:
Para os que não
estão familiarizados com o Problema Lutero e suas teses, faço aqui alguns
apontamentos que poderão explicar a seqüência de suas posições que culminaram
nos 41 erros apontados pela Bula Exsurge Domine. Como se trata de um resumo
muito sucinto, não são citados os fatores políticos, os abusos existentes, a
aversão germânica à Cúria Romana, bem como outros fatores importantes no triste
episódio do Protestantismo.
Por ocasião de
sua ordenação sacerdotal, em 1507, Lutero já era uma alma torturada, e até
apresentava sérias perturbações psíquicas. Lutava contra as suas tentações com
um temor desmensurado da justiça de Deus. A confissão não o tranqüilizava. No
decorrer do tempo e dessa luta, saltou para o lado contrário: O justo vive
da fé; a conseqüência desse conceito - segundo ele - é que a justiça de
Deus é a concessão da graça imerecida ao pecador, dispensando as boas obras com
as quais os homens julgam obter merecimentos para salvar a alma. A
concupiscência, que permanece também depois do batismo, é pecado pura e
simplesmente. Só pela fé, precisamente apenas pela fé sem as obras, é que o
pecador se une a Cristo. Permanece pecador, não obstante sua justificação. Daí
Lutero chega à negação do livre arbítrio, pois se o homem pudesse decidir-se por
si mesmo seria seu próprio salvador e não precisaria de Cristo. Por
conseqüência, as obras humanas por boas que pareçam, sempre são pecados mortais.
Por essa época
ele toma conhecimento das indulgências que o Papa estava concedendo aos vivos e
a favor das almas do purgatório. Torna-se logo contrário às indulgências e
começa a pregar contra elas. Ele que lutava, com dificuldades, contra o pecado,
com medo do inferno, não podia suportar essa concessão aberta a todos de graças
de expiação.
Em 1517,
redigiu 95 teses e as afixou, como edital, nas portas das igrejas, em
Wurtenberg. Não só eram contra as indulgências, mas contra o papa que as dava.
Afirmava que o papa não tinha jurisdição sobre os mortos. Afirmava que ninguém
tem necessidade de indulgências porque todo cristão pode, com verdadeiro
arrependimento, alcançar a plena remissão de culpa e pecado. O cristão deve
esperar o céu mais pelas provações sofridas, do que por calma segurança. Por que
então deixar o povo sem medo e incutir-lhe segurança com essas falsas promessas
de perdão? Foi então que Lutero passou a ser divulgado e a criar polêmicas. Na
ocasião, ele contou com o apoio de príncipes alemães e a corrente aversão, na
época, dos alemães à cúria romana.
Até então, o
papa não interviera no assunto. Foi a Cúria Romana que abriu processo contra
ele. Em 1518, realizou-se um interrogatório a Lutero, em Augsburgo, Alemanha,
conduzido pelo núncio apostólico Caetano, sem qualquer resultado. O Cardeal
apresentou as duas questões principais em jogo - a natureza da indulgência e a
eficácia dos Sacramentos, querendo obter de Lutero o reconhecimento do tesouro
da Igreja, dos méritos de Cristo, de onde o papa podia conceder indulgências, e
retratação de sua afirmação de que só a fé confere virtude aos sacramentos.
Lutero recusou ambas as coisas. Foi então que apelou, com receio de ser preso,
para um Concílio Ecumênico.
Em 1519 foi
convocada uma discussão em Lípsia. Ali, Lutero rejeitou o primado papal, dando-o
como disposição dos homens, defendeu o herege Hus condenado no Concílio de
Constança e, em conseqüência, fez a declaração de que os Concílios Ecumênicos
também podiam errar e, peremptoriamente, enunciou o princípio de que só pode
valer como verdade religiosa o que pode ser demonstrado pela Bíblia. Era o
princípio formal do protestantismo - a doutrina da sola scriptura, só a
Bíblia.
A partir dessa
ocasião a luta continuou não mais em forma acadêmica, restrita aos entendidos,
mas degenerou em luta popular, grosseira, de baixo calão, com graciosas injúrias
ao papa e à Igreja Romana. Lutero passou a instigar seus seguidores. A luta já
não girava em torno de uma teoria, mas em torno do Papa e de toda Igreja
tradicional. Em seus escritos, muitos, agora escritos em alemão de modo a que o
povo pudesse tomar parte, afirmava que todos os cristãos fazem parte,
verdadeiramente, do estado eclesiástico, e não há discriminação entre eles, a
não ser por causa do ministério. Levantava-se contra a doutrina dos sacramentos,
da transubstanciação, do caráter sacrifical da santa Missa.
Afinal, quando
recebeu a Bula Exsurge Domine, Lutero considerou o Papa o anticristo e, em 10
de dezembro de 1520, jogou-a ao fogo, publicamente, em Wurtenberg.
Estes
apontamentos talvez lancem mais luz sobre a origem e propósito da Bula e,
principalmente, sobre o conteúdo dos 41 tópicos de erros enumerados por Leão X.
Para estes
apontamentos foi utilizado o volume Reforma e Contra-Reforma, da Nova História
da Igreja, do prof. Dr. Germano Tochle - Editora Vozes Ltda - Petrópolis - 1971.
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, ao sabor das paixões, amontoa- rão para si mestres, conforme suas próprias concupiscências e des- viarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".(2Tm 4,3-4).